Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DESCONFORTO RESPIRATÓRIO NO PREMATURO As doenças respiratórias são as principais responsáveis pela morbimortalidade neonatal, sendo a principal causa de internamento desta faixa etária. Porém, graças aos avanços nas tecnologias de suporte ventilatório, bem como novas abordagens diagnósticas e terapêuticas têm sido fundamentais para o incremento na sobrevida dos recém-nascidos (RN) prematuro e com muito baixo peso. No período fetal as trocas gasosas intraútero são mediadas exclusivamente pela difusão placentária, uma vez que os pulmões ainda não são funcionais e possuem elevada resistência vascular (o que faz com que pouco sangue chegue aos mesmos), é na placenta que as trocas gasosas são feitas e para onde todo o sangue volta para ser reoxigenado de modo que esta possui baixa resistência vascular. Após o nascimento, com a saída da placenta e elevação da resistência vascular sistêmica ocorre a redução da resistência vascular pulmonar em decorrência da insuflação e oxigenação pulmonar, assim como pela dilatação dos vasos pulmonares. Além disso, com o fechamento do forame oval e do canal arterial a circulação pulmonar é facilitada. Com isso, ao nascer, o pulmão do RN precisa deixar de ser um órgão repleto de líquido e com pouco fluxo sanguíneo, para ser um órgão arejado, com fluxo sanguíneo e capaz de realizar uma respiração diferente da anterior, pois neste caso trata se de uma troca de gás com o meio ambiente, ou seja, respiração pulmonar. A adaptação imediata à vida extrauterina depende essencialmente de uma função cardiopulmonar adequada, de modo que sinais e sintomas de desconforto respiratório são manifestações clínicas importantes e comuns ao nascimento. Com isso, o desconforto pode representar desde uma situação benigna como um atraso na adaptação cardiorrespiratória até um sinal de uma infecção grave e letal. A maioria das doenças que causam esses sinais e sintomas respiratórios acontecem nas primeiras horas de vida e costumam ter apresentações inespecíficas, por este motivo, é importante atentar-se para a coleta de uma boa anamnese materna e do parto para então associar com os sintomas clínicos do RN e até mesmo exames de imagem que auxiliem na elucidação diagnóstica. Os sinais e sintomas mais comuns são: PADRÃO RESPIRATÓRIO - Taquipneia: Frequência respiratória > 60mpm. - Apneia e respiração periódica: A apneia é a pausa respiratória > 20 segundos ou 10-15 segundos se acompanhada de cianose/ bradicardia/queda da SatO2. A respiração periódica, diferente da apneia, são movimentos respiratórios de duração de 10-15 segundos intercalados por pausas de 5-10 segundos sem repercussões cardiovasculares. TRABALHO RESPIRATÓRIO: - Batimento de asas nasais: RN apresenta respiração exclusivamente nasal, fazendo o fechamento e abertura das narinas. - Gemido expiratório: Resulta do fechamento parcial da glote durante a expiração, para manter a capacidade residual funcional e prevenir o colapso alveolar. - Head bobbing: Movimento para cima e para baixo da cabeça a cada respiração, pela contração da musculatura acessória do pescoço. - Retrações torácicas: Decorrente do deslocamento da caixa torácica para dentro a cada respiração; pode ser: intercostal, subcostal, supraesternal, xifoide. Aparecem quando o pulmão está com a complacência baixa por alguma patologia e, durante a inspiração, a pressão negativa gerada para expandir os pulmões causa as retrações. COR - Cianose: Quando nas extremidades (acrocianose) é um sinal benigno e comum no período neonatal, porém se é central envolvendo a mucosa oral representa uma hipoxemia grave. O Boletim de Silverman-Andersen (BSA) é um método clínico útil para quantificar o grau de desconforto respiratório e estimar a gravidade do comprometimento pulmonar. As pontuações para cada parâmetro variam de 0 a 2 e, se soma for < 5 indica dificuldade respiratória leve e se ≥ 10 corresponde ao grau máximo de dispneia. Os parâmetros avaliados são: movimentos de tórax e abdome, retração costal inferior, retração xifoide, batimento de asa de nariz e gemido expiratório. Vale ressaltar que, tais apresentações podem estar presentes em doenças de etiologia extrapulmonar. A taquipneia quando isolada, por exemplo, é comum na sepse, distúrbios metabólicos e cardiopatias congênitas. Outro exemplo é a cianose central que tanto pode estar presente em cardiopatias congênitas, quanto na hipertensão pulmonar e outras afecções graves pulmonares. Por este motivo, a investigação etiológica é fundamental conforme veremos a seguir. É importante atentar-se para sinais de alerta diante de uma insuficiência respiratória, são eles: gasping (respiração agônica ou ruidosa), sufocação, estridor, apneia, esforço respiratório débil, bradicardia, hipotensão arterial, má perfusão periférica, cianose, hipoxemia ou palidez. Estes sinais representam condição de ameaça à vida, devendo ser instituído suporte ventilatório imediato. PRINCIPAIS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS NO PERÍODO NEONATAL As afecções respiratórias que acometem o RN podem ser agrupadas da seguinte maneira: Imaturidade pulmonar: - Síndrome do desconforto respiratório (SDR). Intercorrências no processo de nascimento: • Síndrome de aspiração do mecônio (SAM); • Taquipneia transitória do RN (TTRN); • Síndrome de escape de ar (SEAr); • Síndrome da hipertensão pulmonar persistente neonatal (HPPN); • Pneumonias. Alteração no desenvolvimento e crescimento pulmonar antenatal (malformações pulmonares): • Malformação adenomatóide cística • Hipoplasia pulmonar • Hérnia diafragmática congênita • Derrame pleural congênito • Enfisema lobar congênito SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO (SDR) OU DOENÇA DE MEMBRANA HIALINA (DMH) A SDR é a doença respiratória causada pela deficiência quantitativa e/ou qualitativa de surfactante pulmonar, sendo a doença mais frequente no RN prétermo. FISIOPATOLOGIA O surfactante pulmonar é uma substância produzida pelos pneumócitos tipo II, constituído por lipídeos (90%) e proteínas (10%), sendo a fosfatidilcolina saturada o principal responsável pela diminuição da tensão superficial alveolar, o que evita o colapso alveolar ao final da expiração. Começa a ser sintetizado a partir da 20ª semana de IG, período no qual há desenvolvimento dos sacos alveolares e diferenciação dos pneumócitos tipo I e II. O surfactante é produzido de forma progressiva ao longo da gestação, com pico na 35ª semana, indicando maturação pulmonar, com papel essencial dos glicocorticóides na maturação (cortisol endógeno estimula fibroblastos pulmonares a produzir fator fibroblasto do pneumócito - FFP, o qual faz com que o pneumócito tipo II aumente o ritmo e taxa de produção de surfactante. Desse modo, o RN pré-termo < 35 semanas apresenta deficiência da quantidade total de surfactante pulmonar, resultando em aumento da tensão superficial e da força de retração elástica, cursando com instabilidade alveolar e formação de atelectasias pulmonares difusas. As atelectasias fazem com que grande parte do pulmão seja perfundida, mas não ventilada, diminuindo a relação ventilação/perfusão (V/Q), aumentando o shunt intrapulmonar e levando à hipoxemia, hipercapnia e acidose. Como consequência desses eventos ocorre vasoconstrição e hipoperfusão pulmonar, aumentando a pressão nas artérias pulmonares e, consequentemente, aumentando o shunt extrapulmonar através do canal arterial e forame oval, com agravamento da hipoxemia e acidose iniciais, estabelecendo-se assim um círculo vicioso. Além da deficiência quantitativa de surfactante, devido a presença de líquido pulmonar (maior permeabilidade alvéolo capilar do RN pré termo), há inativação relativa do surfactante que foi produzido, comprometendo, portanto,a qualidade deste, e agravando o quadro. O quadro leva a redução da complacência pulmonar, redução do volume corrente, aumento do espaço morto, aumento do trabalho respiratório e hipoperfusão pulmonar, fatores que favorecem a evolução e perpetuação da insuficiência respiratória aguda. FATORES DE RISCO • Prematuridade: é o principal fator de risco • Asfixia • Mãe diabética • Sexo masculino • Etnia branca • Partos múltiplos • Parto cesáreo • Gestação múltipla MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Taquipneia, presença de sinais de esforço respiratório que intensificam nas primeiras 24h (pico em 48h e melhora gradual após 72h). Caso apneia ou intensa deterioração clínica caracteriza-se gravidade. *Risco de óbito associado a: maior risco de hemorragia intracraniana, hemorragias pulmonares e pneumotórax. DIAGNÓSTICO • Clínica: Evidências de prematuridade e imaturidade pulmonar + Início do desconforto respiratório nas primeiras 3 horas de vida • Radiografia de tórax: infiltrado retículo-granular fino (vidro moído ou estremilhado) distribuído uniformemente nos campos pulmonares. Presença de broncogramas aéreos e aumento de líquido pulmonar também podem ser achados. A clínica se correlaciona com achados na imagem (piora clínica é acompanhada de piora radiológica) • Laboratório: Gasometria arterial pode ser solicitada (não é essencial), evidenciando hipoxemia inicial com progressão para hipercapnia e acidose respiratória e/ou mista, variando com a gravidade do caso. TRATAMENTO • Cuidados gerais: Lembrar de controle térmico (36,5º-37,5º), suporte nutricional adequado. • Suporte ventilatório: Continuous Positive Airway Pressure (CPAP) precoce (aplicado ainda na sala de parto reduz necessidade de ventilação mecânica). • Indicação para ventilação mecânica: hipóxia e acidose respiratória grave mesmo em uso de CPAP ou episódios repetidos de apneia. • Surfactante pulmonar exógenos: promove a estabilização dos alvéolos e recrutamento alveolar, melhorando capacidade residual funcional. Está indicado para todos os RN com DMH que não respondem inicialmente ao uso de CPAP. Deve ser administrado por meio da cânula traqueal, para tanto deve ser realizada a intubação, administração da medicação e extubação imediata (caso não seja indicado ventilação mecânica). O RN deve ser reavaliado a cada 6h podendo ser realizadas doses adicionais. PREVENÇÃO Como a prematuridade é o maior e mais importante fator de risco, essa deve ser o foco na prevenção (importância de pré natal adequado). • Uso de corticoide antenal: medida eficaz para reduzir a incidência e mortalidade de DMH ao ser aplicada mediante ameaça de trabalho de parto prematuro por estimular a maturação dos pneumócitos tipo II e produção do surfactante. É indicado para todas as gestantes entre 24 e 34 semanas de gestação com risco de parto prematuro (duas doses de 12mg de betametasona por via intramuscular a cada 24h ou quatro doses de dexametasona administradas por via intramuscular a cada 12h). Idealmente deve ser aplicado com no mínimo 24h antes do parto, mas tem efeitos benéficos se aplicado com menor tempo. Somente não é indicado o uso mediante parto imediato. TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA DO RN A TTRN Ou síndrome do pulmão úmido é uma condição caracterizada por desconforto respiratório leve a moderado de evolução benigna presente em cerca de 1-2% de todos os nascimentos. É um quadro mais frequente no RN pré termo tardio e no RN a termo. É decorrente do retardo na absorção do líquido pulmonar após o nascimento. FISIOPATOLOGIA O líquido secretado pelo epitélio respiratório no período canalicular (17º IG) é responsável por garantir a distensão das vias aéreas e estimular o desenvolvimento e crescimento e preenche o pulmão até o nascimento. Há aumento do líquido acumulado no final da gestação. Durante o trabalho de parto e nascimento há interrupção da produção e secreção do líquido pulmonar e preenchimento da via por ar. Para tanto, deve ocorrer a absorção do líquido que se inicia com o trabalho de parto (ainda não se sabe o mecanismo) com absorção de cerca de 70%, e durante a passagem pelo canal de parto há expulsão de cerca de 5 a 10%. O restante é absorvido nas primeiras horas de vida. Alterações na capacidade de absorção do líquido com consequente dificuldade respiratória definem a fisiopatologia dessa condição. FATORES DE RISCO PARA TTRN • Cesariana eletiva sem trabalho de parto • Asfixia perinatal • Diabetes e asma brônquica materna • Policitemia QUADRO CLÍNICO Ocorre desconforto respiratório precoce, logo nas primeiras horas após o nascimento, melhorando a partir de 24- 48 horas, sendo o principal (e na maioria das vezes o único sintoma) a taquipneia, sendo rara a presença de retrações ou gemência. DIAGNÓSTICO • Clínica: RN a termo ou próximo do termo + dificuldade respiratória leve com predomínio de taquipneia • Radiografia de tórax: Congestão peri-hilar radiada e simétrica, espessamento de cissuras interlobares (derrame cisural), hiperinsuflação pulmonar leve ou moderada e, ocasionalmente, discreta cardiomegalia e/ou derrame pleural. • Laboratório: Gasometria pode ser solicitada evidenciando discreta hipoxemia, sem demais alterações. TRATAMENTO • Suporte: Evolução é benigna, com resolução do quadro em dois a três dias. • Oxigenoterapia por cateter nasal ou CPAP (FiO2 60 fornecer alimentação por sonda orogástrica pelo risco de broncoaspiração. *não está indicado antibioticoterapia nem uso de furosemida. DISPLASIA BRONCOPULMONAR Para os neonatos que nascem com menos de 32 semanas de gestação e permanecem sob oxigenoterapia durante os primeiros 28 dias, na idade pós-menstrual (IPM) de 36 semanas, a DBP leve é definida como ausência de necessidade de oxigênio suplementar, a DBP moderada como necessidade de O2 suplementar < 30% e a DBP grave como necessidade de O2 ≥ 30% e/ou pressão positiva contínua nas vias respiratórias (CPAP), ou suporte com respirador. Para aqueles que nascem com 32 semanas ou mais, a DBP é definida como necessidade de O2 suplementar nos primeiros 28 dias e seu nível de gravidade baseia-se na necessidade de oxigênio à idade de 56 dias. O parênquima pulmonar geralmente é anormal nas radiografias de tórax. Essa definição pode ser aplicada a neonatos a termo com síndrome de aspiração de mecônio, pneumonia e certas anomalias cardíacas e gastrintestinais (GI) que necessitam de suporte ventilatório crônico. A DBP está associada a morbidade respiratória crônica (MRC). III. Patogenia A.A lesão pulmonar aguda é causada pela combinação de intoxicação por oxigênio, barotrauma e volutrauma por ventilação mecânica. A lesão celular e intersticial resulta na liberação de citocinas pró- inflamatórias (interleucina 1β [IL-1β], IL-6, IL-8, fator de necrose tumoral-α [TNF-α]) que provocam alterações secundárias na permeabilidade alveolar e recrutam células inflamatórias para os espaços intersticiais e alveolares; lesão adicional por proteases, oxidantes e outras quimiocinas e quimioatratores induz recrutamento ativo de células inflamatórias e extravasamento de água e proteína. O tônus vascular e das vias respiratórias pode ser alterado. O desenvolvimento alveolar é interrompido e o parênquima destruído, levando a alterações enfisematosas. As células desprendidas e secreções acumuladas que não são removidas adequadamente pelo sistema de transporte mucociliar danificado causam obstrução heterogênea das vias respiratórias periféricas, provocando áreas alternadas de colapso e hiperinsuflação e dilatação proximal das vias respiratórias. Uma proteína semelhante à bombesina, peptídio pró-inflamatório produzido por células neuroendócrinas, está elevada na urina de recém- nascidos que desenvolvemsubsequentemente DBP. B. Na fase crônica da lesão pulmonar, o interstício é alterado por fibrose e hiperplasia celular que resulta da liberação excessiva de fatores de crescimento e citocinas, levando a reparo insuficiente. A remoção de líquido intersticial é comprometida, acarretando retenção hídrica pulmonar. As vias respiratórias desenvolvem muscularização aumentada e hiper-reatividade. Os efeitos fisiológicos são redução da complacência pulmonar, aumento da resistência das vias respiratórias e comprometimento da troca gasosa com resultante desigualdade da ventilação-perfusão e retenção de ar. C. Fatores que contribuem para o desenvolvimento de DBP incluem: 1. Substrato pulmonar imaturo. O pulmão é mais suscetível antes de a septação alveolar começar. Uma lesão nesse estágio resulta em parada da alveolarização 2. A atividade inadequada das enzimas antioxidantes superóxido dismutase, catalase, glutationa peroxidase e/ou deficiência de escoadouros de radicais livres, como a vitamina E, glutationa e ceruloplasmina, podem predispor o pulmão à intoxicação por oxigênio. De modo semelhante, a proteção antiprotease inadequada pode predispor o pulmão a lesão por proteases liberadas pelas células inflamatórias recrutadas que não são controladas 3. Administração precoce exagerada de soluções intravenosas, talvez pela sua contribuição para a formação de edema pulmonar. 4. Shunt esquerda-direita persistente através da persistência do canal arterial (PCA). Embora a ligadura profilática da PCA ou a administração de indometacina ou ibuprofeno não previna a DBP, o shunt esquerda-direita persistente e o fechamento tardio da PCA parecem estar associados a risco aumentado de DBP. Entretanto, o fechamento cirúrgico da PCA também está associado a risco aumentado de DBP. 5. Infecção intrauterina ou perinatal, com liberação de citocina, pode contribuir para a etiologia da DBP ou modificar sua evolução. Ureaplasma urealyticum tem sido associado à DBP em neonatos prematuros, embora permaneça incerto se essa relação é causal. Infecções intrauterinas por Chlamydia trachomatis e por outros vírus também têm sido implicadas 6. Hiper-reatividade familiar das vias respiratórias é encontrada mais comumente no contexto do trabalho de parto prematuro, o que confunde a estimativa de risco aumentado de recém-nascidos tanto prematuros quanto acometidos por DBP 7. Aumento da depuração de inositol resulta em redução dos níveis plasmáticos de inositol e da síntese de surfactante ou em metabolismo deficiente de surfactante 8. Aumento da vasopressina e diminuição da liberação de peptídio natriurético atrial modificam o balanço hídrico pulmonar e sistêmico quando há doença pulmonar obstrutiva. Apresentação clínica A. O exame físico revela tipicamente taquipneia, retrações e estertores à ausculta. B. A gasometria arterial mostra hipoxemia e hipercapnia com subsequente compensação metabólica da acidose respiratória. C. O aspecto da radiografia de tórax muda à medida que a doença evolui. Na descrição inicial da DBP, o estágio I apresentava o mesmo aspecto da síndrome de angústia respiratória (SAR), o estágio II mostrava opacidade difusa com aumento da densidade e volumes pulmonares normais a baixos, o estágio III exibia densidades raiadas com transparências bolhosas e hiperinsuflação incipiente, e o estágio IV consistia em hiperinsuflação com áreas hipertransparentes maiores intercaladas com densidades raiadas mais espessas. Nem todos os neonatos avançavam até o estágio IV, e alguns seguiam diretamente do estágio I para o III. As anormalidades radiográficas muitas vezes persistiam na segunda infância. A DBP nova está frequentemente associada às alterações do estágio II que podem evoluir se houver progressão do distúrbio. D. Avaliação cardíaca. Devem-se excluir as causas não pulmonares de insuficiência respiratória. O eletrocardiograma (ECG) pode evidenciar hipertrofia ventricular direita persistente ou progressiva se sobrevier cor pulmonale. Hipertrofia ventricular esquerda pode suceder a hipertensão sistêmica. O ecocardiograma bidimensional ajuda a excluir a possibilidade de shunts esquerda-direita e de hipertensão pulmonar. Insuficiência biventricular é incomum quando uma boa oxigenação é mantida e o aparecimento de hipertensão pulmonar é evitado. E. Provas de função pulmonar infantil (PFPi). O aumento da resistência do sistema respiratório (Rrs) e a diminuição da complacência dinâmica (Crs) têm sido as características essenciais da DBP. No primeiro ano de vida, as PFPi revelam diminuição do fluxo expiratório forçado, aumento da capacidade residual funcional (CRF), aumento do volume residual (VR) e aumento da razão VR/capacidade pulmonar total e responsividade a broncodilatadores, com um padrão global de obstrução leve a moderada do fluxo de ar, retenção de ar e aumento da reatividade das vias respiratórias. F. Alterações histopatológicas são detectáveis nos casos graves nos primeiros dias após o nascimento. Ao fim da primeira semana, há bronquiolite necrosante, obstrução do lúmen por restos e edema das pequenas vias respiratórias e áreas de fibrose peribrônquica e intersticial. Alterações enfisematosas e deficiência significativa do desenvolvimento alveolar resultam em diminuição da área de superfície para troca gasosa. Alterações tanto nas vias respiratórias grandes (hiperplasia glandular) quanto nas pequenas (hiperplasia do músculo liso) provavelmente constituem a base histológica da doença reativa das vias respiratórias. Podem-se observar alterações vasculares pulmonares associadas a hipertensão pulmonar. A parada da alveolarização é mais proeminente em idades gestacionais menores. Tratamento hospitalar. Os objetivos do tratamento durante a evolução na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) são minimizar a lesão pulmonar adicional (barotrauma e volutrauma, intoxicação por oxigênio, inflamação), maximizar a nutrição e diminuir o consumo de oxigênio. A. Ventilação mecânica 1. Fase aguda. Realizam-se ajustes do respirador para minimizar as pressões nas vias respiratórias e os volumes correntes (geralmente 3 a 5 mℓ/kg/respiração), enquanto se possibilita troca gasosa adequada. 2. É possível que o emprego de técnicas de ventilação controlada pelo paciente, como respirações desencadeadas pelo paciente, respirações espontâneas com suporte pressórico e respirações desencadeadas pelo paciente dirigidas pelo volume, reduza o risco de DBP, embora ensaios clínicos recentes não tenham demonstrado claramente essa vantagem, e alguns tenham identificado taxa aumentada de pneumotórax e mortalidade. O uso precoce da ventilação com pressão positiva intermitente nasal (VPPIN) é mais efetivo do que a CPAP nasal padrão para evitar a necessidade de intubação e tratamento com surfactante, e a VPPIN também pode diminuir a taxa de fracasso da extubação, embora seja necessária a realização de ensaios clínicos adequadamente validados. Na maioria das circunstâncias, evitamos a hiperventilação (mantendo a tensão arterial de dióxido de carbono [PaCO2] > 55 mmHg, com pH > 7,25) e mantemos a saturação de oxigênio (SaO2) em 90 a 95% e a tensão arterial de oxigênio (PaO2) em 60 a 80 mmHg. Rotineiramente, não utilizamos ventilação oscilatória de alta frequência porque a maioria das evidências disponíveis sugere que essa técnica não previne a DBP em recém-nascidos de alto risco. CPAP precoce com exclusão da ventilação mecânica e transição antecipada da ventilação mecânica para CPAP são estratégias de manejo associadas a menor risco de DBP. 3. Fase crônica. Depois que os parâmetros iniciais do respirador são definidos com PaCO2 não superior a 65 mmHg, mantemos a frequência do respirador sem desmame até que um padrão deganho ponderal constante se estabeleça. B. Fornece-se oxigênio suplementar para manter a PaO2 >55 mmHg. A SaO2 deve ser correlacionada à PaO2 em cada recém-nascido. Vários estudos publicados antes de 2007, que avaliaram o impacto da limitação da exposição ao O2 sobre o risco de retinopatia da prematuridade (RP), observaram que o risco de DBP foi menor nos grupos com faixas de valores mais baixos de saturação da oximetria. Com base nesses achados e em outros estudos de coorte, regulamos os limites do alarme do oxímetro em 85 a 93% para recém-nascidos com idade gestacional de <32 semanas e, em seguida, passamos para a faixa de 87 a 97% com IPM de 32 semanas ou mais. Como nota de cautela, o ensaio clínico PORT (2010) de SaO2 baixa (85 a 89%) versus alta (91 a 95%) em recém-nascidos com menos de 28 semanas de gestação revelou uma taxa mais alta de mortalidade e ausência de redução da taxa de DBP no grupo de SaO2 baixa, embora a RP grave tenha sido menos frequente naqueles que sobreviveram. Quando há necessidade de concentração de oxigênio < 30% por capacete, fornecemos oxigênio por cânula nasal. Se uma SaO2 adequada não puder ser mantida com fluxo < 1 ℓ/min, deve-se retornar ao capacete de oxigênio. Utilizamos um fluxímetro que é acurado em taxas baixas, e reduzimos gradualmente o fluxo de oxigênio a 100%, porém mantendo a SaO2 apropriada. Como alternativa, pode-se diminuir o fluxo até a menor marca do fluxímetro e, então, reduzir a concentração de oxigênio. Estimativas da concentração efetiva de O2 liberada nos pulmões por cânula nasal em diferentes fluxos de O2 a 100% foram obtidas por medidas hipofaríngeas. SaO2 deve permanecer > 90% durante o sono, a alimentação e os períodos ativos antes que o oxigênio suplementar possa ser suspenso. C. A terapia de reposição de surfactante reduz o desfecho combinado de DPC ou morte aos 28 dias de idade, embora tenha pouco ou nenhum impacto na incidência global de DPC. Metanálises sugerem que a incidência é reduzida em neonatos prematuros maiores, porém é elevada em neonatos prematuros menores que teriam morrido sem tratamento com surfactante (ver Capítulo 33). A exaustão tardia do surfactante pode contribuir para o desenvolvimento da DBP; um ensaio clínico em andamento está avaliando a dose de surfactante tardia em recém- nascidos descompensados ou com necessidade persistente de ventilação mecânica. D. PCA. Consideramos o tratamento da PCA hemodinamicamente significativa quando os recém- nascidos apresentam descompensação respiratória ou não podem ser desmamados da ventilação mecânica. E. Monitoramento 1. A gasometria arterial é usada para monitorar a troca gasosa e confirmar os valores do monitoramento não invasivo. 2. Utilizamos oximetria de pulso contínua para monitoramento prolongado de recém-nascidos com DPC, definimos os limites do alarme do oxímetro em 85 a 93% para neonatos com menos de 32 semanas de gestação e elevamos a faixa para 87 a 97% na idade gestacional de 32 semanas. O objetivo a longo prazo é manter a PaO2 ≥ 55 mmHg e evitar a hiperoxemia. 3. Os valores dos gases sanguíneos capilares (GSC) são úteis para monitorar o pH e a PCO2. Como o pH e a PCO2 às vezes diferem dos valores centrais, comparamo-los com os níveis da gasometria arterial. Se os valores dos GSC e da gasometria arterial forem semelhantes, monitoramos os neonatos estáveis dependentes do respirador com oximetria de pulso e uma ou duas análises dos GSC por dia inicialmente ou com menos frequência se não houver alteração da condição clínica; realizam-se medições de GSC menos frequentes nos pacientes que recebem oxigênio por cânula nasal. 4. Os monitores transcutâneos de PCO2, como resultado dos avanços técnicos recentes, exigem calibração menos frequente e operam em temperaturas mais baixas (minimizando a lesão cutânea). Podem ser úteis para monitorar as tendências da PCO2, o que possibilita um melhor ajuste do respirador em tempo real para minimizar o barotrauma e responder mais precocemente à descompensação. 5. Alguns centros empregam as provas de função pulmonar para documentar as respostas funcionais a provas terapêuticas com broncodilatadores e diuréticos. F. Manejo hídrico. O aporte hídrico inicial é limitado ao mínimo necessário. No início, fornecemos soluções adequadas para manter o débito urinário em pelo menos 1 mℓ/kg/h e a concentração sérica de sódio em 140 a 145 mEq/ℓ. Na fase crônica, limitamos os líquidos para apenas 130 mℓ/kg/dia, com monitoramento na obtenção de débito urinário adequado e atenção para nutrientes de maior densidade calórica a fim de fornecer calorias suficientes para o crescimento. Recalculamos a taxa hídrica regularmente de acordo com o ganho de peso, depois que este ultrapassa o peso ao nascer. Mais tarde, quando a função respiratória é estável, a restrição hídrica é liberada gradualmente. G. Fármacos. Quando o neonato permanece dependente do respirador sob restrição hídrica na ausência de PCA ou infecção intercorrente, devem-se considerar intervenções farmacológicas adicionais (geralmente > 24 horas). 1. Prevenção. Em estudos clínicos randomizados multicêntricos: a. A vitamina A (5.000 U IM, 3 vezes/semana durante os primeiros 28 dias de vida) reduziu em 10% a incidência de DPC em neonatos de extremamente baixo peso ao nascer (EBPN). Embora tratemos rotineiramente os neonatos de EBPN com vitamina A por meio desse protocolo, o impacto sobre o prognóstico a longo prazo é incerto. b. O citrato de cafeína (dose de ataque de 20 mg/kg e manutenção diária com 5 mg/kg), administrado durante os primeiros 10 dias após o parto em recém-nascidos com peso de 500 a 1.250 g, reduziu a taxa de DBP de 47% para 36% e melhorou a taxa de sobrevida sem incapacidade de neurodesenvolvimento na idade corrigida de 18 a 21 meses. Seguimos esse protocolo de tratamento. c. Tratamentos experimentais. Em recém- nascidos com menos de 27 semanas de gestação, a superóxido dismutase de Cu/Zn humana recombinante, administrada por via intratraqueal a cada 48 horas durante a intubação, resultou em redução aproximada de 50% no uso de medicamentos da asma, consultas de emergência e hospitalizações no primeiro ano de vida. A proteína 10 de células de Clara humanas recombinantes, uma proteína anti- inflamatória inata natural encontrada em abundância no pulmão, também está sendo submetida à avaliação para administração intratraqueal na profilaxia contra a MRC. Esses tratamentos continuam em fase de investigação. d. A azitromicina pode diminuir o risco de DBP em recém-nascidos com colonização ou infecção documentada por Ureaplasma. e. Óxido nítrico inalado (iNO). Em modelos animais de DBP, o iNO relaxa as vias respiratórias e o tônus vascular pulmonar e diminui a inflamação pulmonar. Vários ensaios clínicos multicêntricos avaliaram a eficácia potencial do iNO para atenuar ou prevenir a DBP utilizando diferentes esquemas de tratamento. Em um ensaio clínico, foi constatada redução da DBP em recém-nascidos com >1.000 g, embora isso não tenha sido observado em todo o grupo; outro ensaio clínico constatou um benefício global limitado àqueles tratados com 7 a 14 dias. Como o benefício não está bem definido, e tanto a segurança quanto o impacto a longo prazo não foram estabelecidos, um grupo de consenso dos NIH assinalou que o uso do iNO para prevenção ou tratamento da DBP não é sustentado pelas evidências disponíveis. 2. A retenção hídrica pulmonar é tratada com diuréticos. Os diuréticos atenuam indiretamente as manifestações de angústia respiratória e promovem redução da Rrs e aumento da Crs; a troca gasosa é afetada de maneira variável. Pode-se observar uma resposta clínica aguda dentro de 1 hora, porém o efeito máximo pode ser alcançado somente após 1semana de tratamento. A melhora clínica provavelmente advém de redução do conteúdo de água pulmonar, com diminuição do líquido intersticial e peribrônquico resultando em menor resistência e melhor complacência. Os mecanismos de ação podem decorrer de diurese ou efeitos não diuréticos. Os diuréticos não se mostraram capazes de melhorar os desfechos clínicos, como a duração da dependência do respirador, duração da estadia hospitalar ou prognóstico a longo prazo. a. A furosemida é usada inicialmente na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg por via intravenosa 1 ou 2 vezes/dia. A dose pode ser fornecida por ocasião de transfusões sanguíneas, caso estas tenham se acompanhado de aumento do líquido pulmonar e angústia respiratória. Os recém-nascidos imaturos correm risco mais alto de toxicidade por doses mais altas ou mais frequentes em virtude da meia-vida prolongada do fármaco. Os efeitos colaterais incluem hipercalciúria, nefrocalcinose, ototoxicidade, desequilíbrio eletrolítico e nefrolitíase. b. Clorotiazida. Se uma dose-teste de furosemida sugerir melhora clínica, preferimos o tratamento com clorotiazida (20 a 40 mg/kg/dia por via oral, em 2 doses diárias) para evitar a toxicidade da furosemida. A clorotiazida diminui a excreção de cálcio e, se utilizada em combinação com furosemida, pode reduzir a perda de cálcio e reverter a nefrocalcinose devida à furosemida. A combinação pode permitir o uso de uma dose menor de furosemida. 3. Broncodilatadores. Episódios de obstrução aguda ou aumento crônico da resistência podem estar relacionados com aumento do tônus das vias respiratórias ou broncospasmo e podem responder à terapia com broncodilatadores. Os neonatos com DPC em desenvolvimento podem beneficiar-se desde a segunda semana de vida. a. A administração de nebulização com agonistas beta-adrenérgicos (ABA) resulta em Rrs menor e Crs maior. Taquicardia é um efeito colateral limitador importante. Os agentes mais recentes apresentam maior especificidade β2 com menos toxicidade β1. Usamos um inalador dosimetrado (IDM) de salbutamol com dispositivo espaçador (uma inalação) ou solução a 0,5% nebulizada (5 mg/mℓ), 0,02 a 0,04 mℓ/kg (total até 0,1 mℓ em 2 mℓ de solução salina a 0,9%) a cada 6 a 8 horas. Em recém-nascidos ventilados, visando à eficiência, nossa preferência é um IDM com espaçador colocado em linha com o respirador próximo ao tubo endotraqueal. b. Agentes muscarínicos. O brometo de ipratrópio em IDM (uma inalação) ou nebulizado (25 mg/kg/dose) aumenta a Crs e reduz a Rrs. O IDM de combinação contendo ABA e agentes muscarínicos pode obter um efeito sinérgico, mas isso não foi estudado em neonatos pré-termo. c. Citrato de cafeína é usado no tratamento da apneia na maioria dos neonatos com DBP tratada com citrato de cafeína devido à apneia. Embora não esteja bem estudado, os neonatos tratados com cafeína para apneia podem ter Crs mais alta. 4. Corticosteroides pós-natais. Nos estudos iniciais, o tratamento com glicocorticoides (em geral, dexametasona) em neonatos que permaneceram dependentes do respirador por 2 a 3 semanas resultou em Crs mais alta, Rrs menor, necessidade de oxigênio diminuída e extubação antecipada. Contudo, o tratamento com glicocorticoides não parece ter um impacto substancial nos desfechos pulmonares a longo prazo, como a duração da necessidade de oxigênio suplementar, duração da estadia hospitalar ou mortalidade. Estudos subsequentes de tratamento mais precoce, pulsos recorrentes e doses menores geraram resultados inconsistentes como agente profilático ou atenuante. Estudos randomizados de glicocorticoides inalantes também não demonstraram melhora do desfecho pulmonar. Além dos efeitos colaterais a curto prazo, incluindo hipertensão, hiperglicemia e perfuração GI espontânea, o acompanhamento a longo prazo de neonatos tratados com corticosteroides pós-natais, principalmente a dexametasona, suscitou preocupações com retardo do neurodesenvolvimento e crescimento. Em decorrência desse dano em potencial e ausência de benefício a longo prazo bem estabelecido, o uso rotineiro de corticosteroides é desencorajado, e reservado apenas para os neonatos com insuficiência respiratória progressiva refratária a todos os outros tratamentos. Se o tratamento com glicocorticoides for instituído, abordamos o dano em potencial no neurodesenvolvimento com os pais antes do seu uso. Embora esse esquema não tenha sido testado em estudos clínicos, utilizamos um ciclo breve e dose relativamente baixa de hidrocortisona para reduzir potencialmente as regulagens do respirador e facilitar a extubação. A hidrocortisona pode ser iniciada em uma dose de 5 mg/kg/dia, durante 3 dias, com redução da dose no decorrer de 7 a 10 dias. Se não for observada nenhuma resposta em 2 a 3 dias, interrompemos o tratamento.
Compartilhar