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Uretrites Ana Silvia Caldas Ferreira Liss As uretrites são caracterizadas por inflamação e corrimento uretral. Os agentes microbianos das uretrites podem ser transmitidos por relação sexual vaginal, anal e oral. O corrimento uretral costuma ter aspecto que varia de mucoide a purulento, com volume variável, estando associado a dor uretral (independentemente da micção), disúria, estrangúria (micção lenta e dolorosa), prurido uretral e eritema de meato uretral. Entre os fatores associados às uretrites, foram encontrados: idade jovem, baixo nível socioeconômico, múltiplas parcerias ou nova parceria sexual, histórico de IST e uso irregular de preservativos. Os agentes etiológicos mais frequentes das uretrites são a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis. Outros agentes, como Trichomonas vaginalis, Ureaplasma urealyticum, enterobactérias (nas relações anais insertivas), Mycoplasma genitalium, vírus do herpes simples (HSV, do inglês Herpes Simplex Virus), adenovírus e Candida sp. são menos frequentes. Causas traumáticas (produtos e objetos utilizados na prática sexual) devem ser consideradas no diagnóstico diferencial das uretrites. Uretrite gonocócica É um processo infeccioso e inflamatório da mucosa uretral, causado pela Neisseria gonorrhoeae (diplococo Gram-negativo intracelular). O risco de transmissão de um parceiro infectado a outro é, em média, 50% por ato sexual. Os sinais e sintomas são determinados pelos locais primários de infecção: as membranas mucosas da uretra (uretrite), endocérvice (cervicite), reto(proctite), faringe (faringite) e conjuntiva (conjuntivite). A infecção uretral no homem é assintomática em menos de 10% dos casos. Nos casos sintomáticos, há presença de corrimento em mais de 80% e de disúria em mais de 50%. O período de incubação costuma ser de dois a cinco dias após a infecção. Nas mulheres, a uretrite gonocócica é frequentemente assintomática. O corrimento mucopurulento ou purulento é frequente. Raramente, há queixa de sensibilidade aumentada no epidídimo e queixas compatíveis com balanite (dor, edema, prurido, hiperemia da região prepucial, descamação da mucosa e, em alguns casos, material purulento e de odor desagradável no prepúcio). As complicações no homem ocorrem por infecção ascendente a partir da uretra, podendo ocasionar orquiepididimite, prostatite e estenose de uretra. Uretrite não gonocócica É a uretrite sintomática cuja bacterioscopia pela coloração de Gram, cultura e detecção de material genético por biologia molecular são negativas para o gonococo. Vários agentes têm sido responsabilizados por essas infecções, como Chlamydia trachomatis, Mycoplasma genitalium, Ureaplasma urealyticum, Mycoplasma hominis, Trichomonas vaginalis, entre outros (GAYDOS et al., 2009, DALEY et al., 2014; LIS et al., 2015). A infecção por clamídia no homem é responsável por aproximadamente 50% dos casos de uretrite não gonocócica. A transmissão ocorre pelo contato sexual (risco de 20% por ato), sendo o período de incubação, no homem, de 14 a 21 dias. Estima-se que dois terços das parceiras estáveis de homens com uretrite não gonocócica hospedem a C. trachomatis na endocérvice. Elas podem reinfectar sua(s) parceria(s) sexual(ais)e desenvolver quadro de DIP se permanecerem sem tratamento. A uretrite não gonocócica caracteriza-se, habitualmente, pela presença de corrimentos mucoides, discretos, com disúria leve e intermitente. A uretrite subaguda é a forma de apresentação em aproximadamente 50% dos pacientes com uretrite causada por C. trachomatis. Entretanto, em alguns casos, os corrimentos das uretrites não gonocócicas podem simular, clinicamente, os da gonorreia. As uretrites causadas por C. trachomatis podem evoluir para prostatite, epididimite, balanite, conjuntivite (por autoinoculação) e síndrome uretro-conjuntivo-sinovial ou síndrome de Reiter. Uretrites persistentes Os pacientes com diagnóstico de uretrite devem retornar ao serviço de saúde entre sete e dez dias após o término do tratamento. Nesses casos, deve-se realizar a avaliação, principalmente, por meio da história clínica, considerando a possibilidade de reinfecção ou o tratamento inadequado para clamídia e gonorreia. Descartadas tais situações, devem-se pesquisar agentes não suscetíveis ao tratamento anterior (ex.: Mycoplasma genitalium, Trichomonas vaginalis e Ureaplasma urealyticum). Outras causas não infecciosas de uretrites, como trauma (ordenha continuada), instrumentalização e inserção de corpos estranhos intrauretrais ou parauretrais (piercings) e irritação química (uso de certos produtos lubrificantes e espermicidas) devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de uretrites persistentes. O Mycoplasma genitalium foi identificado pela primeira vez em 1980 e reconhecido como uma importante causa de uretrite não gonocócica e também de algumas doenças do trato genital em mulheres (TAYLOR-ROBINSON, 2014; POND et al., 2014; WOLD et al., 2015; HORNER et al., 2014; MANHART et al., 2015; BIRGER et al., 2017). Entre as mulheres, foi associado ao aumento do risco de cervicite, DIP, parto prematuro, infertilidade e aborto espontâneo (LIS et al., 2015). As taxas de prevalência publicadas variam muito entre as populações estudadas (DALEY et al., 2014). O M. genitalium não apresenta parede celular; portanto, antibióticos como os beta- lactâmicos (incluindo penicilinas e cefalosporinas) não são eficazes. A introdução da azitromicina, usada como terapia de dose única para infecções por clamídia, resultou na depuração do M. genitalium do trato urogenital, ocorrendo eliminação do patógeno sem o desenvolvimento de doença. Com o passar dos anos, o desenvolvimento de resistência aos macrolídeos começou a ser identificado em algumas populações (TAYLOR-ROBINSON, 2014; BISSESSOR et al., 2015; KIKUCHI et al., 2014; WOLD et al., 2015; HORNER et al., 2014; SALADO-RASMUSSEN; JENSEN, 2014; SETHI et al., 2017; JENSEN; BRADSHAW, 2015). O insucesso do tratamento com azitromicina foi notificado pela primeira vez na Austrália e subsequentemente documentado em vários continentes. Relatórios recentes indicam uma tendência ascendente na prevalência de infecções por M. genitalium resistentes aos macrolídeos (resistência transmitida); casos de resistência induzida após terapia com azitromicina também foram documentados. Não há evidências de que um regime estendido com azitromicina (1,5g) seja superior ao regime de 1g em dose única (READ et al., 2017). A moxifloxacina permanece altamente ativa contra a maioria dos M. genitalium resistentes a macrolídeos. No entanto, os primeiros casos clínicos de falha do tratamento com moxifloxacina foram publicados recentemente (BISSESSOR et al., 2015; HORNER et al., 2014; MANHART et al., 2015; MURRAY et al., 2017; DIONNE-ODOM et al., 2017; GRATRIX et al., 2017). Tratamentos contínuos e inapropriados provavelmente levarão a infecções intratáveis no futuro (COULDWELL; LEWIS, 2015; JENSEN; BRADSHAW, 2015; SETHI et al., 2017; MUNOZ; GOJE, 2016). Portanto, o M. genitalium é um problema emergente, necessitando de uma vigilância frequente e estudos com novas opções de diagnóstico e tratamento (WORKOWSKI; BOLAN, 2015). A moxifloxacina não está disponível no SUS para uso nas infecções por Mycoplasma genitallium.
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