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VII Colóquio Internacional Marx e Engels Autor: Vinicius Almeida Ribeiro de Miranda (pós-graduando do mestrado em Ciência Política da Unicamp) GT 3 – Marxismo e Ciências Humanas Título - O partido e sua discussão como teoria: o debate de Umberto Cerroni com o ceticismo organizativo Introdução O presente artigo é uma breve apresentação do debate em torno da teoria dos partidos sob o olhar do autor marxista-gramsciano italiano Umberto Cerroni. Em sua discussão sobre o tema em questão, presente num de seus principais trabalhos Teoria do partido político, este autor buscou apontar a viabilidade de uma teoria dos partidos marxista, ou uma vertente marxista da teoria dos partidos, consagrada pelos cânones Robert Michels, Maurice Duverger, dentre outros. A base de um partido político moderno, isto é, existente e atuante numa sociedade e Estados modernos parte, segundo Cerroni, de um modelo socialista. A evolução dos partidos políticos socialistas é elementar para compreender o desenvolvimento dos partidos políticos da modernidade. Essa tese fundamental abre a discussão sobre a possiblidade ou não de se constituir uma linha teórica, com base no marxismo sobre essa grande área. A perspectiva marxista é associada a uma proposta externa ao debate de teoria dos partidos. Não haveria, por essa tese, uma teoria dos partidos marxista, mas apenas uma teoria do partido revolucionário, ou uma teoria da revolução que inclui o protagonismo de um partido. O principal autor que teorizou sobre o tema partido revolucionário no campo do marxismo foi Vladmir Ilich Lenin. Seu trabalho é uma referência central quando associamos o projeto político do comunismo com sua ferramenta genuína: o partido da revolução. O desenvolvimento histórico sugere outra perspectiva, já que muitos partidos que evoluíram e se desenvolveram com moldes próximos dos marxistas, sua trajetória não foi de um partido para a revolução, mas sim para a ordem e a conservação do sistema político atual. No entanto, não podemos tirar conclusões sobre a viabilidade de uma teoria dos partidos marxista sem clarificar o conceito de teoria, e como ele foi elaborado ao longo da história da humanidade. Na antiguidade, falar em teoria era abstrair e delimitar diversos pressupostos para um determinado tema ou objeto. Com o advento da ciência moderna, a experiência passou a ter um papel central na definição de uma teoria, na relação de causa-efeito (PEREIRA, 1998, p. 30). O raciocínio desta nova forma de enxergar a teoria é que ela se remonta num processo em quatro etapas: observação; hipótese; experimentação; e, por fim, lei. Dessa forma, o conceito de teoria culmina na formação de leis a partir da observação e experimentação com a realidade (Idem, ibidem, 38). Segundo filósofo Otaviano Pereira, há uma carência na visão sobre a teoria da ciência moderna que é sua rejeição a uma visão mais global da realidade. Preso ao método científico, a teoria tornou mecânica as análises da realidade. Isolado de uma análise filosófica, ficou ausente da própria crítica de sua construção (Idem, ibidem, p. 66). Por essa lógica, a análise sobre a realidade resume-se a ação direta do homem sobre a natureza. Para ampliar a perspectiva sobre o conceito de teoria devemos enxergar a ação humana com referência, que toda sua construção decorre de uma prática, mesmo a formação de uma teoria. O cientista também é sujeito à análise da sua própria ação. E todas essas ações são conscientes (Ibidem, p. 71). A ação do homem, portanto, é ação teórica, refletida. É sempre uma ação transformadora e, por isso, reconhecida como práxis, e tem um potencial revolucionário (Ibidem, p. 72). Nesse sentido, a definição de teoria pode passar tanto por uma expressão de um conjunto de conceitos que formam uma lei, uma regra, ou um pensamento que está sujeito a revisões da própria prática científica, pois além dos objetos estudados, os homens e mulheres autores e pesquisadores dos inúmeros temas que formam uma determinada teoria estão submetidos a uma reflexão teórica. Umberto Cerroni: do partido socialista ao partido político moderno A premissa de Umberto Cerroni está na consideração que a política moderna é feita por uma luta entre partidos, “todavia, a luta dos partidos não é ipso facto a luta de classes” (CERRONI, 1982, p. 21). Mesmo assim, para o autor italiano o modelo do partido socialista “se projeta como protótipo histórico-teórico capaz de explicar o nascimento do partido político moderno e do moderno sistema político de partidos” (Ibidem, p. 14). A política moderna é marcada pela existência de um modelo de Estado novo, também denominado moderno. Em decorrência disso, o partido político moderno não pode ser restrito as suas opções políticas (como “parte política”, ou tomar partido) (Ibidem, p. 12). Ele é mais bem compreendido se, além de seu sentido, seu programa, sua proposta, se insere o conceito de máquina partidária. O desenvolvimento histórico desse modelo é sincrônico a organização do sistema político da modernidade, e em torno de suas mudanças. Essa sociedade para os marxistas é reconhecida também como capitalista, pela centralidade da relação capital-trabalho como organizadora do sistema social 1 . Para Cerroni, o partido político na sociedade capitalista não pode ser visto simplesmente como um “simples mecanismo de organização de forças dotadas de alguma unidade na propaganda de um certo programa e na luta pela conquista do poder” (Ibidem, p. 17). O impulso desse modelo de sociedade, sem dúvida, é de preponderância dos interesses individuais sobre os coletivos, porém isso não é natural ou uma lei científica. Ao contrário, o individualismo é apoteótico no capitalismo ou sociedade burguesa. Nesse sentido, o partido socialista é “uma forma de agregação ideológica para defender uma condição humana” e resistir a uma deformação impostas historicamente (Ibidem, p. 17). A concepção de Cerroni enfrenta a visão sobre a política no capitalismo do intelectual Joseph Schumpeter. Considerando uma natureza humana agindo sobre o nível de interesse dos cidadãos pela política, ele aponta que a participação política exige preparo social, técnico e psíquico, do contrário o indivíduo fica preso a questões privadas e afastado das questões públicas (SCHUMPETER, 1961, p. 320). Partindo disso, a organização política está resumida a legitimação e reforço do sistema eleitoral representativo. Isso seria a natureza da política na sociedade moderna. No entanto, faz parte da organização da sociedade capitalista a produção de uma classe operária vigorosa e tendencialmente majoritária. Dessa perspectiva, o “reino do individualismo” oferece formas sociais distintas de sua própria lógica. Em outras palavras, o isolamento e a contraposição fracionária de um homem a outro homem enfrenta no próprio sistema que o consagrou uma resistência orgânica da associação dos trabalhadores em torno da produção de mercadorias. Por essa razão que Cerroni busca na evolução da luta operária para uma construção partidária e, consequentemente, uma 1 Consideraremos sociedade capitalista, moderna e burguesa como sinônimos na discussão deste artigo. disputa política do modelo de sociedade, uma teoria da organização política no capitalismo. No primeiro momento da luta operária esta classe passa a assumir sua autonomia e consciência, ou seja, reconhece a necessidade de se organizar coletivamente. O partido é uma associação ligada a essa luta. Com o mundo burguês sendo extremamente individualista e a burguesia dando tratamento a esfera política como exclusivo espaço para a garantia de seus interesses privados, esta organização permite um mínimo exercício de liberdade ao proletariado (CERRONI, 1982, p. 15). Para Cerroni está é a fase pré-política dopartido político moderno. O partido passa a ser uma radicalmente oposta ao Estado, ainda sem se colocar de forma alternativa a ele e com uma política subalterno ao mesmo. Segundo Cerroni “é uma parte que ainda não é capaz de se propor como um todo”, ou seja, “ainda é corporativo-de-classe, destituído, portanto, de uma capacidade dirigente geral” (Ibidem, p. 16). Já existe nesse momento uma organização formal de partido, porém muito ligado a uma proposta economicista. Seria essa a fase intra-uterina do partido. No seu apogeu, o partido moderno assume sua capacidade de direção hegemônica ao conjunto da sociedade. Tem o papel de denunciar a parcialidade (ou seja, seu caráter de classe burguês) do Estado, se contrapondo como parte-todo, almejando substituí-lo por inteiro. Supera a construção da segunda fase do partido porque deixa de ser uma expressão exclusiva de uma classe para combinar as instâncias típicas da classe operária com o desenvolvimento de uma nova organização social e política (Ibidem, p. 17). Essa etapa de organização partidária é denominada por Cerroni como fase extra-uterina e avança na disputa da hegemonia da sociedade moderna. Certamente o partido socialista não é o único tipo de partido na sociedade burguesa, e sequer é o exemplo mais presente. Os partidos conservadores, adequados à lógica capitalista e burguesa, predominam e reforçam a hegemonia de seu Estado. Isso se revela não apenas em seus discursos e propagandas (aliás, tradicionalmente tais partidos são tomados pela demagogia e evocam discursos contraditórios com seus reais interesses, como a busca do bem público) como na sua prática de mediação de interesses, clientelistas, e sem diferenciação ideológica entre si. Realizam o ideal de democracia de Schumpeter, fazendo de sua organização apenas um mecanismo de disputa eleitoral e de poder burocrático do Estado. Partindo do modelo de partido moderno do cientista político italiano, identificamos no modelo dos partidos conservadores sua razão material para tal conduta. Um partido para comportar-se como alternativa de poder ao Estado deve disputar a sociedade sem a força monopolizada do mesmo, ser capaz de dirigir sem precisar recorrer a coerção do Estado. Essa concepção parte do conceito de Estado e política de Antonio Gramsci, que observa este objeto como uma mescla de força e inteligência, consenso e coerção (Ibidem, p. 26). No partido socialista a relação de força e consenso se traduz pela dialética entre máquina organizativa (que estabelece regras e coação) e plataforma programática (que gera adesões voluntárias). Um partido conservador, adequado ao sistema vigente, constrói e estrutura sua máquina partidária através dos aparelhos do Estado (estrutura parlamentar, cargos em agências estatais, dentro outros). Não é de certa forma, um partido pleno, que se completa no seu objetivo de alternância de poder ao promover uma nova sociedade. Mesmo sem uma perspectiva revolucionária, isto é, de ruptura, a luta por liberdades democráticas, por exemplo, pelo partido proletário exige uma resposta do Estado moderno, que media sua gestão política coercitiva com a construção de consensos (Ibidem, p. 27). Portanto, o partido, que surge como proposta alternativa a lógica individualista, não pode ser tomado como modelo pelas suas experiências que se sabotam, isto é, de agremiações partidárias dependentes do Estado que oprimiu, em primeiro lugar, a organização coletiva para ser uma arena de garantia dos interesses privados da burguesia. O ceticismo organizativo Umberto Cerroni contesta com sua análise sobre o partido do proletariado que é necessário a construção de uma “ciência pura da organização”, mas sim a relação de uma máquina organizativa com um programa, uma proposta coerente, apontando que o verdadeiro problema do partido é essencialmente político. Isso justifica uma crítica contundente a trabalhos de autores que o autor italiano classificou como o “ceticismo organizativo”, por teorizar sobre “a impossibilidade de uma reforma antiburocrática da política e um substancial desprezo pelos problemas organizativos” (Ibidem, p. 35). O primeiro e mais influente intelectual da vertente ceticistas organizativa é Robert Michels, que vamos priorizar na apresentação das contribuições deste vertente. Para este autor, por mais que o ideal da democracia fosse seu exercício pelas massas, ele na prática é impossível. Com a premissa de que “é mais fácil dominar as massas do que um pequeno auditório” (MICHELS, p. 10), considera que é impossível a aplicação de democracia direta, o que impõe a qualquer processo democrático a necessidade de delegação das massas. Esse processo substitui a igualdade genérica do ideal de democracia pela igualdade dos organizados. A partir da caracterização sobre os limites da democracia direta, Michels afirma que um partido político moderno precisa formar uma classe de políticos profissionais, com aptidões específicas, criando uma elite, inclusive nos partidos operários. Desta especialização técnica forma-se a “direção de negócios”, que passa a ter o poder de decisão. Nas palavras do próprio autor, “quanto mais o aparelho de uma organização se complica (...) mais terreno perde o governo diretamente exercido pelas massas” (Ibidem, p. 15). Por um caminho diferente, Michels responde de forma semelhante a Schumpeter ao problema do sistema democrático capitalista. Ambos consideram uma natureza e determinação do comportamento humano para justificar seu ceticismo em um modelo político democraticamente mais direto que o parlamentar burguês. O primeiro ainda considera razões de ordem psicológica dos cidadãos para justificar sua teses, admitindo que apenas uma minoria dos cidadãos se interessa por política e a maioria está sujeita (psicologicamente) a uma atração por bons oradores, pois se atrai mesmo por espetáculos (Ibidem, p. 30). Renato Fernandes, a partir de sua dissertação Oligarquia e transformismo: a crítica de Gramsci a Michels, este autor situa o debate de conceitos de partidos a partir da discussão de intelectuais na sociedade moderna. A partir da obra de Gramsci, que define a formação do partido pela associação de intelectuais orgânicas às massas, Fernandes denota um ponto de inflexão e disparidade decisiva entre a visão marxista e ceticistas dos partidos políticos. Assim como Fernandes, Cerroni busca na discussão sobre os intelectuais a sistematização de seu modelo e evolução de partido socialista. Retornando as fases de evolução do partido proletário, paralelamente a transição das fases do partido proletário (pré-política, intra-uterina e extra-uterina), se dá a formação de uma classe de intelectuais orgânicos, que, associado às massas, formam um novo “bloco histórico”. Esse processo é contraposto a proposta de formação de classe de profissionais de Michels, pois, ao contrário de castas, está a elevação “a níveis superiores das massas de cultura e ampliação de seu círculo de influência” (FERNANDES, 2011, p. 65). O processo de constituição do partido em um novo Estado significa a ampliação da gama de intelectuais e a transformação desse contingente pelo processo prático de contato e adesão das massas a seu projeto alternativo de sociedade. A crítica de Gramsci a Michels é ressaltada por Fernandes que trata a classificação do cético organizativo como “superficial e genérica”, pois descredita a proposta de partido carismático, como Michels descreve. O partido fascista, principal referência de ambos os autores para esta discussão, mesmo com o carisma de Mussolini precisou de outras estruturas partidárias (máquina) para constituir-se hegemônico de fato (Ibidem, p. 67). Outro autor que Cerroni associa ao ceticismo organizativo é o cientista político francês Maurice Duverger. O mesmo também admite uma “tendência autocrática” nos partidos. Estatendência pode ser “confessada” ou “disfarçada”, esta a regra enquanto a outra, a exceção (DUVERGER, 1970, p. 172). Os partidos são levados a fazer concessões ao princípio democrático, pelo menos de forma aparente, principalmente para angariar a influência das massas, e assim conseguir a concentração de poder desejada pelos seus dirigentes (Ibidem, p. 173). Para camuflar a autocracia, Duverger sugere diversas técnicas presentes nos partidos, destacando as manipulações eleitorais e a distinção de dirigentes aparentes e dirigentes reais (Ibidem, p. 175). Outra maneira de por fim a democracia é por meio do sufrágio indireto, isto é, através da representação de delegados. Essas constatações de uma dinâmica partidária, levam ao autor francês a admitir que as direções do partido tendem “naturalmente a assumir uma forma oligárquica” (Ibidem, p. 188). Admitindo que tanto os trabalhos de Michels quanto de Duverger precisavam de uma atualização por conta das mudanças no sistema políticos da segunda metade do século XX, o autor italiano Angelo Panebianco, em sua obra Modelos de Partidos, admitiu que os mesmos desnudaram o “núcleo organizativo” dos partidos, ao contrário das posições de Gramsci e Cerroni (PANEBIANCO, 1995, p. 14). Considera em sua tese que as organizações “diferem enormemente entre si”, mas “invariavelmente” servem para perpetuar o poder daqueles que a controlam (Ibidem, p. 16). A orientação do ceticismo inaugurada por Michels teve ao longo do século XX uma continuidade evidente em diversos autores, a exemplos do que citamos aqui. Conclusão: o lugar da teoria dos partidos na ciência política O desinteresse no aspecto organizativo do projeto político do partido socialista, ou proletário é o principal eixo da discussão deste artigo. Deste ponto podemos identificar uma associação do pensamento científico moderno aos ceticistas, e diferenciar sua proposta sobre teoria dos partidos dos autores marxistas que se dedicaram ao tema partido. O intelectual orgânico é, como já dissemos, a chave para o paradigma da teoria dos partidos. Segundo Cerroni, ele é a combinação da inteligência e organização, pois compreende bem o programa e é plenamente capaz de operá-lo. O partido proletário é, portanto, simultaneamente, uma não-máquina com um não-programa. Não-máquina pois seu corpo organizativo de militantes em diversas escalas não é apenas executivo, mas infuso das ideias desde sua formação, pela adesão a partir da consciência. E é um não-programa porque sua propaganda ideológica não é doutrinária, mas sim abastecida pela dinâmica de “produzir quadros para elaborar ideias e conquistar as massas, produzir uma massa para elaborar quadros e ideias” (CERRONI, 1982, p. 37). Ao elucidar a natureza dos partidos políticos modernos a partir do partido revolucionário, Cerroni critica os autores Michels, Duverger e outros (seguidos por Panebianco posteriormente 2 ) e sua teoria sobre os partidos. Retornando a premissa de nossa discussão introdutória, a tipologia partidária de Michels é exposta pelas ideias de Gramsci 3 como “puramente descritiva” ou “empirista” (FERNANDES, 2011, P. 67). Tal debate é convergente com a ausência da percepção sobre o “aspecto teórico da prática”, levantado por Otaviano Pereira na discussão sobre o conceito de teoria. O conceito de práxis, isto é, a percepção da unidade entre teoria e prática para qualquer formulação teórica e qualquer ação prática, revela o sentido histórico das obras que debatemos nesse sucinto artigo. Segundo Cerroni, a separação de dirigentes e dirigidos naturalizada nas relações humanas por Michels é fruto da própria sociedade moderna. Uma proposta revolucionária, externa a isso, deve conter um rigor organizativo aliado a seu programa para ser bem sucedido enquanto proposta contra- hegemônica (CERRONI, 1982, p. 37). Outro fator que cabe aqui ressaltar é reconhecer a diferença entre o trabalho marxista sobre teorias dos partidos de Umberto Cerroni e a teoria do partido revolucionária presente no campo do marxismo, especialmente através de Lenin e Gramsci. As contribuições de Vladmir Lenin são baseadas no estudo intrínseco da realidade de seu país de origem, a Rússia, que era “um país capitalista sem Estado 2 O trabalho de Angelo Panebianco são contemporâneos ou posteriores ao de Umberto Cerroni. O autor italiano expressamente dialoga com os trabalhos já considerados clássicos ao seu tempo, especialmente Michels e Duverger. 3 Ressaltadas por Renato Fernandes. burguês”. Sua formulação não priorizou o estudo de uma teoria sobre os partidos, mas sim a perspectiva de formação de uma teoria do partido revolucionário. Nesse sentido, o partido de Lenin, historicamente realizado como partido bolchevique (e posteriormente Partido Comunista) era formado por funcionários intelectuais aliados a operários aderidos a um programa político e teórico que semeava processos políticos modernos em alternativa a um Estado absolutista. A política moderna viria na Rússia, segundo Lenin, pelas mãos dos socialistas e seu partido era destinado a dirigir as massas para liberta-las da política czarista (Ibidem, p. 41-2). Pela pesquisa da história da Itália e a partir das contribuições de Lenin, Antonio Gramsci renova a proposta de partido revolucionário estabelecendo mais nexos da relação do partido com o Estado burguês, que podia se manifestar com mais peso em mecanismos de consenso (democrático-burguês) ou coercitivo (fascismo), porém nunca sem uma das duas esferas. O modelo de partido de Gramsci, segundo Cerroni, é de um “partido filtro”, um partido de massas que produz quadros, a partir de uma profunda análise sobre a sociedade, contando com o sucesso do movimento socialista pela elevação cultural das massas (Ibidem, p. 44). A proposta teórica de Cerroni, contudo, não é uma renovação ou revisão do modelo de partidos de Lenin, Gramsci e outros marxistas. É uma construção teórica, no sentido da práxis, pois busca em exemplos históricos (e seus respectivos estudos) para embasar seu conjunto de conceitos a cerca de seu objeto escolhido: o partido político moderno. A base dos partidos socialistas como ponto de partida para todos os partidos. O partido socialista como referência do sistema moderno de partidos. O movimento operário no capitalismo e seus conflitos com a hegemonia burguesa embasou a construção de um partido socialista e o modelo do moderno. Essa perspectiva se justifica enquanto teoria crítica da teoria cientifica moderna, do qual associamos o ceticismo organizativo. Mais do que uma formação de lei a partir da observação empírica, a teoria dos partidos de Umberto Cerroni se propõe elaborar pela localização histórica de seu objeto. O partido socialista é um modelo pois assim a história da sociedade moderna, de seu Estado burguês e sua formação partidária o fez. Nada é natural, e a transformação é apenas parte da teoria. BIBILIOGRAFIA BIANCHI, Alvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2008. CERRONI, Umberto. Teoria do partido político. Tradução: Marco Aurélio Nogueira & Silvia Anette Kneip. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1982. COUTINHO, Carlos Nelson. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos: 1916-1935. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Tradução: Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. FERNANDES, Renato César Ferreira. Oligarquia e transformismo: a crítica de Gramsci à Michels. 2011. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp. MICHELS, Robert. Os partidos políticos. Tradução: Hamilton Trevisan. São Paulo: Editora Senzala. PANEBIANCO, Angelo. Modelos de partido. Versíonespañola de Mario Trindad. Madrid: Alianza editorial, 1995. PEREIRA, Otaviano. O que é teoria? São Paulo: Brasiliense, 1994. 10 ed. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.