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Fichamento do texto: GRAMSCI. Antonio. O Moderno Príncipe. In: GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. Cap. 1 p. 03-102. Objetivo do Texto Gramsci realiza uma releitura da figura política traçada por Maquiavel em seu clássico da Era Moderna, “O Príncipe”. Gramsci se propõe a repensar o fazer político – bem como a política e os próprios fenômenos políticos - no mundo do século XX, no qual está inserido. O marxista italiano compreende que o Príncipe da época moderna, tal qual traçado por Maquiavel, se faz presente no povo, a partir do momento que este se identifica com um “condottiero”, dessa forma, como assume Gramsci, o próprio Maquiavel “faz-se povo”. Gramsci objetiva traçar paralelos entre a “ciência política” efetuada por Maquiavel em 1532, e o complexo funcionamento político no qual estava inserido, nos anos 1920. A figura do “condottiero” (agora o Moderno Príncipe), ou seja, representante da vontade e consciência popular, deveria estar presente na figura do Partido Político, e não na figura de uma só pessoa. Esta seria a expressão revolucionária, segundo o autor, do “nacional popular”, tal qual o era na época moderna “O Príncipe” de Maquiavel, a partir da concepção de Gramsci de que este clássico do Renascimento era uma tentativa primeira de expressão de uma “nação italiana”. Metodologia de pesquisa utilizada pelo autor Devem ser ressaltadas as condições de produção disponíveis a Gramsci – bem como o fato de o livro analisado ser uma reunião de escritos e esboços do autor, não terminados e não editados pelo mesmo -, que escrevia em cárcere, portanto limitado muitas vezes às memórias do que já havia lido, estudado e pensado sobre. Nesse contexto, o autor realiza um paralelo entre sua leitura de filosofia política, muito embasado nos clássicos de Marx e Engels, ao mesmo tempo em que faz referências a outros autores que tem estudos acerca da obra de Maquiavel, como é o caso do citado filósofo Georges Sorel, e até mesmo de outros clássicos, principalmente italianos, como é o caso de Croce; a clássica obra de Maquiavel, “O Príncipe”; e sua perspectiva do contexto político vivido pelo mundo no início do século XX, especialmente da realidade italiana, no âmbito da ascensão do regime fascista de Mussolini. Dessa forma, Gramsci propõe a hipótese de funcionamento político em torno de uma nova figura política, que guarda semelhanças com o Príncipe “maquiavelico”. Este seria o Moderno Príncipe, que toma forma na figura na prática política “das massas”, no que o autor entende por Partido Político. Notas de Gramsci sobre Maquiavel Gramsci denota o caráter de O Príncipe ter sido uma obra fundamental para os estudos de Política a partir do momento em que separa esta do ambiente religioso e moral vigente nas análises políticas contemporâneas a Maquiavel. Maquiavel procura, portanto, analisar a ação política dos líderes, mais especificamente estudar a ação política desses indivíduos que desenvolveram funções políticas ao longo da história para traçar leis de funcionamento das relações políticas. Para além disso, atribui valor histórico concreto a obra, argumentando que Maquiavel dialogava a sua época com novas formações econômico-sociais “italianas”, o que seria o “nascimento da classe burguesa” – potencialmente revolucionária à época (século XVI) – e consequentemente com as classes opositoras, marcadas pelo tradicionalismo herdado, segundo Gramsci, da “burguesia rural”, que seriam grandes latifundiários. Dessa forma, o autor enxerga em O Príncipe “um jacobinismo precoce de Maquiavel, o germe da sua concepção de revolução nacional” (p. 8). Ou seja, Gramsci nos destaca que há algo de revolucionário na obra. Em suma este seria um apelo de Maquiavel a unificação nacional italiana, em torno de um projeto político nacional-popular, que fosse condizente com as características histórico-sociais dessa classe que surge nas cidades italianas modernas. É um projeto de educação política e mobilização - do que Gramsci chamou de vontade popular -, ainda que em torno de um representante político, o monarca, no âmbito das monarquias absolutistas modernas, tal qual Castela ou a dinastia Valois na França. A Política enquanto Ciência Gramsci faz uma defesa do entendimento dos fenômenos políticos através deles mesmos, sem uma interferência direta ou indireta necessariamente instantânea das mudanças no âmbito da produção, ou seja, economia. Na terminologia marxista, para Gramsci, a infraestrutura tem importância suis generis de análise para compreensão dos fenômenos. Sendo assim, mudanças no ambiente produtivo podem ter correlação efetiva nos fenômenos políticos em diferentes temporalidades, que não de forma imediata. Apesar de Gramsci ser um marxista do início do século XX, ele compreende – principalmente pelo que chama de complexificação do Estado no início do século XX -, diferentemente do marxismo “vulgar” amplamente difundido, que os fenômenos políticos têm algo de original e devem ser estudados enquanto uma ciência autônoma. Com isso, o ambiente político é área de luta e disputa, onde se concretizam e acentuam a luta de classes. Sendo assim, é área de atuação do Partido Político, embora se destoem as visões das classes – dirigentes/governantes e dirigidos/governados – a respeito da função do mesmo. Aqui se deve destacar a historicização feita por Gramsci da obra de Maquiavel, que faz uma defesa da monarquia nacional absolutista, “a forma política que permite e facilita um desenvolvimento das forças produtivas burguesas”. Apesar de ser possível observar características de um parlamentarismo (sistema representativo) em Maquiavel, Gramsci destaca a inexistência, ou existência ineficaz, de tais instituições na Itália, caso excêntrico seriam algumas cidades italianas que teriam essas características de instituições burguesas desenvolvidas precocemente, não obstante nada a nível nacional, se opondo completamente ao contexto francês, no qual Bodin está inserido e escreve sobre. Tendo, dessa forma, a Itália “exportado” modelos políticos, como o francês, anos depois. A tal fato Gramsci atribui uma “crise hegemônica”, derivada de uma frágil e tardia consolidação nacional italiana, na qual há uma classe de intelectuais dirigentes descolados do povo e sem apelo ao nacional-popular – crise orgânica. O Partido Político É o protagonista do “novo príncipe”, não mais um herói pessoal, mas sim representado pelo partido político agora. Sendo essa a principal instituição dentro de um Estado disposta a mudar (fundar) uma nova estrutura estatal, ou mesmo organizar a manutenção da estrutura já estabelecida. O partido político para Gramsci se constitui como um conceito muito mais amplo e de difícil apreensão do que a instituição por si mesma, dado este fato comumente usa- se a categoria de “Estado Ampliado” ou “Estado Integral” em análises gramscianas. Dessa forma, um jornal ou uma revista seriam também partidos políticos, ou ao menos frações de partidos em determinados contextos, a citar o Times na Inglaterra (p. 23). Essas ferramentas de informação (“imprensa de informação”) tomam projeções muito grandes nas chamadas “sociedades de massa” do século XX. Estabelecem funções de divulgação de uma própria visão de mundo, em defesa de um certo grupo social (classe, num conceito mais amplo), em suma a função de educação. A função educadora, portanto, é uma das bases em volta do conceito de partido político para Gramsci. Tanto em função de uma elite (classe dominante) na manutenção de seu status quo, quanto com um intuito revolucionário, partindo “de baixo para cima”. Cita inclusive as “ações diretas” de partidos como uma forma de propaganda, por meio da educação através de exemplos. Por conseguinte, Gramsci estabelece duas diferentes formas básicas departidos políticos. O primeiro deles é um composto por uma espécie de elite intelectual dirigente, com função de construir uma visão de mundo dada como correta, ou seja, uma função ideológica concreta muito forte, que é tornar as demandas do grupo social representado por esse “partido”, que assimila e detém poder “físico” (coerção) na sociedade política, como demandas universais da sociedade civil em torno de um “progresso” presumidamente de todos os indivíduos (consenso) – esse é o exercício da “função hegemônica” do partido. E desse partido se seguiriam um grande movimento de partidos – “frações de partido” - com a mesma funcionalidade, como é o caso das supracitadas imprensas de informação. O segundo tipo, mais recente, é o partido das massas, que tem a função de “fidelidade genérica” a situação política, Gramsci destaca inclusive a característica militar dessa fidelidade. Esse é também um campo em disputa para Gramsci. A partir da sociedade civil organizada, a organização dos “subalternos” é uma das predisposições para pleitear pela função hegemônica do Estado, ou seja, constituição de um novo partido político disposto a organização em torno da vontade popular. Para um partido desenvolver sua existência, segundo Gramsci, é necessário que o momento da modificação política (estrutura do Estado) esteja minimamente latente, ou seja, que haja uma lacuna entre as condições de produção e as forças políticas, no qual o consenso esteja se demonstrando já desgastado, de forma a prever a mudança do quadro político, ou, pelo menos, o desenvolvimento do partido. Nesse ponto o autor está destacando o caráter reformador do Partido, que deve alinhar as reformas políticas às reformas econômicas (relação estrutura/superestrutura). O fator de definição se o partido seria progressista ou reacionário segue a direção do parágrafo anterior. O surgimento de grupos de homens, evocando uma vontade coletiva - que abstenham as “vontades individuais” e não fiquem legados ao que seria a revolução passiva para Gramsci –, que se manifeste enquanto “contra hegemonia”, ou seja, procurem uma nova fundação Estatal que de fato subverta a lógica de produção capitalista, a proporcionar a reeducação popular, para Gramsci educar politicamente o senso-comum – elevar ao nível da nova legalidade as massas atrasadas -, estariam ligados a lógica do partido progressista. Gramsci estabelece certas características para a fundação histórica de um partido político – de modo que nos faz pensar que a destruição de um partido político bem fundado, que estaria no cerne do nascimento das nações modernas é quase impossível - que estariam ligadas a forças “altamente coesiva, centralizadora, disciplinadora e inventiva”, que se juntam a um corpo médio de homens dispostos a fidelizar com esse projeto e o projeto intelectual por si só. Seriam estas condições materiais intrínsecas ao partido para sua constituição histórica. Cesarismo Um momento político atípico, uma má resolução, ou insuficiente, para uma crise. Seria um “equilíbrio das forças em luta de modo catastrófico”. Com isso, Gramsci chega à conclusão que tomariam o poder, na forma de um golpe, chefes de Estado alinhados com parcela de grupos da sociedade - “forças auxiliares”, numa saída não anti-sistêmica, muito pelo contrário. Pode ser esse reacionário ou progressista, mas em última instância requer a análise histórica contextual específica. Revolução Passiva Por esse conceito, Gramsci procura entender alguns contextos de mudança política nos quais a mudança não é acompanhada pela maior parcela da população. O autor utiliza o termo “revolução-restauração” também, denotando certo conservadorismo na mudança política. É um conceito chave para entender a percepção de Gramsci sobre a Itália, uma vez que o utiliza para analisar o fenômeno histórico de unificação italiana, o Risorgimento, no qual “chefes surgiram por acaso, improvisados”, portanto derivados de uma ação conjunta de uma classe em específica que não está em convergência com os parâmetros nacionais-populares. Gramsci fala que “nenhuma formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvolveram encontrem lugar para um ulterior movimento progressista” e que “a sociedade não assume compromissos para cuja solução ainda não tenham surgido as condições necessárias”. E esse seria o contexto de uma revolução passiva. Mobilização política “descontextualizada” das massas populares. Por conseguinte, há uma força muito maior do exercício da sociedade política, sendo esta coercitiva. Conclusão Gramsci apresenta uma perspectiva do marxismo muito importante para pensar a ação política de grupos sociais que num primeiro momento não estão necessariamente conectados em volta do projeto político revolucionário, não obstante, segundo a ótica gramsciana, disputam por espaços no jogo político no âmbito das lutas de classes, e essa deveria ser uma tática de preparação da sociedade civil organizada que vive sob o “Estado Integral” (nos casos ocidentais) para o período revolucionário de fato. Para além disso, a leitura de Gramsci enaltece em Marx a influência da política e a imbricação desta na reprodução social, conseguindo demonstrar com isso que é possível (e necessário) compreender a “superestrutura” como algo de certa forma autônoma e que estabelece uma relação dialética com a “infraestrutura”, diferentemente das análises marxistas que conhecemos hoje como “ortodoxas”. Em grande medida essa concepção que o autor italiano desenvolveu foi possibilitada pela “ciência política” que realizava ao pensar a atuação política na realidade concreta. Nessa leitura há diálogos com o que chama de senso-comum, ou seja, há convencimento, é possível educar as massas à sua filosofia crítica, com um intuito transformador.
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