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A FORMAÇÃO DE JOVENS ATLETAS Estudioso canadense ministra palestra e concede entrevista Marina Gomes Jornalista colaboradora do Grupo de Estudos Avançados em Esporte, CEAv-UNICAMP No dia 24 de novembro de 2010, o professor Colin Higgs esteve na Faculdade de Ciências Aplicadas em Limeira para ministrar uma palestra sobre organização esportiva e formação de jovens atletas. Membro do Conselho Internacional para Ciência do Esporte e Educação Física ele explicou o programa de desenvolvimento de crianças no Canadá, onde é professor da Memorial University of Newfoundland, desde 1975. Lá, o planejamento de longo prazo já deu frutos: em 2010, nos Jogos Olímpicos de Inverno em Vancouver o país ganhou 14 ouros, o recorde de todas as edições do evento. “Nunca outro país ganhou este número de ouros”, contou. Logo de início, Higgs relacionou os principais erros identificados no Canadá na formação de jovens atletas e que foram sendo corrigidos ao longo do programa. Dentre eles: 1) Crianças treinavam como adultos; 2) Mulheres como homens; 3) Jovens participavam de competições sem sentido; 4) Os treinadores mais experientes trabalhavam com a elite, quando deveriam estar na base, desenvolvendo os atletas. Além disso, os programas antigos eram estruturados seguindo a ordem cronológica (idade) e não as potencialidades do indivíduo. Dessa forma, não era levado em conta que um garoto de 14 anos, por exemplo, poderia estar em diferentes estágios de desenvolvimento e precisaria ser treinado de acordo com sua individualidade. Para que o sistema ficasse mais justo foi elaborado um programa seguindo os chamados períodos sensíveis de treinamento, ou seja, as idades mais adequadas para cada tipo de estímulo. “Alguns movimentos têm que ser aprendidos na infância – nos períodos chamados de críticos – ou você nunca poderá fazê-los corretamente depois”, disse. Ele apontou que os erros cometidos na infância (especialmente entre os 6-10 anos) prejudicam a formação completa futura do atleta. “O que havia era um treinamento para resultado imediato e não em longo prazo. E isso não funciona. Leva 10 anos ou 10 mil horas de prática para ser bom em qualquer coisa. Ou seja, 3 horas diárias por 10 anos para alcançar o topo. Mas, claro, é importante não trabalhar forte com crianças pequenas. As cargas vão sendo aumentadas de forma contínua, principalmente na adolescência”, refletiu. Segundo o programa canadense o período de alfabetização física vai dos 0-6 anos. É o tempo de nadar (apenas sentir a água, na verdade), correr e fazer ginástica (atividades de pendurar, girar e rolar). Depois disso, vem o aprendizado pela diversão (6-9 anos para meninos e 6-8 anos para as meninas, que amadurecem mais rápido). De 8-11 anos é época de aprender a treinar. E depois, até os 16, é o momento crítico para o alto rendimento, já que o corpo está produzindo milhões de hormônios e em constante mudança. A partir dos 16 começa o refinamento das habilidades. Então, o atleta não é mais um corredor, é um velocista de 100m, ele exemplifica. Higgs termina a palestra com o seguinte conselho. “Muito se pergunta sobre como identificar os jovens talentos. Isso não existe. Não é 'encontrar' um talento. A questão é desenvolvê-los, é a formação”, finalizou. Para saber mais: Série FUNdamentals, do Reino Unido www.british-gymnastics.org/fundamentals Canadian Sport For Life www.LTAD.ca Série de programas sobre o correto desenvolvimento de crianças: PARTE 1 ( Importância da at ividade f ísica para crianças de 0 -6 anos) http://ontariosport4life.ca/dr-colin-higgs-on-importance-of-quality-physical-activity-for-children-ages-0-6 PARTE 2 (Obesidade infanti l) ht tp:/ /www.youtube.com/watch?v=ZSez5rKfHko&feature=related PARTE 3 (Programa canadense de esporte para a vida toda) http://www.youtube.com/watch?v=ERcGMLjgvWc&feature=related PARTE 4 (Alfabet ização f ísica) http://www.youtube.com/watch?v=6OfgIN5Lbf4&feature=related PARTE 5 (Construindo um cérebro melhor) http://www.youtube.com/watch?v=AdlFH1qAjuE&feature=related PARTE 6 (At ividades e programas) http://www.youtube.com/watch?v=JLpdd3a8E5A&feature=related ENTREVISTA CONCEDIDA POR COLIN HIGGS Colin Higgs é membro do Comitê Paraolímpico Internacional e foi um dos pioneiros no desenvolvimento de cadeiras de rodas especiais para corridas na década de 70. Com sua experiência já trabalhou em mais de 30 países implantando programas de esporte para pessoas com deficiência. Ele afirma que em 1992, tinha muita experiência técnica com equipamentos para esportes adaptados que utilizavam “rodas e propulsão”, mas percebeu que estava ajudando atletas canadenses “ricos” a bater os deficientes de países pobres e deu uma guinada. A partir daí, resolveu trabalhar com a formação de atletas de países em desenvolvimento e percebeu que para atuar nessa área teria que incluir a discussão de questões sociais, como educação, transporte e moradia. Dentro desse contexto, o professor alertou para a realidade brasileira e as mudanças que devem ocorrer por conta dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos que o País sediará. Colin Higgs responde, a seguir, a algumas perguntas sobre os esportes nos dias de hoje. Marina Gomes: Como você vê o cenário olímpico brasileiro atual? Estamos preparados para os grandes eventos que virão? Colin Higgs: É importante que as pessoas percebam o quanto este tempo vai passar rápido. No meu ponto de vista, dez anos é o quanto realmente leva para preparar um atleta para um evento dessa magnitude. Em menos de seis anos só há tempo para agir nos esportes que já têm atletas sendo treinados. O time de rúgbi de cadeira de rodas, por exemplo, eu vi e eles estão muito bem. Para os que não estão sendo treinados, seis anos é muito pouco tempo. No Congresso Paraolímpico realizado na Unicamp chamou minha atenção a grande quantidade de interessados no assunto, buscando melhorar a qualidade do esporte, aprendendo informações. Isso é ótimo, já é um passo importante. E vocês são muito criativos. Nas áreas mais remotas do País existe gente desenvolvendo uma http://www.british-gymnastics.org/fundamentals http://www.ltad.ca/ http://ontariosport4life.ca/dr-colin-higgs-on-importance-of-quality-physical-activity-for-children-ages-0-6 http://www.youtube.com/watch?v=ERcGMLjgvWc&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=6OfgIN5Lbf4&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=AdlFH1qAjuE&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=JLpdd3a8E5A&feature=related série de habilidades porque não têm alternativas. E sabemos que as melhores ideias não vêm da ciência, vem dos próprios atletas. Marina Gomes: Durante a palestra no Congresso Paraolímpico você falou sobre estratégias para Brasil. Quais são elas? Colin Higgs: Em 2007, vi no Pan-Americano do Rio de Janeiro atletas puxando seus guias porque eles não conseguiam acompanhá-los. Então, há muitos pontos a resolver. Elenco cinco deles: entender e usar a classificação funcional; obter vantagem da tecnologia; identificar talentos; desenvolver atletas, a longo prazo, e utilizar o apoio da população. É essencial compreender bem a classificação dos atletas e colocá-los na categoria correta. Depois vem a questão da tecnologia. Como demoraria muito para desenvolver um produto avançado e competitivo, é melhor dar ênfase aos esportes nos quais a tecnologia não faz tanta diferença. E, além do mais, é mais fácil comprar uma cadeira maravilhosa rapidamente a investir milhões no desenvolvimento. A sabedoria está em decidir o que é melhor fazer e o que é melhor comprar para ter alguma vantagem já em 2016. Além disso, focar nos esportes em que o resto do mundo não seja tão forte. E, por fim, usar bem a animação dos brasileiros. Muitos atletas paraolímpicos nunca se apresentaram na frente de tanta gente. Isso pode ser um fator de distração, e a torcida brasileira é realmente muito animada. Seus atletas já podem se acostumar e usar issocomo trunfo. Marina Gomes: Como foi o começo do seu trabalho com portadores de deficiência? Colin Higgs: Fui procurado por alguns atletas e da porta do meu escritório pude ver que eles usavam equipamentos terríveis. Há 35 anos competiam com cadeiras normais. Fico feliz que usem meus “inventos”, mas para mim o desafio sempre foi aprender como fazer cada vez melhor. Sou um cientista. Mas vejo também um problema nisso. Com equipamentos melhores e mais caros, os atletas de países mais ricos levam vantagem. No futuro gostaria de ver competições em que todos usassem o mesmo equipamento, e assim saberemos de fato quem é o melhor. Marina Gomes: O que podemos esperar de mudança após a Paraolimpíada? Colin Higgs: A partir das performances magníficas durante o evento a população verá o que as pessoas com deficiência são capazes de fazer, não o que elas não podem. Um dos bons legados também é deixar a cidade mais acessível para quem tem alguma dificuldade. Essa, aliás, foi uma das melhores heranças dos Jogos em Atenas. Pequenas mudanças como rebaixar calçadas fazem toda a diferença. Veja aqui na Unicamp mesmo: você acha que um cadeirante se locomoveria com facilidade? Marina Gomes: E a questão do preconceito, tende a melhorar? Colin Higgs: Hoje no Canadá e em muitos dos 35 países em que trabalhei vejo uma mudança completa de atitudes. Pessoas com deficiência estão nas escolas, universidades, trabalhando. Há 30 anos não víamos isso. Grande parte só foi possível por causa das leis, é fato. Mas é só o começo. Primeiro muda a lei e depois vem a atitude. Ver pessoas com deficiência o tempo todo faz com que isso seja normal. Ônibus, trens e prédios precisam ser feitos para que qualquer pessoa utilize e faça suas atividades sem dificuldade. Em muitos países as pessoas com deficiência ficam trancadas em casa, por vergonha. Essa discriminação só muda se elas puderem circular por todos os lugares. Marina Gomes: Qual o caminho pelo qual uma pessoa com deficiência passa para se tornar um atleta? Colin Higgs: É mais fácil treinar uma pessoa que ficou com deficiência e já praticava esportes do que alguém com a deficiência congênita. A grande dificuldade é o primeiro contato com o esporte. Os técnicos não estão preparados e quando veem a pessoa, simplesmente não sabem o que fazer. E perguntam a única coisa que ela não quer ouvir: - O que aconteceu, como se machucou? Se ele quiser e se sentir a vontade, vai contar, mas deixe que ele comece essa conversa. E o ideal é experimentar uma gama de esportes antes de escolher a qual se dedicar. Marina Gomes: O esporte paraolímpico ainda não movimenta uma quantia de dinheiro tão alta. Como você vê isso? Colin Higgs: O esporte paraolímpico não tem tanto dinheiro quanto o olímpico, mas isso é bom. Hoje em dia muitos veem os esportes tradicionais apenas como uma questão de dinheiro, enquanto os paraolímpicos mantêm a áurea de ser um maravilhoso evento de superação. Seria muito triste se perdêssemos isso. Afinal, se houver aporte de dinheiro, teremos os mesmos problemas. Marina Gomes: Você fala da questão de doping e a necessidade constante de recordes, por exemplo? Colin Higgs: Sim. Os atletas paraolímpicos não são melhores nem piores. Simplesmente não têm as mesmas oportunidades ainda. Nos próximos anos veremos a otimização do desempenho por drogas e tecnologia. Não sabemos ao certo aonde isso vai chegar, como o doping genético, por exemplo. E no esporte adaptado o problema é ainda maior. Diferenciar o que é desempenho e o que é intervenção médica é cada vez mais difícil. Um exemplo é o Viagra. Ele é essencial para a vida sexual do portador de deficiência, mas também é auxiliar do desempenho esportivo. Como definir os limites de uso? Há uma série de decisões críticas que o esporte terá que fazer. Classificação de atletas, doping, uso terapêutico de substâncias etc. E a solução não virá da ciência, mas sim da ética. Como cientistas, temos que aceitar que essa decisão não cabe a nós. A ciência apenas informa. Veja o caso da atleta fundista sul-africana Caster Semenya1. Existem duas categorias, mas a atleta não se encaixa em nenhuma delas. O que fazer? De certa forma fico curioso para ver como o esporte olímpico vai tomar essas decisões de classificação, que já são recorrentes para quem trabalha com paraolímpicos. Nós sabemos o quanto é difícil ter que alojar pessoas em classes preestabelecidas. 1 Nota do Editor: Após ganhar a medalha de ouro no Campeonato Mundial de Atletismo em 2009, a atleta Caster Semenya foi submetida a exames de DNA para verificação de seu sexo. Os resultados não foram divulgados. Em 2010 a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) declarou que a atleta poderia voltar a competir em eventos internacionais.
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