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GUAPINDAIA-MAYRA-CALANDRINI

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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
GÊNERO E EDUCAÇÃO A PARTIR DOS DISCURSOS DO BISPO 
D.JOSÉ JOAQUIM DA CUNHA DE AZEREDO COUTINHO
Mayra Calandrini Guapindaia1
Introdução
Segundo avaliação da historiografia portuguesa e brasileira recentes, a crise 
econômica vivida em Portugal no último quartel do século XVII foi respondida com 
iniciativas para reverter o quadro de perda de proeminência do país entre as 
potências européias (ARAÚJO, 2003; LYRA, 1987). No século seguinte, a renovação 
do pensamento lusitano a partir da circulação de novas idéias políticas se somou à 
percepção da necessidade de reformas econômicas, o que resultou em diversas 
iniciativas para remediar a crise. A partir da concentração de poderes nas mãos de 
Sebastião de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, iniciou-se o que se 
denomina o período pombalino (1750-1777) e as soluções ganharam redefinição e 
maior centralidade política. Pombal traçou planos objetivos para solucionar a crise, 
e, além de incentivos econômicos, buscou também implantar a reforma educacional 
baseada nas idéias ilustradas. 
A questão educacional passou a receber novo enfoque nesse momento, pois 
a mesma representaria um dos alicerces da construção de uma nova forma de 
governar, voltada para a implantação de reformas e a recuperação de Portugal. A 
educação seria, portanto, parte do projeto político de recuperação do Reino, uma 
vez que se tornava indispensável a formação de novos homens responsáveis pelo 
governo e pela gestão dos interesses portugueses (SILVA,2006). 
Esse momento histórico específico de propostas de reformas pedagógicas foi 
frutífero para a produção de discursos sobre a educação do futuro homem de 
Estado e para a elaboração de reflexões sobre a educação e o papel das mulheres 
frente a esse novo projeto de sociedade. Portanto, a perspectiva de gênero pode 
ser vista como um horizonte relevante de entendimento para o período da 
ilustração. 
1 Mestranda em História Social da Universidade de Brasília - UnB
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Intelectuais como Luis António Verney, António Ribeiro Sanches e, 
posteriormente, D.José da Cunha de Azeredo Coutinho, foram responsáveis por 
pensar as reformas no ambiente de ensino português. Em especial, a obra 
Verdadeiro Método de Estudar, de Verney, apresentou idéias do movimento 
Ilustrado a respeito da educação que serviram de base para a reforma da 
Universidade de Coimbra (VERNEY, [1746]1950). Vale lembrar que esses 
intelectuais entraram em contato com as idéias ilustradas correntes na Europa na 
época, leram e reinterpretaram, à sua maneira, muitos autores considerados 
importantes para a difusão das idéias iluministas na época. Portanto, as idéias 
ilustradas de outros países Europeus não foram recebidas de maneira passiva pelos 
intelectuais portugueses. 
A reforma educacional proposta por esses intelectuais estava baseada em 
princípios que começaram a surgir no meio da Ilustração. Buscava-se uma utilidade 
moral na educação, ou seja, havia a preocupação em formar cidadãos úteis para o 
Estado e para a administração pública. Podemos perceber como a educação ganha 
uma utilidade política, pois há a necessidade de formar um novo instrumental 
humano para auxiliar nas questões políticas e administrativas de Portugal. (SILVA, 
2006) 
Verney e Sanches, assim como outros iluministas, pensaram sobre a 
educação dos futuros homens de Estado e também sobre a educação de mulheres. 
Apesar de dedicarem uma parte significativamente menor à educação feminina, 
esses ilustrados também estavam preocupados em inserir as mulheres nos 
discursos sobre a reforma educacional. Contudo, essa inserção se dá de uma forma 
diferenciada, pois propõe-se uma educação prática, para formar homens úteis para 
os serviços do Estado e da Igreja, enquanto que a utilidade da educação feminina 
está ligada ao cuidado do lar e da família, sendo também necessária para bem 
educar os filhos, futuros homens do Estado. Portanto, pode-se perceber que esses 
autores buscam direcionar o estudo das mesmas de acordo com os papéis sociais 
que deveriam representar. 
O movimento iluminista ibérico e suas novas propostas educacionais tiveram 
desdobramentos na América Portuguesa. Isso se explica devido à política adotada 
durante o período pombalino de tentar aproximar colônia e metrópole, tendo como 
fim último a recuperação econômica de Portugal. As reformas do Marquês de 
Pombal foram responsáveis por implantar alguns ideais da ilustração portuguesa no 
espaço colonial. Os pensadores ilustrados, preocupados com a questão da 
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
reaproximação entre colônia e metrópole, ocuparam-se também da questão 
educacional, pois viam como necessária a formação de homens que pudessem 
auxiliar a Coroa na América Portuguesa. 
D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho(1743-1821), apesar sua obra 
datar de um período posterior ao governo pombalino, foi um intelectual que pensou 
a reaproximação entre Colônia e metrópole, e, em suas obras, é possível encontrar 
uma estreito diálogo com as reformas gerais do ensino propostas pelos demais 
iluministas. O bispo Azeredo Coutinho adota algumas bases da reforma educacional 
proposta por Verney como, por exemplo, a ênfase em novos métodos educacionais 
e a tentativa de tornar o ensino mais prático e utilitário. Azeredo Coutinho também 
escreveu sobre a educação feminina, inspirando-se na mesma matriz filosófica de 
outros ilustrados portugueses que abordaram a educação de mulheres. 
Esse ensaio tem o intuito de tentar compreender a importância diferenciada 
que a educação passa a ter na América Portuguesa no contexto da Ilustração,a 
partir do pensamento do bispo Coutinho. Especificamente, procuramos 
compreender como as idéias iluministas mudaram o discurso educacional luso da 
época e de que forma essa mudança causou impacto sobre a educação de homens 
e de mulheres. Com esse propósito, analisamos duas obras de Azeredo Coutinho: O 
Estatuto do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e o Estatuto do Seminário de 
Olinda, ambos de 1798, sendo que o primeiro versa sobre um espaço de educação 
feminina e o segundo, sobre um espaço de educação masculina.
O enfoque teórico do trabalho recai justamente sobre a análise das obras a 
partir de um viés de gênero (SCOTT, 1986). Acreditamos que a análise do discurso 
da educação a partir da perspectiva de gênero pode esclarecer as relações sociais e 
políticas no momento da produção do discurso, levando em consideração que as 
reformas políticas iniciadas no período pombalino demandam novos discursos sobre 
como homens e mulheres deveriam ser educados e se comportar em sociedade. 
Para cumprir os objetivos propostos, o ensaio foi dividido em duas partes. 
Em um primeiro momento, aborda-se como o discurso ilustrado sobre educação foi 
re-elaborado na América Portuguesa por Coutinho Essa primeira seção busca fazer 
a ligação entre os discursos do bispo e o movimento Ilustrado português. No 
segundo momento, questiona-se as obras de Coutinho, levando em consideração as 
diferenciações sociais e de gênero nelas presentes.
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
A reinterpretação do discurso ilustrado na América Portuguesa e o Bispo 
D.José da Cunha Azeredo Coutinho 
Um dos enfoques das reformas pombalinas com o intuito de recuperar 
Portugal frente às outras potências européias recaia sobre a tentativa de uma maior 
aproximaçãoentre metrópole e domínios coloniais. A aproximação entre Portugal e 
sua colônia americana foi um tema amplamente discutido desde antes do período 
pombalino, já em meados do século XVII e se prolongou no século seguinte. Essa 
continuidade se traduz, por exemplo, no pensamento de D. Rodrigo de Sousa 
Coutinho, afilhado de Pombal e ministro responsável pelos assuntos ultramarinos. 
Segundo as idéias desse diplomata, as terras americanas seriam essenciais no 
plano de recuperação de Portugal, pois reconstrução de um poderoso império só 
seria possível tirando proveito das terras coloniais (LYRA, 1987). 
Nesse sentido, a reforma educacional, que era indispensável para a 
renovação do aparato administrativo do reino, fez-se sentir também na América 
Portuguesa. Contudo, deve-se levar em consideração que as iniciativas de reformas 
pedagógicas no espaço colonial foram isoladas. Um dos exemplos da tentativa de 
se implantar o ensino de acordo com os preceitos ilustrados correntes em Portugal 
e no restante da Europa foi a construção do Seminário de Olinda, feita pelo Bispo 
José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho. O Bispo também foi responsável por 
escrever os estatutos desta instituição, em 1798. Nesse sentido, a obra de D. José 
Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho e a fundação do Seminário de Olinda são 
marcos fundamentais para compreender o alcance das reformas educacionais na 
América Portuguesa. Sobre o Seminário de Olinda, Guilherme Pereira das Neves 
afirma que, apesar de ter sido uma iniciativa isolada que não refletia toda a 
situação educacional da colônia, foi a mais inovadora da época. Em relação à 
ligação da instituição com as reformas pombalinas, o autor afirma o seguinte: 
Inseria-se, por conseguinte, o Seminário naquele processo de descoberta 
pela Coroa do conhecimento como um poder, que vinha da reforma da 
Universidade de Coimbra e da criação da Academia Real de Ciências em 
Lisboa, mas que agora alargava-se para estender-se a colônia, em sintonia 
com o projeto de império luso-brasileiro de Rodrigo de Souza Coutinho 
(NEVES, 2000 P.37). 
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Azeredo Coutinho, estando ciente das idéias ilustradas acerca da educação 
de mulheres, também se preocupou em emitir sua opinião a respeito do tema, 
escrevendo o Estatuto do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, em 1798. 
Para compreender o pensamento do bispo sobre educação, se faz necessário 
delinear uma breve biografia . D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho nasceu 
em 1743, na vila de São Salvador dos campos de Goitacases, na Paraíba do Sul, e 
fazia parte de uma família de senhores de engenho. Iniciou seus estudos na 
capitania do Rio de Janeiro, onde cursou humanidades no Convento dos Carmelitas 
Calçados. Em 1775, foi para a Universidade de Coimbra, cursar Filosofia e Letras. 
Posteriormente, se formou também em Direito Canônico. A instituição, já 
reformada, é responsável por apresentá-lo a idéias ilustradas. Em 1794 é nomeado 
Bispo de Olinda e governador interno da mesma capitania. Chegou a Pernambuco 
somente em 1798, trazendo consigo os estatutos do Recolhimento da Glória e os do 
Seminário de Olinda, sendo que esta última instituição foi por ele fundada. Seu 
governo em Pernambuco se prolongará até o ano de 1806, quando o bispo retorna 
a Portugal para se tornar bispo de Elvas. D.Azeredo Coutinho morreu em 1821. 
A produção literária do bispo é variada e ele escreve sobre diversos 
assuntos, como educação, economia e política. Dentre suas obras, vale destacar as 
duas mais conhecidas: Analyse sobre a justiça do commercio e do resgate dos 
escravos da costa d’Africa e Ensaio econômico sobre o commercio de Portugal e 
suas colônias.(1794). Das reformas educacionais concebidas por ele, uma das 
principais é a reorganização da instituição primária em Pernambuco. 
Pode-se perceber que o bispo compartilhava das perspectivas da Ilustração 
quando analisamos suas obras a respeito dos mais variados temas e também 
quando percebemos suas relações pessoais com outros intelectuais que estavam 
ligados às idéias iluministas e aos projetos de reforma em Portugal e na colônia, 
principalmente aqueles que se formaram na Universidade de Coimbra na mesma 
geração de Azeredo. 
Argumenta Maria Odila da Silva Dias (1968) que muitas idéias da ilustração 
portuguesa foram repensadas pelos intelectuais da América Portuguesa em fins do 
século XVIII e início do século XIX, época na qual viveu o bispo Azeredo Coutinho. 
Segundo essa autora, esses eram intelectuais formados nas universidades 
européias, principalmente na Universidade de Coimbra a partir de 1772. 
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Faz-se necessário abordar, de uma maneira geral, o conteúdo dos estatutos 
do Seminário de Olinda e os do Recolhimento de Nossa Senhora da glória. Assim, 
será possível compreender a ligação desses documentos com as obras pedagógicas 
que estavam em circulação nos domínios portugueses durante o período da 
ilustração. 
Os estatutos do Recolhimento de N.Senhora da Glória estão divididos em 
duas partes. A primeira diz respeito ao governo da instituição, bem como a 
distribuição dos cargos internos. Cada capítulo versa sobre os cargos que deveriam 
ser ocupados pelas pessoas do governo interior do recolhimento, bem como 
explicita quais deveriam ser suas funções e suas características. Doze cargos são 
descritos por Azeredo Coutinho, na seguinte ordem de capítulos: Do padre 
espiritual e capelão da Caza, da Superiora ou Regente da Caza, Da Vigária do Coro, 
Da procuradora, Da sacristã, da porteira, da rodeira, da enfermeira, da dispenseira, 
da refeitoeira e das Mestras das educandas. 
A segunda parte dos estatutos está centrada nas regras para a educação das 
recolhidas, o que implica na reflexão do Bispo, em diversos capítulos, sobre 
temáticas como os primeiros fundamentos da educação e mesmo sobre a forma de 
vestir das educandas. É necessário ressaltar que essa segunda parte dos estatutos 
é de fundamental importância para a presente pesquisa, uma vez que é onde se 
encontram a reflexão do bispo sobre a necessidade de se educarem as mulheres, e 
como especificamente essas devem ser educadas. A segunda parte do estatuto, 
portanto, pode ser ligada aos discursos emitidos pelos ilustrados portugueses, Luís 
Antonio Verney e Antonio Ribeiro Sanches e ajuda a refletir sobre as 
representações do feminino no período da ilustração. 
Os estatutos do Seminário de Olinda estão divididos em três partes, a 
primeira diz respeito à observância econômica, na qual o bispo discorre sobre 
questões como o ingresso de seminaristas pobres, o modo de vestir dos 
seminaristas e dos mais variados ofícios que haveriam de existir dentro do 
seminário. A segunda parte trata da observância da moral, e trata das obrigações 
do homem diante de Deus, diante de si mesmo e em relação aos outros homens. A 
terceira e última parte, da observância literária, desenvolve sobre os estudos 
acadêmicos dos seminaristas, como as primeiras letras, aritmética, religião, canto, 
filosofia, e discorre também sobre os professores. É preciso ressaltar que essa 
última parte é a mais extensa de todo o estatuto. 
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Levando em consideração partes específicas de ambos os estatutos, é 
possível perceber que Azeredo Coutinho compartilhava de boa parte das idéias 
ilustradas que foram desenvolvidas alguns anos antes. Na introduçãoaos estatutos, 
o bispo trata da utilidade da educação. Como já sabemos, a questão da 
necessidade de se implantar uma educação prática, a fim de formar um cidadão 
preparado para lidar com a sociedade foi recorrente na época do Iluminismo. 
Dentre muitos, Verney e Sanches buscaram desenvolver idéias sobre essa questão, 
apontando para a necessidade de uma reforma pedagógica no reino português. A 
nosso ver, há uma ligação clara entre Azeredo Coutinho e o ambiente reformista 
ilustrado. O Bispo reinterpreta as idéias, em especial de Verney, e tenta implantá-
las na América Portuguesa. A ligação entre Coutinho e Verney pode ser percebida 
na seguinte passagem: 
Por pouco que se adiantem os conhecimentos humanos nos estudos das 
ciências, já os discursos e costumes não são o que dantes eram, mas sim 
outros mais iluminados e mais regulados, e que fazem distinguir o homem na 
sociedade. Para que se adquiram essas vantagens, que produzem as 
ciências, devem ser regulados os estudos por um verdadeiro método, que 
não implique os entendimentos com matérias e questões inúteis; mas sim 
adiante os conhecimentos, e ensine a procurar a verdade em suas fontes: 
(...).” (COUTINHO, 1798, p.345. Grifo meu) 
A menção por parte de Coutinho a um verdadeiro método de estudo, que 
está relacionado ao aprendizado de costumes iluminados, que fazem distinguir o 
homem na sociedade, parece fazer clara referência ao Verdadeiro Método de 
Estudar, de Verney. Outras afirmativas ao longo dos estatutos do seminário 
também remetem às idéias ilustradas, como na seguinte passagem: 
E por isso nós, sem perdermos tempo, nem perdoarmos a trabalho cuidamos 
de criar e estabelecer na Cidade de Olinda um Colégio, para nele se instruir a 
Mocidade na nossa Diocese no conhecimento das verdades da Religião, nas 
práticas dos bons costumes, e nos estudos das artes, e ciências, que são 
necessárias para pulir o homem, e fazer Ministros dignos de servirem à 
Igreja, e ao Estado (Idem).
Percebemos, nessa passagem, a preocupação do bispo em formar homens 
úteis para o aparato administrativo português. Ou seja, a preocupação da formação 
de um instrumental humano capacitado aos novos tempos, os tempos das luzes, 
perpassa pela obra de Azeredo Coutinho assim como pela de Verney e Sanches. É 
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
possível notar que a reforma ilustrada chegou à América Portuguesa não só por 
iniciativas econômicas, mas também por meio da política da educação. A colônia 
também deveria ter homens capacitados trabalhando para os interesses do Estado, 
e o Colégio de Olinda surgia justamente para suprir esse interesse. 
Em relação a educação das mulheres, o discurso de Coutinho também busca 
um tom utilitário, assim como os outros ilustrados. Nesse caso, a utilidade de se 
educarem as mulheres está mais uma vez centrada na questão de formar boas 
mães, que seriam as primeiras mestras dos futuros homens públicos: 
Mas persuadidos nós também, que a educação dos mestres pouco, ou nada 
aproveita aos filhos, quando ela ou não é fomentada pelas maens. Ou é por 
elas contrariada; pois que em fim por isso que elas são maens, são as 
primeiras mestras, e os primeiros modelos para a imitasão dos filhos, não 
seriam completos os nossos dezejos, se as nosas vistas se não entendesem 
também à boa educação das filhas, destas filhas, que a Providencia desde o 
berso destinou para serem maens, mestras, religiozas, ou diretoras dos 
primeiros pasos daqueles, que um dia ão de formar o corpo da Sociedade 
Umana. (COUTINHO, 1978, PP.1-2) 
Nessa passagem é possível perceber a presença de questões centrais do 
pensamento iluminista, tal como a utilidade do ensino, a importância da primeira 
educação do homem (ligada às teorias de John Locke) e o destacado papel da 
mulher nessa primeira educação. Vale ressaltar que essas idéias aparecem não só 
nos estatutos do seminário de Olinda, como também nos estatutos do Recolhimento 
de N.S da Glória. Como, por exemplo, na passagem a seguir, retirada dos estatutos 
do recolhimento: 
Aquele que nisto bem refletir, facilmente reconhecerá, que a boa, ou má 
educação lança os seus primeiros fundamentos na tenra idade. Uma criança, 
que ainda não fala, não faz mais do que ver, ouvir, e observar o que se diz, e 
o que se faz diante dela: (...).(COUTINHO, 1798a, p.63) 
A presença desta questão no estatuto destinado à educação de mulheres 
reflete que a educação desde a primeira infância é importante tanto para homens 
quanto para as mulheres. As primeiras idéias aprendidas pelas mulheres também 
seriam fundamentais para a formação de seu caráter. De acordo com Coutinho: 
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
(...) é muito importante que se comece a educação das filhas desde a sua 
infância. Esta primeira idade, que de ordinário se entrega ao cuidado de 
mulheres indiscretas, e talves mal creadas, é todavia aquela em que se 
fazem as impressões mais profundas, e que durão toda a vida (idem). 
A questão da importância do exemplo, presente na reflexão dos outros 
ilustrados, também é abordada por Azeredo Coutinho. Nos estatutos do Seminário 
de Olinda há um trecho no qual Coutinho discorre sobre a importância do primeiro 
mestre: 
Porque o homem nos seus primeiros anos não faz mais do que adquirir idéias 
e imitar tudo quanto ouve, e quanto vê; é necessário que o professor das 
primeiras letras seja um homem não só hábil na sua arte, mas também um 
modelo de virtude e de bondade, quanto cabe nas forças humanas, para 
formar discípulos hábeis e bons cidadãos (...) (COUTINHO, 1798, p.346).
Por isso, ficam claras as apropriações que Azeredo Coutinho faz do discurso 
iluminista. Resta agora abordar questões mais específicas sobre o discurso do 
bispo, tais como de que forma deveriam ser educadas as mulheres? De que forma 
deveriam ser educados os homens? Que setores sociais deveriam ser educados? Na 
próxima seção, essas perguntas serão apresentadas às obras de Coutinho.
2) Como educar? As propostas do Bispo de Pernambuco para a educação 
feminina e masculina
Conforme afirmamos, os ilustrados propunham novos métodos e formas de 
aprendizagem para a educação dos futuros homens de Estado. Em relação ao 
conteúdo disciplinar que as mulheres deveriam aprender, é preciso ter em vista que 
este era bem menor do que o conteúdo destinado aos homens. Isso se explica 
devido ao fato de os ilustrados acreditarem haver uma “diferenciação natural” entre 
os papéis destinados para homes e para mulheres. Os pensamentos de Azeredo 
Coutinho exemplificam muito bem essa questão, conforme se pode ver a seguir: “A 
ciência das mulheres, assim como a dos homens, deve ser proporcionada aos seus 
empregos: a diferença das ocupações é a que faz a dos seus estudos (COUTINHO, 
1798a, p.89).”
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
E ainda: “As mulheres ainda que se não destinam para fazer a guerra, nem 
para ocupar o ministério das coisas sagradas, não tem contudo ocupações menos 
importantes ao público (idem, p.2) .”
Nesse caso, o papel das mulheres se restringia ao cuidado da família e ao 
cuidado do lar. Por isso, as disciplinas que as meninas aprendiam eram mais 
restritas em relação às dos meninos. Nos estatutos do recolhimento, essas 
disciplinas correspondiam a arte de ler, de escrever e contar, além das atividades 
consideradas tipicamente femininas, como cozer e bordar. De acordo com Beatriz 
Nizza (1977), em artigo que compara os estatutos do recolhimento e do seminário 
de Olinda, a educação feminina sugerida pelo Bispo deveria ser classificada, na 
verdade, como uma formação, uma vez queAzeredo Coutinho estava muito mais 
preocupado em controlar o comportamento das moças, com o intuito que elas 
crescessem de maneira “virtuosa” para cuidar bem do lar e dos filhos. A instrução 
propriamente dita era algo muito restrito na educação feminina. De acordo com a 
autora: 
As idéias do Bispo de Pernambuco sobre a educação das moças não difere 
daquelas que foram expressadas por Molière ou Fénelon e têm apenas como 
objetivo o aprimoramento e a maior rentabilidade das duas funções 
primordiais da mulher: guardiã da economia doméstica, mentora dos filhos 
(NIZZA, 1977, pp.151-152). 
É necessário levar em conta alguns aspectos das afirmações de Beatriz 
Nizza. A autora não leva em conta que a questão do controle comportamental não 
se faz somente na educação de mulheres, mas também na educação dos homens, 
o que aparece refletido nos estatutos do Seminário de Olinda. No artigo de Nizza, 
os únicos aspectos do controle comportamental levado em consideração na 
educação dos meninos são em relação a partes do estatuto que Azeredo Coutinho 
parece ser mais permissivo com os meninos em relação às saídas em público, por 
exemplo. Contudo, em um exame detalhado dos estatutos do Seminário, é possível 
perceber que a educação do comportamento é também extremamente relevante 
para a formação masculina. 
Portanto, a idéia da educação como forma de corrigir os defeitos e chamar a 
atenção para os deveres não é característica única da educação feminina. O próprio 
Azeredo Coutinho, nos Estatutos do Seminário de Olinda, deixa claro em diversas 
passagens que o homem só pode fugir de uma vida de vícios e defeitos se buscar, 
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por meio do conhecimento e da educação, uma vida virtuosa, como na seguinte 
passagem: 
Se o homem desde os seus primeiros anos, não tem o trabalho de cultivar a 
terra do seu coração, isto é, de arrancar as ervas venenosas dos vícios, más 
inclinações e apetites desordenados, e de lançar as sementes das virtudes, 
nunca virá a colher os saudáveis frutos das boas obras, pelas quais 
unicamente se faz digno da sociedade dos justos, e da felicidade eterna 
(COUTINHO, 1798b. PP.340-341). 
Pode-se considerar a educação como forma de correção e controle dos 
defeitos como algo comum na educação de meninos e meninas, e essa questão 
aparece tanto nas regras do Seminário de Olinda quanto nas das do Recolhimento. 
Contudo, existem no corpo de ambos os documentos diferenças fundamentais na 
especificação dos defeitos de homens e mulheres, que devem ser examinados. 
Essas diferenças, acreditamos, são explicadas pelas representações diferenciadas 
do masculino e do feminino. 
Ao comparar os dois estatutos, a impressão que temos é de que Azeredo 
Coutinho é mais cuidadoso ao listar os defeitos femininos e as formas de corrigi-los. 
Parece fazer isso por acreditar que as mulheres possuam defeitos específicos, 
ordinários do seu sexo, inexistentes, ou pelo menos, menos comuns, entre os 
homens. A preocupação em detalhar os defeitos das mulheres é tão grande que 
Azeredo Coutinho sente a necessidade de fazê-lo em duas partes específicas: os 
defeitos conseqüentes da má educação na infância e os defeitos que atingem outra 
faixa etária, de moças e mulheres. É possível observar como o autor elabora esse 
pensamento neste trecho do Estatuto: 
Já deixamos dito nos primeiros capítulos desta II parte as perniciosas 
conseqüências, que resultam da má educação; e os meios com que se deve 
ocorrer aos pequenos defeitos da primeira idade: agora convêm tratar de 
outros maiores defeitos, que se vão descobrindo na idade mais crescida, e 
dos meios próprios para se acautelarem. (COUTINHO, 1798a: p.80) 
Interessante notar que o autor dedica uma expressiva porção do seu 
trabalho - dos primeiros fundamentos da educação - à educação elementar das 
meninas, que deve ser feita pelos pais, em casa. E, apesar da importância que 
Azeredo Coutinho atribui, no mesmo estatuto, à primeira educação dos meninos, 
que seria feita pelas mães, pouco menciona o assunto ao longo dos Estatutos do 
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Seminário de Olinda. Na verdade, apesar de mencionar que os meninos devem 
receber uma educação virtuosa desde sua terna idade, não especifica como essa 
educação deve iniciada em casa. Já para a primeira educação das meninas, há uma 
série de passos a serem seguidos. Temos algumas hipóteses que podem ajudar a 
discutir o silêncio sobre a primeira educação dos meninos e a grande insistência de 
idéias sobre o mesmo tema para as meninas. 
Primeiramente, a grande importância atribuída à educação das meninas em 
casa pode estar ligada à questão do espaço atribuído para homens e mulheres, na 
época do autor. Como o espaço destinado às mulheres era estritamente o 
doméstico, é possível inferir que a educação em casa devia ser mais voltada para 
as meninas, já que sua função primordial seria conviver e organizar aquele espaço. 
A primeira educação feminina em casa teria como intuito preparar a mulher, desde 
sua infância, para manter a harmonia do lar e da família, pois ela seria a principal 
responsável por essas funções. 
Em segundo lugar tem-se a questão da construção de diversos discursos 
sobre as mulheres, que leva o autor a acreditar que elas devem ser 
constantemente vigiadas. A imagem da mulher como perigosa e cheia de defeitos 
leva o autor a concluir que ela deve ter seu comportamento controlado desde sua 
infância. Esse controle do comportamento feminino se reflete na questão de tentar 
manter as mulheres em seu espaço e também na tentativa de prepará-las para 
suas funções de destino. Para manter a harmonia do lar e ser uma boa esposa e 
mãe de família, a mulher deveria, primeiramente, aprender a manter-se calada, 
respeitando as decisões daqueles que lhe são superiores, como, por exemplo, o pai 
e o marido. Azeredo estabelece o modo como a mulher deve aprender a ter 
modéstia desde pequena, como é possível observar a seguir:
Quando com a idade for crescendo a razão, deve também crescer o cuidado 
de a ir adiantando na direção dos discursos, que ela for fazendo; nunca 
permitirá, que seja ela quem decida nas questões (...), antes pelo contrário 
lhe fará ver seu erro, e o seu engano, mostrando-lhe, que mais estima suas 
dúvidas, e perguntas, do que suas decisões com perigo de errar; e assim lhe 
irá introduzindo o espírito de modéstia. (Coutinho, 1798a: p.65) 
Podemos observar permanências no discurso de Azeredo Coutinho. A idéia 
das funções primordiais femininas como esposas e mães de família, sabemos, é 
algo que remonta a um passado bem distante do autor. Maria Regina Tavares da 
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Silva, em artigo sobre as mulheres na época da expansão (séculos XVI e XVII) 
examina como alguns autores da época viam as mulheres. Em relação aos papéis 
femininos, a autora afirma: 
Criticavam-se os seus defeitos e davam-se conselhos e 
ensinamentos, não necessariamente para se valorizarem, mas para 
corrigirem os mesmos defeitos e cumprirem a sua missão, 
designadamente enquanto esposas e mães (Silva M.,1995:p.1).
Contudo, é preciso tomar cuidado para não atribuir certa imobilidade, ou 
atemporalidade, a essa caracterização das mulheres enquanto passíveis de defeitos 
que deveriam ser corrigidos. Apesar da permanência desse discurso ao longo dos 
séculos, é preciso se ter em mente que o período aqui tratado reinventa tal 
discurso a partir de novas características, ligadas à questão da reforma educacional 
e do pensamento ilustrado. De acordo com Joan Scott,essas diferenciações que os 
discursos sobre gênero sofrem ao longo do tempo devem ser levadas em conta 
pelos historiadores, para que não interpretem as diferenças de gênero como 
categorias fixas, que não são passíveis de mudança. Nas palavras da autora: 
The point of new historical investigation is to disrupt the notion of 
fixty, to discover the nature of the debate or repression that leads to 
appearence of timelles permanence in binary gender representation. 
(SCOTT, 1986, p.1068). 
Portanto, partimos do principio que o discurso relacionado às mulheres 
enquanto esposas e mães de família parecem sofrer alguma mudança a partir das 
idéias de autores iluministas sobre educação. Permanece a idéia das mulheres 
como inatas para o papel de esposas e mães, contudo, a partir das reformas 
educacionais em Portugal, começa-se a elaborar mais profundamente a questão da 
necessidade de uma educação feminina e da necessidade de uma instituição que 
seja encarregada disso. 
Ana Cristina Araújo afirma que a discussão dos iluministas portugueses 
sobre a educação feminina está ligada, também, à transformação do papel social 
das mulheres, especificamente àquelas ligadas à nobreza, na sociedade portuguesa 
do século XVIII. De acordo com a autora, muitas mulheres nobres da época 
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passaram a patrocinar salões literários e à participar ativamente da vida pública e 
intelectual. Araújo cita parte de um discurso recitado por D.Mariana Colaço de 
Castelo Branco, de 1748, que traduz muito bem a consciência que as próprias 
mulheres nobres tinham dessa transformação social.O trecho citado é o seguinte: 
Eu conheço as leis severas, que sobre o meu sexo tem promulgado o mundo, 
cobrindo com o véu do decoro a injustiça com que talvez nos trata [...] como 
se aos homens unicamente fosse permitido falar em público, e cultivas as 
Artes, e aquelas Ciências de que fazendo um injusto monopólio, nos querem 
reduzir unicamente ao governo da casa (ARAÚJO, 2003, p.64 apud Matias, 
1995, p.393). 
Portanto, a discussão feita por parte dos intelectuais de Portugal sobre a 
educação de mulheres se liga à transformação do próprio papel social de algumas 
mulheres. Contudo, muitas noções ligadas às diferenças de gênero ainda 
permaneciam na época, ganhando uma nova roupagem a partir do iluminismo. 
A questão da utilidade da educação feminina também parece estar de certa 
forma ligada ao ambiente político reformista em Portugal. Justifica-se a educação 
das mulheres como necessária para a educação do futuro homem público. Vemos 
então como a questão do papel social da mulher como esposa e mãe, que é uma 
idéia antiga, ganha novos significados a partir das reformas educacionais e da 
preocupação com a formação do homem público. 
A partir da idéia de que o discurso de Azeredo Coutinho apresenta 
continuidades e descontinuidades, concordamos com Suely Almeida (2005) quando 
sugere que o discurso de Azeredo Coutinho é, na verdade, um interdiscurso. Isso 
significa que D.Azeredo constrói seu discurso reagrupando representações sobre as 
mulheres que são antigas em um novo contexto, que é o das idéias ilustradas sobre 
educação e reforma educacional.
Como se sabe, as diferenciações em relação à educação não se restringiam 
ao âmbito do gênero. Azeredo Coutinho, assim como outros ilustrados 
portugueses, ainda compartilhavam a idéia de uma sociedade hierárquica, 
corporativa, aonde cada grupo social deveria receber uma educação específica, de 
acordo com os papéis que deveriam representar em sociedade.
A questão da sociedade corporativa em D. Azeredo Coutinho pode ser vista 
em outras obras escritas pelo bispo. No Ensaio Econômico sobre o comércio de 
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Portugal e suas colônias (1742) o autor apresentou uma discussão sobre a possível 
utilidade do indígena para a economia do reino. Segundo o autor, as tentativas de 
civilizar o indígena da forma como vinham sendo feitas eram inúteis. Para Azeredo, 
seria necessário educar esses povos a partir de sua verdadeira paixão para que eles 
se interessassem pela atividade, que seria a pesca. Mas, para que os métodos de 
pesca fossem mais úteis, seria necessário que o indígena aprendesse com o homem 
civilizado. Veja a seguinte passagem: 
Mas logo que ele (o indígena) vir a facilidade com que o homem industrioso 
arma redes, forma laços e que uma vez colhe milhares de peixes, este 
espetáculo maravilhoso que de um só golpe de vista cai debaixo de sua rude 
compreensão, o encherá de alegria e de entusiasmo: ele irá, mesmo sem ser 
rogado, lançar-se no meio da colheita e da abundancia (COUTINHO, 1742, 
P.96) 34 
Existem diversos pontos que podem ser considerados no pensamento de 
Azeredo Coutinho acerca da utilidade da educação dos povos indígenas e é preciso 
discorrer a respeito de pelo menos dois deles. Primeiro, pode-se considerar que o 
pensamento está de acordo com as idéias dos ilustrados de formar pessoas úteis 
aos negócios do reino. Busca-se nesse caso não só a utilidade do cidadão, do 
homem público, e da esposa e mão de família, mas também de outros grupos, tais 
como os indígenas. Contudo essas utilidades não são iguais e cada grupo deve 
receber educações diferenciadas. A educação do indígena não seria a mesma do 
futuro homem público, pois esses ocupavam lugares diferentes na hierarquia social. 
Essa idéia também aparece em Sanches quando trata da educação de pessoas do 
campo. Segundo, apesar da formação do indígena ser diferente da formação do 
homem público, ainda assim estava baseada em conceitos que o autor considerava 
como mais corretos, que seriam técnicas dos homens civilizados. Fica claro que 
Azeredo Coutinho prioriza as sociedades que considera mais desenvolvidas, que 
seriam as mais próximas do pensamento das luzes. Na concepção do autor, todos 
deveriam se beneficiar desse pensamento, inclusive os indígenas, por mais que de 
forma diferenciada. Os indígenas, para o autor, seriam homens selvagens, 
incivilizados e isso só seria corrigido se entrasse em contato com idéias civilizadas. 
Portanto, é possível perceber que as diferenciações no âmbito educacional no 
período da Ilustração vão além das separações relativas ao gênero. 
A partir do contato com esses documentos foi possível compreender o ideal 
de educação de Azeredo Coutinho no contexto ilustrado. No que diz respeito sobre 
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
quem e como deveriam educar fica claro que a melhor educação consistiria sempre 
aquela que envolvesse as idéias ilustradas. Tais idéias deveriam ser aplicadas de 
forma diferenciada para cada setor social, ou, em alguns casos, não serem 
aplicadas. Foi possível perceber também que as diferenças educacionais extrapolam 
as diferenciações de gênero, partindo para um âmbito mais amplo de diferenciações 
sociais. 
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