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APG 16 - Nefrolitíase

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APG 16 - Nefrolitíase
1. Rever a fisiologia da formação da urina
2. Compreender a fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico,
etiologia, epidemiologia, tratamento e fatores de risco da nefrolitíase
3. Diferenciar os tipos de cálculos renais
Definição
A litíase ou calculose urinária é conceituada como a existência de um ou mais
cálculos no interior do aparelho urinário. Cálculos correspondem a estruturas
cristalinas que alcançaram tamanho suficiente para causar sintomas ou serem
percebidos por técnicas de imagem radiológicas.
A calculose urinária pode ser entendida como uma forma de biomineralização. E a
litíase é, portanto, um processo que ocorre em um sistema biológico, que o
influencia. Apesar de a urina ser frequentemente supersaturada com sais de
cálcio e oxalato, na maioria das pessoas não se formam cálculos. O mecanismo
exato da sequência “supersaturação-cristalização -litíase urinária” ainda não é
totalmente conhecido. Fatores genéticos, dietéticos, socioeconômicos e
constitucionais são considerados importantes para a formação de cálculos
urinários.
A nefrolitíase deve ser diferenciada da nefrocalcinose, na qual há deposição difusa
de cálcio nos rins, incluindo o parênquima, principalmente em sua porção medular.
Fisiopatologia
Resumidamente, pode-se admitir que a formação de cálculos se dê pelo
desequilíbrio entre a solubilidade e a precipitação de sais na urina. Os rins têm
como função conservar água e excretar elementos de baixa solubilidade,
principalmente sais de cálcio, durante condições variáveis de clima, dieta e atividade
física. Quando a excreção de sais ou a conservação de água aumenta, cristais
se formam, que, por sua vez, podem então crescer e se agregar para formar
um cálculo.
A região de maior interesse, dos pontos de vista químico, biológico e médico,
situa-se entre o PS, abaixo do qual a cristalização não se inicia, e o PF, acima do
qual a cristalização é constante. Denomina-se essa zona intermediária meta estável.
Tem grande importância na patogenia da nefrolitíase, já que a maioria dos produtos
de concentração da urina de indivíduos normais e de portadores de cálculo renal
situa-se nessa faixa. Além disso, os fatores inibidores da cristalização exercem
seus efeitos principalmente dentro desses limites. Dependendo do balanço entre
inibição e promoção, a cristalização será ou não favorecida.
A atividade inibitória pode ser definida como a capacidade da urina em impedir
a nucleação espontânea de cristais ou, se isso ocorrer, prevenir o crescimento
e a agregação posteriores. O inibidor da cristalização deve, portanto, ser capaz de
ligar-se à superfície de cristais em formação, inibindo seu crescimento ou sua
agregação.
Várias substâncias foram descritas como inibidoras da cristalização na urina.
Pode-se classificá-las em dois grandes grupos: baixo peso molecular e
macromoléculas.
O principal argumento favorável à importância dos inibidores reside na observação
de que, embora a urina da maioria da população seja supersaturada em relação a
vários sais, apenas a minoria forma cálculos.
Fatores de risco
➔ Essas condições causam aumento da saturação urinária em relação a
determinado sal ou promovem diminuição da atividade inibidora da urina.
Baixo volume urinário
A nefrolitíase representa um distúrbio de concentração urinária. A concentração
urinária de cálcio, por exemplo, pode ser diminuída reduzindo-se a excreção de
cálcio ou aumentando-se o volume urinário. Portanto, a ingestão hídrica aumentada
é componente fundamental na prevenção da calculose urinária
Hipercalciúria
É tradicionalmente conceituada como excreção urinária de cálcio maior que 4
mg/kg/dia ou até 300 mg/dia, no homem, e 250 mg/dia, na mulher.
De qualquer modo, níveis urinários de cálcio acima da média, mesmo que abaixo
dos níveis definidos para hipercalciúria, podem contribuir para a formação de
cálculos
Hiperoxalúria
A excreção normal de oxalato em indivíduos sadios varia entre 10 e 40 mg/dia.
Valores que excedam 40 a 45 mg/dia são considerados hiperoxalúria clínica. A
maioria dos portadores de nefrolitíase tem níveis normais de oxalato na urina.
Entretanto, a solubilidade do oxalato (quando ligado ao cálcio) em solução aquosa é
de apenas 5 mg/ℓ, o que torna a urina permanentemente supersaturada com esse
íon.
Hiperuricosúria
Pode ser conceituada como excreção urinária maior que 800 mg/dia para homens
e 750 mg/dia para mulheres.
Hiperuricemia
O ácido úrico é o produto final da degradação de purinas em humanos. Em pH
urinário ácido, predomina a forma não dissociada do ácido úrico, que é pouco
solúvel (apenas 96 mg/ℓ), podendo levar à cristalúria e à formação de cálculo renal,
mesmo com taxas de excreção normais
Hipocitratúria
O citrato é o ânion dissociado do ácido cítrico, um ácido fraco ingerido com a dieta
e produzido endogenamente no ciclo do ácido tricarboxílico. A excreção urinária
média de citrato é de 640 mg/dia em indivíduos saudáveis. A definição mais aceita
de hipocitratúria corresponde à excreção de citrato menor que 320 mg/dia.
O citrato é um potente inibidor da cristalização. Diminui a supersaturação
urinária, ao formar sais solúveis com o cálcio, e inibe diretamente a cristalização do
oxalato de cálcio.
Infecção
Cálculos primariamente associados à infecção são formados por fosfato amônio
magnésio (estruvita ou triplo fosfato) ou, mais raramente, por apatita (fosfato de
cálcio).
Sua gênese está relacionada com a infecção por bactérias produtoras de urease
(em geral, dos gêneros Proteus, Staphylococcus, Providencia, Ureaplasma, menos
frequentemente Pseudomonas ou Klebsiella e, quase nunca, E. coli) que desdobram
a ureia em amônia, tornando o pH urinário alcalino e favorecendo a cristalização
com fosfato e magnésio para formar a estruvita.
Cistinúria
Doença hereditária, autossômica recessiva, caracteriza-se por hiperabsorção de
aminoácidos dibásicos (cistina, ornitina, lisina e arginina) nas microvilosidades do
túbulo proximal e das células epiteliais intestinais.
A excreção urinária normal de cistina situa-se ao redor de 20 mg/dia, e a formação
de cálculos decorre exclusivamente de sua baixa solubilidade em pH urinário
normal.
Deficiência de proteínas inibidoras da cristalização
Em estudos de populações selecionadas, portadoras de nefrolitíase recorrente e
sem anormalidades metabólicas associadas à formação de cálculos,
identificaram-se alterações quantitativas e qualitativas na excreção de
nefrocalcina, proteína de Tamm-Horsfall (uromodulina), osteopontina e
bicunina, entre outras.
Medicações associadas ao cálculo renal
Epidemiologia
Idade – A prevalência de já ter tido uma pedra aumenta com a idade. De acordo
com dados dos ciclos NHANES de 2007 a 2016, a prevalência foi de 5,1% em
homens de 20 a 39 anos, em comparação com 19,7% em homens com 80 anos ou
mais. Da mesma forma, a prevalência foi de 5,8% em mulheres de 20 a 39 anos, em
comparação com 10,6% em mulheres de 80 anos ou mais.
Sexo – Embora a prevalência de história de nefrolitíase seja semelhante entre
homens e mulheres com idade inferior a 40 anos, a prevalência geral de litíase é
aproximadamente duas vezes maior em homens em comparação com
mulheres. As taxas de incidência também são semelhantes em homens e mulheres
abaixo dos 40 anos, mas acima dos 40 anos as taxas são mais elevadas nos
homens do que nas mulheres
Raça/etnia – A doença de Stone é mais comum em pacientes brancos que não
são hispânicos, seguidos por pacientes brancos que são hispânicos, e é menos
comum em pacientes negros e asiáticos.
Manifestações clínicas
A nefrolitíase pode ser totalmente assintomática, com diagnóstico acidental por
meio de exames de imagens, ou causar apenas dor vaga, em flancos.
Entretanto, a apresentação característica é de cólica nefrética. Em geral, inicia-se
com dor localizada na região lombar, no flanco ou na fossa ilíaca, súbita, forte,
geralmente unilateral, em cólica, não aliviada com repouso ou posição,
irradiada para o trajeto ureteral, a região de bexiga e a genitália externa.
Pode haver disúria e hematúriamacroscópica concomitantes. Náuseas e vômitos
são comuns.
Ao exame físico, notam-se frequentemente taquicardia, palidez, sudorese, dor à
palpação em região de ângulo costovertebral e distensão abdominal leve,
porém não associada a sinais de irritação peritoneal.
Diagnóstico
Na avaliação do paciente, além da caracterização do episódio agudo, dados da
história mórbida pregressa e de certas condições e hábitos mostram-se
importantes. Ocorrências prévias, idade na primeira e na última crise,
consequências e intervenções e passagem espontânea de cálculos devem ser
questionadas.
Diagnósticos como bexiga neurogênica, infecções urinárias de repetição, diarreia
crônica ou gota têm importância na patogênese da doença litiásica. Além disso, é
preciso pesquisar se existem baixa ingestão de líquidos, restrição de leite ou
derivados, uso de medicações sem prescrição médica (p. ex., vitaminas, antiácidos
e suplementos de cálcio) e história familiar positiva de nefrolitíase.
Hematúria micro ou macroscópica configura-se a regra na cólica nefrética,
que ocorre em 80 a 90% dos casos.
Leucócitos podem ser encontrados na urina tipo I, porém a presença de bactérias
no exame do sedimento deve levantar a suspeita de infecção associada. Pode-se
observar discreta leucocitose, geralmente sem desvio à esquerda significativo.
A creatinina sérica é normal, exceto em situações de obstrução em rim único,
obstrução ureteral bilateral, cálculos gigantes de bexiga ou cálculos uretrais
impactados.
Deve-se também confirmar se há cálculo e sua localização. A realização de
radiografia simples de abdome (RUB) baseia-se no fato de que 90% dos cálculos
renais são radiopacos. Para ser visualizado, um cálculo precisa apresentar ao
menos 2 mm em seu maior diâmetro. A limitação das radiografias simples reside
na baixa sensibilidade para cálculos ureterais
A ultrassonografia torna possível detectar todos os tipos de cálculo,
independentemente da radiopacidade, além de avaliar a presença e o grau da
hidronefrose. Pode ser realizada na vigência de cólica nefrética e durante a
gestação.
Hoje, a tomografia computadorizada helicoidal é o padrão-ouro para o
diagnóstico de litíase urinária. Apresenta altas sensibilidade e especificidade (96 e
100%, respectivamente), torna possível o exame do abdome em poucos minutos,
pode ser usada sem administração de contraste na cólica renal aguda,
diagnostica patologias não relacionadas com o trato urinário e detecta
praticamente todos os tipos de cálculo (radiopacos ou não).
Além disso, possibilita utilizar a densidade, medida em unidades Hounsfield, para
estimar a composição do cálculo e sua resposta ao tratamento.
Suas desvantagens são o alto custo, a maior carga de radiação e a limitada
disponibilidade do aparelho.
Quando possível, o cálculo eliminado deve ser recuperado e submetido à análise.
Conhecer a composição do cálculo urinário é importante para entender a
fisiopatologia da doença, escolher a modalidade de tratamento e prevenir a
recorrência.
Tratamento
Deve ser dividido em três partes: tratamento da cólica renal; tratamento do cálculo;
e terapêutica da doença litiásica.
Tratamento da cólica renal
As duas principais classes de medicações utilizadas para analgesia na cólica renal
são os anti-inflamatórios não hormonais (AINE) e os opioides.
Cálculo no ureter ocasiona aumento da taxa de filtração glomerular, aumento da
pressão em via excretora e espasmo da musculatura lisa. Os AINH têm ação direta
na patogênese da dor, ao inibirem a síntese de prostaglandinas e reduzirem a
vasodilatação, a pressão intrarrenal e a inflamação. Ao inibirem a síntese de
prostaglandinas, os AINH reduzem a inflamação e a hiperatividade muscular
ureteral.
Tratamento do cálculo
A eliminação espontânea ocorre em até 80% dos cálculos menores que 5 mm. Para
cálculos maiores que 7 mm, a chance é bem menor.
Indica-se consulta urológica urgente visando à remoção do cálculo ou drenagem
do trato urinário em situações de dor refratária ao tratamento clínico, obstrução
persistente com função renal alterada, infecção concomitante, risco de pionefrose
ou urosepse, obstrução bilateral ou cálculo em rim único com hidronefrose.
Já a hospitalização é recomendada quando houver necessidade de administração
frequente de analgésicos parenterais, vômitos persistentes, suspeita de pielonefrite
aguda associada, elevação da creatinina plasmática e desenvolvimento de anúria
ou oligúria.
Várias medicações têm sido utilizadas como facilitadoras da passagem espontânea
de cálculos ureterais, principalmente aqueles localizados no ureter distal e menores
que 1 cm. A chamada terapia expulsiva medicamentosa (TEM) na litíase ureteral
baseia-se na presença de receptores alfa-1-adrenérgicos, localizados
principalmente no ureter inferior. O bloqueio desses receptores inibe o tônus do
músculo liso e o peristaltismo descoordenado, mantendo as contrações de
propulsão
Profilaxia e terapêutica da doença litiásica
O primeiro episódio de nefrolitíase fornece boa oportunidade para aconselhar os
pacientes sobre medidas preventivas e terapêuticas.
Tipos de cálculos
Os cálculos formados por deposição de cálcio são os mais comuns, correspondendo
a 70 a 80% dos casos. Na maioria das vezes, compõem-se de oxalato de cálcio e,
eventualmente, em menos de 5% dos casos, podem ser de fosfato de cálcio (apatita
ou brushita).
Cálculos de cálcio
Esses cálculos são formados quando há urina alcalina, que aumenta a
supersaturação do fosfato, podendo ser encontrados na acidose tubular renal distal
ou no hiperparatireoidismo primário.
Em geral, os cálculos de cálcio são arredondados, radiodensos e não costumam
apresentar aspecto coraliforme.
Cálculos de ácido úrico
Podem ser puros ou abrigar quantidades variáveis de cálcio.
Caracteristicamente, são radiotransparentes, não visíveis, portanto, à radiografia
simples de rins, ureter e bexiga (RUB)
Cálculos de estruvita
São formados por fosfato amoníaco magnésio e representam aproximadamente 5 a
10% dos cálculos. Pouco radiodensos, são grandes e caracteristicamente
coraliformes.
Cálculos de cistina
Pouco radiopacos e com aspecto de vidro moído à RUB
A. Cálculo de vevelita (fosfato de cálcio mono-hidratado). B. Cálculo de vedelita
(fosfato de cálcio di-hidratado). C. Cálculo de estruvita. D. Cálculo de apatita. E.
Cálculo de brushita. F. Cálculo de ácido úrico. G. Cálculo de cistina.

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