Prévia do material em texto
1 A DIALÉTICA DA ARQUITETURA MODERNISTA INSERIDA EM SÍTIOS HISTÓRICOS The dialectics of the modernist architecture inserted at historical ranches Roberta Ilha Lisboa. Arquiteta e Urbanista pela UFJF Mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes UFES – Vitória – ES. Resumo O objetivo desse artigo concentra-se na interpretação da dialética de inserção da arquitetura modernista em sítios históricos. Considerando a importância dos arquitetos modernistas na consolidação de legislação do Patrimônio Histórico no Brasil, estando por vezes à frente do mesmo, é relevante compreender o discurso da arquitetura modernista em entorno histórico. Para isso foi estabelecida a sistematização de alguns parâmetros de leitura dessa articulação, através de um exemplo emblemático e que teve reflexo direto nas diretrizes do então SPHAN (Serviço do Patrimônio Artístico Nacional) – O Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto. A inserção do Grande Hotel marca umas das primeiras inserções modernistas em sítios históricos no país, no momento em que a arquitetura modernista tinha grande força e o SPHAN estava em fase de consolidação, sob consultoria de Lúcio Costa. Através desse exemplo, é possível identificar algumas relações sutis e complexas entre a arquitetura modernista e o contexto histórico, reafirmando a necessidade de existência de diálogo das construções novas com os sítios históricos, sem por isso, serem confundidas com estes. Palavras-chave: arquitetura moderna, sítios históricos, patrimônio. Abstract The objective of that article concentrates on the interpretation of the dialectics of insert of the modernist architecture in historical ranches. Considering the modernist architects' importance in the consolidation of legislation of the Historical Patrimony in Brazil, being per times ahead of the same, it is relevant to understand the speech of the modernist architecture in I spill historical. For that the systemization was established of some parameters of reading of that articulation, through an emblematic example and that he/she had direct reflex then in the guidelines of the SPHAN (Service of the National Artistic Patrimony) - Oscar Niemeyer Great Hotel in Ouro Preto. The insert of the Great Hotel marks some of the first modernist inserts in historical ranches in 2 the country, when the modernist architecture had great force and SPHAN was in consolidation phase, under consultancy of Lúcio Costa. Through of that example, it is possible to identify some subtle and complex relationships between the modernist architecture and the historical context, reaffirming the need of existence of dialogue of the new constructions with the historical ranches, without for that, they be confused with these. Key Words: modern architecture, historical ranches, patrimony. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é baseado num capítulo da dissertação de Mestrado em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, com orientação do Professor Dr. Tarcísio Bahia. O trabalho consiste em pesquisar as possíveis ligações da arquitetura modernista e alguns sítios históricos em que foram inseridas no Brasil. Foram analisados três casos pela época e circunstância em que foram inseridos: o Castelo D’água de Luis Nunes em Olinda, de 1937, construído antes da inauguração do SPHAN1; o Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto, em 1938-1940, construído já sob o controle do SPHAN, no momento em que Lúcio Costa tinha grande influência junto ao serviço do patrimônio; o Palácio Tomé de Souza de João Filgueiras Lima (Lelé) em Salvador, de 1986, com uma linguagem ainda modernista, mesmo quando o modernismo oficialmente não era mais a linguagem arquitetônica hegemônica e o então IPHAN já estava bem consolidado em sua política de preservação. Através de um dos exemplos, no caso o Grande Hotel em Ouro Preto, é possível identificar algumas relações sutis e complexas entre a arquitetura modernista e o contexto histórico, reafirmando a necessidade de existência de diálogo das construções novas com os sítios históricos, sem por isso, serem confundidas com estes. A partir da análise interdiscursiva do Grande Hotel com seu entorno imediato, surgiram questões e pistas que, investigadas, nos levaram a identificação de fatores ricamente diferenciados, mutuamente relacionados por toda a espécie de relações. O objeto da análise dialética consiste, por conseguinte, em pôr a nu, a interdependência existente do todo complexo das 1 Em 1937 foi criado como SPHAN através da Lei 378, em 1941 o nome mudou para DPHAN, já que foi transformado em Diretoria. Em 1970, o Decreto nº 66.967 transforma a DPHAN em Instituto (IPHAN). IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -713 1 A DIALÉTICA DA ARQUITETURA MODERNISTA INSERIDA EM SÍTIOS HISTÓRICOS The dialectics of the modernist architecture inserted at historical ranches Roberta Ilha Lisboa. Arquiteta e Urbanista pela UFJF Mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes UFES – Vitória – ES. Resumo O objetivo desse artigo concentra-se na interpretação da dialética de inserção da arquitetura modernista em sítios históricos. Considerando a importância dos arquitetos modernistas na consolidação de legislação do Patrimônio Histórico no Brasil, estando por vezes à frente do mesmo, é relevante compreender o discurso da arquitetura modernista em entorno histórico. Para isso foi estabelecida a sistematização de alguns parâmetros de leitura dessa articulação, através de um exemplo emblemático e que teve reflexo direto nas diretrizes do então SPHAN (Serviço do Patrimônio Artístico Nacional) – O Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto. A inserção do Grande Hotel marca umas das primeiras inserções modernistas em sítios históricos no país, no momento em que a arquitetura modernista tinha grande força e o SPHAN estava em fase de consolidação, sob consultoria de Lúcio Costa. Através desse exemplo, é possível identificar algumas relações sutis e complexas entre a arquitetura modernista e o contexto histórico, reafirmando a necessidade de existência de diálogo das construções novas com os sítios históricos, sem por isso, serem confundidas com estes. Palavras-chave: arquitetura moderna, sítios históricos, patrimônio. Abstract The objective of that article concentrates on the interpretation of the dialectics of insert of the modernist architecture in historical ranches. Considering the modernist architects' importance in the consolidation of legislation of the Historical Patrimony in Brazil, being per times ahead of the same, it is relevant to understand the speech of the modernist architecture in I spill historical. For that the systemization was established of some parameters of reading of that articulation, through an emblematic example and that he/she had direct reflex then in the guidelines of the SPHAN (Service of the National Artistic Patrimony) - Oscar Niemeyer Great Hotel in Ouro Preto. The insert of the Great Hotel marks some of the first modernist inserts in historical ranches in 2 the country, when the modernist architecture had great force and SPHAN was in consolidation phase, under consultancy of Lúcio Costa. Through of that example, it is possible to identify some subtle and complex relationships between the modernist architecture and the historical context, reaffirming the need of existence of dialogue of the new constructions with the historical ranches, without for that, they be confused with these. Key Words: modern architecture, historical ranches, patrimony. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é baseado num capítulo da dissertação de Mestrado em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, com orientação do Professor Dr. Tarcísio Bahia. O trabalho consiste em pesquisar as possíveis ligações da arquitetura modernista e alguns sítios históricos em que foram inseridas no Brasil. Foramanalisados três casos pela época e circunstância em que foram inseridos: o Castelo D’água de Luis Nunes em Olinda, de 1937, construído antes da inauguração do SPHAN1; o Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto, em 1938-1940, construído já sob o controle do SPHAN, no momento em que Lúcio Costa tinha grande influência junto ao serviço do patrimônio; o Palácio Tomé de Souza de João Filgueiras Lima (Lelé) em Salvador, de 1986, com uma linguagem ainda modernista, mesmo quando o modernismo oficialmente não era mais a linguagem arquitetônica hegemônica e o então IPHAN já estava bem consolidado em sua política de preservação. Através de um dos exemplos, no caso o Grande Hotel em Ouro Preto, é possível identificar algumas relações sutis e complexas entre a arquitetura modernista e o contexto histórico, reafirmando a necessidade de existência de diálogo das construções novas com os sítios históricos, sem por isso, serem confundidas com estes. A partir da análise interdiscursiva do Grande Hotel com seu entorno imediato, surgiram questões e pistas que, investigadas, nos levaram a identificação de fatores ricamente diferenciados, mutuamente relacionados por toda a espécie de relações. O objeto da análise dialética consiste, por conseguinte, em pôr a nu, a interdependência existente do todo complexo das 1 Em 1937 foi criado como SPHAN através da Lei 378, em 1941 o nome mudou para DPHAN, já que foi transformado em Diretoria. Em 1970, o Decreto nº 66.967 transforma a DPHAN em Instituto (IPHAN). IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -714 3 diferentes contradições, a unidade contraditória das contradições, o conjunto das relações, tendências, ligações, nexos, conexões, elos, determinações2. 2. CONTEXTO A inserção do Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto em 1938, é marcado pela atuação decisiva e participativa do SPHAN. Nesse momento, a cidade de Ouro Preto já era protegida pelo Decreto Federal nº 22928, de 12/07/1933, por ser considerada Monumento Nacional. Houve um intenso debate e diversas restrições até que se chegasse à uma solução aprovada pelo SPHAN. Nesta instância, a arquitetura modernista continuava com força total e o SPHAN já tinha bases sólidas, resultantes da atuação de Lúcio Costa e Rodrigo Franco Melo de Andrade e da legislação articulada. O sujeito que interfere em entorno histórico coincide com o sujeito SPHAN, afinal, os modernistas estão à frente do Serviço do Patrimônio e Artístico Nacional. O governo mineiro solicitou ao recém criado SPHAN a elaboração de um projeto para construção de um hotel no centro da capital da antiga capitania de Minas Gerais. O hotel deveria ser moderno, para atender as necessidades do turismo, e ao mesmo tempo não alterar a fisionomia peculiar da cidade, cujas construções datam do século XVIII. O arquiteto indicado pelo SPHAN foi Carlos Leão. A preocupação fundamental do projeto de Carlos Leão foi seguir as linhas tipológicas básicas da arquitetura local, para minimizar o contraste de forma que o novo edifício se integrasse totalmente a paisagem. Utilizou cobertura inclinada em telhas cerâmicas tipo capa/canal, pátio interno, janelas e portas em arco, fachadas com revestimento em pedra no térreo e caiadas de branco no restante de sua extensão3. 2 BROHM Jean-Marie. O que é a dialética?1ª edição. Lisboa: Edições Antídoto,1979, p.114. 3 CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e Brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p.110. 4 Fig. 1 - Fotomontagem do projeto de Carlos Leão A documentação do projeto sofre uma interrupção, quando surgem no SPHAN oposições a proposta de Carlos Leão, segundo Lauro Cavalcanti, essas oposições foram capitaneadas por Lúcio Costa, gerando oposições no interior do órgão, inclusive ao movimento moderno. Nesse período, Lúcio Costa estava em Nova Iorque, trabalhando na construção do Pavilhão Brasileiro, em parceria com Oscar Niemeyer. Recebendo o projeto, em correspondência de Rodrigo Melo Franco, percebe a inconveniência do que poderia parecer um “recuo” ou capitulação aos neocoloniais. Transmite, em carta ao diretor, seu parecer, Niemeyer retorna então ao Brasil e é encarregado, por Rodrigo Melo Franco de Andrade, de realizar novos estudos para o hotel4. O projeto de Niemeyer é efetuado para o mesmo terreno daquele de Carlos Leão – em declive, próximo à Casa dos Contos, edifício de grande volumetria e feições ecléticas, um dos maiores atrativos da arquitetura local. Foi idealizado um grande bloco sobre pilotis posicionado em sua extensão no sentido das curvas de nível, ao longo da maior parte do terreno. Previa uma cobertura em laje plana plantada com grama, de modo que, vista de cima, da estrada de acesso à Ouro Preto, fosse confundida com a vegetação do solo. Niemeyer argumentava ter lançado mão de processos construtivos contemporâneos à sua época, sem nenhuma preocupação de imitar a aparência das edificações antigas, pretendendo apenas “que o novo hotel, em seu aspecto 4 Depoimento de José de Souza dos Reis; Arquivo do SPHAN. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -715 3 diferentes contradições, a unidade contraditória das contradições, o conjunto das relações, tendências, ligações, nexos, conexões, elos, determinações2. 2. CONTEXTO A inserção do Grande Hotel de Oscar Niemeyer em Ouro Preto em 1938, é marcado pela atuação decisiva e participativa do SPHAN. Nesse momento, a cidade de Ouro Preto já era protegida pelo Decreto Federal nº 22928, de 12/07/1933, por ser considerada Monumento Nacional. Houve um intenso debate e diversas restrições até que se chegasse à uma solução aprovada pelo SPHAN. Nesta instância, a arquitetura modernista continuava com força total e o SPHAN já tinha bases sólidas, resultantes da atuação de Lúcio Costa e Rodrigo Franco Melo de Andrade e da legislação articulada. O sujeito que interfere em entorno histórico coincide com o sujeito SPHAN, afinal, os modernistas estão à frente do Serviço do Patrimônio e Artístico Nacional. O governo mineiro solicitou ao recém criado SPHAN a elaboração de um projeto para construção de um hotel no centro da capital da antiga capitania de Minas Gerais. O hotel deveria ser moderno, para atender as necessidades do turismo, e ao mesmo tempo não alterar a fisionomia peculiar da cidade, cujas construções datam do século XVIII. O arquiteto indicado pelo SPHAN foi Carlos Leão. A preocupação fundamental do projeto de Carlos Leão foi seguir as linhas tipológicas básicas da arquitetura local, para minimizar o contraste de forma que o novo edifício se integrasse totalmente a paisagem. Utilizou cobertura inclinada em telhas cerâmicas tipo capa/canal, pátio interno, janelas e portas em arco, fachadas com revestimento em pedra no térreo e caiadas de branco no restante de sua extensão3. 2 BROHM Jean-Marie. O que é a dialética?1ª edição. Lisboa: Edições Antídoto,1979, p.114. 3 CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e Brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p.110. 4 Fig. 1 - Fotomontagem do projeto de Carlos Leão A documentação do projeto sofre uma interrupção, quando surgem no SPHAN oposições a proposta de Carlos Leão, segundo Lauro Cavalcanti, essas oposições foram capitaneadas por Lúcio Costa, gerando oposições no interior do órgão, inclusive ao movimento moderno. Nesse período, Lúcio Costa estava em Nova Iorque, trabalhando na construção do Pavilhão Brasileiro, em parceria com Oscar Niemeyer. Recebendo o projeto, em correspondência de Rodrigo Melo Franco, percebe a inconveniência do que poderia parecer um “recuo” ou capitulação aosneocoloniais. Transmite, em carta ao diretor, seu parecer, Niemeyer retorna então ao Brasil e é encarregado, por Rodrigo Melo Franco de Andrade, de realizar novos estudos para o hotel4. O projeto de Niemeyer é efetuado para o mesmo terreno daquele de Carlos Leão – em declive, próximo à Casa dos Contos, edifício de grande volumetria e feições ecléticas, um dos maiores atrativos da arquitetura local. Foi idealizado um grande bloco sobre pilotis posicionado em sua extensão no sentido das curvas de nível, ao longo da maior parte do terreno. Previa uma cobertura em laje plana plantada com grama, de modo que, vista de cima, da estrada de acesso à Ouro Preto, fosse confundida com a vegetação do solo. Niemeyer argumentava ter lançado mão de processos construtivos contemporâneos à sua época, sem nenhuma preocupação de imitar a aparência das edificações antigas, pretendendo apenas “que o novo hotel, em seu aspecto 4 Depoimento de José de Souza dos Reis; Arquivo do SPHAN. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -716 5 simples e despretensioso, se destacasse o menos possível na paisagem ouro- pretana”. De acordo com as modificações sugeridas por Rodrigo Melo Franco de Andrade e pelo prefeito, Niemeyer elabora então, um novo e vitorioso estudo, incorporando as sugestões. A modificação mais relevante foi a adoção do telhado inclinado com telhas de barro – não até o parâmento da fachada, como queria Costa, mas restrito ao corpo do bloco, sem atingir as varandas. A harmonia com as antigas construções foi justificada com base na sempre lembrada semelhança entre as estruturas tradicionais em pau-a-pique e as modernas em concreto armado. Os pilares foram calculados com seções quadradas, de modo a “acentuar, dentro dos limites impostos pela boa arquitetura e sem recorrer a nenhum processo de simulação, a semelhança entre as duas técnicas”5. A justificativa de Rodrigo Melo Franco a Gustavo Capanema está baseada em carta que lhe foi enviada por Lúcio Costa. A carta do arquiteto adquire alcance muito maior do que o mero caso do hotel de Ouro Preto, passando a ser no âmbito do patrimônio, espécie de carta de princípios para novas construções em sítios históricos. Por conta de sua condição de estabelecedora de parâmetros modernos na atuação patrimonial, além de ser o documento que eleva a produção moderna à condição de obra de arte, em igualdade com os bens tombados do passado. Seguem alguns trechos da carta de Lúcio Costa em defesa do projeto de Niemeyer, transcritos por Cavalcanti (2006): Na qualidade de arquiteto incubido pelo CIAM de organizar o grupo no Rio e na de técnico especialista encarregado pelo SPHAN de estudar a nossa arquitetura antiga, devo informar a você, com referência a construção do hotel de O.N.S. (Oscar Niemeyer Soares), o seguinte: sei, por experiência própria, que a reprodução dos estilos das casas de Ouro Preto só é possível, hoje em dia, à custa de muito artifício...teríamos depois de concluída a obra, ou uma imitação perfeita e o turista desprecavido correria o risco de, à primeira vista, tomar por um dos principais monumentos da cidade uma contrafação, ou então, fracassada a tentativa, teríamos um arremedo neocolonial em nada em comum com o verdadeiro espírito das velhas construções. (...). (CAVALCANTI, 2006, p. 114). 5 Texto de Niemeyer que Rodrigo Melo Franco transcreve, sem retoques, em sua carta de 30/09/79 ao ministro Capanema. 6 A Carta de Atenas resultante da Assembléia do CIAM em 1933 já afirmava que “o emprego de estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas erigidas nas zonas históricas, têm conseqüências nefastas.”6. As obras primas do passado nos mostram que cada geração teve sua maneira de pensar, suas concepções, sua estética, recorrendo, como trampolim para sua imaginação, à totalidade de recursos técnicos de sua época7. Lúcio Costa considera em suas afirmações, boa a convivência entre o moderno e as cidades históricas, que ao invés de ser prejudicial, a presença de uma construção ‘moça’ reforça a distância temporal entre elas. Teve o trabalho não apenas de lançar uma justificativa para a proposta de Niemeyer, como afirmou o estatuto de obra de arte da arquitetura moderna, que então estaria apta a conviver harmonicamente com as construções do passado. 3. O DISCURSO MODERNISTA NO CONTEXTO DE OURO PRETO Inicialmente foram identificados os edifícios do entorno com os quais o Grande Hotel se relaciona diretamente para então fazer análise interdiscursiva. É no entorno imediato que contrastes e semelhanças entre antigo e moderno aparecem, onde o discurso arquitetônico de tempos diferentes coloca-se frente. No Mapa 01, está representado o conjunto de edifícios analisados. Considerando o Grande Hotel, foram analisadas 37 edificações. Para melhor compreensão do conjunto, foram estudados os aspectos principais das edificações e do conjunto, segundo: 1.Implantação 2.Escala 3.Volumetria 4.Ritmo 5.Cor 1. Implantação 6 INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. Caderno de documentos nº 3, p.61 7 Idem. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -717 5 simples e despretensioso, se destacasse o menos possível na paisagem ouro- pretana”. De acordo com as modificações sugeridas por Rodrigo Melo Franco de Andrade e pelo prefeito, Niemeyer elabora então, um novo e vitorioso estudo, incorporando as sugestões. A modificação mais relevante foi a adoção do telhado inclinado com telhas de barro – não até o parâmento da fachada, como queria Costa, mas restrito ao corpo do bloco, sem atingir as varandas. A harmonia com as antigas construções foi justificada com base na sempre lembrada semelhança entre as estruturas tradicionais em pau-a-pique e as modernas em concreto armado. Os pilares foram calculados com seções quadradas, de modo a “acentuar, dentro dos limites impostos pela boa arquitetura e sem recorrer a nenhum processo de simulação, a semelhança entre as duas técnicas”5. A justificativa de Rodrigo Melo Franco a Gustavo Capanema está baseada em carta que lhe foi enviada por Lúcio Costa. A carta do arquiteto adquire alcance muito maior do que o mero caso do hotel de Ouro Preto, passando a ser no âmbito do patrimônio, espécie de carta de princípios para novas construções em sítios históricos. Por conta de sua condição de estabelecedora de parâmetros modernos na atuação patrimonial, além de ser o documento que eleva a produção moderna à condição de obra de arte, em igualdade com os bens tombados do passado. Seguem alguns trechos da carta de Lúcio Costa em defesa do projeto de Niemeyer, transcritos por Cavalcanti (2006): Na qualidade de arquiteto incubido pelo CIAM de organizar o grupo no Rio e na de técnico especialista encarregado pelo SPHAN de estudar a nossa arquitetura antiga, devo informar a você, com referência a construção do hotel de O.N.S. (Oscar Niemeyer Soares), o seguinte: sei, por experiência própria, que a reprodução dos estilos das casas de Ouro Preto só é possível, hoje em dia, à custa de muito artifício...teríamos depois de concluída a obra, ou uma imitação perfeita e o turista desprecavido correria o risco de, à primeira vista, tomar por um dos principais monumentos da cidade uma contrafação, ou então, fracassada a tentativa, teríamos um arremedo neocolonial em nada em comum com o verdadeiro espírito das velhas construções. (...). (CAVALCANTI, 2006, p. 114). 5 Texto de Niemeyer que Rodrigo Melo Franco transcreve, sem retoques, em sua carta de 30/09/79 ao ministro Capanema. 6 A Carta de Atenas resultante da Assembléia do CIAM em 1933 já afirmava que “o empregode estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas erigidas nas zonas históricas, têm conseqüências nefastas.”6. As obras primas do passado nos mostram que cada geração teve sua maneira de pensar, suas concepções, sua estética, recorrendo, como trampolim para sua imaginação, à totalidade de recursos técnicos de sua época7. Lúcio Costa considera em suas afirmações, boa a convivência entre o moderno e as cidades históricas, que ao invés de ser prejudicial, a presença de uma construção ‘moça’ reforça a distância temporal entre elas. Teve o trabalho não apenas de lançar uma justificativa para a proposta de Niemeyer, como afirmou o estatuto de obra de arte da arquitetura moderna, que então estaria apta a conviver harmonicamente com as construções do passado. 3. O DISCURSO MODERNISTA NO CONTEXTO DE OURO PRETO Inicialmente foram identificados os edifícios do entorno com os quais o Grande Hotel se relaciona diretamente para então fazer análise interdiscursiva. É no entorno imediato que contrastes e semelhanças entre antigo e moderno aparecem, onde o discurso arquitetônico de tempos diferentes coloca-se frente. No Mapa 01, está representado o conjunto de edifícios analisados. Considerando o Grande Hotel, foram analisadas 37 edificações. Para melhor compreensão do conjunto, foram estudados os aspectos principais das edificações e do conjunto, segundo: 1.Implantação 2.Escala 3.Volumetria 4.Ritmo 5.Cor 1. Implantação 6 INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. Caderno de documentos nº 3, p.61 7 Idem. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -718 7 As construções alinham-se na testada do lote, ocupando toda a extensão de sua largura, sem afastamentos frontais ou laterais. Todas as construções analisadas possuem implantação paralela à rua, exceto o Grande Hotel, que foi implantado na direção das curvas de nível do sítio, já que havia restrição de gabarito em altura para não destoar do entorno. 2. Escala A altura predominante do conjunto estudado é entre 4.5 e 8m, com 44% de ocorrência, seguida de 8.5 à 12m, com 31% de ocorrência. Edificações com até 4m, ocorrem em 8% dos casos e maior que 12m, correspondem à 17% dos casos. Considerando a altura, o Grande Hotel destaca-se não necessariamente pela sua altura efetiva, mas pela altura resultante da cota de implantação feita através de pilotis, fazendo com que o hotel tenha uma implantação de destaque, que no traçado colonial é destinado aos monumentos, principalmente às igrejas barrocas. 3. Volumetria A volumetria predominante é a colonial, composta pelo volume principal com a justaposição do volume do telhado, de duas ou quatro águas, paralelo ou perpendicular à rua. O volume do Grande Hotel rompe de certa com volumetria do entorno. Apesar de possuir também um volume com a justaposição da cobertura, o Grande Hotel possui um jogo de subtrações no volume principal. O pavimento inferior é completamente vazado, existindo apenas os pilotis. O térreo e o primeiro pavimento alternam entre pilotis e volumes fechados. E o andar duplex dos apartamentos é recuado para dar lugar ao plano de treliças de madeira. Enquanto a volumetria do entorno é básica, a volumetria do Grande Hotel possui um jogo compositivo. 8 As fachadas são constituídas por volumes prismáticos, com telhado inclinado e repetição de um motivo uniforme no pavimento principal. O Grande Hotel e as construções antigas enquadram-se dentro dessa lógica formal. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -719 7 As construções alinham-se na testada do lote, ocupando toda a extensão de sua largura, sem afastamentos frontais ou laterais. Todas as construções analisadas possuem implantação paralela à rua, exceto o Grande Hotel, que foi implantado na direção das curvas de nível do sítio, já que havia restrição de gabarito em altura para não destoar do entorno. 2. Escala A altura predominante do conjunto estudado é entre 4.5 e 8m, com 44% de ocorrência, seguida de 8.5 à 12m, com 31% de ocorrência. Edificações com até 4m, ocorrem em 8% dos casos e maior que 12m, correspondem à 17% dos casos. Considerando a altura, o Grande Hotel destaca-se não necessariamente pela sua altura efetiva, mas pela altura resultante da cota de implantação feita através de pilotis, fazendo com que o hotel tenha uma implantação de destaque, que no traçado colonial é destinado aos monumentos, principalmente às igrejas barrocas. 3. Volumetria A volumetria predominante é a colonial, composta pelo volume principal com a justaposição do volume do telhado, de duas ou quatro águas, paralelo ou perpendicular à rua. O volume do Grande Hotel rompe de certa com volumetria do entorno. Apesar de possuir também um volume com a justaposição da cobertura, o Grande Hotel possui um jogo de subtrações no volume principal. O pavimento inferior é completamente vazado, existindo apenas os pilotis. O térreo e o primeiro pavimento alternam entre pilotis e volumes fechados. E o andar duplex dos apartamentos é recuado para dar lugar ao plano de treliças de madeira. Enquanto a volumetria do entorno é básica, a volumetria do Grande Hotel possui um jogo compositivo. 8 As fachadas são constituídas por volumes prismáticos, com telhado inclinado e repetição de um motivo uniforme no pavimento principal. O Grande Hotel e as construções antigas enquadram-se dentro dessa lógica formal. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -720 9 4. Ritmo As fachadas das edificações antigas possuem um traçado regulador baseado num ritmo de cheios e vazios, com predominância de cheios sobre vazios, quase que em equivalência. O Percentual predominante é 25-50% de aberturas com 72%, até 25% o percentual é de 15%, de 50-75% o percentual é de 7.7% e maior que 75%, corresponde a 5.3%. Pode-se concluir sobre análise comparativa de percentual de aberturas, que na maior parte dos edifícios analisados, o panejamento de paredes prevalece sobre o vazado das aberturas, resultando num entorno com volume predominante mais fechado que vazado. O Grande Hotel diferencia-se pelo grande percentual de aberturas, no total de 85%. 5. Cor A cor predominante nas edificações é a branca, que corresponde à pintura da alvenaria. Algumas poucas edificações possuem a alvenaria pintada nas cores azul, salmão, rosa e marfim.As esquadrias possuem cores bem diversificadas, ocorrendo às vezes, diferenciação entre a cor das esquadrias e as respectivas molduras. Foram identificadas as seguintes cores para esquadrias e molduras: vermelho, amarelo, azul, verde, bege, rosa, marrom, cinza e branco. Na fachada do Grande Hotel, predominam a pedra do Itacolmi na base, o branco na alvenaria e esquadrias, sendo apenas as treliças de madeira e brises pintados na cor azul. Na questão das cores, existe uma certa integração com o entorno, apesar das esquadrias serem predominantemente brancas, pelo fato de existir o contraste do fundo branco com o azul das treliças e brises. O contraste é semelhante ao que acontece no entorno, no que se refere às cores de alvenaria e esquadrias. 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSERÇAÕ DO GRANDE HOTEL EM OURO PRETO 10 Fig. 2 – O Grande Hotel na paisagem de Ouro Preto. A análise interdiscursiva proposta por Helena H. Nagamine Brandão (1994) em Análise do Discurso se aplica nesse estudo de caso em dois pontos: 1. O estudo da especificidade de um discurso se faz colocando-o em relação com outros discursos8. A coexistência de discursos diferenciados no sítio, desde que autênticos e condizentes com legislação de proteção, pode então, assumir um caráter positivo. Quando observa-se uma construção nova no sítio histórico, novo e antigofrente a frente, a idade da construção antiga parece ser realçada. Ou seja, a especificidade do discurso é valorizada a partir da comparação com outros discursos. É notória a diferença de discurso entre a arquitetura modernista e a arquitetura colonial. O discurso arquitetônico do século XVIII em Ouro Preto atendia bem as necessidades e padrões do seu tempo, tanto que grande parte das edificações teve seu interior modificado para atender às necessidades contemporâneas. A linguagem arquitetônica dessa época está lá e é o motivo pelo qual a cidade foi eleita como Patrimônio da Humanidade, motivo também pelo qual os discursos posteriores devem respeitar a linguagem da arquitetura existente para que o sítio não seja descaracterizado. 8 BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p.72. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -721 9 4. Ritmo As fachadas das edificações antigas possuem um traçado regulador baseado num ritmo de cheios e vazios, com predominância de cheios sobre vazios, quase que em equivalência. O Percentual predominante é 25-50% de aberturas com 72%, até 25% o percentual é de 15%, de 50-75% o percentual é de 7.7% e maior que 75%, corresponde a 5.3%. Pode-se concluir sobre análise comparativa de percentual de aberturas, que na maior parte dos edifícios analisados, o panejamento de paredes prevalece sobre o vazado das aberturas, resultando num entorno com volume predominante mais fechado que vazado. O Grande Hotel diferencia-se pelo grande percentual de aberturas, no total de 85%. 5. Cor A cor predominante nas edificações é a branca, que corresponde à pintura da alvenaria. Algumas poucas edificações possuem a alvenaria pintada nas cores azul, salmão, rosa e marfim.As esquadrias possuem cores bem diversificadas, ocorrendo às vezes, diferenciação entre a cor das esquadrias e as respectivas molduras. Foram identificadas as seguintes cores para esquadrias e molduras: vermelho, amarelo, azul, verde, bege, rosa, marrom, cinza e branco. Na fachada do Grande Hotel, predominam a pedra do Itacolmi na base, o branco na alvenaria e esquadrias, sendo apenas as treliças de madeira e brises pintados na cor azul. Na questão das cores, existe uma certa integração com o entorno, apesar das esquadrias serem predominantemente brancas, pelo fato de existir o contraste do fundo branco com o azul das treliças e brises. O contraste é semelhante ao que acontece no entorno, no que se refere às cores de alvenaria e esquadrias. 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSERÇAÕ DO GRANDE HOTEL EM OURO PRETO 10 Fig. 2 – O Grande Hotel na paisagem de Ouro Preto. A análise interdiscursiva proposta por Helena H. Nagamine Brandão (1994) em Análise do Discurso se aplica nesse estudo de caso em dois pontos: 1. O estudo da especificidade de um discurso se faz colocando-o em relação com outros discursos8. A coexistência de discursos diferenciados no sítio, desde que autênticos e condizentes com legislação de proteção, pode então, assumir um caráter positivo. Quando observa-se uma construção nova no sítio histórico, novo e antigo frente a frente, a idade da construção antiga parece ser realçada. Ou seja, a especificidade do discurso é valorizada a partir da comparação com outros discursos. É notória a diferença de discurso entre a arquitetura modernista e a arquitetura colonial. O discurso arquitetônico do século XVIII em Ouro Preto atendia bem as necessidades e padrões do seu tempo, tanto que grande parte das edificações teve seu interior modificado para atender às necessidades contemporâneas. A linguagem arquitetônica dessa época está lá e é o motivo pelo qual a cidade foi eleita como Patrimônio da Humanidade, motivo também pelo qual os discursos posteriores devem respeitar a linguagem da arquitetura existente para que o sítio não seja descaracterizado. 8 BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p.72. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -722 11 Oscar Niemeyer, mais que fazer um fingimento colonial, já que seria inviável fazer uma réplica, estabeleceu um diálogo com o entorno, deixando muito clara a diferença de idade das construções. O discurso utilizado no Grande Hotel, apesar da referência aos materiais do entorno, é notado também por suas diferenças, que deixam bem claro que não pertence à mesma época que o entorno. Isso reafirma a “modernidade” do Hotel diante do sítio, e também reafirma a “antiguidade” do sítio diante do Hotel, como um sinal de continuidade histórica. 2. O interdiscurso passa a ser o espaço de regularidade pertinente, do qual os diversos discursos seriam senão componentes. Esses discursos teriam sua identidade estruturada a partir da relação interdiscursiva e não independentemente uns dos outros para depois serem colocados em relação9. O espaço interdiscursivo entre o Grande Hotel e o sítio possui vários pontos em comum. O discurso mesmo dentro dos preceitos do modernismo encontra raízes na arquitetura local. Na medida em que retiramos de um discurso fragmentos que inserimos em outro discurso, fazemos com esta transposição mudar suas condições de produção, a significação desses fragmentos ganha nova configuração semântica. Niemeyer conseguiu utilizar elementos arquitetônicos utilizados no sítio com uma leitura completamente nova, promovendo diálogo entre as construções. As venezianas, típicas da arquitetura colonial foram também utilizadas, além das treliças de madeira utilizadas nos brises e nos balcões individuais que protegem os quartos, fazendo uma leitura dos muxarabies. Também foi utilizado um painel de azulejos em azul e branco – herança portuguesa da arquitetura barroca no Brasil - na parede posterior à rampa. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766-1772) possui também um painel de azulejos com cenas alusivas à ordem do Carmo. Que existe uma diferença de discurso, não há menor dúvida. Mas a pedra do Itacolomi, as venezianas, os muxarabies, os azulejos e as telhas coloniais, estão presentes em Ouro Preto – no discurso colonial e no modernista – para garantir que Niemeyer conhecia a história e o discurso colonial, mas que a sintonia proposta por ele não queria ser um fingimento colonial. 9 Idem. 12 Referências bibliográficas BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. BROHM Jean-Marie. O que é a dialética?1ª edição. Lisboa: Edições Antídoto,1979. CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e Brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. Caderno de documentos nº 3. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -723 11 Oscar Niemeyer, mais que fazer um fingimento colonial, já que seria inviável fazer uma réplica, estabeleceu um diálogo com o entorno, deixando muito clara a diferença de idade das construções. O discurso utilizado no Grande Hotel, apesar da referência aos materiais do entorno, é notado também por suas diferenças, que deixam bem claro que não pertence à mesma época que o entorno. Isso reafirma a “modernidade” do Hotel diante do sítio, e também reafirma a “antiguidade” do sítio diante do Hotel, como um sinal de continuidade histórica. 2. O interdiscurso passa a ser o espaço de regularidade pertinente, do qual os diversos discursos seriam senão componentes. Esses discursos teriam sua identidade estruturada a partir da relação interdiscursiva e não independentemente uns dos outros para depois serem colocadosem relação9. O espaço interdiscursivo entre o Grande Hotel e o sítio possui vários pontos em comum. O discurso mesmo dentro dos preceitos do modernismo encontra raízes na arquitetura local. Na medida em que retiramos de um discurso fragmentos que inserimos em outro discurso, fazemos com esta transposição mudar suas condições de produção, a significação desses fragmentos ganha nova configuração semântica. Niemeyer conseguiu utilizar elementos arquitetônicos utilizados no sítio com uma leitura completamente nova, promovendo diálogo entre as construções. As venezianas, típicas da arquitetura colonial foram também utilizadas, além das treliças de madeira utilizadas nos brises e nos balcões individuais que protegem os quartos, fazendo uma leitura dos muxarabies. Também foi utilizado um painel de azulejos em azul e branco – herança portuguesa da arquitetura barroca no Brasil - na parede posterior à rampa. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo (1766-1772) possui também um painel de azulejos com cenas alusivas à ordem do Carmo. Que existe uma diferença de discurso, não há menor dúvida. Mas a pedra do Itacolomi, as venezianas, os muxarabies, os azulejos e as telhas coloniais, estão presentes em Ouro Preto – no discurso colonial e no modernista – para garantir que Niemeyer conhecia a história e o discurso colonial, mas que a sintonia proposta por ele não queria ser um fingimento colonial. 9 Idem. 12 Referências bibliográficas BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. BROHM Jean-Marie. O que é a dialética?1ª edição. Lisboa: Edições Antídoto,1979. CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e Brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. Caderno de documentos nº 3. IV ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH / UNICAMP 2008 -724 i p