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Federalismo Brasileiro: Origem, Evolução e Desafios

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Federalismo brasileiro: 
origem, evolução e desafios 
 
Francisco Luiz C. Lopreato 
 
Julho 2020 
 
388 
ISSN 0103-9466 
 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 
Federalismo brasileiro: 
origem, evolução e desafios 1 
Francisco Luiz C. Lopreato 2 
 
Resumo 
O texto discute a origem e a evolução do federalismo brasileiro. Destaca os momentos em que mudanças nos elementos 
constitutivos do arranjo federalista definem outra configuração e dão lugar à nova etapa. A proposta é delinear as fases 
longas, divididas em três etapas (1891 a 1964; 1964 a 1988 e 1988 a hoje), e não as alterações pontuais ou de dimensão 
restrita que, embora relevantes em conjunturas particulares, não configuram um novo pacto federativo. O último tópico 
aponta entraves e desafios no combate a velhos problemas da federação brasileira. 
Palavras-chave: Federalismo; Finanças públicas. 
 
Abstract 
Brazilian federalism: origin, evolution, challenges 
The text discusses the origin and evolution of Brazilian federalism. It highlights the moments when changes in the 
constitutive elements of the federalist arrangement define another configuration and give rise to a new stage. The proposal 
is to outline the long phases, divided into three stages (1891 to 1964; 1964 to 1988 and 1988 to today), and not the occasional 
or restricted changes that, although relevant in particular circumstances, do not constitute a new federative pact. The last 
topic points out obstacles and challenges in combating old problems of the Brazilian federation. 
Keywords: Federalism; Public finance. 
JEL H77 
 
1. Introdução 
O texto discute a origem e evolução do federalismo brasileiro tomando como fio condutor da 
análise as relações de poder entre as esferas de governo, considerando a desigualdade regional e a 
diferença de renda tributária per capita como pontos fundamentais ao se pensar a federação. 
As características comuns das relações do centro com os governos subnacionais, no tempo, 
merecem destaque. União ocupa posição nuclear no pacto de poder e os governos subnacionais atuam 
na composição do arranjo político e na sustentação da integridade do espaço territorial. A força do 
governo central no processo de constituição do Estado brasileiro o colocou como a instância 
responsável por regular e traçar as linhas gerais de atuação em diferentes áreas. Este princípio 
consolidou-se nas etapas seguintes, com a esfera federal exercendo papel proeminente, mas não 
absoluto, na definição dos caminhos a serem seguidos, mesmo quando alterações do ciclo político 
reforçam o poder dos governos subnacionais. 
No federalismo brasileiro, a desigualdade regional e as diferenças de receita tributária 
disponível per capita constituem elementos perenes, definidos por uma dinâmica econômica que 
engendrou o poder de cada região e deu lugar a um arranjo político peculiar. As regiões 
concentradoras da riqueza contaram com o beneplácito do sistema tributário e a constituição de um 
sistema de partilha, apesar de amenizar o problema, não o resolveu. A questão continuou em aberto, 
a espera de ser enfrentada. 
 
(1) Texto em homenagem aos queridos professores e amigos Wilson Cano e Carlos Lessa, com saudades. 
(2) Professor livre docente do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: lopreato@unicamp.br. Agradeço os 
comentários de Sérgio Prado, Flávio Santos e Alexandre Motta. 
mailto:lopreato@unicamp.br
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 2 
A análise percorre os tópicos que, em linhas gerais, dão o contorno do que se pode denominar 
de pacto federativo: (i) a questão da desigualdade regional, a distribuição dos recursos tributários e o 
sistema de partilha; ii) a evolução do poder de regulação federal; (iii) as relações do centro com os 
entes subnacionais quanto à realização de gastos e autonomia de decisões e, finalmente, (iv) a 
dinâmica da articulação entre estados e municípios, buscando entender como esses elementos 
comportam-se e delineiam os cortes temporais. 
O texto demarca as etapas de evolução do federalismo brasileiro, a partir da análise dos 
impactos de mudanças econômicas e políticas na ordem vigente. A ideia é distinguir as alterações 
transformadoras da estrutura federativa de outras que, embora relevantes na explicação de momentos 
específicos, não configuram rupturas com o movimento anterior e o início de uma nova fase. 
Os cortes temporais caracterizam os momentos de alterações dos elementos constitutivos do 
arranjo federalista, reveladores de uma configuração diferente da federação. Não é trivial destacar os 
sinais de ruptura, responsáveis pelo surgimento de outra etapa, com configuração distinta da ordem 
anterior. Esta mudança caracteriza-se quando há alterações de fundo em todos ou em parte dos 
elementos constitutivos do pacto federalista apontados acima. A desigualdade regional, apesar de 
mitigada ao longo do tempo, pouco ajuda na diferenciação de etapas, já que não ocorreu um ataque 
frontal ao problema e a questão permanece como característica perene da nação. Assim, procura-se 
desvelar as mudanças do arranjo federativo perscrutando as alterações dos outros elementos. Ou seja, 
voltou-se a atenção às modificações da repartição da receita tributária, do poder de regulação federal, 
da configuração das relações do centro com os entes subnacionais e da dinâmica de articulação entre 
os estados e os municípios. 
Estes elementos assumem, com frequência, configurações distintas, ao sabor de conjunturas 
políticas e econômicas, reflexo do fato de o arranjo federativo ser uma estrutura viva. Porém, essas 
alterações, por terem caráter pontual ou dimensão restrita, nem sempre caracterizam um novo pacto 
federativo. Elas se revelam muito mais como adaptações à singularidade de determinadas ocasiões 
do que propriamente rupturas, uma vez que os traços de continuidade são marcantes. Isto é, o 
momento traz propriedades novas, relevantes em conjunturas específicas, mas, simultaneamente, os 
elementos constitutivos do arranjo federativo pouco se alteram, reproduzindo a situação anterior. Os 
momentos de ruptura, por sua vez, são de outra natureza, com esses elementos configurando-se de 
modo distinto, dando lugar a outro arranjo federativo. 
A proposta é delinear essas etapas longas, de mudanças das características do arranjo 
federativo. A análise das fases curtas, subdivisões de um período largo, chama a atenção para o fato 
de que esses momentos, mesmo apresentando traços distintos, preservam delineamentos semelhantes 
de elementos constitutivos do pacto federativo, caracterizando os fatores permanentes na evolução do 
federalismo brasileiro. 
O texto divide a evolução do federalismo brasileiro em três grandes etapas: (i) de 1891 a 
1964; (ii) de 1964 a 1988 e (iii) de 1988 a hoje. Em cada uma delas, certamente, é possível distinguir 
subperíodos resultantes de mudanças de ordem política ou econômica, afetando aspectos distintos 
responsáveis por explicar a particularidade do momento, sem negar o arranjo anterior. A preocupação 
não é detalhar as particularidades de cada etapa e sim delinear os momentos de ruptura, em que a 
constituição de arranjos distintos ensejam o limiar de uma nova fase. 
A etapa mais difícil de caracterizar talvez seja a primeira (1891 a 1964), devido às evidentes 
diferenças entre os três ciclos que a compõe: 1891 a 1930; 1930 a 1946 e 1946 a 1964. A dificuldade 
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 3 
está em aceitar que o governo Getúlio Vargas, apesar da centralização política e do maior controle 
sobre os entes subnacionais, não indica, de fato, um momento de ruptura. A crescente presença da 
esfera federal, embora inquestionável, não alterou elementos constitutivos do pactofederativo. De tal 
modo que a característica mais marcante do período parece ser a continuidade e não a ruptura. Não 
houve a centralização da receita tributária e o governo central, apesar do maior poder de regulação, 
teve de se articular com os entes subnacionais e respeitar as articulações internas de cada unidade e 
os arranjos regionais. Não ocorreram fraturas nas bases do sistema: as relações do centro com estados 
e municípios, apesar do controle federal, não deixaram de reproduzir condições presentes no período 
anterior. O mesmo se pode afirmar das articulações de estados e municípios, do trato da questão 
regional, da repartição dos recursos tributários e do poder de gastos das unidades estaduais. 
A realidade pós era Vargas parece reforçar essa tese. A volta do regime democrático trouxe 
alterações marginais. A mudança do momento político veio acompanhada do compartilhamento de 
algumas receitas, sem caracterizar propriamente um sistema de partilha. No mais, as semelhanças são 
marcantes. Não se negou parte relevante do poder de regulação federal, o formato das relações da 
União com os governos subnacionais e o trato entre estados e municípios mantiveram as 
características anteriores, adaptadas à nova conjuntura, em que a ausência dos interventores ampliou 
a liberdade de atuação dos líderes regionais e locais. 
A segunda fase inicia-se com o movimento militar e se arrasta até a Constituição de 1988 
(CF88). As reformas do regime militar rompem com a dinâmica anterior em diferentes aspectos: ao 
impor perdas de capacidade tributária e de autonomia dos governos subnacionais em gerenciar os 
seus gastos, ao introduzir um sistema de partilha e políticas de cunho regional, ao criar um sistema 
de repasse de recursos fiscais e financeiros e novas regras de relações intergovernamentais, além de 
elevar o poder federal de direcionar os gastos públicos com o objetivo de acelerar o crescimento. 
A crise econômica do início dos anos 80 alterou pouco as características do federalismo então 
vigente. As diferenças podem ser atribuídas mais à perda de funcionalidade do esquema montado no 
regime militar e ao renascer da força dos governadores com o fim da ditadura do que propriamente a 
alterações capazes de definir o limiar de outra etapa. 
A delimitação da terceira fase (1988 a hoje) é complexa. A CF88 cumpriu papel relevante ao 
transferir recursos tributários aos governos subnacionais e elevar os gastos sociais. Porém, o alcance 
de suas proposições não parece caracterizar, por si só, uma ruptura. A configuração final dessa etapa 
do arranjo federalista só se completou com as reformas do governo Fernando Henrique Cardoso 
(FHC). A delimitação em 1988 deve-se ao fato de a CF88 inaugurar um período de transição, que não 
se confunde com a fase anterior sem delinear plenamente o momento seguinte. 
O governo FHC, responsável por alterações da estrutura federativa em diferentes planos, 
definiu o novo momento. As privatizações deram outra dinâmica às relações da esfera federal com os 
governos subnacionais e dos estados com os municípios; a renegociação das dívidas e a definição de 
regras fiscais mudaram o jogo de poder entre as esferas de governo e contribuíram para o ocaso 
paulatino da força dos estados; a luta por elevar a participação na receita tributária afetou o sistema 
de partilha, o descaso com a questão regional deu lugar à guerra fiscal; o poder federal de definir as 
normas de gastos sociais alterou o atendimento dessas áreas e o modelo de relacionamento dos entes 
federativos. 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 4 
As ações do governo FHC ampliaram a centralização e demarcaram o caminhar da federação, 
com os seus percalços e conflitos, sem que, desde então, o debate sobre rumos alternativos avance, 
apesar de se reconhecer a necessidade de revisão do pacto federativo. 
 
2. A República e o federalismo com a força do poder estadual (1891 a 1964) 
A fase inicial do federalismo brasileiro abrange os anos de 1891 a 1964. O olhar desse longo 
tempo como uma única etapa busca destacar o caráter perene da força estadual e das relações 
regionalistas no arranjo federativo como característica nuclear do período. O movimento não é linear, 
alteram-se momentos distintos, em que a presença federal avança, mas sem eliminar esse traço 
constitutivo do federalismo. 
A origem do projeto federalista é recorrentemente atribuída à primeira constituição 
republicana, desenhada com o intuito de atender às demandas das burguesias regionais, sobretudo dos 
interesses paulistas, preocupados em garantir as condições de gerenciar a acumulação do complexo 
cafeeiro em momento de franca expansão. O seu ocaso, precoce, teria lugar na era Vargas (1930 a 
1945), com a centralização do poder na esfera federal, a frear os arroubos iniciais da República e a 
restaurar a força da União em ditar os destinos da nação. O fim dos anos Vargas deslocaria novamente 
o pêndulo no sentido de retomar o caminho da descentralização e redimensionar o federalismo, com 
os estados recuperando forças e autonomia de ditarem os próprios percursos até o advento do regime 
militar, quando voltaria a prevalecer o movimento de centralização. 
A ênfase na alternância do pêndulo acaba por obscurecer a relevância da presença estadual 
no delinear do pacto federativo. Os governos estaduais, mesmo nos momentos de avanço do poder 
central, como na era Vargas, mantiveram a capacidade de ditar o caráter regional da dinâmica do 
arranjo federativo, baseada no potencial tributário e de gasto público e no controle do modelo de 
articulação com os governos locais. 
O federalismo brasileiro instituído em 1891 tem suas raízes históricas na concepção do pacto 
imperial.3 O poder central, preocupado em garantir a unidade do território nacional, aceitou a solução 
de compromisso, acordada no Ato Adicional de 1834, preservando o poder de regulação em troca da 
liberdade das elites provinciais em gerenciar os seus espaços e sustentar o pacto de dominação local; 
condição mantida na revisão conservadora de 1840 que, embora tenha desencadeado disputas 
políticas em torno de pontos específicos, não chegou a atacar as questões relacionadas ao cerne do 
pacto federativo.4 
 
(3) As considerações sobre o pacto imperial estão ancoradas no trabalho de Dolhnikoff (2004). 
(4) De acordo com Dolhnikoff (2004, p. 147): “Mesmo depois da Interpretação do Ato Institucional, continuava 
prevalecendo o cerne do arranjo institucional implementado na década de 1830. ... as Assembleias brasileiras tinham 
competência para decidir unilateralmente sobre matéria tributária e outras de igual importância. ... dispunham de meios para 
fiscalizar e opor-se aos presidentes e ao governo central e estavam organizadas de modo a possibilitar o exercício de 
autonomia nas decisões de matéria de sua competência. As Assembleias brasileiras não dependiam da convocação do 
Executivo para se reunir e não podiam ser dissolvidas, características que não perderam com a revisão conservadora.” Ou 
ainda (p.153): “Realizada a Interpretação do Ato Institucional, as Assembleias Provinciais continuavam desfrutando da 
mesma autonomia tributária, com o direito de criar impostos e decidir sobre o destino das rendas arrecadadas. Mantinham 
ainda a prerrogativa de criar uma força policial própria e seguiam responsáveis pelo controle da Câmara Municipal; além 
de se manterem encarregados das obras públicas, da instrução e das divisões civil, judiciária e eclesiástica da respectiva 
província.” 
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 5 
O resultado soldou os interesses em defesa do Estado e, mesmo sem se caracterizar 
propriamente como federalismo, construiu as bases onde repousam elementos da ordem de 1891 e as 
tradiçõesdo federalismo brasileiro. 
O pacto imperial definiu a divisão de competências entre as esferas de poder e garantiu ao 
governo central o direito de responder por questões nacionais em diferentes áreas, aceitas em toda a 
nação. Por sua vez, os governos provinciais teriam a responsabilidade de conduzir a política local e, 
simultaneamente, as respectivas elites ocupariam espaços na Câmara, com a defesa de seus interesses 
por meio de negociações com os pares e o poder central. 
O arranjo garantia autonomia financeira e liberdade de decisão ao governo provincial em 
matérias de interesse relacionadas à defesa da economia e da ordem política local. A distribuição 
tributária estabelecia-se entre o centro, com maior poder fiscal, e as províncias, restando pouco aos 
municípios. Os governos provinciais tinham liberdade de elaborar o orçamento, arrecadar os seus 
tributos, decidir sobre a distribuição dos investimentos em obras públicas, emprego, educação e a 
constituição de força policial, fatores cruciais na definição do papel das elites locais no jogo político 
e no embate nas Assembleias com os presidentes de províncias, nomeados pelo governo central.5 
O presidente servia como agente articulador dos interesses do centro e da província, com a 
tarefa de garantir a vitória dos candidatos da corte. Porém, o poder de intervir na configuração das 
forças internas e de cercear as ações dos deputados provinciais era restrito. A eles não cabia propor 
leis e o eventual veto às medidas aprovadas na Assembleia podia ser revogado por decisão de 2/3 dos 
próprios legisladores. Ou seja, os presidentes não tinham a prerrogativa de impor a sua vontade e 
eram obrigados a negociar as suas proposições com a elite local.6 
O sistema, por seu caráter descentralizado e de respeito às condições locais, acabou por 
referendar as diferenças regionais. A inexistência de uma política regional capitaneada pelo centro 
acatou a assimetria de renda e atrelou à capacidade econômica de cada província diferentes graus de 
autonomia no controle dos gastos. O arranjo, embora favorável às unidades ricas, também contemplou 
 
(5) Cf. Dolhnikoff (2004, p. 153): “Realizada a Interpretação do Ato Institucional, as Assembleias Provinciais 
continuavam desfrutando da mesma autonomia tributária, com o direito de criar impostos e decidir sobre o destino das 
rendas arrecadadas. Mantinham ainda a prerrogativa de criar uma força policial própria e seguiam responsáveis pelo controle 
da Câmara Municipal; além de se manterem encarregados das obras públicas, da instrução e das divisões civil, judiciária e 
eclesiástica da respectiva província.” 
Torres (2017, p. 142) parece concordar com essa interpretação: “Ora, as províncias do Império brasileiro, posto que 
em situação ambivalente – órgãos do Estado e coletividades autônomas, como diz o visconde de Ouro Preto, possuíam todos 
elementos distintivos do Estado-membro da federação. Senão vejamos: 
A competência das assembleias provinciais não era de caráter puramente administrativo e, sim, efetivamente político 
e governamental. Os presidentes de província, como órgão dependente do governo imperial e através dos serviços da 
secretaria de governo aplicados na execução de medidas da competência nacional, exerciam funções de agentes da 
administração descentralizada; os mesmos presidentes, quando aplicavam leis provinciais, participavam de um poder 
autônomo, o das assembleias. b) Gozavam de um Poder Legislativo específico, possuíam rendas próprias, serviços 
administrativos exclusivos. E, se uma lei geral é que fundamentou esta autonomia, esta lei geral foi aprovada pelo povo das 
províncias num verdadeiro referendum. c) As províncias possuíam polícia militar própria. Se considerarmos, ademais, que 
o Ato Adicional não atribui poderes às províncias, mas às suas assembleias, e se as leis negavam direito aos presidentes de 
apresentar projetos, devemos considerar que, afinal de contas, as províncias eram autônomas, muito embora esta autonomia 
fosse sujeita a uma inspeção por parte do governo central, o que existe em toda a parte.” 
(6) Cf. Dolhnikoff (2004, p. 107): “os presidentes podiam, em alguns casos específicos, suspender a apreciação da 
lei e enviá-la para ser examinada pela Câmara, quando elas atentavam contra os interesses de outras províncias ou contra 
disposições firmadas em tratados assinados com outras nações.” 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 6 
os interesses das elites de unidades periféricas, já que garantiu a elas meios de acesso ao orçamento 
do centro e condições de manter o pacto de dominação local. 
As relações entre o centro e as províncias, marcadas por descentralização e liberdade de 
ações, contrastava com a centralização do poder provincial no trato com os municípios.7 Em matérias 
políticas, as Assembleias dominavam o processo e deviam aprovar as posturas, os orçamentos e a 
contratação de funcionários municipais antes de entrarem em vigência. Na área fiscal, os municípios, 
com baixo montante de receita própria, dependiam do orçamento provincial e estavam forçados a 
barganhar as demandas locais com as elites provinciais (Dolhnikoff, 2004, cap.2). O modelo 
estabelecia a subordinação e a dependência da autoridade local em relação ao poder provincial, 
reforçando o papel desta esfera de governo na estrutura federativa.8 
O arranjo imperial ofereceu o alicerce sobre o qual se ancorou o pacto da Constituição de 
1891.9 O fortalecimento das oligarquias regionais e a crise do final do império deram força às 
reivindicações federalistas, amadurecidas durante o Império. 10 As pressões regionais buscaram 
ganhos tributários como meio de enfrentamento dos problemas existentes. No plano político, o 
conjunto das forças era favorável à autonomia dos estados; a divergência concentrava-se nas 
discussões sobre o alcance do poder federal e a estrutura da ordem federativa (ver Roure, 1920). 
Os representantes de unidades de alto poder econômico, sobretudo paulistas e mineiros, sem 
ferir a autonomia estadual, frearam a descentralização radical e respaldaram as demandas do governo 
 
(7) A Lei de 12 de maio de 1840, de interpretação do Ato Adicional de 1834, ao estabelecer que: “Art. 2º A faculdade 
de crear, e supprimir Empregos Municipaes, e Provinciaes, concedida ás Assembléas de Provincia pelo § 7º do art. 10 do 
Acto Addicional, sómente diz respeito ao numero dos mesmos Empregos, sem alteração da sua natureza, e atribuições, 
quando forem estabelecidos por Leis Geraes relativas a objectos sobre os quaes não podem legislar as referidas 
Assembléas.”, limitou o poder provincial de lidar com a questão do emprego nos governos locais, mas pouco mexeu na 
relação de subordinação entre essas esferas de governo. 
(8) De acordo com Tavares Bastos (1870, p. 151): “E, em verdade, depois do golpe de estado de 1840, não puderam 
mais as assembléas legislar, por medida de caracter geral, sobre a economia e a policia municipal. Só o pódem agora fazer 
diante de cada hypothese, a proposito de cada postura, de cada obra, de cada orçamento municipal. Tal é o fim da exigencia 
de prévia proposta das camaras (art. .1° da lei de 1840). Muito menos podem alterar a symetria dos serviços locaes, crear 
novos empregos ou supprimir os antigos, dar e tirar-lhes attribuições (artigo 2°). Desde então, pois, a autoridade das 
assembléas sobre as camaras somente se faz sentir pelo lado máu, pela excessiva dependencia e concentração dos negocios 
nas capitaes das provincias. Privadas as assembléas de poderem regular os interesses municipaes por modidas de caracter 
geral, por leis organicas adaptadas ás circunstancias de cada região, ficou sua missão reduzida a uma impertinente tutela, 
requintada pelas perniciosas práticas introduzidas desde1840 na administração publica.” 
(9) Como colocou Roure (1920, p. 72): “O regime federativo foi adotado entre nós, na Constituinte Republica, 
simplesmente porque a ideia da Federação vinha do Império já amadurecida, tendo sido objeto de estudo na Constituinte de 
1823, na assembleia que votou o Ato Adicional e nos debates do parlamento ordinário. Todos eram federalistas na 
Constituinte de 1890-91.” 
(10) Como colocou W. P. Costa (1998, p. 143): “A força da pregação federalista advinha particularmente das fissuras 
que se abriam a partir do momento em que o Estado Imperial iniciou o processo de emancipação da escravidão, datando 
com isso, o destino da instituição que lhe servira contraditoriamente de fundamento. O fulcro da questão radicava, 
entretanto, na crescente diversificação da base econômica a partir da década de 1870, com o florescimento da cafeicultura 
do Oeste paulista e a heterogeneidade que se aprofundava, a partir daí, entre o Centro-Sul e o Nordeste. O timing da 
emancipação, a forma e o preparo da transição para o trabalho livre, encontravam demandas regionais diferenciadas e 
divergentes: a imigração em São Paulo, os engenhos centrais no Nordeste, as ferrovias em toda parte. A partir do momento 
em que se rompia o consenso básico que sustentara o Império, o Estado como biombo externo para a manutenção da 
escravidão e garantidor interno de tráfico interprovincial, não era mais possível pensar políticas capazes de satisfazer 
interesses que se tornavam cada vez mais diferenciados. O federalismo, pois, ganhava espaço ao propor que essas questões 
(a questão servil e a questão de substituição do trabalho escravo) fossem definidas pelas unidades federadas de acordo com 
seus interesses.” 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM16.htm#art10%C2%A77
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM16.htm#art10%C2%A77
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 7 
central evitando a perda da capacidade de atuação do poder federal, ao mesmo tempo em que 
contemplaram os interesses estaduais. 
O embate concentrou-se na disputa sobre a descentralização e o poder de regulação federal, 
em busca da garantia do poder estadual de gerir os interesses próprios. A instauração da figura do 
governador eleito eliminou um dos elos de transmissão das relações do centro com as unidades 
subnacionais e reforçou o poder das oligarquias locais. Elas passaram a ter no governador o 
representante direto da elite local, com maior liberdade de ação. O movimento, no entanto, não trouxe 
necessariamente alterações bruscas no papel ocupado pelo centro, uma vez que o poder do Império 
não era absoluto. Os espaços de atuação dos presidentes de província, como se viu, eram limitados e 
agiam articulados com a oligarquia local na defesa de seus interesses. Além disso, a esfera federal, 
em uma nação marcada pela assimetria do poder econômico, sustentou a tarefa de nuclear a 
negociação dos entes subnacionais em busca de apoio financeiro. 
O canal por onde transitavam os entendimentos mudou e o poder local ganhou força, graças 
aos governadores e às medidas constitucionais atribuindo aos estados a liberdade de serem regidos 
por sua própria constituição e leis, desde que respeitados os princípios constitucionais da União (Art. 
63). Além de prover, por conta própria, as necessidades de governo e da administração (Art. 5º) e de 
resguardar para si os direitos não expressamente negados pela constituição (Art.65 § 2º), ao mesmo 
tempo em que os casos possíveis de intervenção federal (Art. 6º) e as matérias de sua competência 
exclusiva (Art. 7º) eram limitados. O poder estadual certamente cresceu com a República. Todavia, 
o novo formato, embora tenha interferido no peso relativo das esferas de governo, mostrou ser mais 
uma adaptação do que propriamente o abandono dos elementos constitutivos do modelo de 
articulação anterior. 
As mudanças podem ser mais bem representadas como alterações no balanceamento de forças 
entre União e estados, como forma de se ajustar à nova realidade política, do que a negação dos 
arranjos presentes sobre a questão regional, a distribuição da receita tributária, as relações da esfera 
federal com os estados e a articulação destes com os municípios, como se discute a seguir.11 
O novo formato constitucional não inviabilizou a atuação e o poder de regulação do centro, 
mesmo no auge da descentralização do primeiro período republicano. A União, em conexão com os 
grandes estados, teve força de agir e de cobrar apoio político em troca de favores e de segurança. O 
processo ganhou vigor com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) de 3/09/1926 revertendo 
parte da descentralização anterior12 e fortalecendo o poder central, que, com o passar do tempo, 
mudou parte da feição do federalismo criado em 1891, sem alterar outras questões do modus operandi 
existente (Torres, 2017). 
A distribuição dos recursos tributários em 1891 não sofreu alterações substantivas em relação 
ao Império. O discurso a favor da ampliação do poder financeiro estadual permeou os debates e não 
avançou graças à parcela dos constituintes preocupados em não inviabilizar a atuação federal. A 
decisão de manter a repartição da receita fiscal próxima a anterior preservou o poder da União de 
cumprir os preceitos básicos à sustentação dos interesses do conjunto da nação e evitou que a 
descentralização excessiva colocasse em risco a unidade territorial. 
 
(11) Dolhnikoff (2004, p. 299) chega a indagar se as novidades republicanas não foram muito mais um rearranjo 
do que uma fundação do federalismo brasileiro. 
(12) A medida afetou, sobretudo, os pontos referentes à intervenção nos estados (Art. 6º), à competência privativa 
do Congresso Nacional (Art. 34º) e às atribuições da justiça federal (Art. 59º). 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 8 
O comércio exterior continuou a ser a base do sistema tributário. A atribuição do imposto de 
exportação aos estados favoreceu as poucas unidades com vendas importantes ao exterior, enquanto 
que as outras ficaram presas à tributação do mercado interno e aos favores da União.13 
O arranjo pouco se diferenciou da situação passada e preservou a posição de força do governo 
central de barganhar em posição favorável com as unidades de menor poder econômico e garantir os 
apoios políticos fundamentais à manutenção do pacto de poder. 
A decisão de deixar cada estado preso à própria capacidade financeira referendou o potencial 
desigual de acumulação interna e reforçou os quadros de disparidade regional e de desigualdade 
pessoal de renda entre cidadãos de diferentes regiões do País. As unidades com inserção internacional, 
sobretudo São Paulo e Minas Gerais, comandaram o processo de acumulação local, com autonomia, 
e, simultaneamente, influenciaram a esfera política central. Os estados de menor poder econômico, 
com autonomia restrita, buscaram a articulação com a esfera federal em troca de apoio político e 
usaram a liberdade de ação de modo a preservarem o pacto de poder local. 
A descentralização manteve, em linhas gerais, o modelo de relações entre o governo central 
e os estados. A autonomia estadual em conduzir os próprios interesses, aliada à ausência de políticas 
públicas federais de âmbito nacional, deu lugar a formas de negociação bilateral e ad hoc, pautadas 
por interesses específicos de cada unidade. A prevalência de um sistema de negociação envolvendo 
entes isolados, sem planos intermediários de negociação, restringiu os espaços de discussão de 
interesses comuns, propensos a gerar normas voltadas a enfrentar a desigualdade regional. O que 
restou foi o caminho de arranjos políticos fragmentados, de troca de favores por inserções pontuais 
no orçamento federal, marcado por relações bilaterais,União  Estados, análogas às existentes no 
Império. 
A descentralização em favor dos estados trouxe nas entranhas o formato dominante das 
relações com os municípios. O movimento seguiu curso semelhante ao do pacto imperial (Nunes 
Leal, 2006). Os municípios, mesmo ocupando espaço destacado no arranjo político, permaneceram 
tutelados pelo poder estadual, graças ao direito de legislar sobre o montante disponível de recursos 
tributários e o alcance das administrações locais. Os dirigentes municipais atuavam com liberdade 
consentida no arranjo do poder local, uma vez que estavam sujeitos a darem o apoio exigido ao 
comando estadual, pois, em caso contrário, o suporte às ações locais arrefecia e o domínio do grupo 
político no município comprometia-se. 
A Constituição de 1891 chegou a debater propostas de autonomia municipal (Roure, 1927), 
mas prevaleceu a adoção de princípios gerais, ao atribuir aos estados o direito de se organizarem de 
forma a assegurarem “a autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” 
(Art. 68). A proposição genérica, ao não fixar os impostos de competência exclusiva municipal e 
deixar imprecisa a alçada do poder municipal, colocou a cargo da constituição de cada estado a tarefa 
 
(13) Cf. Lopreato (2002, p. 17) A precária base tributária obrigava-os a usar um sem-número de novos impostos e 
taxas, respondendo por parcela ínfima no total da receita, a recorrer a sistemáticos empréstimos externos e ainda a elevar a 
carga do imposto de exportação, acarretando sensíveis perdas de competitividade a seus produtos (Bouças, 1934). Esse 
procedimento mereceu, desde cedo, atenção por parte do governo. Em 1904, o Decreto-Lei n. 1.185 proibiu a cobrança dos 
impostos interestaduais, mas a base tributária estreita e a autonomia com que os Estados decidiam sobre as questões fiscais 
levaram o decreto a tornar-se letra morta. 
As receitas dos impostos interestaduais constituíam norma e representavam parcela importante da receita tributária 
de que os governos estaduais se valiam para atender aos gastos 
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 9 
de definir a organização e o alcance da autonomia local. Ou seja, manteve-se a tradição anterior e se 
preservou o domínio das elites estaduais sobre os interesses dos entes locais.14 
O momento político consagrou um modelo federativo em que a força da esfera federal 
mostrou-se em condições de responder demandas gerais, de modo a resguardar a unidade territorial e 
as políticas nacionais. Por outro lado, os estados ganharam força, sustentaram a articulação prioritária 
com a esfera federal e eram responsáveis por definir, com autonomia, as políticas próprias e o modelo 
das relações com os entes locais. O alcance dessa autonomia expressava-se na forma de inserção da 
unidade no arranjo federativo, presa, fundamentalmente, ao diferencial do poder econômico. O 
modelo federativo constituiu-se em um formato hierárquico, com a União no topo, com a tarefa de 
soldar interesses, preservar o conjunto e desencadear as políticas nacionais e os estados, diferenciados 
e voltados à defesa de interesses próprios, atuavam como intermediários, preocupados em influenciar 
o arranjo no plano federal e comandar a articulação com os municípios. 
 
2.1. O federalismo alterado do regime Vargas 
O ponto de partida é compreender o federalismo no regime Vargas. Deve-se falar em nova 
etapa ou prevaleceram os elementos basilares do período anterior? A dificuldade está em saber se o 
ambiente político e o enfraquecimento das oligarquias subnacionais alteraram o arranjo federativo ou 
se, mais propriamente, ocorreu a adaptação dos elementos constitutivos do sistema ao crescimento 
do poder de regulação federal, de modo a preservar as suas características básicas e a continuar as 
disputas orientadas com o foco regional, a repartição da receita tributária e o modelo de relações do 
centro com os entes subnacionais e dos estados com os municípios. 
A dificuldade está em discernir o movimento dominante entre os dois processos antagônicos. 
De um lado, cresceu o poder de regulação do governo central e houve um rearranjo das forças 
políticas, com reflexos nas relações intergovernamentais. Por outro lado, são palpáveis os sinais do 
caráter limitado da modernização e de continuidade desses aspectos determinantes do pacto 
federativo. 
A simbiose desses processos mexeu na situação vigente sem caracterizar, necessariamente, 
outra etapa do federalismo. A tarefa de reconhecer o elemento dominante é complexa, pois o período 
trouxe mudanças marcantes da história política e econômica do País. A tese proposta é a de que as 
alterações, embora significativas, não romperam com a configuração de elementos centrais do arranjo 
federativo e as alterações da era Vargas alcançaram profundidade menor do que sinalizava a aparência 
do momento. 
O foco regional e características centrais do federalismo brasileiro foram preservadas (Souza, 
1976). A expansão do poder do governo central, apesar das restrições à liberdade de ação dos entes 
subnacionais, conservou os mecanismos federativos da República Velha, que davam ao centro 
condições de usar a composição com os interesses regionais como meio de sobrevivência política. 
Os interventores, no novo arranjo político, caso não se integrassem com os interesses locais, 
tinham vida curta. Como colocou Souza (2006, p. 13-14), “A implantação de um Estado centralizado 
nesse período significou, de fato, uma redefinição dos canais de acesso e influência dos interesses do 
estado com o poder central. .... na prática, o rigor da vasta centralização administrativa foi de algum 
 
(14) Cf. Nunes Leal (2012, p. 49): “As Constituições estaduais não tardaram a ser reformadas; reduzindo-se o 
princípio da autonomia das comunas ao mínimo compatível com as exigências da Constituição federal, que eram por demais 
imprecisas, deixando os Estados praticamente livres, no regular o assunto.” 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 10 
modo moderado pelas acomodações políticas regionais e estaduais características do prévio 
federalismo brasileiro.” 
A mudança principal da era Vargas no arranjo federativo concentrou-se em reforçar o poder 
de regulação federal. O movimento, que já havia se colocado na emenda constitucional de 1926, 
ganhou fôlego nos anos seguintes. A Revolução de 1930 e a crise da economia cafeeira deram 
condições ao centro, aproveitando o momento de dificuldade das forças estaduais, de usar o cacife 
político para ampliar a capacidade de atuação federal em dar respostas às demandas da própria crise 
e alavancar um programa de desenvolvimento econômico e social. Como parte desse processo, o 
governo modernizou o aparelho estatal e criou instituições voltadas a garantir a estrutura material do 
poder central, capaz de atender às políticas nacionais de avanço social e de defesa do projeto de 
industrialização (Draibe, 1985). 
Os estados, com as finanças abaladas e sem condições de administrar a crise, cederam à esfera 
federal o poder de controlar os órgãos responsáveis pelos complexos exportadores e de ampliar os 
institutos e agências estatais direcionadas à defesa de produtos e interesses específicos (Nunes, 1997; 
Fonseca, 2012). 
O poder central ampliou o comando na definição da política econômica e estruturou, entre 
outros, os órgãos regulatórios das áreas de câmbio, comércio exterior, monetária, creditícia, seguros, 
além de criar empresas estatais para reforçar atuação do Estado no desenvolvimento da indústria e na 
superação do atraso econômico. 
O avanço da intervenção na área econômica ocorreu em simultâneo com a centralização 
administrativa e a criação deautarquias e comissões executivas, no intuito de ampliar a coleta de 
informações, instrumentalizar e racionalizar as ações do setor público. A criação do Departamento 
Administrativo do Serviço Público (DASP) e dos homônimos estaduais (daspinhos) buscou organizar 
a burocracia e fomentar os critérios de competência da administração pública (Fonseca, 2012). 
O protagonismo estatal teve reflexos nas relações intergovernamentais. Os interventores e os 
DASPs estaduais, articulados com a esfera federal, com tutela direta de Vargas, restringiram a 
autonomia estadual e ampliaram o controle central das diretrizes gerais do País. Contudo, o processo 
não negou a relevância das oligarquias estaduais. Os interventores, por si só, não deram fim ao arranjo 
das políticas regionais. As nomeações, em geral, eram de políticos dos próprios estados que, mesmo 
sem pertencerem à cúpula do poder, tinham ligações com esses interesses. A novidade estava na 
constituição de um sistema, articulado e presente em todas as unidades, cujo objetivo principal não 
era o de intervir nos “pilares econômicos do poder político nos estados” (Souza 1976, p. 88). A 
prioridade era construir novas formas de convivência e não desconsiderar a política local; ao 
contrário, agiam como intermediários das relações entre os níveis de governo e na costura dos 
interesses nacionais e regionais (Rodrigues, 1995). 
O fato de os interventores ocuparem espaços definidos pelo centro e não dependerem 
diretamente das articulações locais dava a eles certa autonomia, mas, nem por isso, tomavam decisões 
livremente. O risco de generalização de conflitos forçou os agentes a negociarem e a interagirem com 
os interesses das forças regionais. Ou seja, os interventores, apesar de nomeados pelo centro e de 
restringirem a força das oligarquias estaduais, não as anulavam e acabaram incorporados ao jogo 
político local e reproduzindo traços característicos do pacto federativo. 
O processo atingiu o auge em 1939, quando o DL n. 1202 atribuiu à União o direito de a 
União supervisionar a execução orçamentária e os atos administrativos dos entes subnacionais. A 
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 11 
medida expôs o caráter centralizador e autoritário de toda a construção do aparato institucional.15 
Todavia, um olhar atento indica que não se deixou de levar em conta o poder político local. A 
possibilidade de apelar ao Presidente da República, como meio de solucionar eventuais conflitos, 
revelou os limites das ações da burocracia federal e a resistência das burguesias regionais. O modelo 
de Vargas não pressupôs a desconsideração das alianças regionais como elemento central do arranjo 
federativo, mas, ao alçar o chefe do executivo a árbitro de conflitos, deu a ele protagonismo político 
como peça central do processo de negociação e de articulação de interesses, elementos necessários 
ao esforço de minimizar os conflitos na condução do regime. 
A engrenagem preservou as estruturas políticas das burguesias regionais e a força do poder 
estadual, que, mesma definida em novos termos e sujeita à forte presença da União, continuou a 
ocupar papel ativo no arranjo federativo, com capacidade tributária e espaço considerável no comando 
de gastos e na definição de seus interesses. O arranjo assegurou a centralização e a autonomia 
necessárias às propostas de modernização defendida no poder central e não ameaçou os interesses 
econômicos nem entrou em conflito aberto com as burguesias regionais (Souza, 2006). 
O arranjo federativo continuou marcado pela composição do pacto de poder dividido entre os 
estados fortes e fracos. Os estados de menor poder econômico, dependentes financeiramente e presos 
às formas de inserção no orçamento federal, ocuparam posição de menor relevância estratégica no 
jogo de poder e estavam sujeitos ao maior controle hierárquico. Nos estados mais fortes, donos de 
força econômica e militar, a subordinação aos desígnios federais era mais bem delimitada e o 
desrespeito a seus interesses tendia a potencializar os conflitos, situação que não favorecia ao pacto 
de dominação definido no centro. 
A distribuição da receita tributária oferece campo privilegiado de análise da correlação de 
forças e do arranjo federativo. O avanço da regulação no governo Vargas não provocou o movimento 
de centralização de recursos. O governo provisório, nos momentos iniciais, tratou de constituir a 
Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios, com a tarefa de estudar a 
situação das finanças públicas e propor a reformulação do sistema tributário. O desarranjo fiscal e a 
precariedade da estrutura de arrecadação atrelada ao fluxo de comércio exterior exigiam a 
reformulação do quadro existente e a revisão das práticas orçamentárias, com controle das finanças 
federais e a regularização dos entes subnacionais. 
O governo limitou o poder das unidades criarem despesas acima da receita orçada e definiu 
o destino de 10% da arrecadação à educação primária e não mais do que 10% em segurança pública, 
bem como proibiu a cobrança de impostos ou taxas contrárias à circulação de riquezas no mercado 
nacional e a contratação de empréstimos externos sem prévia autorização federal. Além disso, 
 
(15) De acordo com o Art. 17 do referido decreto, compete ao Departamento Administrativo: a) aprovar os projetos 
dos decretos-leis que devam ser baixados pelo Interventor, ou Governador, ou pelo Prefeito; b) aprovar os projetos de 
orçamento do Estado e dos Municípios, encaminhados pelo Interventor, ou Governador, e pelos Prefeitos, propondo as 
alterações que nos mesmos devam ser feitas; c) fiscalizar a execução orçamentária no Estado e nos Municípios, 
representando ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ou ao Interventor, ou Governador, conforme o caso, sobre as 
irregularidades observadas; d) receber e informar os recursos dos atos do Interventor, ou Governador, na forma dos arts. 19 
a 22; e) proceder ao estudo dos serviços, departamentos, repartições e estabelecimentos do Estado e dos Municípios, com o 
fim de propor, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações que devam ser feitas nos mesmos, sua extinção, 
distribuição e agrupamento, dotações orçamentárias, condições e processos de trabalhos; f) dar parecer nos recursos dos 
atos dos Prefeitos, quando o requisitar o Interventor, ou Governador; Parágrafo Único: Das decisões do Departamento o 
Interventor, ou Governador poderá recorrer para o Presidente da República. 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 12 
instituiu como motivo de intervenção nos estados a suspensão do pagamento do serviço da dívida 
fundada por mais de dois anos consecutivos. (Schwartzman, 1982). 
A regulação das finanças públicas, mesmo com restrições ao manejo do sistema tributário, 
preocupou-se mais em racionalizar a prática tributária do que propriamente reduzir o poder fiscal dos 
entes subnacionais. Os sistemas tributários nas constituições de 1934 e de 1937 não alteraram 
significativamente a distribuição de 1891, mesmo tendo explicitado os impostos de competência 
municipal (ver Quadro 1). A estrutura do modelo adotado tratou de se adequar às condições do pós-
crise mundial. A mudança do eixo dinâmico da economia ampliou a tributação da atividade interna 
no lugar das operações de comércio exterior, graças ao aumento dos impostos de renda e de consumo 
da esfera federal e a criação do IVC – imposto estadual sobre vendas e consignações (Oliveira, 2010). 
 
Quadro 1 
Distribuição das competências tributárias 
 
 Fonte: Constituições Federais de 1891, 1934, 1937 e 1946. 
 
A nova estrutura tributária continuou a privilegiar as burguesias regionais e a garantir a 
capacidade financeira dos donos do poder. A atribuiçãoaos estados do IVC, de grande potencial, no 
lugar do imposto de exportação, esvaziado com a crise mundial, manteve o perfil da distribuição 
regional da receita tributária e mostrou que a questão do desequilíbrio regional não se colocou como 
prioridade da estratégia varguista. A ausência de política específica de repartição das receitas, por 
meio de um sistema de partilha, referendou o quadro anterior de disparidade entre as unidades 
federadas. Os estados de renda elevada, ao se beneficiarem do uso do princípio de origem na definição 
do lugar da cobrança do IVC,16 concentraram parcela expressiva da receita tributária, enquanto as 
 
(16) O embate a respeito da cobrança do IVC exigiu a intervenção federal com seguidas normas, a começar com a 
Lei n. 187 de 1936, sobretudo art. 37, alterada posteriormente pelos DL n. 840 de 29-12-37; DL n. 348 de 1938; DL n. 915, 
de 1-12-1938 e Lei n. 1061 de 20-1-1939, preservando o princípio de origem quando se tratar de venda efetuada diretamente 
pelo próprio fabricante ou produtor. 
Constituição de 1891 Constituição de 1934 Constituição de 1937 Constituição de 1946
importação importação importação Importação
entrada, sa ída e estada de navios (1) consumo, menos combustiveis consumo de qualquer mercadoria consumo
taxas de selo renda, exceto renda cedular de imóveis renda e proventos de qualquer natureza impostos únicos (IUCL, IUEE e IUM)
taxas de correios e telégrafos federa is transferência de fundo ao exterior transferência de fundo ao exterior renda e proventos de qualquer natureza
outros tributos (2) atos emanados do gov. e de sua ecn. atos emanados do gov. e de sua ecn. transferência de fundo ao exterior
nos Terri tórios nos Terri tórios selo sobre atos do governo e de sua ecn.
taxas de correios e serviços federa is taxas de correios e serviços federa is extraordinários
entrada, sa ída e estada de navios (1) entrada, sa ída e estada de navios (1) outros impostos a serem criados 
(1) é l ivre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais e às estrangeiras que já pagaram o imposto de importação taxas e contribuições de melhoria
(2) desde que não contrariem a discriminação de rendas previs tas na Consti tuição.
imóveis rura is e urbanos propriedade terri toria l , exceto a urbana; propriedade terri toria l , exceto a urbana propriedade terri toria l , exceto a urbana
transmissão de propriedades transmissão de propriedade causa mortis transmissão de propriedade causa mortis transmissão de propriedade causa mortis
exportação transmissão de propriedade imobi l iaria inter vivos transmissão de propriedade imobi l iaria inter vivos transmissão de propriedade imob.inter vivos
industrias e profissões consumo de combustiveis de motor de explosãoincluído no imposto de consumo federa l incluído no imposto de consumo federa l 
taxa sobre correios e telégrafos vendas e cons ignações vendas e cons ignações vendas e cons ignações
selo sobre atos emanados de seu governo e sua ecn.exportação, a l íquota máxima de 10% exportação, a l íquota máxima de 10% exportação, a l íquota máxima de 5%
outros impostos , vetada a bi tributação (1) industrias e profissões , cabendo 50% aos municípiosindustrias e profissões , cabendo 50% aos municípiosselo sobre atos de seu governo e sua ecn.
selo sobre atos emanados de seu governo e sua ecn.selo sobre atos emanados de seu governo e sua ecn.outros impostos , vetada a bi tributação (1)
outros impostos , vetada a bi tributação (1) outros impostos , vetada a bi tributação (1) taxas e contribuições de melhoria
taxas taxas
(1) prevalece o imposto cobrado pela União quando a competência for concorrente
A atribuição de competência fica a cargo l icenças l icenças l icença 
da Consti tuição estadual predia l e terri toria l urbano predia l e terri toria l urbano predia l e terri toria l urbano
diversões públ icas diversões públ icas diversões públ icas 
cedular sobre renda de imóveis rura is transferido para a União e incorporado ao IR selo sobre atos de sua eco.ou competência
taxas taxas indústria e profissões 
taxas e constribuições de melhoria
Fonte: Constituições Federais de 1891, 1934, 1937 e 1946
Distribuição das competências tributárias
União
Estados
Municípios
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 13 
outras unidades, com baixa capacidade tributária, continuaram dependentes de transferências ad hoc 
e de gastos do governo central. 
Além disso, a era Vargas, apesar de intervir em diferentes áreas, não provocou a centralização 
tributária. Os estados, mesmo com perdas de graus de liberdade, mantiveram a receita, com o controle 
sobre o principal imposto (IVC) e o direito de criar outros, com a repartição de 30% à União e de 
20% aos municípios, vedada a bitributação, prevalecendo o tributo federal em caso de competência 
concorrente. A mudança restringiu-se à transferência do imposto de consumo sobre combustíveis de 
motor a explosão ao governo federal, que, em 1940, passou a ser denominado de Imposto Único sobre 
Combustíveis e Lubrificantes (IUCL) com a unificação das tarifas. Ou seja, a centralização de poder 
não teve como contrapartida a expansão da capacidade de arrecadação e de gasto da União. 
A evolução da receita tributária, desde 1907, como aponta o Gráfico 1, apresentou 
estabilidade, com oscilações pontuais, mas com tendência de ganho de participação dos governos 
subnacionais, acentuada no pós guerra. A queda do peso da arrecadação estadual nos anos iniciais do 
movimento de 1930, ocorrida devido à crise econômica e ao menor valor das exportações, foi logo 
superada e os estados voltaram a ganhar participação no período do Estado Novo. 
 
Gráfico 1 
Distribuição da receita tributária 
 
Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil, 2. ed., 1990. 
Obs.: Valores em mil réis de 1907 a 1941 e milhares de cruzeiro de 1942 a 1945. 
 
As informações sugerem que os governos estaduais mantiveram a autonomia na arrecadação 
tributária e o projeto varguista não se fez à custa deles perderem capacidade financeira. A União, na 
tentativa de direcionar os gastos públicos e contemplar a estratégia federal, valeu-se da intervenção, 
por meio do daspinhos, na proposta orçamentária das esferas subnacionais, instrumento sujeito às 
intempéries da negociação política e à aceitação dos interesses regionais. 
A manutenção da mesma estrutura de repartição da receita tributária é importante indicativo 
da força dos pactos regionais, a sinalizar, como colocou Diniz (1999), os traços de continuidade, 
típicos de processos de transição em que se defrontam forças contraditórias e movimentos com 
direções não necessariamente convergentes. O embate com o pacto oligárquico e o uso do Estado 
como indutor do crescimento industrial ocorreu por meio de alterações de natureza político 
Fonte: IBGE - Estatísticas Históricas do Brasil, 2ª ed. ,1990
Obs: Valores em mil réis de 1907 a 1941 e milhares de cruzeiro de 1942 a 1945
DISTRIBUIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA 
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
19
07
19
10
19
13
19
16
19
19
19
22
19
25
19
28
19
31
19
34
19
37
19
40
19
43
19
46
19
49
19
52
19
55
19
58
19
61
19
64
UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS
Francisco Luiz C. Lopreato 
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institucional, com o propósito de dar espaço na coalizão de poder aos atores ligados à nova ordem, 
sem desalojar as antigas elites, ainda presentes e atuantes. 
A União, sem a centralização dos recursos tributários e financeiros nem o domínio de 
empresas públicas capazes de construir a articulação com os estados, não dispôs de meios de 
direcionar os gastos públicos. O poder federal circunscreveu-se ao controle político dos órgãos 
diretivosestaduais, que, embora longe de ser desprezível, tinha limites em razão da obrigatoriedade 
de negociar com os interesses locais o destino dos recursos e de respeitar os seus espaços econômicos, 
a fim de evitar atritos e o risco de não concretização de acordos necessários à sustentação do poder 
político. 
Os estados, nesta forma particular de articulação, preservaram, como colocou Camargo 
(1999), o papel de atores políticos relevantes e palco da disputa entre interesses tradicionais e setores 
emergentes. Os conflitos expressavam-se por meio dos novos canais de interlocução com a esfera 
federal e cabia à União mediar as divergências e conciliar o antigo e o novo. 
O jogo político ganhou contornos específicos, de acordo com o peso econômico e a tradição 
de cada estado. Os mais ricos tinham maior autonomia no controle e direcionamento dos gastos, pois, 
embora presos à interlocução com os agentes federais, as negociações se faziam no interior do estado, 
com recursos majoritariamente próprios e de livre destinação. As unidades de menor poder 
econômico, por sua vez, dispunham de menor autonomia financeira graças à baixa receita tributária 
e à dependência de inserções no orçamento federal, o que as colocava como reféns e submissas à 
vontade do centro, em razão da necessidade de trocar favores políticos por acesso a recursos. 
As relações entre estados e municípios, embora marcadas por movimentos típicos de 
centralização política e administrativa também sofreram poucas alterações na comparação com o 
período anterior. A experiência com os departamentos de municipalidades, criados em 1934, como 
órgãos estaduais responsáveis por oferecerem assistência técnica e coordenarem as atividades de 
elaboração e execução orçamentária, prática ampliada durante o Estado Novo com os DASP, manteve 
sem alterações substantivas o antigo esquema de tutela e de submissão aos estados. 
As mudanças institucionais, particularmente a discriminação das competências tributárias e 
a adoção do princípio da eletividade 17 da Constituição de 1934, logo revogado em 1937, não 
alteraram, como colocou Nunes Leal (2012), o caráter da relação de subordinação municipal aos 
interesses estaduais. Os seus dirigentes, mesmo com liberdade no trato local, dependiam das 
indicações de aliados aos numerosos cargos em órgãos estaduais e federais e do acesso a verbas 
estaduais para realizarem os gastos, manterem o controle político local e se perpetuarem no poder. 
Estes mecanismos deixavam os gestores presos à obrigatoriedade de sustentarem as alianças e de se 
sujeitarem à proteção do governador, a fim de assegurarem espaços extralegais de autonomia no trato 
das questões municipais e de receberem apoio à continuidade no poder. Uma vez que a perda de 
acesso a esses instrumentos dava chance a outros grupos de ascenderem e tomarem o controle do 
poder local. O risco de alijamento garantia a subordinação dos dirigentes ao arranjo político estadual 
e soldava o compromisso de apoio mútuo. 
 
 
 
(17) Os municípios da capital e de estâncias hidro minerais, no entanto, poderiam ser nomeados pelo governo do 
Estado (Art 13 § 1). 
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 15 
2.2. O avanço do poder estadual: 1946 a 1964 
A queda de Vargas alterou a composição política e institucional vigentes e deu lugar à volta 
da democracia, com a retomada do Congresso Nacional e das eleições dos governadores. O novo 
quadro político e econômico provocou mais um processo de adaptação do que a efetiva transformação 
da ordem federalista. O olhar sobre o avanço da regulação federal, a relevância do papel dos governos 
estaduais e o modelo de relações baseadas na composição dos interesses regionais, a repartição 
tributária e a dinâmica de articulação entre estados e municípios, elementos constitutivos da ordem 
federativa, revela semelhanças interessantes com os dois ciclos tratados anteriormente. 
O paralelo entre os três momentos, resguardadas as peculiaridades próprias de cada um deles, 
sugere que esses movimentos possam ser classificados como integrantes da mesma etapa longa 
(1891/1964), por apresentarem características comuns marcantes, em especial o peso representativo 
dos estados, no arranjo federativo. 
A valorização do legislativo e o revigoramento de diferentes atores, ao lado do avanço de 
forças regionais e da presença de grupos de interesses específicos, abriram amplo campo de 
reivindicação de favores e verbas públicas em troca de votos e de apoio às políticas federais, alterando 
a configuração dos canais de negociação. As ações deixaram de ser centralizadas na figura do 
mandatário máximo e se diluíram nos escaninhos do poder, dimensionados de acordo com a força 
política e a capacidade de influência de cada ator, revigorando o espaço dos governadores. 
A carta de 1946 não buscou reconfigurar as relações federativas nem alterar elementos 
constitutivos da federação. O sistema tributário, como aponta o quadro 1, não sofreu mudanças 
substantivas. A distribuição de tributos permaneceu praticamente a mesma e os estados preservaram 
a autonomia de manejar os instrumentos de política tributária e fiscal e o direito de criar impostos, 
desde que não concorrentes com a esfera federal e sujeitos a distribuição de 20% do total arrecadado 
à União e 40% aos municípios; enquanto que os ganhos dos municípios não expandiram a arrecadação 
a ponto de alterar a situação em que viviam. 
A participação estadual na receita tributária cresceu a partir de 1947 e ocupou espaços da 
União, graças à expansão econômica, ao potencial de arrecadação e à liberdade de manipular as 
alíquotas do IVC. Os municípios, por sua vez, sustentaram posições próximas à do período anterior 
até o final da década de 50, quando, beneficiados por nova legislação, ampliaram a arrecadação (ver 
Gráfico 1). 
A volta do regime democrático recolocou os governadores como representantes dos interesses 
locais e alterou os canais de negociação, mais deixou intacto o modelo federal de manter a 
interlocução e negociar acordos e verbas em troca de apoios. A eliminação do aparato arbitrário do 
Estado Novo, com a retirada dos interventores e a perda de influência do sistema DASP, 
comprometeu o poder federal de influenciar o direcionamento de parcela dos gastos dos governos 
subnacionais. Como o governo não dispunha de meios de interferir nas decisões das esferas 
subnacionais, por não contar com a concentração da receita tributária, o controle de fontes de recursos 
financeiros, a presença de empresas ou regras de controle das finanças públicas, exceto à regulação 
de empréstimos externos, restou a Vargas o caminho da interferência direta na tentativa de influenciar 
a aplicação dos gastos. O fim do expediente autoritário trouxe de volta o arranjo tradicional, em que 
os estados, de acordo com o seu poder econômico, dominavam os recursos próprios e tinham 
autonomia de decisão sobre os gastos. 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 16 
Por outro lado, o aparato da era Vargas de controle do poder regulatório e do comando dos 
instrumentos da política econômica não sofreu alterações, dando sequência à marcha, presente pelo 
menos desde 1926, de dar ao Estado condições de ditar o processo de industrialização e de centralizar 
as decisões sobre as diretrizes do País (Draibe, 1985). Assim, a União, mesmo perdendo a força 
abusiva do Estado Novo, sustentou o comando das estratégias de crescimento e da gestão de diferentes 
áreas, sem ferir a autonomia e a capacidade de os estados manipularem livremente os recursos fiscais, 
orientarem os gastos de acordo com os interesses próprios, incorrerem em déficits públicos e 
garantirem as formas de reprodução do arranjo de poder local e de inserção no pacto federativo.O movimento, como era de praxe, não se colocou de forma simétrica. O aumento da 
arrecadação estadual distribuiu-se de forma desigual entre as regiões do país. A concentração da 
atividade econômica e a cobrança do IVC na origem, base da arrecadação estadual, favoreceram o 
aumento da arrecadação na Região Sudeste, em detrimentos das demais regiões (ver gráfico 2), 
consolidando a assimetria econômica e o sentimento de iniquidade da autonomia estadual entre os 
membros da federação (Kugelmas, 1986). 
 
Gráfico 2 
Arrecadação do Imposto sobre Circulação 
Mercadorias e Serviços por Grandes Regiões 
 
 Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XX. 
 
A estratégia de industrialização, ao não se ater ao problema, reforçou esse traço constitutivo 
do federalismo brasileiro, responsável por delimitar os espaços de atuação das diferentes unidades. 
Os estados fortes, impelidos pela autonomia financeira e liberdade política, ocuparam lugar de 
destaque no centro das decisões sobre a dinâmica do processo de desenvolvimento, associados à 
União. O uso de recursos próprios e, com frequência, de déficits fiscais, além da presença crescente 
de bancos estaduais, deu a eles condições de acompanharem a estratégia traçada no plano federal, de 
ampliarem gastos e de apoiarem a iniciativa privada, bem como realizarem os investimentos 
requeridos pelo crescimento industrial, sobretudo, na fase do Plano de Metas. Por sua vez, os estados 
de menor poder econômico tiveram de buscar formas específicas de articulação com a esfera federal, 
a fim de assegurarem os seus interesses e a reprodução do pacto de poder local. Assim, as formas de 
cooptação, por meio de diferentes expedientes (doações, incentivos e subsídios, concessões, 
regulamentação de privilégios, e outros), tornaram-se prática generalizada e ganharam destaque como 
instrumentos de composição política (Camargo, 1992). 
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
Fonte: IBGE - Estatísticas do século XX
Arrecadação do Imposto sobre Circulação 
Mercadorias e Serviços por Grandes Regiões
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
19
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19
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19
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19
63
19
64
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 17 
Este arranjo preservou o poder de barganha federal nas diferentes arenas decisórias, já que se 
tornou o caminho pelo qual a União ordenava o convívio de unidades desiguais, com interesses 
distintos, de modo a sustentar o balanço político entre a região industrializada e as demandas de 
unidades periféricas e de setores rurais. A barganha política colocou a esfera federal como arena 
central na negociação com as elites regionais e lhe deu condições de atender as demandas regionais 
ou setoriais e, simultaneamente, afiançar o projeto de desenvolvimento assentado na indústria. Como 
colocou Campelo de Souza (1976), assim como o Estado Novo não destruiu a estrutura federativa, a 
Constituição de 1946 (CF46) não esvaziou a força do governo central e garantiu a ampliação de suas 
atribuições.18 
O sistema de partilha criado na CF46 não tratou de enfrentar a assimetria regional. O 
mecanismo, diante da nova configuração política, buscou construir meios de costurar o arranjo entre 
forças desiguais e, embora precário, assegurou recursos a áreas específicas e aos entes subnacionais. 
As normas institucionais obrigaram o governo federal a direcionar um volume mínimo de 
gastos a diferentes áreas. Os setores de energia, transporte e combustíveis foram contemplados com 
a parcela de 60% da arrecadação dos impostos únicos destinados aos estados, DF e municípios 
(art.15). Além disso, 3%, pelo menos, da receita tributária teriam de ser gastos, em caráter 
permanente, na execução do Plano de Defesa dos efeitos da seca no NE e com as obras e serviços de 
assistência econômica e social (art.198). Outros 3% foram destinados, por período mínimo de 20 
anos, à execução do plano de valorização econômica da Amazônia (art. 199) e 1% no plano de 
aproveitamento das possibilidades do Rio São Francisco e seus afluentes (art.29 das disposições 
transitórias). Finalmente, 10% do produto do imposto de renda seriam distribuídos, em parte iguais, 
aos municípios, excluídos os das capitais, com a obrigação de, pelo menos a metade, ser aplicado em 
benefício de ordem rural (art. 15). 
A formação de verdadeiro orçamento regional no interior do orçamento federal serviu de 
instrumento de composição política e conciliou o atendimento de interesses dos estados do norte e 
Nordeste e de áreas específicas, a fim de amealhar apoios no Congresso, reproduzindo, em novos 
termos, as práticas anteriores. 
Além disso, o papel dos municípios no arranjo federativo, apesar deles obterem alguns ganhos 
no retorno à democracia, não se alterou substancialmente. A CF46 garantiu autonomia na eleição de 
prefeitos e vereadores, liberdade de decretar, arrecadar e aplicar o valor dos tributos de sua 
competência, bem como de organizar os serviços locais. O acréscimo de receitas, como colocado 
acima, com a participação nos impostos únicos e no imposto de renda deu alento ao governo local, 
apesar do relativo controle sobre o direcionamento dos recursos. 
Todavia, as mudanças, segundo Nunes Leal (2006), não tiveram a força necessária de alterar 
o quadro até então vigente. A autonomia política pouco transformou a realidade, já que a restrição 
legal de outros tempos ”nunca chegou a ser sentida como problema crucial, porque sempre foi 
compensada com uma extensa autonomia extralegal, concedida pelo governo do Estado ao partido 
local de sua preferência” (p.126). No plano financeiro, o ganho revelou-se insuficiente e não se 
refletiu em aumento de participação na distribuição da receita tributária. 
 
(18) Como parte desse processo, a Constituição de 1946, art. 58, cumpriu papel relevante ao definir um modelo de 
representação política no Congresso, com um mínimo de 7 representantes por unidade da federação e um máximo distante 
da proporcionalidade populacional, capaz de preservar o peso político de segmentos de menor poder econômico (Campelo 
de Souza, 2006). 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 18 
A postura subalterna e a supremacia do poder estadual nos entendimentos com as forças locais 
em muito se assemelharam ao dos ciclos anteriores. A falta de recursos transformou em realidade 
processos variados de tutela, com os governos locais dependentes do apoio estadual para levar adiante 
os seus projetos. Assim, o ganho formal de autonomia política não alterou o modelo de inserção 
municipal e o desenho federativo. Os municípios, frágeis financeiramente, continuaram com as ações 
atreladas aos movimentos dos dirigentes estaduais, responsáveis, hierarquicamente, por delinearem 
as alianças políticas e a condução dos gastos e investimentos. 
 
Figura 1 
Quadro federativo 
 
 
A nova configuração política deu força a estados e municípios e preservou outros elementos 
determinantes do arranjo federativo (Figura 1). A União, mesmo com a perda do arbítrio e menor 
participação na receita tributária não perdeu o comando da política econômica e da estratégia de 
desenvolvimento, além de manter a capacidade de costurar o pacto federativo. O uso de favores 
orçamentários e de formas de relações intergovernamentais, em um país marcado por unidades de 
força assimétrica, manteve-se intacto. Mudou o canal de articulação. Os governadores preencheram 
o espaço antes ocupado pelos interventores na intermediação com a elite estadual em torno das 
decisõesde gastos, sem alterar, no entanto, o caráter regional das negociações e a autonomia desigual 
dos governadores. 
Os estados, fortalecidos, cresceram em termos políticos e financeiros, sustentaram papel 
estratégico no arranjo federativo. O movimento pendular da arrecadação tributária os favoreceu sem 
mexer no modelo de relações intergovernamentais e nos mecanismos delineadores da federação. A 
relação com a esfera federal seguiu os traços tradicionais e com os municípios, mesmo perdendo o 
direito legal de intervenção na escolha dos dirigentes locais, conservou padrão semelhante, com os 
estados preservando a tarefa de intermediários nessa articulação por comandarem o poder econômico, 
elemento chave na definição do arranjo político local. A dependência de acesso a verbas e 
financiamentos, além de espaços em cargos de nomeação política, continuou a ditar as vinculações 
dos governadores e dos grupos locais, centrais na composição do arranjo político e no domínio do 
poder local. 
 
3. O regime militar e o novo arranjo federativo (1964-1988) 
O golpe militar de 1964 sinalizou um momento de ruptura e de inauguração de nova etapa do 
federalismo brasileiro. O corte analítico decorre, em parte, da alteração do regime político e do fato 
de o governo central, com base nas eleições indiretas, tomar para si o direito de nomear os 
governadores e os prefeitos das capitais. Porém, estas condições, por si só, não são suficientes. O 
fator central está na força de o regime militar alterar elementos basilares da ordem anterior e redefinir 
o pacto federativo, com a redistribuição dos recursos tributários e o domínio de fontes financeiras; a 
alteração das relações do governo federal com os governos subnacionais, com a institucionalização 
de um sistema de partilha e o maior controle federal sobre a parcela dos gastos públicos por meio das 
União
Estados
Municípos
Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 19 
transferências vinculadas e os empréstimos condicionados; a reconfiguração das relações entre as 
estatais federais e as suas congêneres estaduais e a imposição de regras de conduta aos governos 
subnacionais. 
O movimento nuclear desse processo foi a concentração de recursos fiscais e financeiros na 
esfera federal. No plano fiscal, a reforma do sistema tributário elevou a carga tributária e aumentou o 
peso da União, que saltou de 40,6% em 1966 para 51,6% em 1974, enquanto a dos Estados caiu de 
46,3% para 35,2%. 
A concentração tributária no centro alterou traço marcante do federalismo fiscal brasileiro. 
Os estados que, desde o início da República, mantiveram (ou expandiram) a participação no valor da 
receita tributária, perderam pontos na distribuição dos recursos disponíveis e ampliaram a 
dependência em relação à esfera federal, apesar de a reforma seguir a tradição histórica e atribuir a 
eles o tributo de maior potencial de arrecadação, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), 
beneficiando as unidades de maior potencial econômico. Por outro lado, várias medidas favoreceram 
o controle da União sobre os recursos financeiros. A reestruturação da dívida pública com as 
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), o uso das cadernetas de poupança com 
correção monetária, a criação das poupanças compulsórias (FGTS, PIS-PASEP) e a busca de 
financiamento no mercado externo (Resolução 63/1967) deram à esfera federal o manuseio de parcela 
expressiva da poupança financeira. A centralização financeira ganhou contornos finais quando a Lei 
Complementar n. 12, de novembro de 1971, delegou ao Banco Central o comando sobre a dívida 
pública e a liberdade de elevar a colocação de títulos e de arcar com os encargos decorrentes, 
ampliando a possibilidade de financiamento público. 
O modelo de atuação federal transformou-se com o domínio dos recursos fiscais e financeiros. 
A União, embora tenha sempre ocupado posição de destaque no controle da política econômica e da 
estratégia de desenvolvimento, em nenhum outro momento teve à disposição massa de recursos, 
mecanismos de financiamento e domínio de parcela das despesas correntes e de capital tão relevantes. 
No plano fiscal, o montante de arrecadação permitiu a criação de ampla gama de fundos, programas, 
subsídios e incentivos fiscais em favor de áreas estratégicas da política de desenvolvimento, bem 
como a expansão dos investimentos da administração direta. No plano financeiro, o direito de alocar 
as verbas disponíveis levou ao uso dos bancos e agências financeiras públicas como veículos de 
direcionamento de crédito a áreas de interesse e, como se verá adiante, fortaleceu a autoridade sobre 
os gastos das esferas subnacionais.19 
Além disso, a criação de novas entidades e a política de valorização dos preços públicos 
alçaram as empresas estatais, reestruturadas financeiramente, à condição privilegiada de poderoso 
instrumento da política de desenvolvimento e responsáveis por parcela importante dos investimentos 
públicos. 
A centralização de recursos fiscais e financeiros, somada ao controle da intermediação 
financeira e ao papel das empresas estatais, redefiniu o espaço do governo central na federação 
brasileira: acumulou parcela expressiva dos gastos e criou meios de intervir na alocação das despesas 
das outras esferas de governo. A União pode, assim, elevar e direcionar os investimentos a áreas 
consideradas estratégicas, bem como atuar na costura do pacto federativo a partir da negociação de 
verbas a favor dos interesses regionais. 
 
(19) Ver Lopreato (2013, cap. 2) para a discussão ampliada desses pontos. 
Francisco Luiz C. Lopreato 
Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 388, jul. 2020. 20 
A barganha por verbas não constituiu novidade. A diferença agora estava no montante de 
recursos à disposição do centro e nos caminhos por onde se realizavam. A negociação, até então 
centrada na peça orçamentária, incorporou outros instrumentos e valores inusitados. O domínio sobre 
as regras de acesso ao dinheiro, associado à dependência de estados e municípios da liberação de 
verbas, reforçou o papel do centro como lugar privilegiado do pacto de poder, em condições de alterar 
o modelo de relacionamento intergovernamental e de fazer valer a sua vontade em decisões das 
esferas subnacionais, além de, no plano da política, usar a cassação de políticos como meio de renovar 
a configuração dos arranjos locais. 
O figurino oficial questionou a autonomia dos entes subnacionais no trato dos gastos públicos. 
O sucesso do projeto de industrialização, na visão dominante, dependia da racionalidade dos gastos 
federais e da imposição de dinâmica semelhante aos entes subnacionais. O centro buscou então definir 
normas estritas de obediência à aplicação do conjunto de verbas negociadas e de repasses federais, de 
modo a eliminar o livre uso dos recursos, delinear o ritmo e o volume dos gastos dos entes 
subnacionais e garantir os investimentos em setores estratégicos ao crescimento (Resende, 1982). 
Os caminhos de intervenção multiplicaram-se. O sistema de partilha, alterado em relação ao 
esquema débil até então existente, criou critérios de distribuição de verbas do Fundo de Participação 
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) direcionados a atuar como 
instrumento de redistribuição institucional de renda. O FPM buscou favorecer os municípios de 
pequeno porte, vistos como os mais pobres, com um volume mínimo de renda. O FPE tratou de 
compensar parte do potencial de arrecadação do ICM nos estados de maior nível de renda e de 
responder à questão regional transferindo parcela preponderante da verba às unidades de baixa renda, 
com a determinação inicial de aplicar, pelo menos, 50% em despesas de capital. Enquanto as outras 
formas de transferências constitucionais,

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