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Daniel Rodrigues-M33 1) Conceituar Febre de Origem Indeterminada (FOI) Há quatro categorias para uma FOI: clássica, nosocomial, imunodeficiência e relacionada à aids. Nessas categorias, há quatro subgrupos: infecções, neoplasias malignas, auto-imunidade e miscelânea. A febre é caracterizada com temperatura acima de 38,3ºC. • Febre de origem desconhecida clássica: febre por > 3 semanas, sem se descobrir a causa após 3 dias de avaliação no hospital ou ≥ 3 consultas ambulatoriais • Febre de origem desconhecida associada a cuidados de saúde: febre em pacientes hospitalizados recebendo atendimento intensivo e sem presença de infecção, ou infecção incubada na internação, se o diagnóstico permanecer incerto após 3 dias de avaliação apropriada. • Febre de origem obscura com imunodeficiência: febre em pacientes com neutropenia e outras imunodeficiências se o diagnóstico permanecer incerto depois de 3 dias de avaliação adequada, incluindo culturas negativas após 48 h. • Febre de origem desconhecida relacionada com HIV: febre por > 3 semanas em pacientes ambulatoriais com infecção por HIV confirmada ou > 3 dias em pacientes internados com infecção por HIV confirmada se o diagnóstico permanecer incerto após avaliação adequada • Febres agudas, mesmo sem causas aparentes, que se resolvem espontaneamente, não são consideradas como de origem indeterminada • As FOI necessitam de grande investigação e duração prolongada para serem caracterizadas 2) Conhecer o fluxograma de investigação do FOI A história e um exame físico minuciosos são fundamentais para elucidação diagnóstica. Dentre os dados de história, viagens recentes, contato com animais, uso de drogas lícitas ou não, comportamentos de risco para aids, sintomas associados como emagrecimento e localização de sintomas são fundamentais. Internações e uso recente de antibióticos devem ser investigados. A idade é um fator muito importante: • Em crianças: cerca de um terço é decorrente de infecções virais. • Em idosos: um terço decorre de vasculites, e um quarto, de neoplasias. No exame físico, o detalhamento é fundamental. Enfatizamos a ausculta de sopros cardíacos, pesquisa de dores musculares e ósseas, palpação do fígado e baço, e pesquisa exaustiva de gânglios. Os locais de inserção de cateteres e sondas devem ser examinados minuciosamente. A relação de infecções pulmonares com o número de CD4 pode ser assim esquematizada: • CD4 < 50 células/mcL: Mycobacterium avium, Histoplasma capsulatum, Coccidioides immitis, aspergilose e citomegalovírus. • CD4 < 100 células/mcL: Pseudomonas aeruginosa, Stafilococos aureus, Toxoplasma gondii e sarcoma de Kaposi. • CD4 < 200 células/mcL: pneumocistose e Criptococos neoformans. https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/imunologia-dist%C3%BArbios-al%C3%A9rgicos/imunodefici%C3%AAncias/vis%C3%A3o-geral-das-imunodefici%C3%AAncias https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/doen%C3%A7as-infecciosas/v%C3%ADrus-da-imunodefici%C3%AAncia-humana-hiv/infec%C3%A7%C3%A3o-pelo-v%C3%ADrus-da-imunodefici%C3%AAncia-humana-hiv Daniel Rodrigues-M33 Os exames complementares a serem pedidos são hemograma, bioquímica sanguínea, incluindo enzimas hepatocelulares e canaliculares hepáticas, exame de urina, radiografia de tórax e imagem abdominal (ultra-sonografia ou tomografia computadorizada). Prefere-se a tomografia à ultra-sonografia, uma vez que pequenos nódulos ou gânglios são mais bem visualizados. Diagnóstico que permanece incerto após anamnese e exame físico detalhados e os seguintes exames obrigatórios: determinação da velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa; contagem de plaquetas; contagem total e diferencial de leucócitos; medidas dos níveis de hemoglobina, eletrólitos, creatinina, proteínas totais, fosfatase alcalina, alanina-aminotransferase, aspartato-aminotransferase, lactatodesidrogenase, creatina-cinase, ferritina, fatores antinucleares e fator reumatoide; eletroforese de proteínas; exame comum de urina; hemoculturas (n = 3); urocultura; radiografia de tórax; ultrassonografia abdominal; e teste cutâneo com tuberculina (TCT) ou ensaio de liberação de gamainterferona (IGRA). Tratamento Tentativas terapêuticas empíricas com antibióticos, glicocorticoides ou agentes antituberculosos devem ser evitadas na FOO, exceto quando a condição clínica do paciente estiver rapidamente piorando após os exames diagnósticos não fornecerem um diagnóstico definitivo. Daniel Rodrigues-M33 • A terapia antibiótica ou antituberculosa pode reduzir de maneira definitiva a capacidade de cultivo de bactérias de crescimento lento ou de micobactérias. Porém, instabilidade hemodinâmica ou neutropenia são boas indicações para a terapia antibiótica empírica. Se o TCT ou o IGRA forem positivos ou se houver doença granulomatosa com anergia e a sarcoidose parecer improvável, deve-se iniciar um teste terapêutico para tuberculose. Especialmente na tuberculose miliar, pode ser difícil obter um diagnóstico rápido. Se a febre não responder após 6 semanas de tratamento empírico contra a tuberculose, deve-se considerar outro diagnóstico. • A colchicina é altamente eficaz na prevenção das crises de febre familiar do Mediterrâneo, porém ela nem sempre é efetiva quando a crise já iniciou. Quando há suspeita de febre familiar do Mediterrâneo, a resposta à colchicina não é uma ferramenta diagnóstica completamente confiável na fase aguda, mas, com o tratamento com colchicina, a maioria dos pacientes mostra melhora marcante na frequência e intensidade dos episódios febris dentro de semanas a meses. • A capacidade dos AINEs e dos glicocorticoides de mascarar a febre, ao mesmo tempo em que permite a disseminação da infecção ou linfoma, exige que o seu uso seja evitado, a menos que a possibilidade de infecção tenha sido em grande parte excluída e a doença inflamatória seja provavelmente debilitante ou ameaçadora. • Anacira: A interleucina (IL) 1 é uma citocina fundamental na inflamação local e sistêmica e na resposta febril. A anacinra é extremamente efetiva no tratamento de muitas síndromes inflamatórias, como a febre familiar do Mediterrâneo, síndrome periódica associada à criopirina, síndrome periódica associada ao receptor do fator de necrose tumoral, deficiência de mevalonato-cinase (síndrome de hiper-IgD) e síndrome de Schnitzler. Um teste terapêutico com anacinra pode ser considerado em pacientes cuja FOO não foi diagnosticada após os testes diagnósticos de estágio posterior. 3) Estudar a epidemiologia, agente etiológico, vetores, modos de transmissão, fisiopatologia, classificação clínica e diagnóstico da Leishmaniose visceral a) Epidemiologia O calazar é uma doença endêmica em 88 países da região tropical e subtropical do Globo, tanto no “Velho Mundo” (África, Ásia e Europa) como no “Novo Mundo” (América Latina). Segundo dados da OMS, existem cerca de 360 milhões de pessoas sob risco, ocorrendo cerca de 1-2 milhões de novos casos por ano. A maior parte é registrada na Índia, Bangladesh, Sudão e Brasil. Minas Gerais e os estados da região Nordeste são os maiores responsáveis, especialmente Bahia, Ceará, Piauí e Maranhão. Outros estados contribuem com uma pequena parcela dos casos: Roraima, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Rio de Janeiro (Baixada Fluminense). No Brasil, a doença predomina no meio “periurbano”, isto é, regiões periféricas das cidades, na medida em que elas “avançam” sobre zonas rurais ou de mata virgem. • O período de incubação no homem, é de dez dias a 24 meses, com média entre dois e seis meses b) Agente etiológico Protozoários tripanossomatídeos do gênero Leishmania. Nas Américas, a Leishmania (Leishmania infantum) é a espécie mais comumente envolvida na transmissão da leishmaniose visceral (LV). c)Vetores Dípteros da família Psychodidae, subfamília Phlebotominae, são os transmissores das leishmanioses, sendo Lutzomyia longipalpis a principal espécietransmissora. São conhecidos popularmente como mosquito-palha, tatuquira e birigui, entre outros, dependendo da região geográfica. d) Modos de transmissão A transmissão ocorre pela picada dos vetores infectados pela Leishmania (L.) infantum. Não ocorre transmissão de pessoa a pessoa. e) Fisiopatologia A principal característica do protozoário é a presença de 2 fases distintas: a forma promastigota, definida como infectante, com forma flagelada e móvel, e a forma amastigota, presente nos macrófagos do mamífero parasitado, que pode ser o homem, o cão ou outro mamífero, e é imóvel. O ciclo do parasita nesses mosquitos dura de 3 a 5 dias e tem 2 fases, citadas a seguir. Daniel Rodrigues-M33 1. Estágio infectante ou estágio no mosquito: dura desde o momento em que o mosquito pica o animal infectado, com a transformação no intestino do mosquito de amastigotas em formas infectantes, as promastigotas. Essas serão transmitidas em uma nova picada; 2. Estágio no ser humano: começa no momento da picada do inseto, com a transmissão de promastigotas, que serão logo fagocitadas. A partir daí, haverá a transformação em amastigotas, que se dividirão em vários tecidos do corpo, principalmente nos gânglios e na medula. O parasita utiliza 2 proteínas para a penetração na célula, Gp63 e LPG. As leishmânias parasitam apenas macrófagos e não causam liberação de citocinas (como IL-12), por isso eles não são ativados, ficando repletos de formas amastigotas. O macrófago repleto de parasitas se rompe, liberando as formas amastigotas, que infectam outras células. O acúmulo dos macrófagos infectados no baço e no fígado gera a hepatoesplenomegalia. E a hiperplasia dos macrófagos na medula óssea compromete a produção das outras células, causando pancitopenia. A resposta celular fundamental nesse tipo de doença divide-se para 2 fatores na resposta ao parasita: o tipo de resposta predominante do linfócito T CD4 – Th1 ou Th2 – e a resposta do macrófago ao estímulo pelo IFN-gama (o IFN-gama funciona ativando os macrófagos e fazendo que estes não sejam permissivos à infecção por Leishmania). Havendo predomínio de resposta Th1, há produção de IFN-gama e IL-2, que ativam macrófagos e contêm a doença. Em caso de predomínio de Th2, há produção de IL-4, IL-5 e IL-10, com progressão da doença. Portanto, o tipo de resposta imunocelular define quem vai desenvolver a doença. Muitas vezes, o paciente apresenta a doença assintomática, só descoberta eventualmente em exame. f) Classificação clínica O quadro clínico depende diretamente da resposta imunológica. Os pacientes que não conseguem responder adequadamente ao protozoário apresentam quadro visceralizado. Existem formas oligossintomáticas e afebris de difícil diagnóstico, que podem evoluir para cura espontânea ou para formas sintomáticas. Pode-se dividir a clínica em fases nos casos de formas sintomáticas. Fase inicial ou fase aguda: • Febre irregular, em média < 38,5 °C, com períodos de acalmia por algumas semanas • diarreia • dor abdominal • Tosse seca e irritante pode decorrer de pneumonite intersticial • O aumento do fígado não é representado, mas, muitas vezes, aparece como resposta ao quadro sistêmico • A medula é repleta de Leishmania Período de estado ou fase crônica: • Emagrecimento e palidez cutânea • Hepatomegalia, de 3 a 4 cm da linha hemiclavicular direita, é um achado frequente. • Esplenomegalia pode chegar a ser muito exuberante, com o baço ultrapassando a linha média em direção à fossa ilíaca direita • Consistência do baço é amolecida, mas pode ser dura em caso de fibrose, na hipótese de quadros crônicos • Dor esplênica à palpação pode indicar periesplenite (inflamação da cápsula esplênica) • Dor esplênica aguda é sugestiva de infarto esplênico • Não há grande adenomegalia, mas a micropoliadenopatia generalizada não dolorosa é comum • Sinais de desnutrição: pele seca, pelos quebradiços e cílios longos – sinal de Pittaluga • Podem acontecer infecções secundárias na leishmaniose visceral:tuberculose, bactérias capsuladas (Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae) e bactérias Gram negativas • A hemorragia também é causa de óbito frequente, já que desenvolve trombocitopenia, geralmente pancitopenia. Fatores aumentam a letalidade na doença visceral pela leishmaniose: • Idade inferior a 1 ano • Idade superior a 40 anos • Recidiva ou reativação de leishmaniose visceral • Febre há mais de 60 dias Daniel Rodrigues-M33 • Icterícia • Fenômenos hemorrágicos • Sinais de toxemia • Desnutrição grau III (marasmo/kwashiorkor) • Leucócitos < 1.000/mm3 ou > 7.000/mm3 • Neutrófilos ≤ 500/mm3Plaquetas < 50.000/mm3 • Hemoglobina ≤ 7 g/dL g) Diagnóstico • O padrão-ouro para o diagnóstico na leishmaniose é o encontro do protozoário no tecido parasitado, e o melhor local para o encontro deste é no aspirado de medula óssea – mielograma. • Punção e aspiração hepática ou esplênica: os melhores lugares para procurar o parasita são baço, medula óssea, fígado, linfonodos e sangue periférico • Sorologia (Elisa) • Reação de Montenegro: Retrata hipersensibilidade tardia. Como para ocorrer leishmaniose visceral deve haver falta de resposta celular, normalmente o teste de Montenegro é negativo na visceral. Nos pacientes com infecção sem doença, entretanto, o teste é positivo. • Reação em cadeia de polimerase (PCR): São utilizados para pesquisa do parasita na medula ou no baço • Testes rápidos de Leishmaniose-rK39 • Hemograma: pancitopenia, pelo hiperesplenismo presente. Eventualmente, pode haver apenas leucopenia e espera-se linfocitose • Exames de bioquímica: podem ser encontrados aumento da fração gama na eletroforese de proteínas – hipergamaglobulinemia – e queda de albumina 4) Discutir o tratamento e a profilaxia da Leishmaniose visceral Existem 3 drogas que fazem tratamento efetivo para leishmaniose, que são o antimonial pentavalente Glucantime®, a anfotericina e a pentamidina. A droga mais potente é a anfotericina, que deve ser reservada para retratamentos ou casos de gravidade. A primeira droga de escolha para tratamentos gerais deve ser o antimonial pentavalente. A pentamidina não é facilmente encontrada no Brasil atualmente, por isso está em desuso, exceto na região Norte do país – Manaus. Antimoniais pentavalentes: Glucantime® • É chamado de antimoniato de N-metilglucamina, também conhecido por meglumina • O tratamento deve durar pelo menos 20 dias • Na atualidade, esse tratamento pode ser feito ambulatorialmente, sendo a única das drogas que pode ser administrada dessa forma. Anfotericina B 1 • É a única opção para gestantes e pessoas que tiveram reação tóxica ao Glucantime® • Dose de 1 mg/kg/d, se desoxicolato, ou 5 mg/kg/d, se lipossomal • Droga nefrotóxica, cardiotóxica e hepatotóxica; Uso por 21 dias • A droga é a primeira escolha em algumas situações, ampliada pelo Ministério da Saúde desde 2014. São elas: a) Idade menor do que 1 ano; b) Idade maior do que 50 anos; c) Pacientes com gravidade aumentada, avaliados clínica e/ou laboratorialmente; d) Insuficiência renal; e) Insuficiência hepática; f) Insuficiência cardíaca; g) Infecção pelo HIV; H) Comorbidades que comprometem a imunidade; I) Uso de medicação que compromete a imunidade; J) Falha terapêutica ao antimoniato de N-metilglucamina ou a outros medicamentos utilizados para o tratamento da leishmaniose visceral Critérios de cura: • Desaparecimento da febre, do segundo ao quinto dia de medicação específica • Diminuição do baço e do fígado, podendo demorar mais no fígado do que no baço • Melhora da pancitopenia Daniel Rodrigues-M33 • Costumeiramente, lento ganho de peso • Presença de eosinófilos no sangue periférico indicando retorno de imunidade; • Melhora dos sintomas, que permanecem após 12 meses do fim do tratamento • Sem indicação de esplenectomia Em geral, para detectar uma recidiva, é necessário o encontro doprotozoário no tecido ou na medula após o fim do tratamento. A sorologia pode permanecer aumentada pelo resto da vida e não deve ser utilizada para determinar recidiva de doença ou falha de tratamento prévio. Profilaxia 1. Detecção ativa e passiva de casos suspeitos de calazar, treinando os profissionais de saúde que atendem nas áreas endêmicas, para que o diagnóstico e a terapêutica sejam realizados de forma precoce, com isso reduzindo as fontes humanas do parasito 2. Detecção e eliminação de reservatórios infectados. No Brasil, o cão é o principal reservatório da L. chagasi, tendo uma implicação fundamental na transmissão humana 3. Controle dos vetores flebotomíneos. Utilizar inseticidas de ação residual, tais como os derivados piretroides, que devem ser aplicados nas paredes internas das casas e anexos. Um controle da densidade de flebotomíneos nas áreas borrifadas é recomendado a cada seis meses. Referências bibliográficas Clínica médica na prática diária / Celmo Celeno Porto, coeditor Arnaldo Lemos Porto. - 2. ed. - Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2022 Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. – 5. ed. rev. – Brasília : Ministério da Saúde, 2022 Infectologia: Bases clínicas e tratamento / Reinaldo Salomão - 1. ed. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017 MARTINS, Milton de Arruda et al. Clínica Médica: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher, envelhecimento e geriatria. -2ed. Barueri, SP: Manole. 2016
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