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Economia solidária e educação popular: a experiência do Mumbuca Futuro nas escolas municipais de Maricá Rayanne de Medeiros Gonçalves1 Thais Cristina Souza de Oliveira23 1. Introdução Em 30 de outubro de 2020, foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002) o índice mais recente, até o momento da elaboração deste artigo, de desemprego no Brasil. O trimestre encerrado em agosto registrou uma taxa de 13,8 milhões de pessoas desempregadas no país, o que equivale a 14,4% da população economicamente ativa. Essa é a maior taxa de desemprego registrada desde o início, em 2012, da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), realizada pelo IBGE. Paralelamente, vem aumentando o número de ocupações informais, ou seja, sem garantias trabalhistas e em situações precarizadas. A população mais jovem acumula os maiores índices de desempregados. O cenário nacional acaba por se refletir no município de Maricá, que acumula altas taxas de desemprego. O Sistema de Indicadores da Cidadania (INCID), desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE, 2016), em um projeto voltado para 14 municípios do COMLESTE, em parceria com a Petrobras, mostra, no indicador “Direito ao Trabalho: Situação dos(as) Jovens no Acesso ao Emprego Formal”, que em 2014 apenas 18% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam formalmente empregados em Maricá, contra 50% de jovens empregados no mesmo período em Niterói e 39% na vizinha Saquarema. Entendendo a juventude como o segmento mais importante para o desenvolvimento de um país, uma vez que é nessa fase que as experiências adquiridas darão aos cidadãos condições de exercerem seus plenos direitos na sociedade, o Programa Mumbuca Futuro surge como uma resposta da Secretaria de Economia Solidária de Maricá para tratar a questão do desemprego e 1 Rayanne de Medeiros Gonçalves é mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ (CPDA/UFRRJ) e está como Orientadora Educacional no Programa Mumbuca Futuro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: medeirosrayg@gmail.com. 2 Thaís Cristina Souza de Oliveira é mestra em Tecnologia para o Desenvolvimento Social pelo Programa de Pós- Graduação de Tecnologia para o Desenvolvimento Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (NIDES/UFRJ) e está como Orientadora Educacional no Programa Mumbuca Futuro, Maricá (RJ), Brasil. E-mail: thaiscs.oliveira@yahoo.com.br. 3 Este artigo recebeu contribuições de Thaiza de Freitas Senna, graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense e está como Orientadora Educacional do Programa Mumbuca Futuro. mailto:medeirosrayg@gmail.com mailto:thaiscs.oliveira@yahoo.com.br da precarização nas relações de trabalho – uma problemática que vem assolando a classe trabalhadora nos últimos anos, mais especificamente os jovens em busca do primeiro emprego. Iniciado em julho de 2018, o Mumbuca Futuro visa contemplar os estudantes munícipes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio das redes públicas de ensino, caracterizando-se por unir a concessão de um benefício social de transferência de renda mediante a formação educacional emancipatória pautada na temática da Economia Solidária. O programa investe ainda na formação de Jovens Educadores Populares maricaenses, entre as idades de 18 e 29 anos, nos temas de Economia Solidária e Educação Popular, para serem os responsáveis pela formação das crianças e adolescentes nas salas de aula. Esses jovens, ao mesmo tempo que aprendem, ensinam e produzem novos conhecimentos. O Programa em 2018 e 2019 formou 22 jovens educadores, que foram responsáveis pela formação dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental, entre setembro e outubro de 2018, e pelos estudantes do 9º ano do ensino fundamental, entre agosto e novembro de 2019. Diante disso, este artigo visa relatar as experiências a partir do percurso formativo do Mumbuca Futuro nos anos de 2018 e 2019. O artigo se inicia com uma reflexão teórica sobre Economia e Trabalho, relacionando o tema ao surgimento e à importância da Economia Solidária no contexto nacional e municipal. Em seguida, busca aprofundar o Programa Mumbuca Futuro como projeto que visa debater e trabalhar os princípios da Economia Solidária com as diferentes juventudes da cidade, demonstrando o percurso formativo desenvolvido no período, apontando quantos estudantes participaram, os conteúdos e a metodologia desenvolvida e, por fim, refletindo sobre o papel que o Mumbuca Futuro vem realizando na vida desses jovens e no desenvolvimento socioeconômico local. 2. Economia e Trabalho Não podemos ignorar que o mundo enfrenta, hoje, um cenário de crise econômica e política, sobretudo no aumento latente nos índices de desemprego e precarização do trabalho. Para compreender melhor esse panorama, é fundamental que se observe também o desemprego em âmbito mundial, concebendo-o como intrinsecamente relacionado às mudanças estruturais presentes na sociedade capitalista, sobretudo no que diz respeito à nova morfologia do trabalho. Tendo início a partir da crise da década de 1970 e espraiando-se até os dias atuais, ocorre em âmbito global o que se caracteriza como “reestruturação das forças produtivas”. Alicerçada no avanço tecnológico e no questionamento dos padrões econômico-produtivos keynesianos e fordistas, essa reestruturação teve como intuito central ocasionar o aumento da acumulação capitalista. Para isso, há a substituição da produção em massa pela ideia de uma produção que atendesse aos anseios individuais dos consumidores. A partir daí, nota-se também a formulação de novas tendências e categorias de trabalho para além da figura do trabalhador operário fabril, gerando vínculos empregatícios precarizados e marcados pela flexibilização, bem como o aumento nos números de desemprego e a substituição da mão de obra humana pelo uso da tecnologia, de acordo com Antunes: […] Praticamente todos os países latino-americanos dotados de áreas industrializadas implementaram em suas empresas os processos de downsizing (redução dos níveis hierárquicos) por meio de uma enorme redução do número de trabalhadores e do número de exploração da força de trabalho, o que significa que o processo tecnológico e informacional também passou por sérias mutações. A flexibilização, a desregulamentação e as novas formas de gestão produtiva foram introduzidas com grande intensidade, mesclando-se aos novos processos produtivos baseados na acumulação flexível, ou ainda no chamado toyotismo (o “modelo japonês”), que se expandiu para o capitalismo ocidental de modo muito vigoroso e ampliado desde os anos 1970, para a América Latina, especialmente a partir dos anos 1980 (ANTUNES, 2011, p. 39). Ao direcionarmos o olhar para o cenário atual, observamos que isso se caracteriza de forma concreta por meio de uma economia onde os trabalhadores são submetidos a relações de alienação e degradação próprias dessa lógica hegemônica, em que há a mercantilização profissional e a precarização do trabalho assalariado, identificada por vínculos empregatícios terceirizados, fragmentados e informais, jornadas de trabalho excessivas, desproteção trabalhista, entre outros, conforme aborda Racheilis: Como consequência, aprofunda-se a tendência do capital de redução do número de trabalhadores contratados, gerando economia do trabalho vivo, potencializada pela incorporação em larga escala de tecnologias microeletrônicas poupadoras de força de trabalho. Amplia-se o desemprego estrutural além da precarização e deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é exercido, que se agravam ainda mais considerando recortes de gênero, geração, raça e etnia, com profundas mudanças nas formas deser da classe trabalhadora, com impactos na materialidade e na subjetividade individual e coletiva (RACHEILIS, 2018, p. 51). Em contraponto a esse cenário, mas também inseridas nele, as ideias da Economia Solidária podem ser entendidas como uma resposta dos próprios trabalhadores às transformações ocorridas no mundo do trabalho. De modo a ir contra as tendências da mercantilização do trabalho e da vida, configuram-se novas formas de trabalho, a partir do cooperativismo, associativismo e iniciativas autogestionárias. Pautadas nos princípios de solidariedade, sustentabilidade, equidade e justiça social, criam-se oportunidades de trabalho e outra concepção de mercado. Assim, podemos dizer que “a economia solidária surge como reação à crise na forma de numerosas iniciativas locais” (FRANÇA FILHO, 2006, p. 203). Tais iniciativas baseiam-se em valores mais solidários, humanitários e sustentáveis, com o propósito de construir novos estilos de vida, buscando reestruturar o sistema financeiro. Como a produção econômica tende a se misturar e sobrepor a reprodução da vida, a perspectiva da economia solidária torna-se uma forma de enfrentar os desafios contemporâneos por meio de uma economia vinculada diretamente à reprodução da vida de seus membros, e não a serviço da lei do valor econômico (LISBOA, 2005). A economia solidária abrange, assim, formas de organização econômica – de produção, prestação de serviços, comercialização, finanças e consumo – baseadas no trabalho associado, na autogestão, na propriedade coletiva dos meios de produção, na cooperação e na solidariedade (CONSELHO NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2015), criando oportunidades de desenvolvimento nas brechas da sociedade hegemônica. No entanto, para a consolidação das práticas dessa economia, o apoio do Estado e dos recursos públicos tem sido uma exigência dos atores da economia solidária para a manutenção e o desenvolvimento das suas ações. Desse modo, registra-se, nos últimos anos, a participação dos poderes públicos, com a formulação de políticas públicas, sobretudo no nível das prefeituras municipais (FRANÇA FILHO, 2007). Tais pontos serão aprofundados a seguir. 3. Educação Popular como teoria e prática cotidiana Ao entender que a educação não pode ser vista como mercadoria, o Mumbuca Futuro acredita na capacidade de transformação social e econômica da juventude. Desse modo, nós, membros da equipe do Mumbuca Futuro, embasamo-nos em um processo pedagógico crítico e libertador, na medida em que privilegiamos as trocas, os saberes e a construção conjunta de conhecimentos na relação educador-educando. Além disso, buscamos demonstrar nas aulas e enfrentar no cotidiano uma possível disputa do processo hegemônico de emancipação humana na educação formal, com a tarefa de (re)formar e incentivar multiplicadores de uma cultura própria, solidária e diversificada. Ao trabalhar com o conceito de práxis na pedagogia de Paulo Freire, aprofundamo-nos no entendimento de que cada educando tem a capacidade de refletir, dialogar e atuar para a transformação da realidade social. A partir do momento em que se reconhece o potencial de cada sujeito, caminha-se para a libertação. E este é o papel da educação, segundo Freire (1981): Somente os seres que podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se desde, porém, que sua reflexão não se perca numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante. Desta forma, consciência de ação sobre a realidade são inseparáveis constituintes do ato transformador pelo qual homens e mulheres se fazem seres de relação. A prática consciente dos seres humanos, envolvendo a reflexão, intencionalidade, temporalidade e transcendência, é diferente dos meros contatos dos animais com o mundo (FREIRE, 1981, p. 53). Em busca de criar estratégias que estimulem os estudantes a se tornarem críticos da própria realidade, enxergando as relações entre a crise socioeconômica e as relações de produção e consumo da atualidade, refletindo sobre estas questões à luz da solidariedade, da justiça social e do bem-viver de todas(os), construímos nossa metodologia de trabalho a partir do método Ver-Refletir-Agir, inspirado no método de educação da Juventude Operária Católica (ESTEVEZ, 2006). Por meio desse método, esperamos construir um conhecimento sólido e genuíno sobre a realidade contemporânea na perspectiva local e global, sobre as causas e consequências dos problemas enfrentados e sobre o papel do educando frente a esses problemas como agente transformador da sua realidade. É importante destacar que as etapas não devem seguir um caminho linear, mas uma circularidade, em que a informação, a reflexão e a intervenção se retroalimentem em um processo contínuo de formação, conforme observa o Manual Pedagógico Entender para intervir (BADUE; TORRES; ZERBINI; PISTELLI; CLECH, 2005). O primeiro passo do método que construímos teve como objetivo compreender a realidade circundante, buscando estabelecer que percepção cada estudante tem de sua realidade, bem como entender quais problemas são vivenciados, suas causas e consequências na vida de cada um. Nesse processo, é preciso buscar compreender o que acontece localmente – ou seja, o que provoca a vontade de saber mais, sendo um momento de buscar informação e formação(KRISCH; CARDOSO, 2020). No segundo passo, foi importante refletir sobre as informações coletadas e sistematizadas. Foi preciso identificar o impacto das estruturas econômicas, políticas, sociais e culturais na realidade local, bem como os principais atores e a relação com questões macros, que afetam outras realidades no país e no planeta. Neste passo, envolver a todas(os) num esforço de reflexão sobre o que vivemos e o que queremos viver é primordial para gerar um momento de construção coletiva do conhecimento e das possibilidades de ação sobre a realidade (KRISCH; CARDOSO, 2020). Com base nos conhecimentos gerados nos passos anteriores, chegou o momento de definir uma ação coletiva que poderia ser realizada pelo grupo e que tivesse potencial de transformar a realidade analisada gerando os impactos esperados. Este momento é também um exercício do trabalho coletivo, em que é preciso planejar e organizar coletivamente a ação que será realizada (KRISCH; CARDOSO, 2020). Por fim, acrescentamos como etapa final deste processo formativo o momento de celebrar, que é reconhecer o que se fez junto. Aqui, não só o estudante reconhece o seu trabalho final no objeto criado, em contraponto à noção de alienação do trabalho promovida pelo sistema capitalista, como também partilha esses resultados, a fim de promover uma socialização entre as turmas e provocar o debate sobre a possibilidade de formar redes de economia solidária entre esses jovens (KRISCH; CARDOSO, 2020). 4. O Programa Mumbuca Futuro como prática educacional de Economia Solidária A Prefeitura de Maricá e a Secretaria de Economia Solidária têm buscado, nos últimos anos, construir estratégias e políticas públicas que visam ao fortalecimento e desenvolvimento da economia local, com vistas a diminuir as desigualdades socioeconômicas, como a Moeda Social, o Programa de Renda Básica de Cidadania (RBC) e o fomento à criação de hortas e feiras solidárias. Essas ações têm sido garantidas por lei a partir do Projeto de Lei n. 57/2019. Dentro dessa perspectiva e com o objetivo de investir na juventude, o Programa Mumbuca Futuro busca promover a inserção por meio do incentivo ao estudo das(os) munícipes no âmbito do ensino fundamental, médio e universitário, e o fomento ao empreendedorismo com enfoque na organização cooperativa e/ou associativa. Em 2018 e 2019, foram selecionados e formados 22 jovens moradores do município de Maricá, com idades entre 18 e 29 anos, que, por sua vez, foram os responsáveis pela formação decrianças e adolescentes da rede de ensino pública municipal. A proposta era que esses jovens pudessem desenvolver habilidades empreendedoras dentro dos princípios da Economia Solidária, incentivando a organização coletiva para criação de novos postos de trabalho. É importante destacar também que, para muitos dos jovens formados, essa foi a primeira experiência de trabalho formal e que a composição da equipe contou com uma pluralidade de experiências e saberes, pois havia pessoas cursando ou formadas nos seguintes cursos: Geografia, Pedagogia, Letras, Ciências Sociais, Administração, Serviço Social, Produção Cultural, entre outras. Tamanha pluralidade garantiu a troca de saberes entre diferentes pontos de vista e a diversidade na formulação de dinâmicas e conteúdos aplicados em sala de aula. A formação, tanto dos jovens educadores como dos estudantes, buscou abordar temas que contribuíssem para o desenvolvimento da consciência crítica entre crianças, adolescentes e jovens, levando-os a compreender que a circulação da moeda privilegia os pequenos empreendimentos, contribuindo com o desenvolvimento local. A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a essa compreensão e à necessidade de se formarem pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas desse tipo, constata-se que não só as crianças, mas mesmo os adultos desconhecem desde a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isso começa cedo. A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la (DOWBOR, 2007, p. 76). Em 2018, o programa iniciou de forma piloto no 6º ano do ensino fundamental, apenas com a formação, e em 2019 foi executado de forma integral com o 9º ano, com a formação e o repasse das bolsas. Para os próximos anos, o programa visa atender às(aos) estudantes de escolas públicas de Maricá do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, do 1º ao 3º ano do ensino médio, que pertençam a famílias residentes no município de Maricá, independentemente da renda familiar e aos moradores, fomentando a criação de empreendimentos solidários nos territórios da cidade. Na seção seguinte, será descrito o percurso formativo empreendido nessas séries nos anos de 2018 e 20194. 5. As experiências do Mumbuca Futuro nas turmas de 6º e 9º anos do Ensino Fundamental No ano de 2018, o programa atingiu 28 turmas de 6º ano do ensino fundamental e 7 turmas do Programa de Aceleração Escolar (PAE), composto por jovens em distorção idade- série, em onze escolas municipais de Maricá, com 618 estudantes participantes da formação. Com a finalidade de aplicar, por meio da horizontalidade e partindo da realidade local de cada estudante, os princípios da economia solidária, tivemos como concepção a Educação pela Ação, em que utilizamos os passos Ver, Refletir, Agir e Celebrar. Além disso, partimos da noção de que a educação pode ser (re)construída pelos atores inseridos no universo socioespacial da comunidade escolar, visando ultrapassar os muros escolares. As atividades em sala de aula tiveram a duração de seis semanas, entre setembro e outubro de 2018, e a cada semana era desenvolvido um módulo com carga horária de quatro horas semanais no contraturno do ensino regular. Cada módulo correspondeu a uma aula. A seguir, apresentamos o percurso formativo desenvolvido no período: Quadro 1 – Percurso formativo com o 6º ano do Ensino Fundamental Módulo Objetivo 4 É importante destacar que a experiência aqui apresentada foi resultado de uma construção coletiva da Equipe do Mumbuca Futuro, que contou com a colaboração de jovens educadoras/es populares, orientadoras educacionais, coordenação pedagógica e orientação da equipe técnica da Secretária Municipal de Economia Solidária. Módulo 1: A diversidade enriquece • Despertar para a riqueza e a importância de manter o diálogo entre diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema. • Sensibilizar para o respeito à fala do outro, para a importância do diálogo. Módulo 2: Onde ConVivemos? Despertar a reflexão sobre o bairro, a cidade e o país em que habitam, considerando aspectos locais e globais. Módulo 3: Que escola queremos • Aprofundar a reflexão sobre os problemas enfrentados na escola, com o levantamento das causas e consequências de cada questão. • Contribuir para o alinhamento de um olhar crítico coletivo dos estudantes sobre a escola. Módulo 4: EducAção • Definir coletivamente uma Ação Coletiva a ser desenvolvida pelo grupo. Módulo 5: Outra economia é possível? • Apresentar reflexões introdutórias e experiências no campo da economia solidária. • Contribuir para despertar um olhar crítico sobre economia. Módulo 6: Há Ação Realizar coletivamente uma Ação Coletiva planejada no Módulo 4. Fonte: Elaborado pelas autoras. Com as turmas do 6º ano, o programa optou por trabalhar com elementos da própria realidade dos estudantes, elegendo o espaço escolar para em seguida relacioná-lo com a sociedade e com a economia. Privilegiou-se também, nesse momento, trabalhar o protagonismo juvenil, o trabalho coletivo e a mudança da própria realidade, visto que são aspectos importantes ao se pensar no desenvolvimento de uma Economia Solidária. Por fim, a celebração foi realizada em um grande evento em uma das escolas, que reuniu todos os estudantes participantes para partilharem suas experiências de formação no projeto. O processo de avaliação foi realizado após o desenvolvimento dos seis módulos, em sala de aula com os estudantes, com os responsáveis e com a equipe escolar (direção, orientação e funcionários) e, posteriormente, com os jovens educadores populares, as orientadoras educacionais e a coordenação do projeto. Foi possível identificar que houve uma avaliação positiva do projeto por todas(os); a metodologia, as dinâmicas e os conteúdos tiveram boa aceitação entre os estudantes, e os educadores conseguiram estabelecer bom relacionamento e diálogo com os estudantes. Houve ainda um interesse por parte da escola e dos educadores em se integrar mais intensamente ao universo escolar. Foi pedido também que o projeto pudesse se estender, com formações regulares sobre Economia Solidária, aos pais e responsáveis. De forma geral, foi possível perceber que a atuação do Mumbuca Futuro nas escolas despertou os estudantes para um protagonismo atento à realidade circundante e disposto a trabalhar coletivamente, valorizando os diversos olhares. No ano de 2019, a Secretaria de Economia Solidária e a Secretaria de Educação priorizaram a inserção do Mumbuca Futuro com as turmas do 9º ano do ensino fundamental da rede municipal, a fim de que pudessem ter a experiência do projeto, uma vez que estavam no último ano do ensino. As atividades iniciaram-se no final de julho, com a divulgação do projeto nas escolas e o cadastro dos estudantes interessados. O programa ocorreu em treze escolas do município e foi oferecido a todos os estudantes do 9º ano. Foram formadas 26 turmas de Economia Solidária, com um total de 498 jovens cadastrados. As aulas ocorreram entre os meses de agosto e novembro de 2019 e tiveram também a carga horária de quatro horas semanais, exceto nas escolas com período integral, nas quais a carga horária foi reduzida para 2h30. Nesse período, iniciou-se também a concessão das bolsas dos programas aos estudantes cadastrados. Com as turmas do 9º ano de 2019, buscamos desenvolver os temas da Economia Solidária (consumo responsável, comércio justo e solidário, finanças solidárias) e a criação de um projeto de empreendimento econômico solidário. Paraisso, o percurso formativo também seguiu os passos Ver, Refletir e Agir, com foco no desenvolvimento de um produto ou serviço que atendesse às necessidades da comunidade. Nesse processo, utilizamos ferramentas de pesquisa no entorno da escola com os moradores e comerciantes para identificar os hábitos de consumo, as necessidades e potencialidades do território, e construímos coletivamente por turma um Plano Econômico Solidário (P.E.S) do produto ou serviço escolhido pela turma. A seguir, descrevemos em detalhes o percurso: Quadro 2 – Percurso formativo com o 9º ano do Ensino Fundamental Aula Conteúdo Aula 0 – Aula de boas-vindas Integração entre os educandos e educadores, apresentação do Mumbuca Futuro e vivência dos princípios da Economia Solidária. Aula 1 – Autogestão Autogestão; Auto-organização da turma; Mundo do trabalho e suas relações. Aula 2 – Consumo Fetiche do Consumo; Necessidade x desejo; Necessidades da comunidade. Aula 3 – Consumo: descobrindo o bairro Fetiche do Consumo; Necessidade x desejo; Necessidades da comunidade. Aula 4 – Território (parte 1) Conceito de território; Relações comerciais e produtivas do território; Desenvolvimento Local. Aula 5 – Território (parte 2) Análise do território; Anúncios e denúncias do território; Produção de um sonho coletivo. Aula 6 – Comércio Justo e Solidário Princípios do Comércio Justo e Solidário; Definição de um produto e/ou serviço. Aula 7 – Plano Econômico Solidário (P.E.S) (Parte 1) Gestão de EES: Missão e objetivo; Tomada de decisão; Público-alvo; Relação com o território; Comunicação. Aula 8 – Plano Econômico Solidário (P.E.S) (Parte 2) Relações de equidade na produção; Contrapartida social; Preservação do meio ambiente; Insumos necessários. Aula 9 – Plano Econômico Solidário (P.E.S) (Parte 3) Plano Operacional de um empreendimento; Parcerias e Custos do Empreendimento Aula 10 – Planejamento Planejamento da produção; Preparação da apresentação do PES; Preparação da produção (Iniciar tarefas do PES). Aula 11 – Produção Produção; Preparação da apresentação do PES. Aula 12 – Partilha Troca de experiências. Aula 13 – Avaliação Avaliação do processo e celebração. Fonte: Elaborado pelas autoras. Assim como no 6º ano, realizamos a partilha das experiências e dos P.E.S na quadra de uma das escolas do município, onde cada turma pôde apresentar seu projeto e receber contribuições. Com a finalização do ano letivo e do contratado, o processo avaliativo do período foi realizado apenas com os estudantes e os jovens educadores. Com os relatos dos estudantes, percebeu-se que a metodologia utilizada facilitou a compreensão dos conteúdos e contribuiu para que aprendessem a trabalhar coletivamente, a respeitar ao próximo e a valorizar a escuta. Os conteúdos trabalhados também contribuíram para os estudantes repensarem os hábitos de consumo, conhecerem e refletirem melhor sobre o território, identificando novas oportunidades de pensar outra sociedade. A linguagem dos jovens educadores populares também contribuiu para a aproximação com os estudantes, que relataram terem se sentido respeitados, uma vez que os educadores não se colocaram como “superiores”. Considerações finais Ao longo desta exposição, buscamos demonstrar os impactos, mesmo que de maneira inicial, do Programa Mumbuca Futuro para os estudantes cadastrados no curso, a instituição escolar, o ambiente familiar e o município. Com as aulas e durante todo o projeto, pudemos ver mudanças significativas nas reflexões, visões e atitudes desses jovens, as quais podem ser encaradas como construtoras de um novo pensar e um novo saber, compartilhadas pelas ações da Economia Solidária, que propõe uma forma de viver em sociedade mais humana, consciente e emancipatória. Por isso, vemos a importância do projeto Mumbuca Futuro no município por duas vias: a educacional e a econômica. Tais vias constituem elementos teóricos e práticos interligados, desde o momento em que o projeto tem como público-alvo não só os estudantes das escolas municipais e públicas, mas também as(os) jovens moradores de Maricá que terminaram o ensino médio, buscando uma formação de formadores em Economia Solidária por todo o território do município. Ao utilizar a moeda social como pagamento desses jovens educadores populares e a concessão dos 50 mumbucas mensais para os estudantes, como bem explicitado ao longo do artigo, pode-se e deve-se refletir sobre os impactos dessa escolha para o fomento do desenvolvimento local. Como plano-piloto nacional, Maricá segue na contramão nacional, na medida em que trata a educação reflexiva e protagonista da juventude atrelada ao mercado de trabalho local. Assim, o Mumbuca Futuro, mesmo que de maneira inicial, tem contribuído, com métodos pedagógicos e conteúdos voltados ao pensar e agir, para a construção de uma geração jovem mais solidária, reflexiva, humanitária e sustentável. Referências bibliográficas ANTUNES, Ricardo. O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011 BADUE, A. F. B.; TORRES, A.; ZERBINI, F.; PISTELLI, R.; CLEC'H, Y. Manual Pedagógico Entender para Intervir: por uma educação para o consumo responsável e o comércio justo. São Paulo: Instituto Kairós/Artisans Du Monde, 2005. CONSELHO NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA. Primeiro Plano Nacional de Economia Solidária 2015 – 2019: Brasília: Sem Nome, 2015. DOWBOR, Ladislau. Educação e apropriação da realidade local. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 60, pp. 75-92, 2007. ESTEVEZ, A. A Ação Operária no Espaço Eclesiástico: o movimento da juventude operária católica e da ação católica operária (1940-1980). Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC, Campinas, 2006, pp. 1-10. FRANÇA FILHO, G. C. et al. (Orgs.). Ação Pública e economia solidária: uma perspectiva internacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006, pp. 201-207. FRANÇA FILHO, G. C. Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas, Porto Alegre, v. 7, n. 1, pp.155-174, janeiro a junho de 2007. FREIRE, Paulo. Ação cultural para liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. IBASE. INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS. Síntese dos Indicadores de Cidadania. Rio de Janeiro: Ibase, 2016. IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Indicadores IBGE: pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua [mensal] Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca- catalogo?view=detalhes&id=73086. Acesso em 18 de janeiro de 2020. KRISCH, Rosana; CARDOSO, Adriana. Guia Metodológico Mumbuca Futuro: formação de jovens educadoras/es populares em economia solidária. Maricá: Sem Editora, 2020. LISBOA, A. Economia solidária e autogestão: imprecisões e limites. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 3, pp. 109-115, julho a setembro de 2005. NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006, pp.78-94. RAICHELIS, R.; VICENTE, D. P.; ALBUQUERQUE, V. O. (Orgs.). A nova morfologia do trabalho no Serviço Social. 1ª. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2018. Economia solidária e educação popular: a experiência do Mumbuca Futuro nas escolas municipais de Maricá 1. Introdução 2. Economia e Trabalho 3. Educação Popular como teoria e prática cotidiana 4. O Programa Mumbuca Futuro como prática educacional de Economia Solidária 5. As experiências do Mumbuca Futuro nas turmas de 6º e 9º anos do Ensino Fundamental Considerações finais Referências bibliográficas
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