Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ficha técnica Universidade de São Paulo Pró-reitoria de Cultura e Extensão Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão em Economia Solidária (NACE/NESOL) O conteúdo dessa publicação está sob a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual CC BY-NC-SA Coordenador acadêmico: Prof. Dr. Augusto Câmara Neiva Preparação de textos: Denizart Fazio e Juliana Braz Revisão: Janaína Mello Imagens: Acervo do Centro de Estudos e Assessorias, Acervo da Cresol, Acervo do Nesol-USP. Ilustração da Capa: Yuri Garfunkel Projeto gráfico e diagramação: Cassimano Equipe do projeto (colaboradores): Denizart Fazio, Juliana Braz, Silvia Soares de Camargo. Tiragem: 3000 exemplares Ficha catalográfica Núcleo de Economia Solidária – NESOL-USP Finanças Solidárias (Cadernos de Finanças Solidárias) / Núcleo de Economia Solidária – NESOL-USP – São Paulo – NESOL-USP, 2015. ISBN: 978-85-63348-03-6 1. Finanças Solidárias 2. Bancos comunitários de Desenvolvimento 3. Fundos Solidários 4. Cooperativas de Crédito Solidário Este material faz parte da Meta 4, Etapa 4.1, do “Projeto Nacional de Finanças Solidárias – Apoio e Fomento às iniciativas de finanças solidárias com base em bancos comunitários de desenvolvimento, fundos solidários e cooperativas de crédito solidário”, patrocinado pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE sob o convênio nº 791559/2013. Execução: Financiamento: II. As experiências de Finanças Solidárias hoje 1. Definindo as Finanças Solidárias ...................................... 28 2. As experiências de Finanças Solidárias hoje ................. 30 2.1 Bancos comunitários de desenvolvimento ..................................... 30 2.2 cooperativas de crédito solidário ..................................................... 32 2.3 Fundos solidários .................................................................................... 35 2.4 mapa das Finanças solidárias no Brasil ........................................ 38 III. As formas de organização das Finanças Solidárias 1. Redes ................................................................................................... 42 1.1 rede Brasileira de Bancos comunitários ................................................ 42 1.2 comitê Gestor de Fundos solidários um traBalho em rede ................ 43 1.3 sistemas: a articulação do cooperativismo de crédito ........................ 44 2. Comitê Temático de Finanças Solidárias ................................................ 46 2.1 comitê temático de crédito e Finanças solidárias ............................. 47 3. Um processo em construção: por um Sistema de Finanças Solidárias ... 49 Apresentação 5 I. Economia Solidária e Finanças Solidárias 1. A Economia Solidária .............................................................. 8 1.1 deFinição de economia solidária ................................................................... 8 1.2 aspectos históricos ......................................................................................... 9 1.3 orGanização ................................................................................................... 10 2. Os movimentos sociais e as Finanças Solidárias ...................... 13 2.1 Fundos solidários ....................................................................................... 14 2.2 cooperativismo de crédito solidário ..................................................... 16 2.3 cluBes de trocas ........................................................................................... 20 2.4 Bancos comunitários de desenvolvimento .......................................... 22 3. A complementariedade das experiências de Finanças Solidárias ...... 25 3.1 complementariedade das experiências ......................................................... 25 3.2 Finanças solidárias e microcrédito ........................................................... 26 7 28 42 Referências Bibliográficas ................................................................................................................. 51 sumário 5 Finanças Solidárias Apresentação A partir do “Projeto Nacional de Finanças Solidárias – Apoio e Fomento às iniciativas de finanças solidárias com base em bancos comunitários de desenvolvimento, fundos solidários e cooperativas de crédito solidário”, patrocinado pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE sob o convênio nº 791559/2013, foi possível realizar um conjunto de materiais de subsídio e reflexão sobre o universo das finanças solidárias. O presente caderno faz parte de um conjunto de quatro publicações que, além de apresentar os atores das finanças solidárias, abordarão o Sistema Financeiro, o Intercâmbio Técnico como metodologia de construção de conhecimentos, compartilhamento e sistematização de experiências e um histórico sobre a política pública de Finanças Solidárias. Desse modo pretendemos abranger um amplo conjunto de temas que afetam as práticas de finanças solidárias, hoje espalhadas por todo o Brasil. Este caderno de forma inédita apresenta os três atores das finanças solidárias no Brasil: os fundos solidários, os bancos comunitários de desenvolvimento e as cooperativas de crédito solidário, contando brevemente o histórico do surgimento das iniciativas e apresentando mapas de onde elas estão. Essas iniciativas foram georreferenciadas a partir dos dados fornecidos pelas entidades que aqui agradecemos publicamente: Confesol, Cresol Central, Cresol Sicoper, Banco Tupinambá, Banco Bem, Banco Palmas, Centro de Educação e Assessoria, Camp, Cáritas Brasileira, Fundação Grupo Esquel. Importante lembrar que os números apresentados aqui podem sofrer alterações, pois a cada dia novas iniciativas são inauguradas pelo Brasil. Para abordarmos esse amplo leque de discussões que o assunto envolve dividimos o caderno em três partes. Na primeira, “Economia Solidária e Finanças Solidárias”, trazemos uma breve discussão sobre o que é Economia Solidária, alguns aspectos de seu percurso histórico e da sua forma de organização. Em seguida apresentamos ainda a vinculação das finanças solidárias aos movimentos sociais, expressos em quatro iniciativas primeiras: Fundos Solidários, Cooperativismo de crédito solidário, Clubes de trocas e Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Ao fim da primeira parte apresentamos discussões sobre a complementariedade das experiências de Finanças Solidárias. Na segunda parte do caderno, “As experiências de Finanças Solidárias hoje”, entramos nas experiências propriamente ditas, apresentando um breve histórico e mostrando mapas, nacionais e regionais, de cada tipo de iniciativa, para termos uma dimensão de capilaridade das finanças solidárias no Brasil. 6 Cadernos de Finanças Solidárias A terceira parte é dedicada às formas de organização das Finanças Solidárias, notadamente redes, que são apresentadas a partir de seu histórico de articulação: a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, o Comitê Gestor de Fundos Solidários e a articulação do cooperativismo de crédito em Sistemas. Pontuamos ainda a organização nacional da articulação dos três segmentos, falando sobre o Comitê Temático de Finanças Solidárias, do Conselho Nacional de Finanças Solidárias, e dos primeiros avanços do processo de discussão sobre um Sistema Nacional de Finanças Solidárias. Uma publicação dessa proporção é feita sob muitas mãos e por isso ela procurou abarcar as contribuições das entidades, atores e do movimento de economia solidária como um todo. De modo especial gostaríamos de agradecer aos membros do Comitê Temático de Finanças Solidárias que acolheram, discutiram e sugeriram elementos fundamentais que deveriam constar neste caderno. Se não conseguimos nomear todas as pessoas que contribuíram para a realização dessa cartilha, não podemos deixar de registrar as entidades que, por meio de seus representantes, auxiliaram direta ou indiretamente nessa construção: Centro de Educação e Assessoria,Fundação Grupo Esquel, Camp, Cáritas Brasileira, Confesol, Crehnor Central, Cresol Sicoper, Ascoob, Cresol Cental, Instituto Capital Social da Amazônia, Banco Estrutural, Bando Tupinambá, Banco Palmas, Banco Bem etc. Finanças Solidárias 7 I. Economia Solidária e Finanças Solidárias Fazer uma pequena história das Finanças Solidárias e suas principais discussões é um grande desafi o. Trata-se de um campo da Economia Solidária que possui segmentos diversos que se inserem em discussões amplas relacionadas ao desenvolvimento territorial, ao crédito, às políticas públicas e aos movimentos sociais. Nosso objetivo é apresentar aspectos históricos do desenvolvimento do que chamamos de Finanças Solidárias e uma fotografi a do que são essas experiências hoje, mostrando suas principais questões, desafi os e perspectivas. Para isso partiremos de algumas defi nições do que é a Economia Solidária, apresentando eventos que tornaram possível o desenvolvimento das Cooperativas de Crédito Solidário, dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento e dos Fundos Solidários. Não poderíamos deixar de comentar, dentro dessa história, aspectos do microcrédito e de algumas políticas públicas que foram centrais para os segmentos. Desse modo, acreditamos que conseguiremos apontar semelhanças e intersecções, diferenças e afastamentos, que permitiram a construção do contexto de articulação das Finanças Solidárias em curso hoje, quando seus segmentos se aliam em ações comuns e apontam perspectivas da construção de um Sistema Nacional de Finanças Solidárias. 8 Cadernos de Finanças Solidárias 1. A Economia Solidária 1.1. deFinição de economia solidária Antes de falarmos particularmente das Finanças Solidárias é importante entendermos onde ela está inserida. Ela é uma parte daquilo que convencionamos chamar, a partir dos anos 1990, de Economia Solidária. Sendo um conceito político, está imerso em uma pluralidade de sentidos1 que possui muitos modos de aproximação e entendimento. Podemos, por exemplo, entendê-lo como diz Iaskio (2007, p. 54), a partir de autores como Paul Singer, Marcos Arruda, Wautier, Motchane, Carleial, Laville, chegando a uma definição de que a Economia Solidária é “(...) toda forma de trabalho associado, de produção e/ou comercialização de bens e serviços com vistas à geração de trabalho e renda. Sua especificidade consiste na propriedade coletiva dos meios de produção, na associação livre e voluntária e na autogestão”. Outro modo de definirmos a Economia Solidária, e que não é excludente com esse primeiro, é olhando as formulações dos próprios trabalhadores da Economia Solidária nas conferências nacionais2 e plenárias nacionais do Movimento de Economia Solidária3, como podemos ver na I Conferência Nacional de Economia Solidária (2006, p. 57): A economia solidária se caracteriza por concepções e práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano na sua integralidade ética e lúdica e como sujeito e finalidade da atividade econômica, ambientalmente sustentável e socialmente justa, ao invés da acumulação privada do capital (…) A economia solidária é, pois, um modo de organizar a produção, distribuição e consumo, que tem por base a igualdade de direitos e responsabilidades de todos os participantes dos empreendimentos econômicos solidários. Os meios de produção de cada empreendimento e os bens e/ou serviços neles produzidos são de controle, gestão e propriedade coletiva dos participantes dos empreendimentos (p. 57). 1 Sobre a temática das definições plurais de Economia Solidária veja o interessante artigo de Oliveira (2005) “Os diferentes significados histórico-políticos das concepções de Economia Social e Economia Solidária”. 2 Até o momento foram realizadas quatro Conferências Nacionais de Economia Solidária (Conaes), sendo a I Conaes (2006) aquela que formulou as definições básicas de Economia Solidária e Empreendimentos Econômicos Solidários. 3 Até o momento ocorreram cinco Plenárias Nacionais. Mais informações em www. fbes.org.br. 9 Finanças Solidárias Essas definições contrapõem a Economia Solidária à economia capitalista, posicionando- se contra o princípio capitalista da competição e colocando o ser humano no topo das prioridades. Podemos utilizar as palavras de Singer (2002b, p. 9) que representam o sentido 1.2. aspectos históricos Para Paul Singer (Idem) a Economia Solidária surge com os pioneiros cooperativistas ingleses do início do capitalismo industrial, no século XIX, como resposta ao desemprego e em contraposição à empresa capitalista, que tinha como finalidade o lucro e o poder de decisão concentrados em seus donos. Singer chama a atenção para os pioneiros de Rochdale, tecelões que, a partir da organização de uma cooperativa de consumo em 1844, estabelecem as bases do que seria conhecido como os princípios cooperativistas: livre adesão; controle democrático; neutralidade política e religiosa; vendas à vista, em dinheiro; devolução de excedentes; interesse limitado sobre o capital; educação contínua. Um aspecto importante é que, se na empresa capitalista há uma segmentação entre os donos dos meios de produção e os trabalhadores, isso não acontece nos Empreendimentos Econômicos Solidários, nos quais se cria um tipo de empreendimento onde trabalho e capital não estão separados, onde os trabalhadores são os proprietários do negócio e onde se pode exercer uma igualdade na tomada de decisões. Esses empreendimentos passam a se organizar em inúmeros campos da economia: produção, oferta de serviços, comercialização, consumo e intermediação financeira. da Economia Solidária: “Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva”. EmprEEndimEntos Econômicos solidários os trabalhadores são os proprietários do negócio, é onde se pode exercer uma igualdade na tomada de decisões 10 Cadernos de Finanças Solidárias Além da experiência dos pioneiros de Rochdale, podemos encontrar na história das lutas dos trabalhadores um grande número de experiências inspiradoras para a consolidação dessa outra economia, como a Comuna de Paris (1871), a Revolução dos Cravos (1974), a Revolução Espanhola (1936), o Quilombo de Palmares (1670), a República Guarani e as ligas camponesas no Brasil4. Em todos esses momentos históricos, embora de modos bastante diversos, a autogestão, princípio central da Economia Solidária, apareceu como prática dos trabalhadores, seja no modo de organização produtiva e nas instituições, seja na própria forma de organização política. 1.3. orGanização A economia possui muitas dimensões e, dentro de cada uma delas, a proposta da Economia Solidária toma diferentes configurações. Didaticamente elencamos aqui quatro aspectos da economia em que há expressões da Economia Solidária, de maneira a podermos perceber a amplitude das experiências solidárias: produção e serviços; comercialização; consumo; e Finanças Solidárias. A produção e a prestação de serviços na economia capitalista são feitas por empresas que possuem um ou mais donos e cujo objetivo é o lucro. Os trabalhadores dessas empresas vendem a sua força de trabalho e não possuem os meios de produção nem poder de decisão sobre a empresa. A produção e a prestação de serviços em Economia Solidária são feitas por Empreendimentos Econômicos Solidários, grupos autogestionados, proprietários de 4 Para saber mais sobre essas experiências e sua inspiração para a Economia Solidária veja os textos de Nascimento (http://claudioautogestao.com.br/?page_ id=23), Faria (2005) e Novaes (2011). forma coletiva dos meios de produção e com poder de decisão sobre o seu próprio negócio – não há separação entre capital e trabalho. A comercialização na economia capitalista é organizada pelas grandes redes de mercado e tem o objetivo de gerar lucro. Já naEconomia Solidária a comercialização segue os princípios do comércio justo e solidário: 1. Fortalecimento da democracia, respeito à liberdade de opinião, de organização e de identidade cultural; 2. Condições justas de produção, agregação de valor e comercialização; 3. apoio ao desenvolvimento local em direção à sustentabilidade; 4. Respeito ao meio ambiente; 5. Respeito à diversidade e garantia de equidade e não discriminação; 6. Informação ao consumidor; 7. Integração dos elos da cadeia. Enquanto o consumo na economia capitalista se dá de forma individual, na Economia Solidária é incentivado o consumo coletivo, que pode se dar, por exemplo, por meio de cooperativas de consumo, empreendimentos onde os consumidores, ao se unirem, podem ter acesso a produtos de melhor qualidade, com um preço acessível, e eliminar intermediários (o que também trará maior ganho ao produtor). Por fim existe o que chamamos de Finanças Solidárias. As finanças na economia capitalista, do mesmo modo que os outros aspectos econômicos elencados acima, objetivam gerar lucro e não têm a mínima preocupação de proporcionar bem-estar ao ser humano. Ao contrário disso, as Finanças Solidárias buscam, a partir da rearticulação das ferramentas financeiras a seus territórios, um tipo de relação com o dinheiro que possibilite um desenvolvimento localizado correspondente às dinâmicas dos empreendimentos apoiados 11 Finanças Solidárias 11 por ela. Um desenvolvimento que se atente ao “acontecer solidário” que existe dentro do lugar; ainda que não exista um projeto comum, que parta das tarefas comuns que são realizadas no local (SANTOS, 2008). No Brasil, a constituição desse campo que hoje chamamos de Economia Solidária foi possível pela articulação de inúmeras formas de ação no campo econômico. Seguindo os passos de Singer (2002a) podemos perceber nas empresas recuperadas por trabalhadores uma das primeiras forças da Economia Solidária. Essas empresas, que ao entrar em um processo de falência passam a ser autogeridas por seus trabalhadores, surgem no Brasil na década de 1980, e atingem expressão na década seguinte, como podemos ver pela criação de uma associação nacional desses trabalhadores, a Anteag5. 5 Sobre as empresas recuperadas por trabalhadores no Brasil veja o estudo realizado pelas universidades Unicamp, UFRJ, USP, UFOP, Cefet-RJ/UNED Nova Iguaçu, UFSC, Unesp Marília, UFPB, UFRN, UFVJM (Henriques et al., 2013). Há também os sindicatos operários, que enxergaram na Economia Solidária um modo de lutar pela autonomia dos trabalhadores, como mostra a criação da central de cooperativas e Empreendimentos Solidários Unisol, em 2000, a partir do apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e de Sorocaba e do Sindicato dos Químicos do ABC. Movimento também realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), que, também em 2000, cria a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), com o objetivo de estabelecer um diálogo do campo sindical com a Economia Solidária. No campo podemos ver na luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a criação de cooperativas rurais para organizar o trabalho dos assentados, na perspectiva da Economia Solidária. O movimento criará, em 1992, a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (Concrab), que congregará essas cooperativas. Encontro dos bancos comunitários do sudeste Foto: Alexandre Gonçalves 12 Cadernos de Finanças Solidárias Entidades ligadas à Igreja católica, cujo exemplo brasileiro mais contundente é a Cáritas, também estão entre as expressões da Economia Solidária no campo de desenvolvimento de trabalho e renda. A Cáritas, por exemplo, desde a década de 1980 tem uma relação importante com os movimentos sociais, bem como atua na construção das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Já na década de 1990 a Cáritas articula os Projetos Alternativos Comunitários, que serão referência para a Economia Solidária. Por fim, podemos ver a Economia Solidária se desenvolvendo dentro das universidades, em ações de extensão universitária a partir da criação de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), que visam aliar os conhecimentos universitários às necessidades desses novos Empreendimentos Econômicos Solidários. Cada um desses atores contribui com o desenvolvimento da Economia Solidária no Brasil a partir da especificidade de suas histórias e lutas. A diversidade será um dos aspectos centrais da Economia Solidária, buscando ampliar a pauta do trabalho associado, em suas múltiplas facetas. Vamos agora nos aprofundar em uma dessas facetas, as Finanças Solidárias. Para isso primeiro traremos uma discussão sobre os movimentos sociais e as Finanças Solidárias, pontuando alguns aspectos das expressões que fazem parte da história das Finanças Solidárias: os Fundos Solidários, as Cooperativas de Crédito Solidário, os clubes de trocas e os Bancos Comunitários de desenvolvimento. Em seguida faremos alguns comentários sobre a ideia de complementariedade das experiências de Finanças Solidárias, o que nos levará à aproximação de definições de Finanças Solidárias e às tensões nas quais ela está imersa. 13 Finanças Solidárias 2. Os movimentos sociais e as Finanças Solidárias No Brasil, a partir dos anos 1970 se articulam os chamados novos movimentos sociais, como define Sader (1988). Diferentes dos movimentos sociais tradicionais, esses novos movimentos agora se criavam a partir de questões como moradia, infraestrutura e saúde, rompendo ainda com o modo de organização tradicional. Esses movimentos serão parte fundamental do processo de democratização brasileira. Para Sader (1988, p. 197-198) “(...) o que talvez seja um elemento significativo que diferencia os movimentos sociais da década de 70, é que eles não apenas emergiam fragmentados, mas ainda se reproduziam enquanto formas singulares de expressão singulares”. Desse modo, diferente dos movimentos sociais tradicionais, não havia para esses novos movimentos uma ideia totalizante que sintetizasse suas reivindicações em algo maior, de modo que sua luta, circunscrita, tivesse que depender de uma luta maior, empreendida, por exemplo, pelos partidos. Emergem, portanto, não apenas novos temas, mas modos de organização de lutas diversos daqueles tradicionais; a identidade singular desses movimentos adquiria um sentido de manifestação da diversidade das lutas. O tema da autonomia, como ainda nos lembra Sader, (idem, p. 199) foi relevante nesses novos movimentos, pois eles “(...) tiveram de construir suas identidades enquanto sujeitos políticos precisamente porque elas eram ignoradas nos cenários públicos instituídos”. É junto a essas lutas que as iniciativas de Finanças Solidárias vão se criando e se fortalecendo. Falaremos, ainda que brevemente, dessas experiências em quatro expressões: os clubes de trocas, as Cooperativas de Crédito Solidário, os Fundos Solidários e os Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Embora tenham tido desenvolvimentos diferentes, e cada um deles possua especificidades de atuação, há características comuns que nos permitem dizer que são experiências de Finanças Solidárias, partilhando dos princípios da Economia Solidária. 14 Cadernos de Finanças Solidárias 14 2.1 Fundos solidários A década de 1980 foi um período especial para a constituição dos chamados Fundos Solidários; embora tenham uma história longa, é nesse momento que a ideia passa a ganhar força junto aos movimentos sociais e às atividades comunitárias ligadas às diversas igrejas. Essa ideia passa a ser praticada junto às atividades das pastorais sociais e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que desde os anos 1970 propunham alternativas de desenvolvimento comunitário. Muitas entidades contribuíram para a consolidação da prática de Fundos Solidários, como o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e o Serviçode Análise e Assessoria de Projetos (Fase/Saap). Porém, é importante desatacar o trabalho desenvolvido pela Cáritas brasileira, que começa a apoiar os Projetos Alternativos Comunitários (PACs), pequenas iniciativas produtivas de desenvolvimento e de infraestrutura comunitária, financiadas com recursos vindos de cooperação internacional e executadas por famílias e grupos na própria comunidade. Essas experiências, que se iniciam no Nordeste brasileiro, em pouco tempo se espalham também pelo Sul do Brasil. Para termos ideia da dimensão desse trabalho, a Cáritas brasileira financiou mais de mil PACs entre 1984 e 1992. Na década de 1990 os Fundos Solidários passam por uma reestruturação, pois os organismos de cooperação internacional começam a estabelecer regras de devolução monetária dos beneficiários para as entidades comunitárias, buscando um mecanismo que permitisse a constituição de fundos que pudessem continuamente retornar para as comunidades. A metodologia dos Fundos Solidários tem um papel importante na consolidação dessa perspectiva. É nessa mesma década que outras entidades passam a trabalhar com Fundos Solidários, como a Pastoral da Criança, o Instituto Marista de Solidariedade, Obras Kolping, Camp/Fundo Sul, IECLB/Fundação Luterana de Diaconia etc. Para se ter ideia da dimensão da entrada dessas novas entidades, só a Pastoral da Criança apoiou mais de mil projetos produtivos (13 mil famílias) entre os anos de 1989 e 2006. A partir dos anos 1970 os novos movimentos se criavam em torno de questões como moradia, infraestrutura e saúde, rompendo ainda com o modo de organização tradicional. Finanças Solidárias Outra experiência muito importante, inclusive para se ter a dimensão da amplitude do trabalho dos Fundos Solidários, são os Fundos Solidários constituídos pela Articulação do Semiárido (ASA), em Soledade-PB. Essa experiência, que contribuía na construção de cisternas no semiárido, chegou a ter quase 2 mil fundos em 140 municípios, com 18 mil famílias beneficiadas. Outros dois marcos para os fundos, na mesma década, são: o apoio a projetos de fundos pela Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, em 1994; e a Campanha da Fraternidade da CNBB, em 1999. Nos anos 2000, além da continuidade de ações relacionadas aos Fundos Solidários por parte de muitas dessas entidades, há parcerias importantes com o poder público, junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): (…) por intermédio da Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, ASA e Mutirão para superar a Fome da CNBB já estão coordenando uma experiência de apoio a projetos no Nordeste, o Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários – PAPPS. Os proponentes são entidades da sociedade civil credenciadas e com experiência na gestão de fundos solidários. Esta iniciativa contou, em 2005, com recursos da ordem de R$ 600.000; para 2006 R$ 1,2 milhão e, em 2007 foram aplicados R$ 3 milhões, com a mesma finalidade; são financiamentos não retornáveis que têm o BNB como financiador de parcela dos mesmos. Até 2008, foram selecionados 50 projetos pilotos de fundos rotativos solidários, que receberam aportes de recursos de até R$ 120.000,006. Nesse sentido é importante ressaltar a chamada pública da Senaes, em 2010, para a implantação e consolidação de Fundos Solidários e Bancos Comunitários de Desenvolvimento; foram destinados aos Fundos Solidários 4 milhões 6 Fundos Solidários: Por uma política de Emancipação produtiva dos Movimentos sociais. Caderno 1: Mobilização em prol de uma política pública de apoio a Fundos Solidários. Fundação Grupo Esquel Brasil. 2008. 15 Lançamento do Projeto Fundos Solidários da Região Centro-Oeste, Brasília/DF (maio de 2014) Foto: Acervo Centro de Estudos e Assessoria 16 Cadernos de Finanças Solidárias de reais. Alguns anos mais tarde, em 2013, a Senaes faria uma nova chamada pública, apoiando, além dos Bancos Comunitários e Fundos Solidários, as Cooperativas de Crédito Solidário. Nessa chamada foram disponibilizados 7 milhões de reais para o trabalho junto aos Fundos Solidários. 2.2 cooperativismo de crédito solidário O processo de abertura comercial e desregulamentação dos mercados na década de 1990 exigiu que as iniciativas populares criassem estratégias solidárias de geração de trabalho e renda, como resposta ao desemprego e ao aumento da informalidade. Essas iniciativas também podem ser vistas como contraponto às ações hegemônicas na inserção do Brasil no novo contexto global da financeirização da economia, que aprofundavam os problemas históricos do país, como as fortes desigualdades sociais e regionais. Essas transformações afetaram os pequenos produtores rurais, em um contexto que se uniam a queda na renda, a falta de crédito e a forte concorrência externa. Embora o contexto não fosse favorável, a ideia associativista parece se ampliar em um processo descentralizado que poderá ser visto pela criação de cooperativas inicialmente chamadas de participativas ou alternativas, dada a diferença em relação às cooperativas de crédito tradicionais. Como nos lembra Búrigo (2006) esse processo se dará em Santa Catarina, com as Credis alternativas; no sudoeste do Paraná, com as cooperativas de crédito do Sistema Cresol; e no interior da Bahia, com a Associação das Cooperativas de Apoio à Economia Familiar (Ascoob). Esse movimento já havia começado no final da década de 90, como podemos ver em Magri & Corrêa “(MAGRI & CORRÊA, 2012) : “O processo organizativo da agricultura familiar para gerenciar os recursos de crédito tem origem nos Fundos Rotativos de Crédito organizados a partir de 1989 na região Centro Oeste e Sudoeste do Paraná através do movimento sindical, com apoio de entidades internacionais e ONGs locais” Ao se chamarem de solidárias as cooperativas de crédito alternativas buscavam marcar um campo político dentro do cooperativismo de crédito e ainda definiam a especificidade do seu modo de funcionamento e gestão7. É assim que o solidário se estabelece no compromisso prático que as cooperativas possuem com seus associados, seja na sua gestão democrática, seja no compromisso com o desenvolvimento dos territórios a que estão vinculadas. Essa aliança com aqueles que normalmente estão excluídos do sistema financeiro tradicional é fundamental para os princípios que guiam as cooperativas de crédito. Essa preocupação com a comunidade onde se inserem os trabalhos da cooperativa é um dos princípios do cooperativismo desde a década de 1980; o próprio Cooperativismo de Crédito Solidário surge para buscar cumprir esse objetivo. Há muitos elementos históricos do Cooperativismo de Crédito Solidário que podemos retomar. Inicialmente é importante termos em mente que a história das Cooperativas de Crédito Solidário dialoga com a luta pelas políticas públicas para os trabalhadores rurais. Não é à toa, como nos lembra Búrigo (2006), que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) será “(...) o produto financeiro mais almejado pelas cooperativas de crédito rural solidárias brasileiras”. Esse movimento se fortalece na década de 1990, a partir da pressão do movimento sindical dos 7 Cf. Cadernos Ancosol (2009) 17 Finanças Solidárias trabalhadores rurais, com entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), o Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central Única dos Trabalhadores (DNTR/CUT) e de movimentos como Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST), que se agregariam nas Jornadas Nacionais de Luta, depois chamadas Grito da Terra Brasil. A resposta às reivindicações se deu no formato de um Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, que buscou abarcar a especificidade dos pequenos agricultores8. É nesse contexto que nascem as experiênciasde Cooperativas de Crédito Solidário, que integrarão os sistemas daquilo hoje chamado de Cooperativismo de Crédito Solidário (Ascoob, Central Cresol Baser, Crehnor, Cresol Central e Cresol Central Sicoper). É interessante notar que o Sistema Cresol, no Paraná, surge das experiências de Fundo de Crédito Rotativo, a partir da luta de agricultores familiares. O fundo, que data da década de 1980, era financiado pela Misereor, entidade da Igreja 8 Histórico, caracterização e dinâmica recente do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. (SCHNEIDER; SILVA; MARQUES, 2004) católica, fruto de cooperação internacional. Outros financiamentos foram fundamentais, como o apoio da antiga ACT, atual Trias. Em 1996 surgem as primeiras cooperativas da Cresol (Dois Vizinhos, Marmeleiro, Capanema, Pinhão e Laranjeiras do Sul). Essas primeiras experiências “carregavam o propósito de fortalecimento dos projetos locais, superando o assistencialismo e desafiando as organizações a colocarem em prática, ainda que experimentalmente, as propostas e reivindicações dos movimentos sociais para organizar a produção e democratizar o crédito9”. No Sul do país podemos ver, em 1996, o nascimento da Cooperativa de Crédito Rural Horizontes Novos de Novo Sarandi Ltda (Crehnor Sarandi), no município de Sarandi, a partir da articulação de 34 agricultores do assentamento Novo Sarandi. A experiência exitosa faz surgir outras cooperativas próximas a partir de 2000. Ainda na mesma década, em 1999, é criada na Bahia a Associação das Cooperativas de Apoio 9 Cooperativismo de Crédito Familiar e Solidário: instrumento de desenvolvimento e erradicação da pobreza. p.13-21. Cledir A. Magri & Ciro Eduardo Corrêa (organizadores) – Passo Fundo: IFIBE, 2012. Agricultores constroem aquecedor solar de baixo custo por meio de capacitação da Cresol Central SC-RS Foto: Vilceo Sehnem 18 Cadernos de Finanças Solidárias à Economia Familiar (Ascoob), com o apoio de entidades ligadas aos movimentos sociais, como o Movimento de Organização Comunitária (MOC), Associações dos Pequenos Agricultores (Apaebs), dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Instituto de Cooperação Belgo-Brasileira para o Desenvolvimento Social (Disop Brasil). No quadro10 a seguir podemos ver, ainda que de forma simplificada, alguns aspectos interessantes sobre a formação das cooperativas de crédito. Cresol Crehnor Ascoob Origem social Sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos sociais (como Fetraf Sul), ONGs, grupos de igrejas e associações comunitárias. Sindicatos de trabalhadores rurais, ONGs e MST. Sindicatos de trabalhadores rurais, ONGs, grupos de igrejas e associações comunitárias. Formas de controle social (principais redes) Agentes comunitários, associações locais e regionais, ONG, movimento sindical. MST, MAP, associações de assentados, Concrab. Conselho da Ascoob, ONG, sindicados, Apaebs, associações locais. Ano de abertura 1995(6) 1999 1997 Modelo de organização e inspiração Próprio / Coop SC. Próprio / Cresol. Ascoob Próprio / Bancoob. Dimensão territorial de atuação Regional (SC e RS). Regional (PR, SC e RS). Estadual (BA). Público prioritário Agricultores familiares. Agricultores familiares e agricultores familiares assentados da reforma agrária. Agricultores familiares e pequenos comerciantes. Foco da ação Rural, embora haja cooperativas que trabalhem com público urbano. Rural. Rural e urbano. Fontes externas de funding BB, BNDES, BRDE, bancos privados e Caixa Econômica Federal. BB, BRDE, Banrisul. Bancoob, cooperação internacional e governo federal. Principais apoios institucionais MDA, Cooperação internacional, ONG, sindicatos, Fetraf Sul, movimentos sociais, Unicafes, Ancosol, Confesol. MST MDA. Cooperação internacional MOC, Sicoob, Apaebs, Disop Brasil, MDA. 10 Quadro adaptado de Búrigo. Finanças e solidariedade: o cooperativismo de crédito rural solidário no Brasil, quadro 1 (p. 327-328) e quadro 2 (p. 331). Finanças Solidárias O primeiro aspecto que nos chama a atenção é a origem das Cooperativas de Crédito Solidário a partir da articulação de movimentos sociais. Como aponta Búrigo (2006) é importante notar que “(...) as experiências das cooperativas de crédito rural solidárias brasileiras aqui reportadas nasceram de movimentos organizacionais de diferentes matizes, mas nenhuma é filha de redes informais de cunho estritamente financeiro, e nem mesmo econômico”, ou seja, são ações que provêm do campo da luta dos movimentos sociais, que surgem como forma de apoiar as suas lutas. Importante ainda notarmos que, embora essas experiências se iniciem em meados da década de 1990, são desdobramentos das lutas das décadas de 1970 e 1980, conforme já apontamos. A proximidade dessas Cooperativas de Crédito Solidário, como podemos ver no quadro acima, seja no campo das suas origens ou ainda nas forças que as constituem, foi se fortalecendo e culminou na criação de um fórum nacional, em 2002. Este fórum origina a Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito de Economia Familiar e Solidária (Ancosol), dois anos depois, em 2004. O fortalecimento dessa articulação fez com que em 2008 se desse um novo passo, a criação da Confederação Nacional das Cooperativas Centrais de Crédito e Economia Familiar e Solidária (Confesol), uma cooperativa de terceiro grau com o objetivo de agregar as centrais de Cooperativas de Crédito Solidário. Hoje estão organizadas junto a CONFESOL cinco Centrais (ASCOOB, Cresol Central, Cresol Baser, Cresol Sicoper e Crehnor), reunindo 155 cooperativas singulares e 348 postos de atendimento. Trata-se de um universo com mais de 370 mil associados, distribuídos em 18 estados11. 11 Cooperativismo de Crédito Familiar e Solidário: instrumento de desenvolvimento e erradicação da pobreza. p.13-21. Cledir A. Magri & Ciro Eduardo Corrêa (organizadores) – Passo Fundo: IFIBE, 2012. Educação financeira nas escolas (programa Poupe-poupe), Cresol Jacutinga Foto: Cresol Jacutinga 19 20 Cadernos de Finanças Solidárias 2.3 cluBes de trocas Outra experiência que será constituidora do que chamamos de Finanças Solidárias, embora hoje não tenha a mesma expressão que as outras, são os clubes de trocas. Sabemos que as estratégias de trocas como modo de conseguir o que se necessita para sobreviver se perdem no tempo. Particularmente nos interessa o contexto mais recente da organização desses clubes. Entre as experiências pioneiras estão os Lets (Local Exchange Trading System), iniciados por Michael Linton em Vancouver (Canadá) em 1983, e depois disseminados para países como Inglaterra, Escócia, Noruega, Finlândia, Bélgica, Holanda, França e Austrália. Mais próxima de nós podemos assinalar a experiência argentina que se inicia em 1995, a partir da iniciativa de um clube de trocas com 23 pessoas na cidade de Bernal (Albuquerque, 2002), que se expande Nos clubes de trocas, a moeda social é utilizada num espaço e tempo definidos, ou seja, os produtores e consumidores se reúnem para trocar produtos e/ou serviços em determinado horário e local Economia Solidária praticada no Clube de Trocas do CEU Casa Blanca chama atenção das crianças Foto: Leo Brito 21 Finanças Solidárias rapidamente. Os participantes do clube de Bernal passam a assessorar a criação de novos clubes de trocas, fazendo com que os sistemas de funcionamento, sendo idênticos, possibilitassem a interlocução entre eles e a criação da Rede de Trocas Solidárias. Nas palavras de Heloísa Primavera (idem, p. 64): “Nessa época já começavam a ser usados vales ou bônus de troca, que o grupo denominou crédito, entendendo que o principal no sistema era a confiança no outro”. Essas experiências passaram então a ter diversos apoios, inclusive de governos locais. Em 2000 o Ministério de Economia argentino declara o sistema de clubes de interesse nacional. Primaveraaponta que “(...) o sistema chegou a mais de um milhão e meio de pessoas em menos de sete anos de crescimento!” (Idem). No final da década de 1990 outros países (Uruguai, Brasil, Equador, Peru, Colômbia, Bolívia, Chile, Honduras, El Salvador, México e Canadá) conheceram e colocaram em prática essa experiência. Nas palavras de Primavera: “Os números são eloquentes: em menos de sete anos, mais de dois milhões de pessoas envolvidas em 11 países, fabricando seu próprio dinheiro!” (Idem). O primeiro clube de troca no Brasil se inicia em l998 na cidade de São Paulo, no bairro de Santa Terezinha. Depois surgiram experiências no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e em muitos outros lugares. Os clubes de trocas serão muito conhecidos pela utilização de moedas sociais, que também têm um papel importante na última experiência de Finanças Solidárias que queremos apresentar, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Nos clubes de trocas, a moeda social é utilizada num espaço e tempo definidos, ou seja, os produtores e consumidores se reúnem para trocar produtos e/ou serviços em determinado horário e local. Dentro da perspectiva da Economia Solidária, os clubes de trocas também permitem uma discussão crítica dos preços, pois são outros princípios que estão regendo as trocas. 22 Cadernos de Finanças Solidárias 2.4 Bancos comunitários de desenvolvimento Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs), outra estratégia que utiliza as moedas sociais, têm a ampliação do seu uso, nos comércios e empreendimentos dentro de um território. Além de a moeda social estimular o consumo na própria comunidade e contribuir para manter os recursos gerados circulando internamente, ela simboliza o processo de construção da identidade comunitária em torno de uma proposta de desenvolvimento endógeno. A Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento define os BCDs como serviços financeiros solidários em rede, de natureza associativa e comunitária, voltados para a geração de trabalho e renda, tendo como fundamento os princípios da Economia Solidária. São criados e pertencem a uma determinada comunidade, ajudando a pôr em prática estratégias de desenvolvimento a partir dos princípios da Economia Solidária. A metodologia dos Bancos Comunitários parte do pressuposto de que as comunidades são empobrecidas não porque as pessoas não tenham renda, mas porque a riqueza gerada por elas acaba sendo utilizada para o consumo fora da comunidade, nos centros comerciais próximos e, consequentemente, potencializa o lucro das grandes redes de distribuição e comercialização (Melo Neto e Magalhães, 2008). Assim, o objetivo dessa estratégia é dinamizar as economias locais e fortalecer a organização comunitária a partir da oferta de serviços financeiros, como crédito, além de serviços bancários, como pagamento de contas. Ao mesmo tempo em que amplia o acesso da população pobre a esses serviços também afirma as relações de proximidade, seja entre os próprios moradores, seja entre esses e o Banco Comunitário, possibilitando a construção de outros modos de participação e ação. Embora haja diferenças entre os Bancos Comunitários, devido às particularidades das comunidades, há ações comuns, que mostram que a sua forma de concessão de crédito não é como nas instituições financeiras tradicionais: oferta de crédito de consumo em moeda social e crédito produtivo em real; existência de um comitê de análise de crédito formado por pessoas da comunidade, trabalhadores do banco e analistas de crédito; critérios de concessão de crédito flexíveis; a não necessidade de garantias e de “nome limpo” para acesso ao crédito; análise baseada não só em critérios econômicos, mas sobretudo sociais, como consulta à vizinhança e a comércios locais; e cobrança que se utiliza do controle social e flexibilidade na negociação para o pagamento das parcelas. Finanças Solidárias É claro que essas diretrizes devem ser analisadas de maneira articulada e enquanto processo, pois, ao serem enraizadas nas dinâmicas comunitárias locais, fica implícita a ideia de que o modelo dos BCDs não deve ser entendido como uma metodologia fechada, mas, pelo contrário, como um articulador e potencializador de ações que atenda às necessidades do território onde está situado. Ao longo dos anos, as ações vão se alterando em função das mudanças do contexto local, da economia e das parcerias estabelecidas; além disso, mudam também em função da organização da própria comunidade. E de onde vem essa história de que hoje fazem parte mais de cem Bancos Comunitários por todo o Brasil? Essa estratégia surge na década de 1990 com o Banco Palmas, em Fortaleza, Ceará. Como nos lembra Braz (2014, p. 91), se a história do conjunto Palmeiras, que se assemelha a muitas periferias do Brasil, “(...) é resultado da formação das grandes cidades, segundo a lógica segregadora da acumulação, com periferias inchadas e trabalhadores pobres relegados aos lugares mais distantes e invisíveis”, de outro pode ser entendida como uma história de resistência. Essa história data da década de 1970, com o deslocamento de 1.500 famílias em função da desapropriação de áreas de grande potencial especulativo nas proximidades da beira-mar e de áreas consideradas de risco. O pouco auxílio que tinham fez com que os moradores buscassem alternativas por suas próprias forças; nesse momento os trabalhos da Comunidade Eclesial de Base (CEB) foram fundamentais. Em 1981, funda-se a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras – Asmocomp – como Inauguração do Banco Comunitário Estrutural, Cidade Estrutural-DF Foto: Alexandre Gonçalves 23 24 Cadernos de Finanças Solidárias continuidade das lutas por saneamento básico, água tratada e melhorias para o bairro; nas palavras de Joaquim: “O povo resolveu sair da submissão e se organizar depois de dez anos de dependência e assistencialismo” (MELO NETO; BODINAUX; FILHO, 1988, p. 24). Em um momento em que as atividades da associação estavam num processo difícil, na segunda metade da década de 1990, durante o processo de entrevistas para o segundo volume do livro Memória de nossas lutas, descobriu- se que muitos moradores estavam saindo do bairro, em virtude do aumento do custo de vida depois do processo de urbanização. O problema que o bairro agora enfrentava não era mais o da estrutura, mas o da pobreza. Passaram então a buscar soluções para a geração de trabalho e renda, em um processo que envolvia toda a comunidade. O resultado foi uma proposta de desenvolvimento comunitário que articulou diversos discursos e práticas que estavam sendo difundidos em diversos países e também no Brasil, como o microcrédito, o desenvolvimento local e o fortalecimento da economia popular e solidária. O enfrentamento das dificuldades dos moradores para iniciar um pequeno negócio em função das restrições e burocracias dos bancos comerciais e as dificuldades dos comerciantes na comercialização dos seus produtos se concretizaram na busca pelo estímulo tanto ao consumo local como também à produção (Melo Neto; Magalhães, 2008). É assim que, em 1998, é inaugurado o Banco Palmas, com apenas 2 mil reais, concedendo cinco empréstimos para produtores locais e liberando vinte PalmaCards para os moradores usarem nos cinco comércios. Pouco depois foi fomentada e apoiada a formação de diversos Empreendimentos Econômicos Solidários, como a PalmaLimpe, a PalmaFashion, a Palmaricó e a PalmaNatus. Alguns anos mais tarde, a partir de 2003, essa experiência começaria a se ampliar, chegando, dez anos mais tarde, a mais de uma centena de Bancos Comunitários de Desenvolvimento pelo Brasil. Encontro dos Bancos Comunitários da região Sudeste, Apuanã, São Paulo-SP Foto: Alexandre Gonçalves Acervo Nesol-USP 25 Finanças Solidárias 3. A complementariedade das experiências de Finanças Solidárias 3.1 complementariedade das experiências A união dos segmentos eexperiências de Finanças Solidárias tem se fortalecido nos últimos anos. Alguns momentos foram fundamentais na articulação dessas diversas experiências. Em 2001, durante o Fórum Social Mundial, momento central da articulação em torno da Economia Solidária, também houve um marco no reconhecimento de diversos grupos que pensavam e praticavam novas formas de se pensar as finanças. Com a criação da Senaes e do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, em 2003, a ação em torno das Finanças Solidárias foi entendida como uma das bandeiras de ação do Movimento de Economia Solidária. Se na I Conferência Nacional de Economia Solidária (2004) as propostas das finanças giravam em torno apenas de financiamento, na IV Plenária São, portanto, muitos os movimentos que, nos últimos quinze anos, apontaram para uma articulação das diversas expressões das Finanças Solidárias no Brasil Nacional do Fórum Brasileiro, em 2006, já se apontava a necessidade de construção de um Sistema de Finanças Solidárias. Um ano depois haveria o Seminário Nacional de Fundos Solidários, que reuniu Bancos Comunitários e Cooperativas de Crédito Solidário, com a participação de trezentas pessoas. Em 2008 surge o projeto de lei da Economia Solidária, que discute também um Sistema de Finanças Solidárias. Já em 2010 a Senaes abre o edital de Finanças Solidárias para Bancos Comunitários de Desenvolvimento e Fundos Solidários, e três anos mais tarde lança novo edital de Finanças Solidárias, com a inclusão das Cooperativas de Crédito Solidário e uma proposta de integração dos segmentos de Finanças Solidárias a partir de intercâmbios e reuniões do Comitê Temático de Finanças Solidárias. São, portanto, muitos os movimentos que, nos últimos quinze anos, apontaram para uma articulação das diversas expressões das Finanças Solidárias no Brasil. Essa articulação crescente dos segmentos tem seu fundamento na própria partilha de seus princípios, os da Economia Solidária. Isso faz com que trabalhos de dimensões tão distintas possam convergir em relação aos objetivos que se colocam. 26 Cadernos de Finanças Solidárias Para a Economia Solidária as Finanças Solidárias têm uma dupla importância: ao mesmo tempo em que insere o debate do financiamento dos Empreendimentos Econômicos Solidários, também se configura como a forma solidária de trabalhar os serviços financeiros. As iniciativas expandem a discussão do crédito, não se reduzindo ao problema do seu acesso (e também não o negando), mas também se colocando como uma das “metodologias de empoderamento financeiro da, com e para a Economia Solidária” (Camp, 2015). Lidando com universos tão distintos como a zona rural e urbana, centro e periferia, estados e municípios tão diversos, territórios com suas histórias e particularidades, são necessárias muitas formas de tratar com o universo das finanças. É nesse sentido que enxergamos que as ações dos segmentos e experiências de Finanças Solidárias não se configuram como um todo homogêneo, mas em uma multiplicidade complementar. Se as Cooperativas de Crédito Solidário e os Fundos Solidários têm uma predominância na área rural, os Bancos Comunitários possuem uma expertise no trabalho urbano, que requer desafios e ações específicas. É fundamental reconhecer as diferentes lógicas de trabalho com as finanças, com diferentes abrangências e objetivos específicos. Entender que se trata de práticas complementares nos leva também a apontar que são práticas que precisam de aprendizados mútuos. Cooperativas de Crédito Solidário têm muito a ensinar aos bancos e fundos. Fundos Solidários têm muito a ensinar a cooperativas de crédito e Bancos Comunitários, e assim por diante. A perspectiva da complementariedade nos coloca em uma posição de implicação mútua, onde a integração não pode significar a homogeneização das ações, mas a construção de ações que permitam trabalhar com o universo das finanças de modo que contemplem as necessidades tão diversas que os territórios nos colocam. 3.2 Finanças solidárias e microcrédito Podemos encontrar experiências inspiradoras no campo do microcrédito, como ações do professor Muhammad Yunus – que em vista da situação de pobreza em Bangladesh propôs pequenos empréstimos a empreendedoras, criando o Banco Grameen, em 1976 –, e outras tantas que poderíamos elencar. Porém, a partir de tantas questões podemos perceber o quanto as Finanças Solidárias se distanciam do microcrédito tradicional, que, embora também trabalhe com concessão de crédito, por vezes acaba seguindo caminhos opostos aos das Finanças Solidárias. . As ações realizadas pelas iniciativas de Finanças Solidárias abrem caminhos para a experimentação de valores antagônicos aos pregados pela sociedade atual: em vez da competição, a afirmação do trabalho associado; do individualismo do empreendimento à decisão coletiva. Nesse sentido, não são as ferramentas financeiras que produzem as transformações, mas a forma de seu uso que refaz o sentido da economia como o modo de organização da vida e não como um sistema natural de competição por recursos, consumidores, nichos de mercado e maximização dos lucros. Essas considerações são importantes quando estabelecemos diálogo com o campo das microfinanças. Para alguns autores, como Kraychete (2005) e Bateman (2007), o 27 Finanças Solidárias incentivo a iniciativas de microcrédito é parte do discurso neoliberal que desloca a noção de pobreza de um viés político para uma orientação de caráter individualizante atrelada ao discurso do empreendedorismo. Nos anos 1980, o Banco Mundial propôs e investiu em ações voltadas ao oferecimento de crédito para a população pobre, fortalecendo a ideia de que a pobreza poderia ser superada a partir, principalmente, do incentivo à capacidade empreendedora dessa parcela da população (Kraychete, 2005). Foram feitos grandes investimentos em instituições para a oferta de serviços microfinanceiros em países pobres e criou-se uma verdadeira indústria do microcrédito com instituições internacionais que atuam em diversos países seguindo a lógica globalizante das empresas transnacionais: instituições sem enraizamento local e comunidades consideradas nichos de mercado a serem atingidos. Embora possamos dizer que grande parte das Finanças Solidárias utilizam as mesmas ferramentas microfinanceiras, o sentido da ação parece seguir caminhos muito diferentes do microcrédito tradicional. O objetivo das experiências de Finanças Solidárias é fortalecer práticas coletivas e sustentar dinâmicas econômicas que visam garantir a produção, em sentido amplo, da vida. Ou seja, as suas ações assumem um sentido em busca de mudanças, não só pela maneira que concedem créditos, por exemplo, como também no desenvolvimento de projetos que articulam formação profissional, estímulo à formação de empreendimentos produtivos coletivos e à formação de redes locais de produção e consumo, criando um horizonte comum no desenvolvimento econômico e social daquele território. Há, portanto, a dimensão econômica articulada às dimensões social e política. Conferência Temática de Economia e Democracia, São Paulo-SP, 2014 Foto: José Cícero da Silva Cadernos de Finanças Solidárias 1. Definindo as Finanças Solidárias Podemos, a partir dessas diversas aproximações, apontar que as Finanças Solidárias são o conjunto de serviços e produtos fi nanceiros e pedagógicos que fomenta e contribui para o crescimento e a consolidação da Economia Solidária. Ele está a serviço da Economia Solidária, seus empreendimentos, suas organizações, seus trabalhadores, mobilizando, organizando e fornecendo os recursos fi nanceiros necessários para que ela exista e prospere, de modo a democratizar o acesso a esses recursos, tornando-os instrumento das necessidades coletivas. Ele ainda propõe a rearticulação das ferramentas fi nanceiras às noções de desenvolvimento, território, produção e organização comunitária, nãopossuindo fi nalidade especulativa nem separação entre donos e usuários de capital. É importante nos aprofundarmos em dois aspectos que envolvem as expressões das Finanças Solidárias e que são facilmente percebidos em qualquer uma delas: o seu caráter pedagógico e a sua relação umbilical com o território. Primeiramente, podemos perceber que as experiências de Finanças Solidárias são pedagógicas, de modo que seus participantes se envolvem em um conjunto de processos educativos que podem transformá-los, proporcionando ainda aprendizados a respeito do mundo das fi nanças e de como podemos transformar esse mundo, de lógica tão perversa, para uma lógica solidária e autogestionária. Entendemos que é formativo 28 II. As experiências de Finanças Solidárias hoje 29 Finanças Solidárias participar de uma experiência de Fundos Solidários, Cooperativa de Crédito Solidário, Banco Comunitário, porque participar dessas experiências necessita da implicação dos sujeitos nela envolvidos, não se tratando apenas de um serviço. Há ainda outra dimensão pedagógica nas experiências de Finanças Solidárias, que é a apropriação das ferramentas financeiras, um processo educativo que mostra às pessoas as implicações do sistema econômico em seu cotidiano. Assim, a proposta de uma educação financeira nas Finanças Solidárias se relaciona com se propor a olhar criticamente o mundo financeiro e estabelecer relações diretas entre ele e as nossas relações econômicas cotidianas, de modo a nos ajudar a entender a maneira de funcionamento do sistema econômico e também que alternativas as Finanças Solidárias podem dar a essas questões. As Finanças Solidárias também possuem um vínculo especial com o território, um lugar privilegiado para a articulação da Economia Solidária, não apenas na oferta de serviços, mas também na mobilização de empreendimentos, espaços de debate e ação conjunta. As práticas de Finanças Solidárias estão implicadas e permeadas das relações econômicas de determinado território, por isso fazem parte do trabalho dessas experiências não apenas a compreensão das relações econômicas que se dão no território, mas a potencialização de ações econômicas solidárias, fortalecendo a construção de outro desenvolvimento. Dentro dos territórios as Finanças Solidárias também podem ser entendidas como uma maneira de apropriação contra-hegemônica das finanças, com instrumentos vinculados às dinâmicas locais e suas relações sociais, que buscam potencializar os recursos e riquezas presentes. Essa apropriação diferenciada produz o que Milton Santos chamou de ‘lugar’ e que nós temos chamado de território. Há então uma espécie de coexistência de territórios, sendo uns dominados pelos sistemas técnicos mais desenvolvidos e outros menos submetidos a tais totalizações. Estabelece-se uma tensão entre a lógica verticalizada das finanças e a lógica de apropriação territorial (Santos, 2001). O nome já anuncia essa tensão: “finanças”, que indica uma instituição caracterizada pela centralização, e “solidárias”, indicando o processo de apropriação autogestionado e, portanto, horizontal. As Finanças Solidárias se encontram nessa luta contra-hegemônica dentro dos territórios. 30 Cadernos de Finanças Solidárias 2. As experiências de Finanças Solidárias hoje 2.1 Bancos comunitários de desenvolvimento Os Bancos Comunitários apoiam empreendimentos locais em suas estratégias, seja a partir do financiamento às suas atividades, seja na construção de redes locais de consumo e comercialização. Nesse sentido é papel dos Bancos Comunitários o estímulo a redes de consumo e a produção a partir dos créditos de consumo (em moeda social) e produtivo (em reais). É claro que o trabalho dos Bancos Comunitários não se restringe à oferta de crédito, ele é um articulador de ações no território, podendo ser um correspondente bancário, ofertar microsseguros, articular um fórum de desenvolvimento comunitário onde atores da comunidade possam se encontrar e discutir questões a respeito do desenvolvimento da comunidade. Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento geralmente não trabalham apenas com o microcrédito produtivo, mas também com outras modalidades, como o crédito para consumo e para habitação. A própria natureza dos BCDs exige que eles sejam construídos e geridos de forma integrada à comunidade, pois suas estratégias de atuação são pouco convencionais e dependem fortemente da aderência das pessoas. As moedas sociais, por exemplo, só funcionam como um meio de troca se produtores e consumidores perceberem-na como tal e confiarem no seu lastro em real. A metodologia de avaliação solidária de crédito também só é eficiente se a comunidade, de fato, entendê-la como séria e importante. Isso significa que essas experiências não se limitam ao universo tradicional da Economia Solidária, seus critérios independem do reconhecimento das pessoas e empreendimentos enquanto pertencentes à Economia Solidária. O que importa é a articulação das pessoas em determinado território. Muitas vezes o próprio Banco Comunitário acaba sendo o vetor de divulgação da Economia Solidária na comunidade. 31 Finanças Solidárias Bancos comunitários de Desenvolvimento Estado Nº de bancos Acre (AC) 02 Amapá (AP) 02 Amazonas (AM) 10 Bahia (BA) 09 Ceará (CE) 36 Distrito Federal (DF) 02 Espírito Santo (ES) 11 Goiás (GO) 01 Maranhão (MA) 01 Mato Grosso (MT) 03 Mato Grosso do Sul (MS) 03 Minas Gerais (MG) 03 Pará (PA) 13 Paraíba (PB) 02 Piauí (PI) 02 Rio de Janeiro (RJ) 03 Rio Grande do Norte (RN) 01 Roraima (RR) 01 São Paulo (SP) 09 Sergipe (SE) 01 Total de Bancos 115 Regiões Nº de bancos Norte 28 Nordeste 52 Centro-Oeste 07 Sudeste 26 Distrito Federal 02 31 Bancos comunitários de Desenvolvimento 32 Cadernos de Finanças Solidárias É notável a forte presença das mulheres nas experiências de Bancos Comunitários. É sabido que a divisão das tarefas domésticas em nossa sociedade ainda pesa de forma desigual sobre as mulheres, e isso ajuda a explicar o porquê de elas serem o público principal dos Bancos Comunitários. Os créditos de consumo e habitação ajudam na gestão cotidiana das necessidades domésticas. Mas isso é só parte da questão, pois muitas vezes as mulheres possuem uma dupla jornada de trabalho e, por isso, buscam atividades mais flexíveis, que possam ser realizadas na própria comunidade, de modo a conciliar a atividade econômica com as demandas do lar. Essas mulheres frequentemente possuem ou querem abrir um empreendimento, e o crédito produtivo fortalece essas iniciativas. No campo das Finanças Solidárias, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento são os que possuem maior presença nos centros urbanos. As estratégias utilizadas pelos bancos e a sua constante limitação de recursos impedem que eles atuem sobre territórios muito amplos, ao mesmo tempo em que tornam bastante potencial o trabalho em comunidades densamente povoadas. Os reflexos disso são que os maiores Bancos Comunitários atualmente situam-se em capitais estaduais (Vitória, Fortaleza, São Paulo) e as principais atividades financiadas pelos BCDs são a produção e o comércio. É possível concluir que os Bancos Comunitários de Desenvolvimento acabam sendo muito mais do que simples instituições de microcrédito, onde estão presentes agem como importantes vetores de articulação da comunidade e do território, fomentam e divulgam a Economia Solidária, além de fortalecerem o empoderamento da mulher na busca da sua autonomia. 2.2. cooperativas de crédito solidário As cooperativas de crédito se diferem de outras instituições financeiras porque devem se nortear pelos princípios do cooperativismo e, dessa maneira, possuem uma democracia interna, de forma que gestores e clientes são donos da cooperativa e não têm o objetivo de maximização de lucros, mas sim o de trazer benefícios aos seus cooperados. As cooperativas de crédito, diferentemente dos Bancos Comunitários, são autorizadas peloBanco Central a captar poupança. A diferença entre as cooperativas de crédito convencionais e as Cooperativas de Crédito Solidário está, de acordo com Abramovay12, no objetivo das Cooperativas de Crédito Solidário de fomentar um desenvolvimento local sustentável. Essas cooperativas podem ser entendidas, como apontam Magri & Côrrea, como ferramenta estratégica na “democratização do acesso ao crédito e superação da pobreza, mobilizando e representando milhares de pessoas que historicamente estiveram excluídos de políticas publicas de promoção ao desenvolvimento humano e da cidadania13”. As Cooperativas de Crédito Solidário são cooperativas que ofertam serviços financeiros e bancários a seus associados. Aqui, o princípio da associação e da autogestão se realiza tanto na participação dos espaços coletivos de decisão como na não diferenciação entre o papel do dono dos recursos financeiro e o usuário, ou seja, os associados aportam seus recursos via poupança, são os gestores do recurso e ao mesmo tempo o cliente que vai acessá-lo em 12 Ver ABRAMOVAY, R (org.). Laços financeiros na luta contra a pobreza. São Paulo: Ed. FAPESP/ Annablume, 2004 13 Cooperativismo de Crédito Familiar e Solidário: instrumento de desenvolvimento e erradicação da pobreza. p.13-21. Cledir A. Magri & Ciro Eduardo Corrêa (organizadores) – Passo Fundo: IFIBE, 2012. 33 Finanças Solidárias Cooperativas de crédito solidário Estado Nº de CCS Bahia (BA) 08 Espírito Santo (ES) 13 Goiás (GO) 02 Mato Grosso do Sul (MS) 01 Minas Gerais (MG) 20 Paraná (PR) 137 Pernambuco (PE) 02 Roraima (RR) 09 Rio de Janeiro (RJ) 02 Rio Grande do Sul (RS) 158 Santa Catarina (SC) 163 São Paulo (SP) 01 Sergipe (SE) 01 Total de Cooperativas 517 33 Regiões Nº de CCS Norte 09 Nordeste 11 Centro-Oeste 03 Sudeste 36 Distrito Federal 458 Cooperativas de crédito Solidário Cadernos de Finanças Solidárias forma de crédito. Entretanto, o papel dessas iniciativas no desenvolvimento e na inclusão social de seus associados vai muito além da oferta de crédito conforme sua definição: São “(...) uma forma autogestionária para viabilizar o acesso ao sistema de microfinanças a fim de fomentar a produção, principalmente àqueles excluídos/as do sistema financeiro”14. As cooperativas possuem uma forte ligação com a democratização de crédito junto aos trabalhadores da agricultura familiar, de forma a vincular a oferta de crédito à produção de um desenvolvimento integrado às dinâmicas locais. Dessa maneira, constitui-se como um importante ator no fortalecimento dessas dinâmicas ao territorializar os recursos locais por meio da captação das poupanças e seu reinvestimento no território onde estão os seus associados. Além disso, as Cooperativas de Crédito Solidário são iniciativas sustentadas pelos vínculos entre os associados, compreendendo seus processos como a produção de relações entre os que dela 14 Políticas de Formação do Sistema Central SC/RS: documento de referência, p. 10. participam. Fica evidente que as Cooperativas de Crédito Solidário se diferem das cooperativas de crédito tradicionais, trazendo para este campo os princípios da Economia Solidária. Para garantir esses princípios as Cooperativas de Crédito Solidário possuem uma forma diferenciada de organização do sistema em relação às cooperativas de crédito tradicionais. As cooperativas tradicionais se organizam de forma verticalizada e possuem a lógica da centralização, que visa o ganho de escala e a diminuição dos custos; esse modo de proceder prioriza a criação de cooperativas regionais que tenham um grande número de pontos de atendimento, diminuindo a sinergia com os territórios onde atuam e se distanciando de seus associados. Já nas Cooperativas de Crédito Solidário, como possuem a horizontalidade como princípio de atuação, priorizam cooperativas menores, mantendo relações de proximidade com os associados a partir da atuação por meio de bases de serviços (Búrigo 2011). 34 Bioconstrução em propriedade rural, Cresol Central SC-RS Foto: Vilceo Sehnem 35 Finanças Solidárias 2.3. Fundos solidários Os Fundos Solidários são “(...) processos de gestão coletiva de recursos, voltados para a sustentabilidade local e territorial e para a mobilização social, constituem-se como espaços geradores de riquezas e saberes. Cumprem importante papel de Escola de libertação e Espaço de resistências, em que está sendo gestado outro modelo de desenvolvimento, provocando a ampliação da democracia para o nível da participação efetiva”15. Sua história não tem uma datação precisa, mas passou a ter maior expressão no Brasil a partir da década de 1980, na articulação dos movimentos sociais e também nos trabalhos comunitários das igrejas16. Há dois tipos de fundos: os fundos de fomento e os Fundos Rotativos Solidários. Os fundos de fomento repassam recursos para fomentar projetos e iniciativas de Finanças Solidárias e não são reembolsáveis. Já nos Fundos Rotativos Solidários o recurso é captado entre os próprios participantes do fundo em uma espécie de poupança coletiva. A partir de então passa a ser investido junto aos próprios participantes, sendo devolvido ao fundo depois de algum tempo para que possa ser novamente emprestado. Nesse sentido os Fundos Solidários “(...) representam uma atividade econômica que se realiza coletivamente, cuja gestão das atividades e dos resultados é exercida coletivamente pelos associados e cujo próprio fundo tende a ser propriedade coletiva dos associados”17. Entre 2010 e 2013 a Cáritas brasileira foi responsável por coordenar um projeto nacional de mapeamento dos Fundos Solidários. O mapeamento foi realizado em parceria com entidades regionais e permitiu, pela primeira vez, uma visão integrada da atuação dos Fundos Solidários no Brasil. A região Nordeste figura como a mais expressiva em termos de experiências. A maioria dos fundos é encontrada na região e, dado que os fundos geralmente possuem uma abrangência restrita, faz sentido que a maioria dos empreendimentos apoiados e das pessoas a eles vinculadas também se encontre na região Nordeste. A abrangência da maioria dos fundos restringe-se a uma ou mais comunidades, estejam elas em um mesmo município ou em um conjunto deles. Esse caráter da atuação dos fundos converge com o princípio de proximidade da relação com os participantes, o que permite que as experiências sejam construídas de forma colaborativa. 15 Veja em http://caritas.org.br/wp-content/files_mf/1383061597Cartilhawebfundos_ solidarios.pdf 16 Fundos solidários: por uma política de emancipação produtiva dos movimentos sociais, Fundação Grupo Esquel. 17 Fundos solidários: por uma política de emancipação produtiva dos movimentos sociais, Caderno 2, p. 26, Fundação Grupo Esquel. Cadernos de Finanças Solidárias As principais atividades exercidas pelos membros dos Fundos Solidários são a agricultura familiar e o artesanato, duas ações reconhecidamente populares dentro da Economia Solidária. As características inerentes a essas duas atividades explicam o porquê de a maioria dos empreendimentos vinculados aos fundos ser individual ou familiar. Explica também o significativo número de fundos que trabalham com formas alternativas de devolução, por exemplo, sementes e animais. Muitos dos Fundos Solidários recebem financiamento público, através do governo federal, dos governos estaduais ou das empresas estatais. Esses financiamentos podem ser vistos como estratégicos para a integração e consequente maior eficiência das políticas públicas, dado que grande parte dos participantes dos fundos é beneficiada também por outras importantes políticas públicas de geração de renda e combate à miséria e à fome. Dentre elas, podem ser destacadas Bolsa Família, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O mapeamento deixou claroque os Fundos Solidários são uma importante ferramenta para o fortalecimento dos empreendimentos de Economia Solidária. Apesar de suas particularidades, é possível dizer que os participantes dessas experiências não diferem grandemente dos participantes das outras experiências de Finanças Solidárias. As particularidades de cada experiência acabam sendo justamente o que as torna complementares em vez de competitivas, enriquecendo o campo das Finanças Solidárias. 3636 1º Intercâmbio Regional de Fundos Solidários do Projeto, Goiânia/GO, maio de2015 Foto: Acervo Centro de Estudos e Assessoria Finanças Solidárias Estado Nº de fundos Acre (AC) 02 Alagoas (AL) 30 Amapá (AP) 04 Amazonas (AM) 02 Bahia (BA) 31 Ceará (CE) 59 Distrito Federal (DF) 07 Espírito Santo (ES) 02 Goiás (GO) 22 Maranhão (MA) 46 Mato Grosso (MT) 52 Mato Grosso do Sul (MS) 13 Minas Gerais (MG) 17 Pará (PA) 09 Paraíba (PB) 78 Paraná (PR) 14 Pernambuco (PE) 43 Piauí (PI) 22 Rio de Janeiro (RJ) 20 Rio Grande do Norte (RN) 03 Rio Grande do Sul (RS) 26 Roraima (RR) 02 Santa Catarina (SC) 11 São Paulo (SP) 07 Sergipe (SE) 01 Total de Fundos 523 Fundos Solidários 37 Regiões Nº de fundos Norte 19 Nordeste 313 Centro-Oeste 87 Sudeste 46 Sul 51 Distrito Federal 07 Fundos Solidários Cadernos de Finanças SolidáriasCadernos de Finanças Solidárias 38 2.4. Mapa das Finanças Solidárias no Brasil Iniciativas de Finanças Solidárias no Brasil Estado Qtd Acre (AC) 4 Alagoas (AL) 30 Amapá (AP) 6 Amazonas (AM) 12 Bahia (BA) 40 Ceará (CE) 95 Distrito Federal (DF) 9 Espírito Santo (ES) 26 Goiás (GO) 25 Maranhão (MA) 47 Mato Grosso (MT) 55 Mato Grosso do Sul (MS) 17 Minas Gerais (MG) 40 Pará (PA) 22 Paraíba (PB) 80 Paraná (PR) 151 Pernambuco (PE) 45 Piauí (PI) 24 Rio de Janeiro (RJ) 25 Rio Grande do Norte (RN) 4 Rio Grande do Sul (RS) 184 Roraima (RO) 12 Santa Catarina (SC) 174 São Paulo (SP) 17 Sergipe (SE) 3 Total 1147 Bancos comunitários de Desenvolvimento Cooperativas de crédito Solidário Fundos Solidários Finanças Solidárias 39 Iniciativas Região Nordeste Iniciativas Região Norte Iniciativas de Finanças Solidárias Região Nordeste Estado Qtd Alagoas (AL) 30 Bahia (BA) 40 Ceará (CE) 95 Maranhão (MA) 47 Paraíba (PB) 80 Pernambuco (PE) 45 Piauí (PI) 24 Rio Grande do Norte (RN) 4 Sergipe (SE) 3 Total 368 Iniciativas de Finanças Solidárias Região Norte Estado Qtd Acre (AC) 4 Amapá (AP) 6 Amazonas (AM) 12 Roraima (RO) 12 Pará (PA) 22 Total 56 39 Iniciativas Região Norte Iniciativas de Finanças Solidárias Região Norte Qtd 4 6 12 12 22 56 Bancos comunitários de Desenvolvimento Cooperativas de crédito Solidário Fundos Solidários Cadernos de Finanças Solidárias 40 Iniciativas Região Centro Oeste Iniciativas Região SudesteIniciativas Região Sudeste Iniciativas de Finanças Solidárias Região Centro-Oeste Estado Qtd Goiás (GO) 25 Mato Grosso (MT) 55 Mato Grosso do Sul (MS) 17 Distrito Federal 9 Total 106 Iniciativas de Finanças Solidárias Região Sudeste Estado Qtd Espírito Santo (ES) 26 Minas Gerais (MG) 40 Rio de Janeiro (RJ) 25 São Paulo (SP) 17 Total 108 Iniciativas de Finanças Solidárias Região Sudeste Qtd 26 40 25 17 108 Bancos comunitários de Desenvolvimento Cooperativas de crédito Solidário Fundos Solidários Finanças Solidárias 41 Iniciativas Região Sul Iniciativas de Finanças Solidárias Região Sul Estado Qtd Goiás (GO) 25 Santa Catarina (SC) 174 Rio Grande do Sul (RS) 184 Paraná (PR) 151 Total 509 Rio Grande do Sul (RS) 184 Paraná (PR) 151 Total 509 Bancos comunitários de Desenvolvimento Cooperativas de crédito Solidário Fundos Solidários Cadernos de Finanças Solidárias 1. Redes 1.1 rede Brasileira de Bancos comunitários A história da Rede Brasileira de Bancos Comunitários se inicia em 1998 com a criação do Banco Palmas na comunidade do Conjunto Palmeiras em Fortaleza. Essa iniciativa pioneira foi inspiração e parceira para a formação dos demais 107 Bancos Comunitários que existem hoje no Brasil. A primeira replicação da metodologia no estado do Ceará com o banco PAR ocorreu em 2004; dois anos depois já eram sete Bancos Comunitários em cinco estados brasileiros. Tendo em vista o fortalecimento da metodologia e da articulação entre as iniciativas, em 14 de janeiro de 2006, na sede do Banco Palmas, foi realizado o I Encontro Nacional dos Bancos Comunitários, que resultou na criação da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. O evento contou com a participação de intelectuais, pesquisadores, organizações, deputados, vereadores e militantes da Economia Solidária que apostavam na ideia, além do ministro para a Economia Popular da Venezuela, Elías Jaua, e do professor Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária. O primeiro momento da atuação em rede se deu na I Conferência Nacional de Economia Solidária realizada em Brasília, de 26 a 29 de junho de 2006. A mobilização começou nos estados com a eleição de dez delegados de Bancos Comunitários de todo o Brasil, além da elaboração de faixas e textos para incidência nos grupos de trabalho. Como resultado houve o reconhecimento dos Bancos Comunitários, conforme consta no Art. 78 do documento fi nal. Em 2007 foi realizado o II Encontro da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, em Iparaná, no Ceará, com a participação de doze Bancos III. As formas de organização das Finanças Solidárias 42 43 Finanças Solidárias Comunitários de sete estados brasileiros. Desse encontro destaca-se a aprovação do Termo de Referência e do marco teórico conceitual dos Bancos Comunitários. Em 2009, dois eventos importantes marcaram a Rede Brasileira: IX Fórum Social Mundial, em Belém-PA, onde houve a circulação da moeda Amazônida e a realização de uma ofi cina sobre a Rede; e I Fórum de Inclusão Financeira do Banco Central, em Salvador, com apresentações e debates com os representantes da Rede. Já eram 51 Bancos Comunitários em todo o Brasil. A partir de 2010, com a criação do Programa de Finanças Solidárias e o apoio e fomento a Bancos Comunitários, foi possível realizar reuniões mais sistemáticas com as entidades gestoras dos projetos nacional e regionais e participantes da Rede: Instituto Palmas de Desenvolvimento e Socioeconomia Solidária, Instituto Capital Social da Amazônia, Núcleo de Economia Solidária (Nesol-USP), Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial (Ites-UFBA), Associação Ateliê de Ideias. Em 2013 foi realizado o III Encontro Nacional da Rede, em Fortaleza- CE, que contou com a participação de mais de duzentas pessoas, cem Bancos Comunitários, representantes da Senaes, Banco Central, Caixa Econômica Federal e universidades. Na ocasião foi eleita uma representação formal com a criação da coordenação nacional, composta de oito membros. Além da Rede Brasileira houve também a criação de Redes estaduais e regionais no contexto de ampliação das iniciativas de Bancos Comunitários. Tem destaque a Rede Baiana, a Rede Capixaba e a Rede Nordeste de Bancos Comunitários, revelando que a estratégia de Redes vem sendo bastante utilizada pelo segmento, entendida como um potencial de articulação e fortalecimento das ações comunitárias. 1.2 comitê Gestor de Fundos solidários: um traBalho em rede O trabalho em rede também está presente na articulação dos Fundos Solidários. Essa estratégia, inicialmente, foi se constituindo por meio das próprias entidades de fomento, que articulam e agregam um conjunto de iniciativas de Fundos Solidários. No nível nacional a articulação entre as diversas entidades se deu a partir da criação do Comitê Gestor do Programa de Apoio a Projetos Produtivos e Sociais (PAPPS), do projeto realizado com o Banco do Nordeste. O comitê, que tinha como atribuição a elaboração de editais, seleção das propostas a serem fi nanciadas e o acompanhamento dos projetos, era composto de representantes do governo,
Compartilhar