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1 O Ensino dos Conceitos de Análise Combinatória e o Livro Didático: discurso de professores do ensino médio Ricardo Dezso Sabo Considerações Preliminares e Justificativas Desde 1988, quando ainda era estudante do segundo ano do curso de Licenciatura de Matemática, no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo – USP, trabalho como professor em escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo. Nos últimos quinze anos, lecionando no Ensino Médio, observo que muitos professores de matemática, por diferentes razões, evitam, ou até não abordam de forma fundamentada os estudos de Análise Combinatória com seus alunos. Eles alegam ser difícil e laborioso ensinar Análise Combinatória, ou, que os alunos não têm capacidade de aprender e entender um tema tão sofisticado; alguns afirmam que o tempo (ano letivo) é insuficiente e então se torna necessário optar por outros temas que julgam mais importantes. Nessas observações, percebi atitudes de professores em esquivar-se do tema nas aulas de matemática. Algumas vezes, observo professores afirmando que eles próprios não têm esses conceitos construídos de forma sólida e significativa, e, por esse motivo, evitam abordar o tema ou, optam, apenas, a apresentar aos alunos um processo de aplicação de fórmulas prontas, sem justificativas ou explicações. Assim sendo, o aluno necessita utilizar-se da memorização para aplicar a fórmula certa na resolução de problemas específicos, ou seja, o ensino de Análise Combinatória torna-se tecnicista e operacional. Acredito que, neste contexto, o aluno sente a necessidade de adivinhar a fórmula pertinente para encontrar a resposta do problema. Essa atitude pode favorecer o não desenvolvimento do raciocínio combinatório como também, a não construção dos conceitos desse tema. Com relação ao uso de fórmula no ensino de Análise Combinatória, Sturm (1999), em sua dissertação de mestrado, afirma: 2 [...] o ensino de Análise Combinatória deve se dar através de situações-problema. As fórmulas devem aparecer em decorrência das experiências dos alunos na resolução de problemas, devem ser construídas e não ser o elemento de partida para o ensino de cada tema: Arranjo, Permutação e Combinação. (STURM, 1999, p.3). Ainda, a respeito do uso de fórmula, Esteves (2201), em sua pesquisa, pontua: [...] queremos mostrar que a fórmula em si não é negativa nem contraproducente; ao contrário, ela representa uma compressão algorítmica que assegura uma economia cognitiva importante, desde que colocada no tempo certo. Para o conteúdo Análise Combinatória, quando não reforçamos a fórmula, acreditamos que estamos valorizando o uso da árvore de possibilidade, do método de tentativa e erro, do desenho e do princípio fundamental da contagem para um melhor desenvolvimento do raciocínio combinatório. Assim, a fórmula no papel deixa de ser apenas uma ferramenta para desenvolver os problemas de maneira mais econômica. (ESTEVES, 2001, p.3). Acredito que o uso de fórmulas no ensino da Análise Combinatória deva ser uma decorrência da construção dos conceitos estudados e conseqüentemente a valorização do raciocínio combinatório. Considero que um fator que pode contribuir e favorecer aos professores não abordarem determinados temas no Ensino Médio, é a segmentação do conhecimento matemático; ou seja, cada conceito é tratado de forma pontual em determinada série, favorecendo, assim, a não interação entre os conhecimentos matemáticos ensinados. Segundo Chevallard, Bosch e Gascón: Nas instituições escolares atuais impera uma forte tendência de fragmentar a matemática ensinada. O estudante se depara com alguns objetos matemáticos pouco relacionados entre si, com algumas técnicas muito rígidas, com problemas relativamente isolados (ou formando classes muito estereotipadas) e com uma teoria pouco relacionada com a prática matemática concreta. O resultado é que a atividade matemática escolar realizada pelos alunos não é submetida às restrições de um processo sustentado e estruturado e, portanto, tem poucas possibilidades de ser criativa. (CHEVALLARD, BOSCH E GASCÓN, 1997, p. 290). A grande maioria dos livros didáticos do Ensino Médio com os quais tive a oportunidade de trabalhar segue este padrão de “encaixotamento” dos conceitos matemáticos. Observei, durante os anos de magistério, que muitos professores que não desejavam ensinar os conceitos de Análise Combinatória, optavam em “pular” o capítulo 3 do livro didático, ou, em algumas situações, optavam em não lecionar na 2a série do Ensino Médio, série na qual os livros didáticos abordam os conceitos de Análise Combinatória. A respeito dessa ferramenta didática – o livro didático – Lopes (2000), em sua tese afirma: Ele sempre representou – e continua representando – para o professor, o complemento de sua formação acadêmica e o apoio na prática escolar, principalmente pelas condições de trabalho, não tão favoráveis, que o professor enfrenta. (LOPES, 2000, p. 224). Partindo dessa conjuntura, temos a hipótese que o livro didático é um fator de forte presença na elaboração e construção dos conceitos matemáticos, pelos professores, na sala de aula. Assim sendo, acreditamos que analisar como estão estruturados e desenvolvidos, nos livros didáticos, os conceitos de Análise Combinatória, torna-se um elemento determinante para entender como se dá a abordagem dos conceitos desse tema no Ensino Médio. Sobre a formação acadêmica dos professores de matemática Lopes, (2000) argumenta: Um dos fatores responsáveis pela má qualidade de ensino é, sem dúvida alguma, a formação do professor. É possível dizer que a maioria dos profissionais que se formaram, ou estão se formando, não tem claro o papel da escola, os objetivos da aprendizagem, a razão dos conteúdos a serem trabalhados, enfim, não tem claro o seu próprio papel de educador. Como em muitas situações da vida, não tendo consciência do lugar onde se encontra e do que se deve fazer, segue-se o caminho que lhe é apresentado. No caso do professor, na maioria das vezes, este caminho é o livro didático. (LOPES, 2000, p.12). Neste panorama, observa-se o livro didático como uma ferramenta decisiva e determinante para o professor no momento da elaboração do plano de aulas, assim sendo, podemos conjecturar que o livro não assume o papel de um instrumento de apoio didático ao professor, mas sim, apropria-se do espaço do professor, determinando, desta forma, a prática docente. Em 2005 e 2006, participei de um curso de Especialização em Educação Matemática no Centro Universitário Fundação Santo André, e tive a oportunidade de conhecer, de fato, algumas teorias em Educação Matemática, mais especificamente, as teorias da didática francesa. Neste período, pude conhecer e estudar processos de pesquisa na área de educação, ler e analisar algumas dissertações em Educação Matemática, 4 conhecer e conviver com professores de diferentes idades, práticas e concepções, e o mais importante, começar a entender e experimentar como se formaliza e se constrói pesquisas em Educação. Associando as minhas inquietações sobre o ensinar Análise Combinatória, os problemas que permeiam o tema, minhas observações sobre as posturas de muitos professores e, a oportunidade de voltar para a universidade com o objetivo específico de estudar e pesquisar em Educação Matemática, criei motivação e me matriculei, no início do ano de 2007, em um curso de mestrado, no qual a pesquisa desenvolvida se refere ao ensino e à aprendizagem da Análise Combinatória. Tal pesquisa se desenvolve no interior do grupo PEA-MAT, que atualmente desenvolve projeto sobre os conteúdos referentes ao bloco dos PCN conhecido como Tratamento da Informação. Revisão bibliográfica Para iniciar este trabalho de pesquisa, primeiramente, realizei uma investigação no CEMPEM– Círculo de Estudo, Memória e Pesquisa em Educação Matemática – com o objetivo de analisar dissertações em Educação Matemática, no Brasil, desde 1970, que abordaram o tema Análise Combinatória. Nessas leituras, analisei os problemas de pesquisa, as bases teóricas e metodológicas utilizadas, os resultados apresentados e o público alvo em questão. O foco desse trabalho foi fazer um levantamento de questões já pesquisadas relacionada ao tema Análise Combinatória, como também, utilizar este material como apoio para a minha pesquisa. Nesta consulta, encontrei quatro dissertações que abordam este tema. A primeira dissertação foi realizada por Sturm (1999). Nesta pesquisa, o autor analisa uma proposta de ensino de Análise Combinatória, na qual, enfatiza o uso do Princípio Fundamental da Contagem, em detrimento do emprego de fórmulas, com alunos do 2a série do Ensino Médio. Esta análise desenvolveu-se em uma perspectiva qualitativa, na qual o pesquisador analisou sua própria prática pedagógica como professor da turma. Com o propósito de abordar os conceitos relativos à Análise Combinatória, o autor apresenta, aos alunos, situações problemas com o objetivo de gerar discussões e estratégias de resolução. Por fim, desenvolve e sistematiza o uso de fórmulas. O principal instrumento de registro utilizado pelo autor foi um "Diário", no qual foi anotado, com o máximo de detalhes, o que ocorreu durante as aulas. Os resultados 5 apresentados pelo autor mostram os aspectos positivos no uso do Princípio Fundamental da Contagem na resolução dos problemas, as suas potencialidades e as aplicações desta estratégia pelos alunos. O autor descreve, também, que a maioria dos alunos compreendeu o funcionamento do Princípio Fundamental da Contagem e soube utilizá-lo de forma adequada e condizente. A segunda dissertação foi elaborada por Esteves (2001). O trabalho da autora consistiu em estudar a aquisição e o desenvolvimento dos primeiros conceitos de Análise Combinatória em adolescentes de 14 anos de idade, cursando a última série do Ensino Fundamental. Nessa pesquisa a autora optou em construir uma seqüência de ensino fundamentada em teorias psicológicas e educacionais, que parte de situações-problema por meio da contagem direta. Para isso, o trabalho foi desenvolvido por dois grupos de alunos: um experimental e outro de referência. Nesse processo, a autora levantou as diversas representações utilizadas pelos alunos nas resoluções dos problemas de contagem, identificou a dificuldade na interpretação dos problemas propostos, além do, não uso da árvore de possibilidades ou o uso incorreto desta representação. Os resultados encontrados mostraram que os alunos apresentaram dificuldade em resolver problemas relativos à Análise Combinatória. As principais causas de fracasso se referem à confusão sobre a relevância da ordem, principalmente em problemas de combinação, a falta de organização em enumerar os dados sistematicamente, dúvidas na identificação da operação aritmética equivalente e interpretação incorreta do problema, quando este apresenta mais de uma etapa. A terceira dissertação, elaborada por Rocha (2002), analisou um processo de resolução de problemas de Análise Combinatória, também, baseado na aplicação do Princípio Fundamental da Contagem. Esta pesquisa apresentou uma abordagem qualitativa na forma de estudo de caso, e foi desenvolvida junto a alunos do Ensino Médio. A autora analisou a evolução do aprendizado dos alunos em relação à resolução de problemas de Análise Combinatória baseando-se nos pressupostos construtivistas. As atividades propostas visaram possibilitar aos alunos, por meio de princípios básicos de contagem, a resolução de problemas de Análise Combinatória, assim como, a compreensão dos conceitos de Arranjo, Permutação e Combinação a partir de problemas contextualizados no cotidiano. 6 Nesta perspectiva, a autora constatou a necessidade de negociação dos significados em sala de aula, a importância do papel mediador do professor, enquanto representante do conhecimento, e a função da linguagem na formação de conceitos de contagem. A quarta dissertação, elaborada por Costa (2003), objetivou investigar os instrumentos disponíveis para o professor de Matemática ensinar Análise Combinatória, no Ensino Fundamental, por processo de Modelagem. Propôs, também, pesquisar os conhecimentos desses professores sobre este objeto matemático. Para essa investigação, o autor optou em analisar os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática do Ensino Fundamental, a Proposta Curricular para o Ensino da Matemática do Estado de São Paulo – 1o grau, e duas coleções de livros didáticos adotados por professores da rede pública. Além disso, Costa aplicou e analisou dois questionários, um quantitativo e outro qualitativo. Estes questionários tinham o objetivo de investigar as concepções dos professores sobre o estudo de Análise Combinatória no Ensino Fundamental e analisar os saberes, desses professores, a respeito do objeto matemático em questão. Nessa dissertação o autor mostra que a situação do ensino brasileiro, especialmente no caso da Matemática é paradoxal, pois existem bons materiais de apoio: os parâmetros norteadores (PCN-EF), os livros didáticos e a proposta curricular estadual, no entanto, o professor não conhece os PCN-EF suficientemente e, ainda, o que é mais grave, não conhece o objeto matemático – Análise Combinatória – o suficiente para que possa ensiná- lo aos seus alunos, seja por meio da Modelagem ou não. Assim sendo, por meio dessas leituras, observei que três dessas dissertações abordam, efetivamente, a construção dos conceitos de Análise Combinatória pelos alunos, utilizando-se, para isso, processos “alternativos”. Saliento que os autores nomeiam e justificam esses processos como alternativos, pois abordam os conceitos de Análise Combinatória sem a utilização de fórmulas, ou seja, diferente das abordagens descritas, em grande parte dos livros didáticos por mim observado. Para isso, esses pesquisadores utilizam-se de diferentes práticas como: enumeração, árvore de possibilidades, tentativa e erro, contagem direta, desenhos e, também, do Princípio Fundamental da Contagem. Apenas uma dessas dissertações analisa as concepções dos professores frente ao ensino de Análise Combinatória, sendo que o autor opta em focar seus estudos em analisar os alunos e professores do Ensino Fundamental. 7 Diante do exposto, neste estudo, tenho a intenção de investigar o discurso dos professores do Ensino Médio em relação ao ensino dos conceitos de Análise Combinatória e suas relações com aqueles apresentados em textos de livros didáticos por eles utilizados. Problema de Pesquisa Diante do cenário descrito, no qual observamos professores apresentando lacunas em sua formação acadêmica, e desse modo, não tendo claro o papel da escola, os objetivos da aprendizagem e a razão dos conteúdos a serem trabalhados. O livro didático atuando como complemento na formação acadêmica do professor e apresentando-se como apoio na sua prática escolar. Os conceitos de análise combinatória sendo desenvolvidos de forma tecnicista, com a utilização de fórmulas e problemas estereotipados, os quais não favorecem o desenvolvimento do raciocínio combinatório. Conjecturamos que investigar as concepções dos professores, em relação ao ensino dos conceitos de análise combinatória é um fator pertinente e propício para entender os equívocos e problemas verificáveis nos alunos, que emergem em pesquisas acadêmicas relacionadas a esse tema. Portanto, nossa intenção é estudar, por meio de entrevistas semi-estruturadas, as concepções de professores do Ensino Médio, em relação aos conceitos de Análise Combinatória, e procurar relações de semelhanças e disparidades que possam existir, com relação a esses conceitos, expostos nos livrosdidáticos utilizados por esses professores. Com esses objetivos, estipulamos as seguintes questões de pesquisa: Quais concepções podem ser identificáveis, por meio do discurso de professores do Ensino Médio, em relação aos conceitos de Análise Combinatória? Tais concepções são influenciadas e/ou estão em acordo com o discurso institucional do livro didático utilizado/adotado pelo professor? Salientamos que nossa preocupação também está voltada para o processo de aprendizagem dos conceitos de Análise Combinatória, embora, isso, não seja foco desta pesquisa. Assim sendo, em admitindo a hipótese de que as concepções dos alunos sobre esses conceitos, já descritas em algumas pesquisas (Sturm, 1999), (Esteves, 2000), (Costa, 2003), são influenciadas e direcionadas pelas concepções dos professores, estaremos, assim, de alguma forma, identificando, também, as concepções dos alunos sobre o tema. 8 Fundamentos Teóricos e Procedimentos Metodológicos Neste trabalho de pesquisa pretendemos fazer um estudo de casos, analisando o discurso de professores. Para isso “lançaremos mão” de entrevistas semi-estruturadas, com o objetivo de buscar elementos para identificar as relações entre os conceitos de análise combinatória desenvolvidos em livros didáticos, e a concepção do professor em ensinar esses conceitos. Utilizaremos a Teoria Antropológica do Didático (TAD) de Yves Chevallard (1999, 2001) como ferramenta para desenvolver uma análise matemática e didática de livros didáticos utilizados/adotados pelos professores participantes da pesquisa. Teoria Antropológica do Didático – TAD A Teoria Antropológica do Didático representa uma importante contribuição para a Didática Matemática, pois fornece condições e subsídios teóricos que permite analisar como os conhecimentos matemáticos estão relacionados e como essas relações podem objetivar, efetivamente, a Transposição Didática1 dos conceitos matemáticos envolvidos. Chevallard afirma que a Teoria Antropológica do Didático (TAD) estuda o homem frente ao saber matemático, e mais especificamente, frente a situações matemáticas. O postulado básico da TAD é admitir que qualquer atividade humana possa ser descrita por um modelo único, que se resume pela palavra praxeologia. Analisando sob esta ótica, podemos observar o ato de ensinar e de aprender matemática como sendo, também, o resultado de atividades humanas, então, deste modo, segundo a Teoria Antropológica do Didático, podemos descrevê-lo por uma organização praxeológica, com o objetivo de analisar, estudar e explicitar de que forma essa ação se realiza. Segundo Chevallard (1999), uma organização praxeológica é formada por um conjunto de técnicas, tecnologias e teorias organizadas para um tipo de tarefas. A noção de tarefa está intimamente relacionada a um objetivo relativamente preciso, e deve ser expressa por meio de um verbo. Por exemplo, calcular o número de anagramas da palavra COMBINATÓRIA é uma tarefa, mas calcular, apenas, é o que se 1 “Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.” (CHEVALLARD, 1991, p.45). 9 pode nomear como gênero de tarefas. Uma praxeologia relativa a uma tarefa, ou a um gênero de tarefas, determina, também, uma maneira, ou caminho, de como realizá-la, esta “maneira de fazer” uma determinada tarefa é chamada, segundo Chevallard (1999) de técnica. Em princípio, uma praxeologia relativa a algum tipo de tarefa contém uma determinada técnica, essa combinação tarefa/técnica é denominada bloco saber/fazer. A fim de justificar o uso de uma determinada técnica em uma instituição, Chevallard (1997, 1999) desenvolve uma significação específica para o termo tecnologia. Segundo Chevallard, Bosch e Gascón, (1997, p. 125), Para que uma técnica possa ser utilizada de maneira normalizada, deve aparecer como algo ao mesmo tempo correto, compreensível e justificado. A existência de uma técnica supõe, também, a existência subjacente de um discurso interpretativo e justificativo da técnica para um âmbito de aplicabilidade e validade. Chamaremos a esse discurso sobre a técnica de uma tecnologia. (CHEVALLARD, BOSCH, GASCÓN, 2001, P. 125). Assim sendo, a tecnologia é um discurso racional, com o objetivo de justificar e demonstrar as técnicas utilizadas para uma determinada tarefa ou gênero de tarefas. O discurso racional utilizado varia no espaço institucional; deste modo, um discurso que possui uma racionalidade para uma determinada instituição poderá parecer pouco racional em outro espaço institucional. Assim sendo, a tecnologia tem a função de explicar, esclarecer e tornar inteligível as técnicas, isto é, expor por que a técnica escolhida tem êxito na forma como é desenvolvida. Toda tecnologia, por sua vez, precisa de uma justificativa, que se denomina Teoria da Técnica. O discurso tecnológico contém afirmações mais ou menos explícitas, e, deste modo, há a necessidade de descrever essa tecnologia com precisão e rigor, permitindo efetivamente uma formalização. Passa-se, assim, a um nível superior de justificação – explicação e produção, o nível da Teoria. Chevallard argumenta que: Em grego, theôria tem tomado a partir de Platão o sentido moderno de “especulação abstrata”. Porém, na origem, significa simplesmente a idéia de contemplação de um espetáculo – os theôros eram os espectadores que olhavam a ação sem participar. Disso, os enunciados teóricos aparecem frequentemente como “abstratos”, afastados das preocupações dos “simples” tecnólogos e técnicos. Este efeito de abstração é relativo ao que se baseia a grande generalidade dos enunciados teóricos – sua capacidade para justificar, para explicar, para produzir. (CHEVALLARD, 1999, p. 5).2 Assim sendo, segundo Chevallard, Bosch e Gascón, (1997), toda obra matemática é constituída como solução a algum tipo de tarefa problemática, desta problemática emana técnicas que permitem resolver esses problemas, tecnologias que justificam, através de um 2 Tradução nossa. 10 discurso racional, essas técnicas, e as teorias que fundamentam todo este processo tecnológico. Segundo Chevallard, Bosch e Gascón, (2001), Uma obra matemática surge sempre como resposta para uma questão ou para um conjunto de questões. Mas em que se materializa tal resposta? Em uma primeira aproximação, poderíamos dizer que a resposta matemática para uma questão se cristaliza em um conjunto organizado de objetos ligados entre si por diversas inter-relações, isto é, em uma organização matemática. Essa organização é o resultado final de uma atividade matemática que, como toda atividade humana, apresenta dois aspectos inseparáveis: a prática matemática ou “práxis”, que consta de tarefas e técnicas, e o discurso fundamentado ou “logos” sobre essa prática, que é constituída por tecnologias e teorias. (CHEVALLARD, BOSCH, GASCÓN, 2001, p. 275). Desta forma, nota-se, em princípio que, em torno de uma determinada tarefa, encontramos um tripé formado por uma técnica, uma tecnologia e uma teoria. Podemos observar uma organização praxeológica como uma organização matemática constituída por dois blocos: o bloco [prático/técnico] que constitui o saber fazer e o bloco [tecnológico/teórico] que constitui o saber. A fim de elucidar como a praxeologia permeia as organizações matemáticas, Chevallard, Bosch e Gascón (1997) afirmam que: Não é possível, nem para o matemático profissional nem para os alunos de uma série fundamental, atuar matematicamente com verdadeira eficácia sem entender o que está fazendo. Mas também não se pode entenderem profundidade uma organização matemática determinada se, simultaneamente, não for realizada uma prática matemática eficaz. Não há práxis sem logos, mas também não há logos sem práxis. Ao unir as duas faces da atividade matemática, obtemos a noção de praxeologia: para responder a um determinado tipo de questão matemática é necessário elaborar uma praxeologia matemática constituída por um tipo de problema determinado, uma ou várias técnicas, suas tecnologias e a teoria correspondente. (Chevallard, Bosch e Gascón, 1997, p.275). Portanto, podemos notar que não é possível para o matemático, o professor de matemática ou mesmo o aluno atuar matematicamente sem compreender o que está fazendo, por outro lado, não é possível entender uma organização matemática sem uma prática matemática eficaz. Então, não há práxis sem logos, como também, não há logos sem práxis. Assim, a noção de praxeologia é a união destas duas facetas da atividade matemática, ou seja, o fazer matemática, o bloco [prático/técnico] e o compreender matemática, o bloco [tecnológico/teórico]. Estudar uma problemática é determinar uma tarefa, ou um gênero de tarefas que conduzem a elaboração de uma organização praxeológica. “Porém, em um mundo ordinário da skholé, estudar uma questão é quase sempre recriar para si mesmo e seus 11 companheiros de estudo, uma organização praxeológica já produzida em qualquer outra instituição” (Chevallard, 1999). Segundo Chevallard, Bosch e Gascón (1997), Estudar é uma atividade fundamental, um processo vital. Existem muitas questões, grandes ou pequenas, que obrigam todos nós, periodicamente, a “voltar para a escola”, embora esta não tenha muros, nem professores! A escola, isto é, o que os gregos chamavam de skholé não é um mero parênteses no qual nos fecham durante a infância e a adolescência. É toda uma dimensão de nossa vida (Chevallard, Bosch e Gascón, 1997, p. 300). Analisando uma problemática sobre esta ótica, podemos conjecturar que, estudar uma obra ou estudar um conceito é, então, compreender uma resposta a um determinado problema, isto é, estudar um conceito já existente analisá-lo, reformulá-lo e transportá-lo ao habitat de estudo. O processo de estudar, analisar, reformular e transportar um conceito ao habitat de estudo, que poderá ser a sala de aula ou qualquer outro ambiente de estudo, é o papel intrínseco do professor. Então, torna-se necessário e imprescindível que o professor aproprie-se do conhecimento matemático, observe os conceitos como uma organização praxeológica na qual o desenvolvimento do conhecimento matemático está permeado pelos blocos [prático/técnico], o fazer matemática e o bloco [tecnológico – teórico], o compreender matemática. Assim sendo, ao analisar e estudar uma obra matemática está, simultaneamente, analisando a organização matemática na qual a obra está embasada, mas também se está observando técnicas didáticas que organizam estas obras matemáticas. Neste caso, entende-se por didático o que é relativo ao estudo da matemática, portanto, por essa perspectiva podemos observar que o limiar entre o matemático e o didático é muito “íntimo” e impreciso. Para finalizar, podemos caracterizar que as organizações matemáticas e didáticas permeiam a prática docente do professor. Então, analisar as Organizações Praxeológicas dos livros didáticos poderá sugerir como se dá o “fazer entender e aprender” matemática no meio escolar. Recursão, Indução Matemática e o Raciocínio Combinatório Pesquisas acadêmicas, Sturm (1999), Esteves (2001), Rocha (2002), sugerem e abordam a construção dos conceitos de Análise Combinatória utilizando-se de práticas como: enumeração, árvore de possibilidades, tentativa e erro, contagem direta, desenhos, 12 como também, o Princípio Fundamental da Contagem3 (PFC). Diante deste cenário notamos que a Árvore de Possibilidade e o Princípio Multiplicativo ou Princípio Fundamental da Contagem caracterizam-se como elementos fundamentais na construção dos conceitos de contagem. Esteves (2001), em sua dissertação de mestrado afirma que: Para o conteúdo Análise Combinatória, quando não reforçamos a fórmula, acreditamos que estamos valorizando o uso da árvore de possibilidade, do método de tentativa e erro, do desenho e do princípio fundamental da contagem para um melhor desenvolvimento do raciocínio combinatório. Assim, a fórmula no papel deixa de ser apenas uma ferramenta para desenvolver os problemas de maneira mais econômica. (ESTEVES, 2001, p.13) Por essa ótica, as fórmulas relacionadas ao ensino de análise combinatória deixam de ser o cerne das aulas de contagem apresentando-se, desse modo, como o produto do estudo e da compreensão dos conceitos construídos nas aulas de matemática. Além das pesquisas acadêmicas, encontramos orientações semelhantes nos PCNEM. Essas orientações conduzem a observar o ensino de análise combinatória não somente como uma rotina atrelada a uma aplicabilidade de fórmulas, mas sim, focalizando- o como um processo permeado por resoluções de problemas, que objetiva o desenvolvimento do raciocínio combinatório. Assim, segundo os PCNEM, temos: A Contagem, ao mesmo tempo em que possibilita uma abordagem mais completa da probabilidade por si só, permite também o desenvolvimento de uma nova forma de pensar em Matemática denominada raciocínio combinatório (PCNEM, 126) As fórmulas devem ser conseqüência do raciocínio combinatório desenvolvido frente à resolução de problemas diversos e devem ter a função de simplificar cálculos quando a quantidade de dados é muito grande. Esses conteúdos devem ter maior espaço e empenho de trabalho no ensino médio, mantendo de perto a perspectiva da resolução de problemas aplicados para se evitar a teorização excessiva e estéril. Espera-se que assim o aluno possa se orientar frente a informações de natureza estatística ou probabilística. (PCNEM, p127) Vale salientar que pesquisas acadêmicas, como também os PCN, valorizam uma “abordagem informal”, dos conceitos de análise combinatória, desde os primeiros anos da 3 Enunciado do Princípio Multiplicativo: Se um acontecimento A pode ocorrer de m maneiras diferentes e se, para cada uma das m maneiras possíveis de ocorrências de A, um segundo acontecimento pode ocorrer de n maneiras diferentes, então, o número de maneiras de ocorrer o acontecimento A seguido do acontecimento B é m ⋅ n. (BACHX et all, p.3, 1975). 13 escola básica. “Abordagem informal”, nesta situação, caracteriza-se pela utilização de desenhos, enumeração das soluções, construção da árvore de possibilidade, como também, a utilização do princípio fundamental da contagem – neste caso como um processo multiplicativo elementar – em situações problemas simples, que envolvem um número pequeno de possibilidades. Com relação à construção dos conceitos de análise combinatória, temos a premissa que a utilização do diagrama de árvores de possibilidade e a valorização do uso do Princípio Fundamental da Contagem, na resolução de problemas, sejam, de fato, caminhos propícios para desenvolver o raciocínio combinatório. Por outro lado, observamos que procedimentos recursivos são inerentes ao processo da construção da árvore de possibilidade, como também, estão presentes no enunciado e na utilização do Princípio Fundamental da Contagem. De fato, no caso da árvore de possibilidade podemos observar que para construir os “ramos” posteriores necessitamos das estruturas dos “ramos” antecedentes, ou seja, o procedimento de construção se repete no processo de formação da árvore. Contudo, analisando o Princípio Fundamental da Contagem, também podemos observar a recursividade. A recursividade se faz presente no ato de identificar o número de possibilidade de cada “etapa”, ou seja, a análise das possibilidades de uma determinada “etapa” se repete naanálise das possibilidades da “etapa” posterior. Assim sendo, defendemos a idéia de que o processo recursivo é um elemento inerente no desenvolvimento do raciocínio combinatório como, também, na construção dos conceitos de análise combinatória. Segundo Batanero (1996), um processo é recursivo quando a definição do procedimento contém uma versão de si mesmo como um subprocedimento. Por exemplo, o algoritmo de Euclides para o cálculo do máximo divisor comum ( )mdc de dois números inteiros, pode ser caracterizado como recursivo. Neste algoritmo podemos observar uma sucessão de divisões que se repetem até o momento em que se determina o mdc dos dois números inteiros dados. Para exemplificar e ilustrar este algoritmo, vamos analisar o cálculo do ( )1128,336mdc 4: 4 Exemplo retirado do livro “Número Uma Introdução à Matemática” de César Polcino Milies e Sônia Pitta Coelho, p.72. 14 3 2 1 4 1128 336 120 96 24 120 96 24 0 Observando as sucessivas divisões que compõem o exemplo acima podemos notar um processo recursivo. De fato, o resto da divisão de 1128 por 336, que é igual a 120, tornar-se-á o divisor da divisão subseqüente, ou seja, da divisão de 336 por 120. Esse processo se repetirá até o momento em que se encontre um resto igual a zero, determinando, assim, o máximo divisor comum dos dois números dados. Neste exemplo, teremos que: ( )1128,336 24=mdc . Nota-se, assim, que a recursividade é característica deste algoritmo, ou seja, podemos identificar que existe um procedimento que contém uma versão de si mesmo como subprocedimento. Nesta situação, este subprocedimento pode ser reconhecido como as sucessivas divisões que compõem o algoritmo. Não é apenas em procedimentos algoritmizados que podemos observar, na matemática, processos recursivos. Algumas definições, também, “lançam mão” desse recurso. A fim de exemplificar esse fato, vamos observar a definição de potência de um número real com expoentes naturais. 1 1 se 0 se 0− =⎧ = ⎨ ⋅ >⎩ n n n a a a n Observando a definição de potencia, podemos notar, de forma clara, a presença do processo recursivo, pois, para calcular o valor de na torna-se necessário conhecer, anteriormente, o valor de 1−na . Com o intuito de familiarizar os alunos do Ensino Médio com relação à aprendizagem de processos recursivos, Sturm (1999, apud KENNEY E BEZUSZKA 1993) afirma, por exemplo, que uma boa ocasião para começar a usar relações de recorrência seria na definição de fatorial. Observemos: ( ) 1 se 0 ! 1 ! se 0 =⎧⎪= ⎨ ⋅ − >⎪⎩ n n n n n n N∈ Nesta definição podemos, novamente, notar que o processo recursivo se faz presente, pois para calcular !n é necessário conhecer, de antemão, o valor de ( )1 !−n Não devemos esquecer, também, que o processo de recursão ocorre nas demonstrações por indução completa. No epílogo do livro “Método de Indução 15 Matemática” de Sominski (1996), Yu. A. Gástev descreve, em termos gerais, a indução, como a passagem do particular para o geral, assim sendo ele descreve: Em geral, toda construção matemática (ou lógica) que consiste na passagem de um ou vários objetos iniciais novos, mediante uma ou várias operações de passagem, pode ser considerada como o fundamento do método correspondente “indutivo” de definição ou demonstração. (SOMINSKI, 1996, p. 62). Portanto, Gástev mostra-nos que para estabelecer a validade de um teorema ou resultado matemático que se mostra verdadeiro para um grande número de observações de casos particulares, é necessário “lançar mão” do Método da Indução Finita ou Método da Indução Completa. Peirce concorda com essa abordagem em relação ao raciocínio indutivo. Segundo Peirce (1975) apud Marcos e Dias (2005), a indução pode ser entendida como o processo de observar casos particulares com o objetivo de inferir generalizações verdadeiras para um resultado determinado. Assim sendo, Peirce afirma: O raciocínio indutivo, ou sintético, é mais do que a mera aplicação de uma regra geral a um caso particular. Parte de uma premissa menor para uma maior. A indução é a inferência de uma regra a partir do caso e do resultado. Sendo assim, ela ocorre quando generalizamos a partir de certo número de casos em que algo é verdadeiro e inferimos que a mesma coisa será verdadeira do total da classe. (DIAS e MARCOS, 2005, p. 5). Com o objetivo de exemplificar e ilustrar a necessidade da utilização do método da indução completa, a fim de, deduzir e determinar um específico resultado matemático, analisaremos o comportamento da função: ( ) 2 41= − +f n n n com ∈Ζn 5. Se calcularmos ( )1f , ( )2f , ( )3f ,..., ( )40f verificaremos que todos os resultados obtidos são números primos. Contudo, a partir dessas observações particulares não podemos afirmar, com certeza, que essa função seja geradora de números primos. De fato, observando o caso no qual, 41=n teremos: ( ) ( )2 241 41 41 41 41 41= − + ⇒ =f f , ou seja, um número não primo. Esse exemplo ilustra, de forma simples e clara, que resultados particulares não evidenciam a generalização de um resultado ou de um teorema matemático. 5 Exemplo retirado do livro “Número Uma Introdução à Matemática” de César Polcino Milies e Sônia Pitta Coelho, p.25. 16 Assim sendo, esse exemplo nos mostra e ilustra o que Gástev e Peirce afirmam, ou seja, que observações de casos particulares não garantem, com certeza, um resultado matemático. Para concluirmos que um resultado matemático é verdadeiro, a partir de situações particulares, necessitamos demonstrá-lo empregando, para isso, o Princípio da Indução Completa. Segundo Lorenzo (1974, apud BATANERO 1996), por meio da indução completa é possível construir conceitos e demonstrar propriedades de natureza nova e geral a partir de uma síntese criadora de elementos mais concretos. O autor sintetiza esse processo a partir de três componentes: Esse raciocínio é resultado, em síntese, de três componentes: • O passo básico: verificação analítica de uma propriedade para '1'n = • O passo indutivo: verificação analítica de que tal proposição do teorema é válida para um número qualquer, então é válido para a seguinte. • A conclusão correta: a proposição do teorema vale para todos os números. (BATANERO, 1996, p. 63). Com relação ao método da indução completa, essa autora ainda ressalta que dada uma propriedade, é necessário, previamente, sua identificação a partir de casos particulares, mediante um processo empírico indutivo, no qual as conclusões serão mais amplas que as premissas. A autora descreve que: A fase da busca de hipótese de recorrência tem um caráter psicológico, e está caracterizado pelo processo de ensaio e erro, pela analogia, pela idéia feliz,..., similarmente ao trabalho científico das ciências empíricas. Porém a validade da hipótese é um processo dedutivo de demonstração. (BATANERO, 1996, p. 63). Ainda, no epílogo do livro “Método de Indução Matemática” de Sominski (1996), Gástev salienta a importância de notar que a indução matemática é um método dedutivo, isto é, um método de argumentação puramente dedutivo. O autor argumenta: O “princípio da indução matemática” é uma proposição precisa [...] que permite obter, a partir da base6 e do passo indutivo, uma demonstração puramente dedutiva da proposição para todos os números naturais n. [...] Desse modo o problema pode ser aplicado para qualquer número natural. (SOMINSKI, 1996, p. 59). Seguindo esse raciocínio, Gástev prossegue: 6 O autor considera base como sendo a validade da proposição para um determinado número natural, ou vários números naturais. 17 Em outras palavras, o nome “indução matemática” deve-se simplesmente ao fato de que se associa em nossa consciência com as argumentações“indutivas” tradicionais [...]; mas o passo indutivo, contrariamente aos critérios baseados na experiência de verossimilhança dos argumentos indutivos das ciências naturais (e sociais), é uma proposição geral que não necessita de nenhuma hipótese particular e é demonstrado segundo os rigorosos cânones dos argumentos dedutivos. É por isso que a “indução” matemática é denominada também “completa” ou “perfeita”, já que [...] é um método [...] de demonstração. (SOMINSKI, 1996, p. 59-60). Com relação às dificuldades apresentadas pelos alunos na resolução de problemas envolvendo arranjo e permutação Batanero (1996) afirma que, possivelmente, a chave para as dificuldades e o lento desenvolvimento espontâneo da capacidade de realização de operações combinatórias, por parte dos sujeitos, se deve, também, a uma relação inadequada e insuficiente com a recursão e a indução matemática. Vale destacar que o desenvolvimento curricular proposto em diversos países, e particularmente no Brasil, não estabelece mesmo uma relação entre a recursão e a indução com as operações combinatórias, sendo estes conteúdos desenvolvidos independentemente um do outro. Essas dificuldades apontadas por Batanero com relação a problemas associados aos conceitos de arranjo e permutação, também são pontuados por Esteves (2001), que analisou, em sua dissertação de mestrado, alguns problemas de análise combinatória envolvendo processos recursivos, e ressalta: Ao analisar as concepções apresentadas pelos alunos, [...] pudemos classificar algumas que dificultaram a aprendizagem do conteúdo análise combinatória. [...] A falta de um procedimento recursivo que os levasse à formulação de todas as possibilidades. Isto acontecia quando os alunos resolviam problemas por enumeração, mediante tentativa e erro, principalmente nos casos em que a formação de todas as possibilidades se tornava exaustivo. (ESTEVES, 2001, p.190) Assim sendo, observando os resultados obtidos na pesquisa citada, podemos notar que a dificuldade em entender e operacionalizar processos recursivos impossibilitou alguns alunos a resolver problemas combinatórios. Vale notar, também, que a autora descreve que esses problemas de contagem, envolviam um número elevado de possibilidades, e esse fato tornou o processo de enumeração extenso e exaustivo. Nessa situação, o processo recursivo “contornaria” o elevado número de possibilidades de resposta para o problema, sendo assim, uma possível opção de “caminho de resolução” que o aluno poderia utilizar. 18 Esteves (2001), também salienta em sua pesquisa a dificuldade apresentada pelos alunos na construção e utilização do diagrama de árvores na resolução de problemas combinatórios. O diagrama de árvores pode ser caracterizado, também, como um processo recursivo. Segundo Batanero (1996), o diagrama de árvores, como recurso na resolução de problemas, tem um caráter recursivo, pois, uma árvore com n níveis de ramificações se forma a partir de outra árvore com 1−n níveis de ramificações. Com relação a problemas combinatórios que envolvem o raciocínio recursivo, Batanero (1996) descreve que: Nas atividades de resolução de problemas combinatórios que envolvem arranjo e permutação de um número finito e fixo de elementos, pode-se identificar os seguintes aspectos: • Formação das configurações para valores pequenos. • Descrição dos processos de formação de todas as configurações. • Demonstração lógica, mas não formal, de que o processo descrito garanta que não falte nenhuma das possíveis configurações. (BATANERO, 1996, p. 65). Batanero (2006) pontua, também, que nas resoluções de problemas que envolvem permutação e arranjo, é possível, geralmente, analisar o problema a partir da formação de processos pequenos, com o objetivo de configurar o problema para processos com um número mais elevado de elementos. Defendemos a hipótese de que esse é um recurso didático bastante importante e acessível aos alunos, permitindo-lhes desenvolver um processo recursivo e dedutivo a fim de resolver situações problemas mais complexas. Entretanto, essa autora salienta que o processo recursivo não é o único componente na resolução de problemas combinatórios, mesmo sendo uma das principais características nos problemas de enumeração e contagem. Desse modo, ela pontua que para analisar as dificuldades encontradas pelos alunos na resolução de problemas de combinatória é necessário, também, identificar os diferentes tipos de problemas combinatórios, como também, analisar os efeitos das instruções recebidas pelos alunos. Observando algumas definições matemáticas, alguns processos de resolução de problemas e certos tipos de demonstrações – demonstrações que envolvem o Método da Indução Completa – notamos que a recursividade se faz presente em muitos temas da matemática, inclusive alguns abordados na escola básica. Pesquisas em Educação Matemática evidenciam, também, que o processo recursivo pode ser identificado como um dos fatores característico no desenvolvimento do raciocínio 19 combinatório. Neste contexto, acreditamos que abordar situações problemas que envolvam processos recursivos desde os primeiros anos da escola básica é valoroso a fim de desenvolver o raciocínio combinatório. Por outro lado, temos a convicção de que estudar e construir os conceitos de análise combinatória é, também, construir conceitos algébricos, ou seja, utilizar-se de uma linguagem própria e de processos algébricos específicos com o objetivo de resolver problemas que envolvem processos de contagem. Assim sendo, analisar como se desenvolve o raciocínio combinatório é, também, analisar e identificar como se desenvolve o raciocínio algébrico. Acreditamos que abordar problemas recursivos, problemas de contagem e problemas que envolvem o raciocínio e a linguagem algébrica, desde a escola básica, são de fundamental importância para desenvolver o raciocínio combinatório. Vale lembrar, como citado por Batanero (1996), que esses não são os únicos componentes na construção dos conceitos de contagem, mas são características fundamentais para compreender fatores que influenciam o desenvolvimento do raciocínio combinatório. Referências BACHX, A. de C.; POPPE, L. M. B.; TAVARES, R. N. O. Prelúdio à Análise Combinatória, São Paulo: Editora Nacional, 1975. BATANERO, C.; NAVARRO – PELAYO, V; GODINO, J. D. Razonamiento Combinatorio en alumnos de secundaria. In: Educación Matemática, vol. 8, nº1. Grupo Editorial Ibero América, 1996. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica. 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