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ANAIS DO III SEMINÁRIO INTERNACIONAL GÊNERO, SEXUALIDADE E MÍDIA 2015 [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 Coordenação Geral Prof. Dr.ª Larissa Pelúcio (UNESP/Bauru) Prof. Dr. Richard Miskolci (UFSCar) Comitê Científico • Larissa Pelúcio (Unesp-Bauru) • Richard Miskolci (UFSCar) • Berenice Bento (UFRN) • Leandro Colling (UFBA) • Paula Sibilia (UFF) • Miriam Aldelman (UFPR) • Pedro Paulo Pereira (UNIFESP) © A reprodução na íntegra ou em parte é permitida, desde que citados os créditos. [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 SESSÕES DE COMUNICAÇÃO ORAL Sessão 1 - Conexões de gênero, sexualidade e mídias digitais Sessão 2 - Ciberativismos e questões de gênero Sessão 3 - Tecnologias e Intimidades Sessão 4 - Movimentos Sociais, Gênero e Culturas Digitais Sessão 5 - Raça, etnia e mídias Sessão 6 - Mídias digitais e novas subjetividades SESSÃO TEMÁTICA 1 CONEXÕES DE GÊNERO, SEXUALIDADE E MÍDIAS 1. “Transversus: um panorama da transexualidade em reportagem 360º” - MORA, Ana Carolina; LABORÃO, Virggínia; ASSIS, Maurício; PINCINATO, Gabriela; DE SORDI, Marina. 2. “#SomosTodosVerônica”? – FALEIROS, Juliana Leme; BRASIL, Patricia Cristina. 3. “Comunicar no jornalismo: a dissonância na reportagem multimídia “transgêneros”, do TAB” - ITO, Liliane de Lucena 4. “A jornalista esportiva em jogo: a produção de sentido sobre a apresentadora Renata Fan em comentários no Facebook” – LOPES, Mariana Ferreira; DORIGON, Bruna Tamanini. 5. “A Transexualidade nos Grupos Virtuais do Facebook” - PONTES, Júlia Clara de; SILVA, Cristiane Gonçalves da. 6. “Namorada sinistra: gênero e ciúme no Facebook” - UNGER, Lynna Gabriella Silva; SANTOS, Flaviane Viera; OLIVEIRA, Francis Fonseca; SANTANA, Valéria Santos; SANTOS, Claudiene. 7. “Espaços e convergências nas representações midiáticas femininas” - BUENO, Noemi Correa; MARQUES, José Carlos. [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 8. “Narrativas transviadas: reportagens em livros Sobre gêneros e sexualidades dissidentes” - GONÇALVES, Gean Oliveira. 9. “Ambientes Digitais e relações de gênero – Uma análise do Museu da Pessoa” – LANDIM, Lais Alpe. 10. “Fotografias de corpos femininos: o caso Marianna Lively” - BOROSKI, Marcia. 11. “O tabu como formador de identidade: uma análise de documentários e filmes relacionados a formação da sexualidade e gênero” – MARTINS, Hellen Damas; JUNQUEIRA, Lilian Cláudia Ulian. 12. “(As)sexualidade(s): intersecção no mundo virtual e no real” - TODO, Gabriela Alves Martins Guimarães Lyrio. 13. “Diversidade de Gênero nas Organizações: Novas Perspectivas em Estratégias de Comunicação para o Reconhecimento de Grupos LGBTs nas Empresas Vigor e Carrefour” - SOARES, Karen Greco. 14. Todas putas? Sobre feminismos e sala de aula na escola da Fundação Casa Feminina. FALCHI, Cinthia Alves SESSÃO TEMÁTICA 2 CIBERATIVISMOS E QUESTÕES DE GÊNERO 1. Torcidas livres e queer em campo: sexualidade e novas práticas discursivas no futebol – PINTO, Maurício Rodrigues; ALMEIDA, Marco Antônio Bettine. 2. Feminismo Negro e Interseccional: práticas e discursos sobre raça, gênero e sexualidade nas redes sociais – RIOS, Flávia Mateus; MACIEL, Regimeire Oliveira 3. As (re)existências de mulheres brasileiras imigrantes em Portugal via mídias digitais: um estudo exploratório – ROSSI, Jéssica de Cássia [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 4. Mídias rizomáticas, controvérsias e ativismos: resistências e politizações – MORELLI, Fábio; SOUZA, Leonardo Lemos de 5. Ciberespaço e a Coletiva Marcha das Vadias Sampa – FERREIRA, Juliana Cristina da Silva 6. A qualidade da informação sobre políticas públicas de combate à violência doméstica no portal da Secretaria de Políticas para as Mulheres – GIORGI, Bruna Silvestre Innocenti 7. Uma questão de gênero: ofensas direcionadas à presidenta Dilma Rousseff nos comentários da página da Folha de S. Paulo no Facebook – STOCKER, Pâmela 8. Travestis em situação de rua e a segregação aos bens sociais dentre eles as tecnologias digitais – SANTOS, Robson silva SESSÃO TEMÁTICA 3 TECNOLOGIAS E INTIMIDADES 1. A influência da mídia nas relações de gênero e costume nas Assembleias de Deus. COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. 2. Treinadores Pokémon e Machos Alpha: masculinidades do abjeto ao venerável. CAMPOS, Myatã Sanches Pedrini. 3. Pornografia de vingança e pornografia sem consentimento: uma análise. BARQUETTE, Rachel Gomes. 4. A exposição da intimidade: consentimento e vulnerabilidade na era das redes sociais – caso Revista TPM. SILVEIRA, Daniella Orsi da; BELELLI, Iara Aparecida 5. Desejos comodificados: dos classificados aos perfis nos aplicativos na busca por parceiros do mesmo sexo. FERREIRA, João Paulo; MISKOLCI, Richard. [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 SESSÃO 4 MOVIMENTOS SOCIAIS, GÊNERO E CULTURAS DIGITAIS 1. Ativismo digital e a proteção e promoção dos direitos das mulheres no Brasil. BONVICINO , Mariana Torelly R. 2. "A Joanna sou eu, mas a casa é nossa": a emergência de um locus midiático colaborativo feminista. TEIXEIRA, Thainá Battestini; BURIGO, Joanna; DELAJUSTINE, Ana Claudia; BURIGO, Beatriz Demboski; AZEVEDO, Debora. 3. NTICs e Revenge Porn: Pode a tecnologia ser instrumento de emancipação e de promoção dos direitos humanos das mulheres? FAZIO; Luísa Helena Marques de. 4. Viralizou: Redes digitais e ação política para os estudos de gênero e a educação. AZEVEDO, Lílian Henrique de. 5. Ondas diferenciais para otrxs inadequadxs: experiências radiofônicas feministas e sociedaderede. MENDES, Júlia Araújo. 6. A “cura gay” em revista: Formulação e circulação de discursos em Veja e Júnior. CAMPO, Amanda; ORMANEZE, Fabiano. 7. A Primavera dos Direitos das Mulheres Árabes. PEREIRA JÚNIOR, Cláudio Aparecido [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 SESSÃO 5 RAÇA, ETNIA E MÍDIAS 1. O Feminismo Negro em Rede: reflexões sobre o site blogueiras negras enquanto prática de empoderamento. OLIVEIRA, Laila Thaíse Batista de 2. A mulher negra na mídia televisiva brasileira. Venâncio, Karen. 3. Diversidade étnica em painéis externos de midia de escolas no município de Marília (2014): Ausências e presenças. SILVA, Cláudio Rodrigues SESSÃO 6 MÍDIAS DIGITAIS E NOVAS SUBJETIVIDADES 1. As damas do prazer: relações sociais de sexo no cinema da boca do lixo paulistana. ALMEIDA, Ricardo Normanha R. de. 2. Fábrica de Monstros: corpo e gênero tratados na rede virtual. DARCIE, Marina; DORIA, Aline; COSTA, Cauê; BROSENS, Thiago 3. Entre a perversão e o estereótipo dos gêneros no filme “Macho, fêmea e cia – a vida erótica de Caim e Abel”. AMARAL, Muriel Emídio Pessoa do 4. A dominação masculina e representação feminina no judô a partir da análise dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. FIRMINO, Carolina Bortoleto 5. Psicanálise, educação sexual e novas tecnologias digitais. RODRIGUES, Gelberton Vieira [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 6. A representação das masculinidades (policiais) militares nas mídias: a evidente falta de Críticas. GONÇALVES, Arthur Rocha. 7. Aborto em caso de abuso sexual infantil: uma análise de reportagens brasileiras e chilenas. SOUZA, Marcelle C. de 8. Gênero, cultura popular e fãs: a emergência de um campo de estudos no Brasil. CASTILHO, Fernanda 9. Imagens da aids em The Normal Heart e Clube de Compras Dallas. SILVA, Pedro Paulo 10. Frescáh no Círio: escracho e resistência ao fundamentalismo religioso noclipe de Leona Vingativa. BARBOSA, Mônica 11. O MURO DOS FREAKS – Capitalismo, inclusão e a “quebra” do self-made man. GAVÉRIO, Marco Aurélio. 12. A Propaganda de Perfume como Ilustração do Imaginário da Subjetividade Contemporânea. PÉRA, Beatriz C, S; CAMPOS, Érico B.V. [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 PROGRAMAÇÃO PRIMEIRO DIA - 04 DE NOVEMBRO DE 2015 17h00 Credenciamento e entrega do material 18h30 Mesa abertura: Diretores FAAC, Chefia CHU, Organizadores evento Local: Auditório Adriana Chaves 19h00 Mesa-redonda: Tecnologias e intimidades Profa. Dra. Iara Beleli (Pagu – Unicamp) Prof. Ms. Felipe Padilha (PPGS – UFSCAR) Debatedor: Prof. Dr. Richard Miskolci (UFSCar) Local: Auditório Adriana Chaves 21h00 Lançamentos de livros e performance artística com Glamour Garcia Local: Hall da FAAC SEGUNDO DIA - 05 DE NOVEMBRO DE 2015 09h00 - 12h00 Sessões de Apresentação de Trabalhos: Sessão 1 - Conexões de gênero, sexualidade e mídias – Juliana Jardim Local: Sala 77 Sessão 2 - Ciberativismos e questões de gênero – Késia Maximiano Local: Sala: 79 Sessão 3 - Tecnologias e Intimidades – Keith Diego Kurashige e Felipe Padilha Local: Sala 73 Sessão 4 - Movimentos Sociais, Gênero e Culturas Digitais – Marcela Pastana Local: Sala 75 Sessão 5 - Raça, etnia e mídias – Alexandre Eleotério Local: Sala 82 Sessão 6 - Mídias digitais e novas subjetividades – Fernando Balieiro e Tom Rodrigues Local: Sala 76 [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 14h30 - 17h30 MINICURSOS Minicurso 1: Feminismos e negritudes nas mídias digitais Local: Sala 77 Coordenadora: Aline Ramos Minicurso 2: Pornografia, pós-pornografias: política, gênero e representação Local: Sala 74 Coordenador: Prof. Dr. Jorge Leite Jr. (UFSCar) Minicurso 3: Metodologias de pesquisa em mídias digitais Local: Sala 72 Coordenadora: Profa. Dra. Juliana do Prado (UEMS) Minicurso 4: Subjetividades e Diferenças nas Mídias Local: Sala 70 Coordenadora: Profa. Dra. Simone Ávila (UFSC) 15h00 - 16h30 Sessão cine queer: Além das Sete Cores Debate com a diretora Camila Biau (Brodagem Filmes) e Daniela Garcia (performer protagonista do documentário) Local: Sala 83 18h00 Performance: Tigrela Daniela Glamour Local: Auditório Adriana Chaves 19h00 Mesa-redonda: Mídias e gêneros - Vozes dissonantes Profa. Dra. Heloísa Buarque de Almeida (USP) Prof. Dr. Fernando de Figueiredo Balieiro (UF Pelotas) Debatedora: Iara Beleli (Pagu – Unicamp) Local: Auditório Adriana Chaves 21h00 Programação Cultural: Performopalestra Helena Vadia Pâmella Villanova Local: Hall da Graduação [Digite texto] ISBN: 978-85-98176-73-4 TERCEIRO DIA - 06 DE NOVEMBRO DE 2015 09h00 - 12h00 Sessões de Apresentação de Trabalhos: Sessão 1 - Conexões de gênero, sexualidade e mídias – Juliana Jardim Local: Sala 77 Sessão 4 - Movimentos Sociais, Gênero e Culturas Digitais – Marcela Pastana Local: Sala 75 Sessão 6 - Mídias digitais e novas subjetividades – Fernando Balieiro e Tom Rodrigues Local: Sala 76 14h30 Mesa-redonda: Ciberativismo e políticas da diferença Prof. Dr. Mário Carvalho (UERJ) Doutoranda Amara Moira (Unicamp) Debatedor: Larissa Pelúcio (UNESP) Local: Auditório Educação Física 16h00 – 18h30 Projeção: Folia - a micropolítica da felicidade escancarada Ana Ferri e Olivia Pavani Local: sala de dança da Praça da Educação Física 17h30 Projeção: Curta - Todo Mundo Nasce Nu Gabriel Pereira e Rafael Bizzarro – discussão com o diretor e com Amara Moira Local: Auditório Educação Física 18h30 Mesa-redonda: Mídias e Transformações Sociais Prof. Dr. Emile Devereaux (University of Sussex) Profa. Dra. Karla Bessa (Unicamp) Debatedora: Profa. Dra. Heloísa Buarque de Almeida (USP) Local: Auditório Educação Física III SEMINÁRIO INTERNACIONAL GÊNERO, SEXUALIDADE E MÍDIA SESSÃO 1 Conexões de gênero, sexualidade e mídias AUTOR / CO-AUTORES TÍTULO MORA, ANA CAROLINA; LABORÃO, VIRGGÍNIA TRANSVERSUS: UM PANORAMA DA TRANSEXUALIDADE EM REPORTAGEM 360º JULIANA LEME FALEIROS; PATRÍCIA CRISTINA BRASIL #SOMOSTODOSVERÔNICA? LILIANE DE LUCENA ITO COMUNICAR NO JORNALISMO: A DISSONÂNCIA NA REPORTAGEM MULTIMÍDIA “TRANSGÊNEROS”, DO TAB MARIANA FERREIRA LOPES; BRUNA TAMANINI DORIGON A JORNALISTA ESPORTIVA EM JOGO: A PRODUÇÃO DE SENTIDO SOBRE A APRESENTADORA RENATA FAN EM COMENTÁRIOS NO FACEBOOK JÚLIA CLARA DE PONTES; CRISTIANE GONÇALVES DA SILVA A TRANSEXUALIDADE NOS GRUPOS VIRTUAIS DO FACEBOOK LYNNA GABRIELLA SILVA UNGER; FLAVIANE VIERA SANTOS; FRANCIS FONSECA OLIVEIRA; VALÉRIA SANTOS SANTANA; CLAUDIENE SANTOS NAMORADA SINISTRA: GÊNERO E CIÚME NO FACEBOOK NOEMI CORREA BUENO ESPAÇOS E CONVERGÊNCIAS NAS REPRESENTAÇÕES MIDIÁTICAS FEMININAS AUTOR / CO-AUTORES TÍTULO GEAN OLIVEIRA GONÇALVES NARRATIVAS TRANSVIADAS: REPORTAGENS EM LIVROS SOBRE GÊNEROS E SEXUALIDADES DISSIDENTES LAÍS ALPI LANDIM AMBIENTES DIGITAIS E RELAÇÕES DE GÊNERO – UMA ANÁLISE DO MUSEU DA PESSOA MARCIA BOROSKI FOTOGRAFIAS DE CORPOS FEMININOS: O CASO MARIANNA LIVELY HELLEN DAMAS MARTINS; LILIAN CLÁUDIA ULIAN JUNQUEIRA O TABU COMO FORMADOR DE IDENTIDADE: UMA ANÁLISE DE DOCUMENTÁRIOS E FILMES RELACIONADOS A FORMAÇÃO DA SEXUALIDADE E GÊNERO GABRIELA ALVES MARTINS GUIMARÃES LYRIO TODO (AS)SEXUALIDADE(S): INTERSECÇÃO NO MUNDO VIRTUAL E NO REAL KAREN GRECO SOARES DIVERSIDADE DE GÊNERO NAS ORGANIZAÇÕES: NOVAS PERSPECTIVAS EM ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE GRUPOS LGBTS NAS EMPRESAS VIGOR E CARREFOUR CINTHIA ALVES FALCHI TODAS PUTAS? SOBRE FEMINISMOS E SALA DE AULA NA ESCOLA DA FUNDAÇÃO CASA FEMININA TRANSVERSUS: UM PANORAMA DA TRANSEXUALIDADE EM REPORTAGEM 360º MORA, Ana Carolina LABORÃO, Virggínia ASSIS, Maurício PINCINATO, Gabriela DE SORDI, Marina Artigo para o III Seminário Internacional Gênero, Sexualidade e Mídia: do pessoal ao Político – Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo, Campinas, 2015. O trabalho Transversus tem como proposta problematizar a classificação de “transtornos de identidade de gênero”, categoria estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sendo assim, o pano de fundo que perpassa o projeto, bem como o seu principal gancho de atualidade é a “patologização” da condição de transgênero, e, por consequência, os desdobramentos sociais, culturais e jurídicos desse panorama. Para explorar com a abrangência e profundidade que o tema indubitavelmente exige e, além disso, para se estabelecer um fazer jornalístico sob uma perspectiva estética e interativa, a modalidade escolhida foi a multimídia, especificamente o gênero de reportagem 360°. Em suma, o Transversus busca problematizar e expor jornalisticamente as histórias de vida e os obstáculos em diversas esferas dos transgêneros, a fim de que se traga publicamente o que circunda essa temática, ou seja, aquilo que na academia é explorado cuidadosamente e de maneira profunda, mas que ao consciente coletivo permanece um tanto esquecido, por trás de preconceitos e receios advindos da insipiência ou da incompreensão da complexidade do tema. Portanto, o projeto se baseia em discutir os preconceitos sociais com as diferentes identidades de gênero, geralmente confundida com orientação sexual; revelar histórias daqueles que passaram pela experiência da descoberta de um “transtorno de identidade de gênero”; tudo isso mesclado com os conflitos de opiniões dos especialistas sobre o tema nas ciências humanas e nas biomédicas. Palavras-chave:transexualidade, jornalismo, transmídia. 1. Introdução O projeto Transversus, website jornalístico de reportagem 360º, tem como proposta problematizar a classificação de “transtornos de identidade de gênero”, categoria estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que patologiza a condição das pessoas transgêneras (que transitam entre os gêneros) e, por consequência, descontextualiza os desdobramentos sociais, culturais e jurídicos desse panorama. Para explorar com a abrangência e a profundidade que o tema indubitavelmente exige e, além disso, estabelecer um fazer jornalístico sob uma perspectiva estética e interativa, foi selecionado o gênero de reportagem 360º. Os estudos acadêmicos sobre reportagem 360° ainda são lacunar, tendo em vista o desenvolvimento contínuo da web e a proliferação de diversas terminologias. No entanto, é possível apreender que o gênero propicia pelo intermédio de imagens e sons de ambientes exibidos em documentários e fotografias a possibilidade de “transportar o leitor” ao conteúdo e permitir a interação com ele. Além disso, o leitor pode optar por onde deseja começar sua leitura de informações por diferentes ângulos disponibilizados na plataforma multimídia, conferindo autonomia no caminho a ser traçado pelo internauta, possibilitando a chamada leitura não-linear. Segundo argumenta Ormaneze (2012), na reportagem 360°, o leitor pode, a partir de uma tela introdutória sobre um determinado assunto, escolher qualquer percurso de leitura e sobre qual perspectiva temática deseja ter informação, desde dados estatísticos até perfis de personagens, como é pensado este projeto experimental. Com essa definição simples, no entanto, o jornal conseguiu criar uma reportagem que utiliza os hiperlinks de forma que não distancia o leitor do assunto principal e mostra que o webjornalismo não precisa se prender apenas ao imediatismo e à competição para saber quem traz a informação mais rápida, elementos importantes, mas não únicos no ciberespaço (ORMANEZE, 2012, p.4) Quando abordado pelos meios de comunicação – fundamentalmente de massa e, em consequência, aquele que assenta o imaginário popular – o tema da transgeneridade apresenta-se de maneira consideravelmente superficial, sem que se leve em conta os reais entraves que o cercam, tampouco a rede de relações extremamente delicada que se desenvolve nos – assim cunhados pela OMS – portadores de “transtorno de identidade de gênero”. Com o formato 360º, foi possível romper o lugar comum jornalístico sobre o tema através de sua variedade de propostas imagéticas e o próprio caráter abrangente do jornalismo online. Como pano de fundo para o projeto há o conceito de que o jornalismo deve incansavelmente informar de maneira a representar parcelas da sociedade cuja cultura, a sociedade e o Estado coagem de alguma forma, seja por frear liberdades individuais, seja por imbróglios advindos das ramificações burocráticas. Portanto, o projeto tem o objetivo de discutir os preconceitos sociais com as diferentes identidades de gênero, geralmente confundida com orientação sexual; revelar histórias daqueles que passaram pela experiência da descoberta de um “transtorno de identidade de gênero”; tudo isso mesclado com os conflitos de opiniões dos especialistas sobre o tema nas ciências humanas e nas biomédicas. Em suma, o Transversus busca – a partir de textos, vídeos, áudio e fotografia em um website – problematizar e expor jornalisticamente as histórias de vida e os obstáculos em diversas esferas sofridos pelos transgêneros, a fim de que se traga publicamente o que circunda essa temática, ou seja, aquilo que na academia é explorado cuidadosamente e de maneira profunda, mas que ao consciente coletivo permanece um tanto oculto, por trás de preconceitos e receios advindos da insipiência ou da incompreensão da complexidade do tema. 2. Metodologia A leitura preliminar de obras de Judith Butler e Berenice Bento, estudiosas das ciências humanas que analisam a transgeneridade sob um viés antropológico e sociológico, abriu os horizontes para que este trabalho jornalístico pudesse ir além do senso comum e tratar a transgeneridade de uma perspectiva social e despatologizante. Tendo em vista o caráter de conflito inerente ao jornalismo, o grupo também empreendeu pesquisas sobre o assunto no âmbito médico e das ciências biológicas, tendo como exemplos de autores lidos John Money e Alexandre Saadeh. O processo de pesquisa sobre o tema contou também com uma imersão em grupos de discussão de transgêneros, transexuais e travestis em redes sociais durante um período de aproximadamente seis meses no qual foi possível elucidar as problemáticas, discussões de representações e lutas pelos direitos desses grupos, além da participação presencial em um grupo no Centro de Referência LGBT de Campinas. 2.1. Produção Tendo em vista que o projeto Transversus conta com perfis de transgêneros e também com pautas sobre assuntos correlacionados à existência transgênera na qual os especialistas podem refletir sobre questões conflitantes como mudança de nome e tratamento no Sistema Único de Saúde, a seleção das fontes atrelou-se à possibilidade de revelar conflitos entre as conceituações e vivências. Os personagens escolhidos como perfilados também foram selecionados de maneira que diferentes experiências de transgeneridade pudessem ser explicitadas no trabalho, isto é, priorizou-se pessoas com histórias de vida diversas entre si. Com relação à edição do site, o grupo teve como percepção que o layout da página de reportagem 360° é um dos fatores mais cruciais para que sejam possíveis características próprias do gênero como a leitura não-linear e a imersão em imagens. A escolha da cor foi um ponto delicado, tendo em vista que há cores claramente relacionadas com o gênero feminino e masculino. Sendo assim, o grupo optou pelo roxo, tendo em vista que consiste em uma mistura das cores máximas do binarismo de gênero, isto é, o rosa e o azul. Para o logo do site, a ideia era de que o nome do projeto experimental permanecesse em três linhas, mas não separadas pela silabação de acordo com a norma padrão. O grupo entendeu tal ideia transparecia justamente o pressuposto do projeto de que o fenômeno da transgeneridade é mais complexo do que o senso comum preconiza e que deve ser lida atentamente, mesmo que seja de difícil compreensão a priori. Rompendo com padrões tradicionais, os elementos no layout permite que o leitor possa fazer mais "descobertas" de conteúdo do que simplesmente se utilize do layout (MOHERDAUI, 2008). O layout do Transversus teve como inspiração o design de informação do El País 360°. No entanto, é preciso ressaltar que a natureza do tema do projeto experimental diz respeito a histórias de pessoas que vivenciam a transgeneridade e quais as implicações sociais disso. A navegação do site foi pensada de forma que o internauta pudesse escolher qual caminho seguir, tendo acesso ao conteúdo de várias formas diferentes. Na home do site, isto é, na página de abertura, uma sequência rotativa de fotos é vislumbrada pelo internauta, sendo a porta de entrada para os perfis multimídia produzidos sobre cada um dos perfilados. Outra possibilidade do internauta é clicar em um dos links para as reportagens multimídia, distribuídas dos dois lados da sequência rotativa de fotografias. A partir disso, o grupo realizou o planejamento de hiperlinks que constroem a teia de navegação pelo site. Nos perfis dos personagens, o internauta pode assistir ao vídeo, ler o texto ou ver a galeria de fotos. Através do perfil escrito, é possível acessar as reportagens multimídia que possuem mais relação com as questões que o perfilado vivencia, como, por exemplo, problemas com a mudança de nome nos documentos oficiais ou opiniões que se sobressaem sobre a patologizaçãoda transexualidade. O internauta sempre terá também a opção de retornar para a home e escolher se informar por um novo personagem ou reportagem. É preciso ressaltar que a plataforma multimídia na qual foi produzido o trabalho possibilita a mobilização de mais fontes em diversas mídias e páginas interligadas por hiperlinks. As fontes do projeto podem ser divididas nas categorias de perfilados e fontes especializadas. Os perfilados são pessoas transgêneras, transexuais ou travestis, que têm histórias interessantes da perspectiva dos valores-notícia jornalísticos além de serem pertinentes para as discussões as quais o projeto se propôs. 2.2. Perfilados No que diz respeito às fontes perfiladas, escolheu-se sete personagens. Entre eles, Phedra de Córdoba, 72 anos, atriz e transexual que realizou a cirurgia de readequação sexual e Michele dos Santos, 31 anos, profissional do sexo e travesti. Para mostrar as diversas faces da transgeneridade, buscamos, além de travesti e uma transexual que realizou a cirurgia, histórias de transexuais ainda em sua transição de gênero: Leila Dumaresq, 35 anos, designer de jogos, e Esther Pereira, 50 anos, artesã. Também foram escolhidos três homens transexuais. Juliano Maziero, 39 anos, agente penitenciário na Cadeia Pública Feminina de Rio Claro; Régis Vascon, 41 anos, assessor jurídico do Centro de Referência LGBT de Campinas e Erick Barbi, 34 anos, músico. - Fontes especializadas É importante ressaltar que todas as fontes especializadas em transgeneridade – e todas as identidades abarcadas por esse conceito – confrontam saberes e provocam um debate ético para romper o senso comum e fazer com que o projeto experimental Transversus fuja da superficialidade dos meios de comunicação de massa. No âmbito das ciências biomédicas: Alexandre Saadeh, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Transtornos de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), por sua tese sobre estudo psicopatológico de transexualismo masculino e feminino; Judit Lia Busanello, psicóloga e diretora do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais da Secretaria de Saúde do governo do estado de São Paulo, referência no acolhimento de saúde integral de transgêneros; Bárbara Menezes, psicóloga, coordenadora de atendimentos no Centro de Referência LGBT de Campinas. Em termos de cirurgia fora dos moldes propostos pelo SUS e pelo HC da Universidade de São Paulo, selecionamos Jalma Jurado, PhD em medicina pela USP e pioneiro em cirurgia de readequação sexual no Brasil. Já no âmbito das ciências humanas: o doutor Jorge Leite Júnior, professor da Universidade Federal de São Carlos, estudioso da questão sociológica da transexualidade; a filósofa Marcia Tiburi, doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pensadora contemporânea sobre gênero e sexualidade. O mestre e professor da PUC- Campinas, Tiago Duque, que trabalha com as nuances por trás da descoberta da identidade de gênero na adolescência pelas travestis. Para questões legais: o advogado Eduardo Mazzilli, especialista em Direito Civil, que elucida a legislação para mudança de nome e sexo nos documentos oficiais, e o juiz Luiz Antonio Torrano, para expressar o posicionamento do Judiciário em relação à questão. 2.3. Edição Edição O projeto é composto por 14 vídeos subdivididos em três partes: perfis, os quais foram escolhidos sete personagens; seis reportagens audiovisuais, com a participação de nove especialistas e um vídeo de abertura que está na página inicial do site. Para a produção audiovisual que abre o site, os produtores decidiram diferenciá-lo do todo o deixando em preto e branco. Optou-se por realizar os conteúdos audiovisuais sem offs ou passagens, de acordo com a predileção dos produtores pela linguagem documental. Como aponta Oliveira, Carmo-Roldão e Bazi (2006): A produção desse tipo de vídeo requer cuidados especiais: a seleção de fontes necessita ser muito planejada, pois são elas que darão estrutura ao vídeo; o roteiro de perguntas deve ser realizado com continuidade, ou seja, obedecer a uma sequência de sonoras, levando-se em consideração o que a primeira fonte disse de importante, passando para a segunda e, assim, sucessivamente. (OLIVEIRA, CARMO ROLDÃO, BAZI, 2006, p.16) Logo, foi necessário construir uma linha narrativa, compreensível ao internauta, a partir dos depoimentos gravados dos especialistas e dos perfilados, utilizando recursos como enquadramento e trilha sonora para conceder dinamismo. Tendo como pressuposto a linguagem multimídia a qual a reportagem 360° Transversus se propõe, o foco na edição final do projeto foi possibilitar que textos, vídeos e fotografias dialogassem entre si, mas não se repetissem no que diz respeito ao conteúdo. Os produtores optaram por títulos subjetivos para as, tendo em vista que o próprio tema objeto do projeto experimental não está dado de forma simples. Por exemplo, a pauta sobre a patologização das identidades transgêneras recebeu o nome de CID 10 F.64 que é o código que classifica esses fenômenos como um transtorno na Classificação Internacional de Doenças (CID). A fotografia, além de ser uma rememoração do passado, é também condicionada pelo social, sendo assim, o Transversus se apegou as particularidades de cada perfilado e uniu ao convencional, ao comum, gerando um ensaio fotográfico de cada um, uma vez que o ensaio, mesmo não tendo uma definição exata, conta uma história, tem unidade entre as imagens e, sobretudo, não é redundante, pois cada foto revela uma nova nuance por meio de reflexões sensoriais e subjetivas. De acordo com Simonetta Persichetti (2000), crítica de fotografia, “o ensaio está intima e diretamente ligado ao jornalismo”. 3. Resultados Sacramentada a escolha do tema, muitas perguntas vieram à tona: O que desejamos mostrar? Quais serão nossos enfoques? Será que não precisamos ler mais sobre o tema? Conversar com mais pessoas? Os debates foram diversos e por algumas vezes com tons inconclusivos fantasmagóricos. As dificuldades apareceram quando notamos – após os primeiros contatos com as fontes - a complexidade do tema e a disparidade de opiniões, algo que, por um lado, nos assustava pelo tempo que diminuía, e por outro tornava o assunto ainda mais atraente jornalisticamente. A fuga dos clichês, categorizações e idiossincrasias que circundam a abordagem de temas que, indubitavelmente, questionam padrões sociais vigentes foi algo pelo qual o grupo prezou, fazendo com que confrontássemos a nós mesmos, nossos preconceitos (nem sempre anunciados ou sequer conhecidos) e nossa própria bagagem cultural. Para isso, nos alertávamos cada vez mais para a importância de sempre revisitarmos a bibliografia e o principal: conceber a arte jornalística de entrevistar uma fonte, como, de fato, uma negociação. Negociação esta que exige – a fim de alcançar o horizonte pretendido – sensibilidade, atenção e serenidade. Tivemos em nossa frente não só o desafio de retratar uma temática extremamente intrincada, com uma miríade de relações em diversas áreas do conhecimento humano, mas também a provocação de podermos experimentar um gênero jornalístico completamente novo. Mesmo com a dificuldade de termos escassa bibliografia teórica em mãos e até mesmo pouco conhecimento prático do novo gênero, vivenciar uma experiência inovadora no jornalismo multimídia nos estimulou para que a todo momento trabalhássemos para produzir textos, vídeos e fotografias de qualidade. Sem receio de soar piegas, é totalmente justo dizer que o aprendizado do grupo foi imenso, não apenas no que tange o jornalismo, mas mais ainda – e talvez até de maneira mais decisiva – em nossas visões de mundo e noções de vivência no meio social. Ao abordarmos pessoas com histórias de vida das mais variadas possíveis,que, todavia, se interligavam por sofrimentos semelhantes (de, no limite, mesmas origens e mesmos fundamentos) os conceitos e análises presentes na bibliografia ecoavam em nossas mentes e realizávamos uma interpretação íntima com basicamente quatro componentes: o conteúdo da bibliografia; o aprendizado agregado na faculdade de jornalismo; a fala das fontes; e a ruína da imparcialidade jornalística: o que nós pensávamos daquilo tudo. A lição que incorporamos é a de que o jornalista, entre outras milhares de competências um tanto mais especificas, deve ser um militante da liberdade, seja lá o que essa palavra expressa e significa, mas de fácil compreensão de todos. Parafraseando Cecília Meireles em “O Romanceiro da Inconfidência”: “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Seria pretensão demais acreditar ser capaz de explicar o que é a liberdade, mas após a conclusão desse projeto, fica em nós a utopia de possibilitar pessoas a alimentarem suas liberdades através do jornalismo. Bibliografia ANDRIGUETI, Analu. O jornalista no mundo dos games. In: FERRARI, Pollyana (Org.). Hipertexto hipermídia - as novas ferramentas da comunicação digital. São Paulo: Editora Contexto, 2012. p. 91-106. BENTO, Berenice. A diferença que faz a diferença: 1 corpo e subjetividade na transexualidade. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009. LEITE JÚNIOR, Jorge. Transitar para onde? Monstruosidade, (des)patologização, (in)segurança social e identidades. Florianópolis: Revista de Estudos Feministas, maio- agosto 2012. MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Massachusetts: The MIT Press, 2001. MOHERDAUI, Luciana. Em busca de um modelo de composição para os jornais digitais. São Paulo: Contemporânea, vol.6, 2008. MONEY, John. Gay, Straight, and In-Between: The Sexology of Erotic Orientation. New York: Oxford University Press, 1998. P. 87 – 112. ORMANEZE, Fabiano. Jornalismo na internet: reflexões sobre transmídia e reportagem 360° como propostas de produção. In: JUNQUER, Ângela et al. Novas competências na sociedade do conhecimento. Campinas: Leitura Crítica, 2012, p. 73- 80. PERSHICHETTI, Simone. Fotografia Brasileira II. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. SAADEH, Alexandre. Transtorno de identidade sexual: um estudo psicopatológico de transexualismo masculino e feminino. São Paulo, 2004. #SomosTodosVerônica? O sonho que acho mais fascinante é de uma sociedade andrógina e sem gênero (mas não sem sexo), em que a anatomia de cada um é irrelevante para o que cada um é, faz ou com quem cada um faz amor. Gayle Rubin ___________________________________________________________________________ Resumo O texto apresentado propõe uma reflexão comparativa entre o filme “Uma nova amiga”, sob a perspectiva dada à transgeneridade e à sexualidade das personagens, e a abordagem da situação de Verônica Bolina pela mídia brasileira. A ideia principal é comparar os dois casos e refletir o papel da mídia frente à heteronormatividade cisgênera. Palavras-chave: corpos; sexualidade; gênero. ___________________________________________________________________________ Sumário Introdução. 1. O filme “Uma nova amiga”. 2. O Caso Verônica Bolina. 3. A mídia como instrumento de transformação ou reprodução? Considerações finais. Referências bibliográficas Introdução A partir da comparação da atuação de diferentes mídias, entendidas como instrumentos de pedagogia sobre linguagem, corpos e identidades, pretende-se refletir sobre o seu papel frente à heteronormatividade cisgênera reconhecida como padrão social. Para tanto, abordar-se-á o retrato das transgressões de gênero e sexualidade apresentadas pelo cinema, no filme “Uma Nova Amiga” originado do conto “The new girlfriend”, de Ruth Rendell, que trata da construção da relação entre David/Virgínia e Claire e, principalmente, da transgressão de identidades e manifestações de sexualidade das personagens. A película se utiliza de características que estimulam o espectador a ponderar as possibilidades que extrapolam o binarismo cisgênero marcante na sociedade contemporânea. Como antítese, abordar-se-á o incidente que tornou conhecida a travesti, Verônica Bolina. O caso foi coberto pelas mídias por vezes de forma depreciativa, exacerbando a atmosfera de marginalidade em que vive parte das travestis no Brasil, sem considerar a situação de exclusão social e desamparo estatal em que vivem. Nesse aspecto, ao contrário do cenário afetuoso de “Uma Nova Amiga”, a marginalização de Verônica começou pelo silenciamento do social e da sua identidade de gênero, realçadas como justificadores de sua condenação antecipada por um crime sequer apurado, e da violência à dignidade e à integridade que sofreu no cárcere. Tratar-se-á, ainda, do ativismo digital como instrumento de controle em face dos abusos dos agentes do Estado e da mídia dominante no exercício dos papéis ideológicos, a partir do movimento #SomosTodasVerônica. Passando pelos direitos humanos e pela teoria de gênero, em especial a elaborada por Judith Butler, a ideia é articular os modos como as mídias se referem aos temas gênero e sexualidade e refletir sobre o papel delas na educação, ainda que informal, da sociedade e na definição de direitos. 1. O filme “Uma nova amiga” O filme “Uma nova amiga”, lançado neste ano de 2015 e dirigido pelo cineasta francês François Ozon e se passa em um centro urbano, nos dias atuais, no qual as personagens, de elevado padrão de vida, vivem uma história de amor e descoberta de identidades e sexualidades. A história inicia com a amizade de Claire (Anaïs Demoustier) e Laura (Isild Le Besco) desde a infância até a vida adulta, sugerindo uma tensão amorosa e sexual não concretizada de Claire em relação a sua amiga Laura. Laura e Claire se casam, respectivamente, com David (Romain Duris) e Gilles (Raphaël Personnaz). Laura parece feliz com seu casamento, mas falece logo após dar à luz à primeira filha. Claire, madrinha da criança, promete à amiga cuidar de Lucie, a bebê, e de David, mas, demora um pouco a procurar os dois após o funeral. Quando vai até à casa deles, Claire é surpreendida com David vestido de mulher, maquiado, com peruca loira e unhas pintadas, ninando a filha. O primeiro momento retrata o choque de Claire, logo afastado quando David comenta do consentimento de Laura com essa performance. A partir de então, David e Claire passam a construir uma relação oscilante entre cumplicidade e estranhamento, incertezas e, sobretudo, travas decorrentes de paradigmas rigidamente construídos sobre suas identidades e sexualidades no processo de socialização. A aproximação das personagens opera a desconstrução e construção de identidades. David se transforma em personagem de sua verdadeira identidade, Virgínia, que encontra em Claire a segurança necessária para se expor à sociedade. Claire, nitidamente investida em uma relação matrimonial marcada por estereótipos de gênero, especialmente nos jogos de sexo e prazer, em que performatizava o recato da esposa tradicional e abdicava da prerrogativa de satisfação própria, passa a exercer seu prazer sexual como um corte repentino na dinâmica do casal a partir da aproximação com sua nova amiga, Virgínia, e causa espanto em Gilles, o marido. A constância da convivência entre Virgínia e Claire faz com que identidade ou transidentidade da primeira já não fosse uma questão para o relacionamento entre elas e abre espaço para o questionamento da bissexualidade de Claire que transfere para Virgínia a tensão que sentia por Laura. Como reflexo dos próprios sentimentos, Claire questiona Virgínia sobre sua atração por homens em uma cena em que essa é assediada por um homem no cinema. Essa é uma das partes mais didáticas do filme, em que se torna clara a diferença entre identidadee sexualidade, pois Virgínia revela não se sentir atraída por homens, mas que se sente feliz que um homem desconhecido a tenha visto como mulher, ou seja, tenha reconhecido a sua identidade. A relação entre as duas personagens se transforma de amizade em amor, quando ocorre a primeira cena de sexo. Cena impactante, em que o peso da vinculação do desejo às designações socialmente construídas em torno dos diferentes órgãos sexuais. Claire então resiste, dizendo que Virgínia é homem e por isso não pode prosseguir. Há nesta parte um sutil questionamento em relação ao próprio casamento de Claire, haveria permissividade para relações com outra mulher? Ou simplesmente Claire pensou exclusivamente na satisfação de um desejo reprimido pela socialização? A negativa da identidade de Virgínia por Claire, naquele momento, leva ao ápice da narrativa, em que Virgínia sai em desespero com a rejeição de Claire e é atropelada. Levada em estado comatoso ao hospital, Virgínia é internada como David e tratada como homem. A personagem só desperta quando Claire a chama e veste de Virgínia, ainda no leito, e canta “Une femme avec toi” (uma mulher com você). O filme revela uma história de amor com um final feliz, destoando da história contada no livro em que se baseia, que tem um final trágico decorrente das dificuldades de enfrentamento cotidiano das questões ligadas à construção e performance de identidade e da sexualidade, destoantes do “legítimo” inscrito continuamente pela socialização dos corpos (LOURO, 2015: 17) Nesse caso, o cinema como veículo de comunicação foi capaz de tratar de gênero e sexualidade com delicadeza ímpar e fazer o espectador ponderar sobre o espectro de possibilidades desse universo marcado pela binaridade, sob o prisma do afeto, utilizando-se para isso elementos de aceitação, como a estética dos corpos, da cor e da classe social das personagens. 2. O Caso Verônica Bolina Verônica Bolina é negra, pobre e travesti. Antes de ser presa, exibia um corpo forte, mas enquadrado nos padrões de beleza femininos ditados pelas revistas e desenhados em academias, tinha longos cabelos negros, e zelo com a maquiagem, aparecendo sempre maquiada em suas fotos. De fato, nada poderia diferenciar sua identidade em relação a qualquer outra mulher. Em abril de 2015, Verônica passou a ser, também, famosa. Não por mérito, mas por ser “O Travesti que arrancou a dentadas a orelha de um policial. Acusada de agredir uma idosa, Verônica foi presa em abril e levada uma delegacia da capital paulista, onde foi colocada em uma cela junto com homens. Rapidamente as imagens do policial com a orelha machucada chegaram ao conhecimento público pelas redes sociais e pelas manchetes dos principais noticiários do ramo do crime como espetáculo. Verônica foi então triplamente criminalizada e prejulgada, era agora negra, pobre, travesti, assassina de uma idosa e a agressora de um policial. No entanto, com a mesma velocidade, foram “vazadas” fotos de Verônica após o incidente com policial. Verônica apareceu com a cabeça raspada, os seios à mostra, o rosto deformado, com uniforme de presos homens, rasgado em sua região anal, ensanguentada. Essa imagem de Verônica veio a se somar com o assassinato que não cometeu e com a orelha quase arrancada do policial. Verônica estava “condenada”, ao melhor estilo da criminologia de Lombroso, assassina sem que houvesse morte, agressora sem que lhe fosse reconhecida a possibilidade de defesa. Verônica foi arrancada de sua identidade, portanto, de sua humanidade, foi transformada em escória, em um não ser humano pelos aparelhos de socialização e dominação cultural de massa. Verônica foi monstrificada, seu corpo abjeto (MISKOLCI, 2015: 43), despido de identidade, criou repulsa, deu audiência e retórica para conservadores e fundamentalistas acríticos ao que era óbvio. O óbvio não veio dos veículos oficiais de informação, mas de uma reação especialmente impulsionada pelas redes sociais, que denunciava a nítida tortura que Verônica sofreu em sua cela, a pretexto de suposta resistência e mau comportamento. A aplicação de pena sem processo, sem julgamento, a exacerbação de uma violência não autorizada por parte da polícia, a institucionalização da barbárie pelo Estado, a gravação de uma confissão induzida por um agente público que deveria protege-la, a supressão de todas as garantias que lhe ratificam o caráter de ser humano e são reconhecidas constitucionalmente a qualquer pessoa, inclusive a criminosos, a espetacularização de sua condição de não ser foram denunciadas por ativistas nas redes sociais, através da campanha #SomosTodosVerônica. A campanha conseguiu visibilidade e garantiu que Verônica fosse transferida para outro estabelecimento. Verônica ainda está presa aguardando julgamento pela agressão à idosa, foi assistida pela Defensoria Pública e processa o Estado de São Paulo pela tortura sofrida. Processa o Estado que lhe retirou a identidade e a humanidade, que a pretexto de garantir sua integridade, expos toda a sua vulnerabilidade, alimentando a espetacularização de sua miserabilidade humana. 3. A mídia como instrumento de reprodução ou de transformação? A Constituição da República, em seus artigos 220 a 224, estabelece regras para a Comunicação Social. Ao lado da compreensão dos direitos fundamentais, é possível dizer que o livre pensamento é resguardado pela Lei máxima do Brasil, mas que, por certo, é necessário respeitar os direitos das demais pessoas bem como promover “os valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Ainda que haja uma tentativa de redefinir o conceito ‘família’ pelo Legislativo brasileiro e por isso debates acalorados têm acontecido, é possível afirmar que a intenção do constituinte foi inserir parâmetros ao que se veicula nos meios de comunicação. Vale dizer que a leitura da Constituição é sistêmica; não se lê dispositivos isolados e, por isso, o artigo 221, IV, deve ser compreendido sob as lentes dos direitos fundamentais como mencionado acima. Tanto os direitos fundamentais previstos no artigo 5º quanto os fundamentos da República estabelecidos no artigo 1º, em especial a dignidade da pessoa humana. Além disso, em 2006, foi editada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, que dentre outros preceitos, o artigo 8º, III estabelece que os entes federativos devem agir articuladamente a fim de incitar os meios de comunicação a promover o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, coibindo estereótipos que perpetuem violências. Ao lado disso e no mesmo sentido, a Convenção de Belém do Pará, também estabelece no artigo 8, alínea ‘g’ que os Estados incitem os meios de comunicação a agirem em consonância com os ditames nacionais e internacionais. É evidente que tanto a Lei 11.340/2006, quanto a Convenção de Belém do Pará se valem do termo “mulheres”. No entanto, como dito acima, a leitura é feita globalmente e o respeito à dignidade da pessoa humana se sobrepõe ao preciosismo linguístico. Ademais, é forçoso compreender o sistema legislativo à luz dos fundamentos do Estado Brasileiro, elencados nos art. 1o e 3o da Constituição de uma república livre, justa e solidária, fundada para bem de todos sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Além disso, é de se reconhecer a eficácia supraconstitucional dos tratados, incluindo a CEDAW e, sobretudo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no sentido de se garantir a intepretação da legislação e dos direitos fundamentais como corolário da existência humana e princípios aplicáveis entre si e sobre toda a produção legislativa e judicial. Pondera-se, ainda, que em recente decisão o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da penha sejam aplicadas em favor de transexual (BRASIL, 2015) ameaçada por ex-companheiro. Os meios de comunicação,ao lado do Estado, são atores sociais de suma importância no enfrentamento da violência de gênero contra a mulher, aqui entendida como autoidentificação, e, portanto, devem ser convocados a assumirem esse compromisso. Judith Butler (2015, 69) ressalta que Se há algo de certo na afirmação de Beauvoir de que ninguém nasce e sim torna-se mulher decorre que mulher é um termo em processo, um devir, um construir de que não se pode dizer com acerto que tenha origem ou um fim. Com uma prática discursiva contínua, o termo está aberto a intervenções e ressignificações. (grifo no original) Somente a coordenação de ações entre os principais atores – com atenção à mídia - é que resultados positivos poderão ser alcançados em especial no sentido de impedir a reprodução da violência contra as mulheres. Até lá, muitos embates calorosos serão vivenciados porque de fato nem todos são Verônicas, nem todos reconhecem o que há de humano em cada um de nós, mas apenas o que há de condenação inscrita em cada corpo pelos dispositivos de pedagogia e ordem social (FOUCAULT, 2015:86). Referências bibliográficas BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão em segredo de justiça. São Paulo, 19 out. 2015. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/Institucional/Imprensa/Noticias/Noticia.aspx?Id=28416>. Acesso em: 26 out. 2015. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Tradução Renato Aguiar. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015. LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. MISKOLCI, Richard. Teoria queer: um aprendizado pelas diferenças. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. Comunicar no jornalismo: a dissonância na reportagem multimídia “transgêneros”, do TAB ITO, Liliane de Lucena Departamento de Comunicação Social (PPG-COM) UNESP (Bauru, SP) Bolsista CAPES (Doutorado) Palavras-chave: transgêneros; reportagem multimídia; TAB Introdução Lançada em outubro de 2014 e publicada semanalmente até a atualidade, a série de reportagens TAB, do Uol (tab.uol.com.br), é um exemplo de novas formas narrativas aplicadas ao jornalismo. Com conteúdo interativo, contém diversos recursos multimídia e, de certa forma, introduz um formato jornalístico muito pouco explorado pelo portal até então. O texto do TAB se enquadra em estilo, profundidade e tamanho no gênero da reportagem, sem se prender às amarras da pirâmide invertida e do lead. O layout é produzido conforme o tema da edição, dando ao TAB uma liberdade maior em relação ao projeto gráfico de conteúdos jornalísticos do Uol. Metodologia Neste trabalho, foi escolhida para análise a edição de número 26ª, publicada em 27 de abril de 2015, intitulada “Transgêneros”. Buscou-se aplicar o metáporo (MARCONDES FILHO, 2013), com foco no relato metapórico do Acontecimento comunicacional no momento em que a leitura foi feita. A possibilidade de autoanálise é permitida nos estudos que seguem a linha da Nova Teoria da Comunicação, desde que o observador realize uma divisão interna entre o eu-observador e o eu-receptor do mesmo fato (MARCONDES FILHO, 2013). Resultado: O relato metapórico As imagens nos abalam. Falam-nos diretamente à alma. Envolvem e trazem o que há de humano em nós. Atingem um limiar profundo que nos remete ao passado, num movimento repleto de memória, sentimentos, reminiscências. Quando acessei a reportagem, senti um espanto interno. “Como pode? Tão naturalmente adaptados ao gênero oposto e tão violentados durante toda uma vida”, era a minha pergunta inicial, antes mesmo de conhecê-los, de me envolver em suas histórias. As fotografias de abertura, dispostas em movimento constante, ora lentas, ora mais rápidas, mostram duas pessoas que, para mim, são totalmente desconhecidas. Mas que, ao final da reportagem, me parecem próximas. Elas me fizeram pensar na minha trajetória, imaginando como seria se eu também fosse transgênero. Quando vejo as imagens de abertura, sei que são dois indivíduos que fizeram a transição. E, então, tudo o que se passa em minha cabeça é muito rápido e é preciso atenção para não me perder nos pensamentos e inviabilizar este relato. De certa forma, me choco, por mais contra quaisquer preconceitos que eu seja. Ao ver uma pessoa transgênero, nascida homem, à vontade como uma mulher de meia idade, tão confortável em suas roupas, com seu estilo moderno, adequadamente maquiada, enfeitada com colares e braceletes, além de um piercing embaixo do lábio inferior, chego a invejar, em um relance de interiorização daquela imagem, a cor branca e o corte moderno dos seus cabelos, o tom chumbo das unhas extremamente bem-feitas. Pergunto-me se serei tão estilosa quando chegar aos 50. Ao surgirem as fotos da outra pessoa, me surpreendo ainda mais. Não há qualquer traço feminino num corpo nascido como tal. É mesmo difícil lembrar que ele já fora mulher em algum momento de sua vida. Barba, pelos no corpo, unhas carcomidas. E agora, escrevendo este relato, percebo a força dos estereótipos no meu sentimento, na minha necessidade em marcar-me como feminina. E acredito que, ao mesmo tempo, essas marcações, por mais socialmente criadas que sejam, foram essenciais para a libertação desses dois sujeitos. São seus instrumentos de posicionamento no mundo. Nesta reportagem, são oferecidos caminhos para a construção da minha leitura. Há cinco links para conhecer um pouco mais da história dela, cuja imagem está ao fundo, como se olhasse para ele. E, à direita, outro caminho de leitura com a mesma quantidade de opções, para saber mais sobre ele que, por sua vez, parece olhar para a direção dela. O olhar dela me parece sereno; o dele me parece pensativo. Mas não posso ter certeza dessas percepções. Ela e ele são Letícia e Alexandre. Nos olhos dela e dele, há um cintilar diferente. Denotariam as agruras testemunhadas no decorrer de uma vida? Revelariam um sentimento de desencaixe de mundo? Mostrariam a força interna, a liberdade conquistada? Não sei. Mas mexem comigo. Não são olhares comuns, que passam por mim e não me dizem nada. Tocam- me. Fazem-me refletir sobre o quanto ainda estamos presos a parâmetros, padrões, modelos, conceitos, “normalidade”. A luta não foi fácil para eles. E ainda não o é, para ela e ele e para tantos outros que se escondem por trás de máscaras eternas. Uma forma de prisão em seu próprio corpo. Leio as frases que se referem a ele e a ela, mas preciso repetir a leitura para entender melhor, mesmo que sejam tão simples. O que me causa dificuldade não é a sintaxe ou a semântica. É a transposição da frase para o meu interior. “Letícia Lanz é escritora e psicanalista. É casada com Angela, pai e avô. Aos 50, após um infarto, disse adeus a Geraldo”. Ok, até o primeiro ponto final tudo está claro. Tudo está normal. Até casada com Angela, também quase comum. Tenho vários amigos gays e alguns, casados no papel. A união gay é possível no estado de São Paulo, nos Estados Unidos e em outros pontos do mundo. É um direito conquistado. Mas quando vem o trecho “pai e avô”... parece que Figura 1. Imagem de abertura da reportagem analisada não entendi bem a frase. Volto a lê-la e vejo que não houve erro de escrita. E sei que o estranhamento não é por preconceito. Mas porque automaticamente penso como seria viver dentro de parâmetros sociais tradicionais, casar e ter filhos e, depois de tudo, existir uma mudança tão geral. A ruptura de todo o transgênero com o gênero do nascimento é um rompimento com o passado. Mas há laços e relações que não podem ser rompidos. Então, martela a dúvida na cabeça: se foi pai,continua sendo pai, depois que se torna mulher? Ou será que é mãe e avó, ao invés de pai e avô? A mudança de gênero, ainda pouco debatida, é capaz de causar esse tipo de indagação. Mas daí, reflito: “Ela, Letícia, é quem tem o direito de ser chamada como bem entender. É ela quem, durante muito tempo, lutou, mesmo que internamente, contra a imagem que a denominava como Geraldo. E, se hoje, deseja ser ainda chamada de pai e avô, mesmo num corpo de aparência feminina, é seu direito também”. Opto por ler primeiro a história de Letícia. É uma guerreira. Uma intelectual. Cita Simone de Beauvoir, Lacan... Admiro-a. Mas o que me toca mais é o fato de como lidou com a situação de ter uma vida dupla: “montando-se” como mulher em viagens e longe da família; construindo um quarto secreto onde teria liberdade para ser quem gostaria de ser, com bonecas, maquiagens, roupas e sapatos femininos. Compreendendo que a vontade em ser mulher não era apenas no estético, no exterior, mas algo que vinha realmente da alma. Uma maneira de enxergar o mundo. E me chama a atenção principalmente a história de amor entre Letícia e Angela. Coloco-me no lugar de Angela. Imagino quão forte é essa mulher para aceitar a transição do marido. Penso que esse é um tipo de amor verdadeiro; não se preocupa com o julgar alheio, não se dobra diante das maiores dificuldades; é capaz de enxergar o outro em sua alteridade e, ainda assim, amá-lo. Sinto-me emocionada com isso. A reportagem me agrada em seu aspecto visual. Gosto do layout, da maneira como foram dispostos fotos, legendas, texto. E principalmente porque colocam a história na boca de quem viveu. Em alguns vídeos curtos, Letícia conta sua história. É ela quem diz, por exemplo, como escolheu seu nome. Letícia significa alegria e Lanz, guerreira. “Sou uma pessoa apaixonada pela vida. Descobri isso quando tive um infarto. E pensei ou fico aqui na UTI para o resto da vida, não voltava para o mundo, ou eu voltava e ia ser uma amante da vida”, diz. Pausa, respira e pondera: “é o que eu sou hoje”. Num dos vídeos, feito em sua casa, uma residência confortável e bem decorada, ela mostra os porta-retratos espalhados pela mobília cujas fotos são de antes da transição. Para mim, revela como esta mudança foi bem-resolvida. Não há uma negação total do passado, uma necessidade em apagar a todo custo aquilo que aconteceu antes. Foi uma vida feliz, de certa forma, e agora ainda é, com a diferença de Letícia se sentir mais livre. Agora, vou ao encontro da história de Alexandre Peixe. Assim como eu, quando vi as fotos dele na abertura, a jornalista que escreve o texto também inicia dizendo que, não fosse ele a andar em sua direção no local marcado para a entrevista, a Igreja Consolação, em São Paulo, ela também certamente não saberia de sua identidade. Alexandre não tem nenhum traço feminino. Barbado, braços cruzados, olhar receoso. Os braços cruzados são para esconder as mamas. Outras estratégias para camuflar o volume dos seios são permanecer mais gordinho e usar, diariamente, colete e blusa bem apertados por baixo da camiseta. A história de Alexandre é diferente da de Letícia. Ela, que conquistou o sucesso profissional, se assumiu, defendeu dissertação sobre gênero, não parece (em meu julgamento interior) sofrer grandes barreiras profissionais. Ao menos não foi dito no texto. Alexandre, por sua vez, não consegue emprego, mas sonha em trabalhar com crianças, algo que já foi, um dia, antes da transição, seu ganha-pão. Imagino, nessa hora, os olhos preconceituosos de alguns pais que encaram deixar o filho aos cuidados de um transgênero como algo perigoso para a formação da criança. E me dói, pois penso que Alexandre faria seu trabalho com muito mais amor e vocação do que tantos por aí. Figura 2. Alexandre e sua tática em cruzar os braços para camuflar os seios Parto para os vídeos. O primeiro, em que ele se apresenta, revela o único traço feminino: a voz. Apesar do corpo masculinizado, a voz tem um resquício de seu gênero anterior. Não seria perceptível a alguém que não sabe o sexo de nascimento de Alexandre. Mas como tenho esta informação, percebo que a voz é diferente. E me dou conta de que talvez seja assim mesmo no geral: quando se tem consciência do gênero biológico de um transgênero, nos esforçamos para captar algum resquício que o relacione ao biológico. Isso me faz compreender porque, no caso de Alexandre e no caso de Letícia, ambos querem ser reconhecidos por suas identidades construídas por eles: como Xande (como ele mesmo se refere) e Letícia. Sem que haja esse estranhamento ou essa indagação do outro em relação a algo tão íntimo da vida deles: o gênero e a sexualidade. “Eu quero ser o Xande. Ninguém pergunta pra você: ‘você é trans? É lésbica?”. Não, eu quero ser o Xande”, explica, à repórter, em vídeo feito num local público, onde se podem ver outras pessoas transitando enquanto se dá a gravação. Neste mesmo vídeo, ele conta que tem 42 anos e é pai de uma garota de 24 e avô de uma menina de pouco menos de dois anos. Agora, não sinto a estranheza inicial que senti quando li a frase sobre Letícia. Por quê? Indago-me, quero saber. Essa diferença em sentir o que ouvi e li deve ter uma razão. Esforço-me para entender. Isso causa uma irritação em mim. Por quê? Chego a uma questão que me abala: haveria certo machismo de minha parte achar mais chocante uma pessoa nascida, socialmente mostrada e aceita como homem durante muito tempo mudar de gênero após os filhos estarem em fase adulta? Por que a frase de Alexandre não me surpreende tanto? Será que internalizo em mim, mesmo sem conseguir desdobrar cognitivamente, ou seja, mesmo que em um relance muito rápido, a história dos dois transgêneros? Sentiria mais, no meu caso, se meu pai revelasse, depois de muito tempo, a real identidade de gênero com a qual quer ser aceito dali pra frente? Talvez. Ou talvez isso aconteça porque, no decorrer da primeira história, a de Letícia, eu tenha me aberto mais ao tema. Teria acontecido uma criação de sentido? Para mim, sim. Mas acredito que sejam as duas coisas. E a ideia de ser machista, mesmo que de uma maneira involuntária, arraigada, mínima e inconsciente, me abala. Irrita-me e me faz refletir. Assisto ao segundo vídeo. Não tem mais do que um minuto e meio. Mas prendo a respiração antes do play. A razão é o título: “Estupro”. Sei que dali não virá coisa boa. Não vem, realmente. Choro um choro contido quando Alexandre diz que, se em seu grupo de amigos nunca houvera grandes problemas em ser o que era, um dia, aos 19 anos, num jogo de futebol, foi estuprado por quatro rapazes no banheiro da escola. A justificativa? Ele tinha que gostar das coisas que as meninas gostam. Lembro-me de outros casos, em outros textos jornalísticos, filmes e seriados, de violência sexual contra gays e transgêneros. Começo a ver outro vídeo, em que Alexandre relata que sua filha é fruto desse estupro coletivo. Choro novamente. É impossível não se comover com seu relato. É impossível ficar imune à sua fala, quando diz que criou a filha com amor e só teve coragem de dizer como foi gestada muito tempo depois. Mergulho no paradoxo por comparar o amor desse pai/mãe com o desamor de tantos pais por aí. Preciso me recompor. Passa, mas um aperto no peito continua. Alexandre é transgênero e sempre namorou meninas. Desde muito pequeno, já se interessava pelo universo masculino. Seu arsenal infantil eram bolinhas de gude e carrinhos de rolemã; as bonecas ganhadas pela mãe ficavam esquecidas de canto. E desde tão criancinha, a garotinha da foto que aparece no vídeo (e faz lembrar-me da minha filha, de quatro anos) queria parecer um menino. A ponto de se manter próxima das crianças que tinham piolho para que a mãe cortasse seu cabelo curtinho. Nesse momento, rio por dentro. Acho graça na forma como Alexandre, então Alexandra,conseguia se tornar mais próxima da imagem à qual claramente pertence. Considerações finais Finalizo a leitura com a sensação de ter mergulhado em histórias fantásticas. Porque me apresentaram um mundo muito longe da minha realidade cotidiana. E me comunicaram, no sentido de me violentarem, ao mostrarem a complexidade envolvida na questão de gênero. Em vários momentos, a reportagem foi, para mim, um fato estético, porque me fez sentir, fez com que me abrisse ao entendimento, chegando ao questionamento de mim mesma, sobre o que eu acredito que sou e defendo. Neste artigo, intencionou-se realizar um relato metapórico de uma reportagem multimídia. Considero que, em minha leitura, houve realmente um Acontecimento comunicacional (propositalmente com “a” maiúsculo), uma vez que inevitavelmente ocorreu um entendimento à alteridade do outro e uma apreensão do que foi descrito no texto. Os componentes da reportagem – texto, imagens e vídeos – certamente influenciaram nessa comunicação efetiva. Foi com esta leitura que houve a faísca e a agitação do que estava em mim sedimentado e, agora, não está mais. Referências CUNHA, K. M. R. da. (2013). Entre Hermes e Poseidon: o jornalismo na teoria do acontecimento comunicacional. Tese (Doutorado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-06052014-143942/>. Acesso em: 2015-07-25. LUHMANN, N. (2005). A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus. MARCONDES FILHO. (2002). O espelho e a máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio. Ijuí-RS: Editora Unijuí. MARCONDES FILHO, C. (2004). O escavador de silêncios. Formas de construir e desconstruir sentido na Comunicação. São Paulo: Paulus. MARCONDES FILHO, C. (2008). Para entender a comunicação: contatos antecipados com a Nova Teoria. São Paulo: Paulus. MARCONDES FILHO, C. (2013). O rosto e a máquina. O fenômeno da comunicação visto pelos ângulos humano, medial e tecnológico. São Paulo: Paulus, volume 1. MARCONDES FILHO, C. (2014). Das coisas que nos fazem pensar. O debate sobre a Nova Teoria da Comunicação. São Paulo: Ideias & Letras. QUEIROGA, B. A. de. (2012). Percepção e impacto no fotojornalismo. Fotografia e comunicação. Dissertação (Mestrado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, University of São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-17042013-111232/>. Acesso em: 2015-08-17. TEIXEIRA, R. E. (2010). Encanto e entorpecimento: um caminhar por entre imagens contemporâneas. Dissertação (Mestrado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, University of São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-17082011-111807/>. Acesso em: 2015-08-17. A jornalista esportiva em jogo: a produção de sentido sobre a apresentadora Renata Fan em comentários no Facebook Mariana Ferreira Lopes Bruna Tamanini Dorigon Universidade Norte do Paraná, Londrina, PR Universidade Estadual Paulista, Bauru, SP Introdução No campo jornalístico, assim como em grande parte das profissões, as mulheres percorreram um longo caminho até que pudessem ocupar seu espaço. Segundo Maria João Silveirinha (2012, p. 169), “a linha de participação das mulheres nos jornais [...] é diversa, descontínua e ao pulso de um país onde os homens dominavam os meios de comunicação que garantiam a continuidade da sua visão cultural, social e política”. É importante destacar que autora fala em relação à representatividade feminina na Europa, mais especificamente em Portugal. Observa-se, no entanto, que, também no Brasil, o gênero era fator determinante para o ingresso de um profissional no mercado jornalístico. Hoje em dia, após muitos anos de luta e engajamento, tal realidade vem sendo modificada. Segundo uma pesquisa realizada pelo programa de pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em convênio com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2013, existiam 145 mil jornalistas com registro profissional no Brasil. Desses, 64% eram mulheres brancas, solteiras e com até 30 anos. Os homens representavam os outros 36%. No entanto, a presença feminina no jornalismo esportivo ainda é menor do que a masculina e é nesta área jornalística, marcadamente androcêntrica, que nossa pesquisa está focada. Dentre as jornalistas esportivas da televisão aberta brasileira, Renata Fan1 foi a primeira a comandar uma mesa redonda esportiva diária. Por essa característica, nossa pesquisa objetiva identificar como a ideologia da dominação masculina se faz presente na produção de sentido sobre a apresentadora do programa Jogo Aberto. Para tanto, 1 Nascida na cidade de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, Renata Fan é formada em Direito e Jornalismo. Antes disso trabalhou como modelo e em junho de 2003, Renata teve sua primeira oportunidade na Rede Record ao gravar um programa piloto para a área de esportes. Aprovada no teste, ela passou a apresentar o programa Terceiro Tempo ao lado de Milton Neves, todos os domingos à noite, e o Debate Bola, ao meio-dia, no mesmo canal. Desde 2007, Renata apresenta o programa Jogo Aberto, de segunda à sexta, na Rede Bandeirantes. foram analisados os comentários sobre dois vídeos postados no seu facebook, cuja amostragem dos textos analisados foi realizada de maneira aleatória, buscando compreender a já-dito presente neles. Trata-se de um estudo exploratório, cujos apontamentos servirão de base para interpretações futuras sobre a mulher no jornalismo esportivo. Metodologia As formas do sujeito ser, estar e experienciar o mundo têm se reconfigurado devido à midiatização, definida por José Luiz Braga (2012, p.39) como um processo interacional de referência. Um importante conceito que deriva da midiatização consiste na circulação e na ideia do fluxo adiante. A premissa de que o receptor é um sujeito ativo no processo de comunicação modificou o sentido de circulação, que passou a ser vista como “o espaço de reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação” (BRAGA, 2012, p.38). O autor propõe que alarguemos esta noção de circulação das relações diretas que se configuram entre emissão e recepção. Braga nos convida a pensarmos sobre os encaminhamentos que o receptor dá a sua produção de sentido em diferentes espaços que vão além do seu contato direto com o meio de comunicação. Trata-se do fluxo adiante que, segundo Braga (2012), pode ocorrer de diversas formas: de comentários à geração de outros produtos midiáticos, como, por exemplo, os comentários de facebook. A circulação e o fluxo adiante se articulam diretamente com o entendimento de Orozco-Gómez (2014) sobre a recepção midiática enquanto processo que não se finda na interação entre indivíduo e mídia, mas se estende para outros cenários onde os conteúdos transmitidos são rearticulados nas experiências concretas do receptor. Estas recepções que acontecem em cenários além do contato direto com o televisor são denominadas por Orozco-Gómez como recepções secundárias e terciárias, já a recepção televisiva de primeira ordem corresponde à recepção direta, suscetível às mediações situacionais e às decisões prévias do receptor. Nossa pesquisa se debruça na análise da ideologia da dominação masculina presente na produção de sentido dos telespectadores do programa Jogo Aberto sobre a apresentadora Renta Fan, configurada nas recepções secundárias e terciárias a partir da análise dos comentários na página oficial2 da jornalista no facebook. Foram selecionados aleatoriamente os comentários sobre dois vídeos postados em setembro de 2015,que são trechos da mesa redonda veiculada nos dia 10 e 17. Nestas postagens, a apresentadora comemora a vitória de seu time, o Internacional de Porto Alegre, sobre o Palmeiras e o Corinthians, respectivamente, e zomba dos outros apresentadores, torcedores de tais equipes. A metodologia empregada foi a Análise do Discurso, tendo em vista que, o texto dos comentários, enquanto nossa unidade inicial de estudo, nos remete ao discurso que “se explicita pela sua referência a uma outra formação discursiva que, por sua vez, ganha sentido porque deriva do jogo definido pela formação ideológica dominante naquela conjuntura” (ORLANDI, 2007, p.63). O foco da nossa pesquisa consiste na identificação dos interdiscursos, ou seja, “todo o conjunto de formulações já feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos”(ORLANDI, 2007, p.32) e que nos remetem à noção da dominação masculina, a partir de uma ideologia adrocêntrica. Selecionamos para este estudo comentários representativos de grupos de enunciados que nos remetem ao discurso de uma ideologia de supremacia do homem. Assumimos aqui, sustentadas por Orlandi (2007) que o dizer é marcadamente ideológico e se filia a uma rede de sentidos do já dito, “uma memória afetada pelo esquecimento” (p. 34). Desta forma, os interdiscursos afetam a maneira pela qual o sujeito significa em uma determinada situação discursiva. Resultados Simone de Beauvoir (2009, p. 207) nos explica que os homens definiram sua superioridade em relação ao feminino, criando um sistema codificado, formado por estruturas e configurações que se voltaram contra as mulheres, que passaram a ser compreendidas como o Outro, o ser que se opõe ao homem e coloca-o frente a si mesmo. Isso, segundo a autora (2009), faz com que eles sintam necessidade de se reafirmarem. Para Pierre Bourdieu (2003), este cenário de submissão é produto de uma espécie de violência simbólica, abrigada no patamar psicológico, ideológico e social da humanidade e vivenciada através de regras e condutas, estas que se conjugam no habitus, ou seja, no sistema estruturado que age no inconsciente dos indivíduos, determinando o viés de suas atitudes e pensamentos. 2 A página oficial no Facebook de Renata Fan existe desde e 2010 e possui 2.450.543 curtidas O esporte e o jornalismo podem ser consideradas instituições legitimadoras de uma percepção tradicionalmente androcêntrica (BUENO, 2015b). Ao analisar os 17 programas de esportes veiculados na televisão aberta brasileira, Noemi Bueno (2015a) verificou a existência de 64 profissionais – entre repórteres, editores e apresentadores – dentre os quais 12 são mulheres e 52 homens. Tal noção se reafirma quando analisamos o enunciado “mulher e futebol não combinam”, comentário postado por um homem no dia 10/09, e percebemos a presença de um discurso que reforça a ideia de que apenas o sexo masculino é capaz de analisar e gostar desta modalidade esportiva, assim como de que à mulher só competiriam assuntos mais frívolos. Pierre Bourdieu (2003) afirma que a diferença biológica e anatômica entre os sexos pode ser compreendida como justificativa da diferença entre os gêneros e também, se não principalmente, da divisão social do trabalho na realidade social. De acordo com Paulo Vinícius Coelho (2003, p. 34), as mulheres começaram a aparecer no jornalismo esportivo brasileiro, de fato, em meados da década de 1970. Antes disso era quase impossível vê-las na editoria esportiva, já que este era um dos locais prioritariamente masculinos. Segundo Anelise Farencena Righi (2006), a participação mais efetiva das mulheres no jornalismo esportivo vem ao encontro ao acesso ao esporte que também se democratizava. Antes disso, os mesmos, em geral, eram praticados, discutidos e assistidos por uma grande maioria de homens. Foi com as mulheres tornando-se atletas e tendo acesso à prática esportiva que cresceu seu entendimento sobre o assunto. O enunciado postado por um homem, em 18/09, “ So ta apresentando porq eh gostosa né!! Talento vem beeeemm depois! ! E já repararam q a maioria das apresentadoras de esportes são gostosas! ! Porq será? !! (sic)”, é exemplo de um discurso para qual Maria Rita Khel (2004, p.175) nos chama a atenção: o fato de que o corpo, na sociedade atual, “pode determinar oportunidades de trabalho. Pode significar a chance de uma rápida ascensão social”. Neste caso, sendo o jornalismo e o esporte também responsáveis pela perpetuação da dominação masculina, a produção de sentido recai na premissa de que é pelas características do seu corpo que Renata Fan se mantém em sua posição de trabalho. A produção de sentido da apresentadora enquanto objeto, em comentários sobre o seu corpo, é um dos mais contundentes vieses pelo qual a ideologia da dominação masculina se materializa. Tal noção ideológica pode ser observada no comentário mais curtido, foram 1353 likes, entre as postagens analisadas. O enunciado “renata minha querida, foda-se o Internacional, o povo brasileiro só quer saber quando vc (sic) vai posar pelada? um grande beijo”, postado por um homem em 17/09, remete à ideia de que a mulher, em nossa sociedade, é vista como objeto erótico, enquanto associada sexual do homem (BEAUVOIR, 2009). A redução do corpo feminino ao estado de objeto se concretiza como um exercício de poder masculino também observado em comentários que tratam da vestimenta de Renata Fan, sobretudo na postagem do dia 17/09, quando ela trajava um vestido vermelho justo e decotado. Observamos este discurso em textos tais como “eu assisti alegre pq esse decote ai ta loco pq a mao chega a treme (sic)”; “ficou louco quando ela vai com esse vestido vermelho. Fico na torcida quando o inter joga e torço pra ele ganha. Renata Fan gostosa pra caralho. Posa nua (sic)”; “Gostei do decote, dava pra abrir mais kkk (sic)”, “Na moral Renata Fan, não prestei atenção em mais nada no programa, a não ser no seu decote”. A mesma formação discursiva é constatada no texto postado em 18/09, no qual um homem inicialmente carrega um discurso de ruptura da concepção que mulher não deve tratar de futebol „Grande Renata Fan‟, jornalista e comentarista de futebol competentíssima da TV Band!!! É uma grande torcedora de seu querido clube Internacional de Porto Alegre, no sul. Sabemos que o ambiente futebolístico é muito machista, onde trabalha (sic) muito mais homens do que mulher, pois bem, é nesse universo masculino que ela comanda com grande maestria, grandes debates esportivos entre seus colegas e convidados que comentam sobre as vitórias e derrotas do seu clube durante e final de semana!!!! Ao falar sobre os clubes, ela fala com tal charme e graciosidade, que sem saber, ela nem percebe que enlouquece o universo masculino, UAU (sic)!!!!!!!!!!!!!!! Bourdieu defende que o próprio ato sexual em si exerce uma relação de dominação, já que é construído e reproduzido de acordo com o princípio de divisão fundamental entre o feminino e o masculino: o desejo masculino reflete uma intenção de posse, de dar prazer para se sentir fonte de prazer, enquanto o desejo feminino é o de ser possuída, de entregar-se à dominação, e tal condição se reflete também no assédio sexual (BOURDIEU, 2003, p. 31). O reconhecimento erotizado de dominação é observado nos discursos para os quais os enunciados nos remetem: “Renata vem deitar e rolar na minha cama e deixa o Inter pra outro dia (sic)” e “ eu também quero ir nessa mamãe gostosa e chupar esses peitos lindos”, ambos postados por homens, nos dias 17/09 e 30/09 respectivamente. Em suma, os comentários analisados neste ensaio, que se mostraram representativos de outros textos, remetem à ideologia da dominação masculina a partir de dois discursos. O primeiro refere-se à ideia de que o esporte, especificamente o jornalismo esportivo, não é um espaço a ser
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