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APG Emergências diabéticas

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Anderson Soares 5ºP IESVAP 
emergências 
 
crises hiperglicêmicas 
A cetoacidose diabética (CAD) e o estado hiperglicêmico 
hiperosmolar (EHH) representam as duas complicações 
agudas mais graves do diabetes melito (DM). 
O EHH é consequente a um déficit relativo de insulina que, em 
último caso, pode levar a hiperglicemia significativa, 
desidratação e hiperosmolalidade. Por outro lado, na CAD, a 
deficiência de insulina é mais intensa, ocorrendo, ainda, a 
produção de corpos cetônicos e acidose metabólica. 
CAD mais frequente em DM1 | EHH mais frequente em DM2. 
CAUSAS 
Os dois principais fatores precipitantes da CAD e do EHH são 
infecções e uso inadequado de insulina (p. ex., omissão da 
aplicação ou descontinuação do medicamento). 
Processos infecciosos frequentes (50% dos casos): 
Pneumonia; Infecções do trato urinário. 
Outros fatores precipitantes são IAM, AVC e pancreatite, bem 
como o uso de medicamentos, álcool em excesso e drogas 
ilícitas. 
Por interferirem na ação e/ou na secreção de insulina, 
diversos fármacos (p. ex., tiazídicos, glicocorticoides, fenitoína, 
agentes simpaticomiméticos, pentamidina etc.) podem 
desencadear CAD ou EHH. 
FATORES PRECIPITANTES DA CAD E DO EHH 
Tratamento inadequado 
Interrupção da administração da insulina ou de 
hipoglicemiantes orais, omissão da aplicação da insulina, 
mau funcionamento da bomba de infusão de insulina 
Doenças agudas 
Infecções (pulmonar, trato urinário, influenza), infarto 
agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, 
hemorragia gastrintestinal, queimaduras, pancreatite 
Distúrbios endócrinos 
Hipertireoidismo, feocromocitoma, síndrome de Cushing, 
acromegalia e diabetes gestacional 
Fármacos 
Glicocorticoides, agonistas adrenérgicos, fenitoína, 
betabloqueadores, clortalidona, diazóxido, pentamidina, 
inibidores de protease, antipsicóticos atípicos (aripiprazol, 
clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona), inibidores 
do SGLT-2 (dapagliflozina, canagliflozina e empagliflozina) 
etc. 
Substâncias 
Álcool (consumo excessivo), ecstasy, cocaína, maconha, 
cetamina etc. 
Desidratação 
Oferta inadequada de água, uremia, diálise, diarreia, sauna 
etc. 
Outros 
Ingestão excessiva de refrigerantes ou líquidos contendo 
açúcar 
 
FISIOPATOLOGIA 
Os defeitos envolvidos resumem-se em: 
1. Deficiência absoluta ou relativa de insulina na CAD ou ação 
ineficaz da insulina no EHH; 
2. Níveis elevados de hormônios contrarreguladores (glucagon, 
catecolaminas, cortisol e hormônio de crescimento), o que 
resulta em aumento da produção hepática de glicose e 
diminuição da utilização de glicose nos tecidos periféricos; 
3. Desidratação e anormalidades eletrolíticas, principalmente em 
razão da diurese osmótica causada pela glicosúria. 
As duas condições resultam de uma condição fisiopatológica 
básica, a insulinopenia, que aumenta a sensibilidade dos 
tecidos à insulina e a atividade da lipase no tecido adiposo, 
com consequente degradação de triglicerídeos em ácidos 
graxos, oxidados a corpos cetônicos (ácidos fortes), 
predominantemente estimulados pelo glucagon. A 
hiperglicemia e a cetonemia favorecem diurese osmótica, 
aumentando a hipovolemia e a redução da filtração 
glomerular, criando um ciclo vicioso. Geralmente na CAD esse 
déficit de insulina é mais grave, condição que proporciona o 
aparecimento da acidose e da cetose. No EHH, os níveis de 
insulina são suficientes para evitar a lipólise e a cetogênese. 
Cetoacidose diabética 
(Hiperglicemia) Resulta de três eventos: 
 (1) aumento da gliconeogênese; (2) glicogenólise 
aumentada; e (3) menor utilização da glicose por fígado, 
músculos e adipócitos. 
emergências
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(Cetonemia) 
A combinação de insulinopenia e excesso de catecolaminas 
propicia aumento do catabolismo do tecido adiposo (lipólise) 
com produção excessiva de AGL e glicerol, os quais, no fígado, 
serão oxidados em corpos cetônicos. 
A diminuição da metabolização periférica destes últimos 
também contribui para aumentar a hipercetonemia e a 
acidose metabólica. 
A deficiência de insulina também possibilita o 
desdobramento do tecido adiposo, com aumento da 
disponibilidade da carnitina e aumento da atividade do 
sistema carnitina aciltrans-ferase (CAT). 
O excesso de glucagon, por sua vez, potencializa a 
cetogênese hepática e aumenta os níveis de CAT. 
Com o agravamento do quadro, acumulam-se os corpos 
cetônicos, e a acidose metabólica se instala. O aumento da 
PaCO2 estimula os centros respiratórios, provocando uma 
respiração rápida e profunda – respiração de Kussmaul. 
(Acidose metabólica) A CAD tipicamente se caracteriza pela 
acidose metabólica com anion gap elevado, a qual resulta do 
acúmulo de cetoácidos. 
 
Estado hiperglicêmico hiperosmolar 
Os níveis circulantes de insulina são suficientes para prevenir 
a lipólise e, consequentemente, a cetogênese, mas 
inadequados para propiciar a utilização de glicose. 
A quantidade de insulina necessária para suprimir a lipólise é 
1/10 menor do que a requerida para estimular a utilização 
periférica de glicose. 
Os pacientes com EHH são também deficientes em insulina. 
Contudo, eles apresentam concentrações mais elevadas de 
insulina (demonstrado pelos níveis basais e estimulados do 
peptídeo C) do que pacientes com CAD. Além disso, nos 
pacientes com EHH, são menores as concentrações séricas 
dos ácidos graxos livres e dos hormônios contrarregulatórios 
(cortisol, GH e glucagon). 
Manifestações clínicas 
A CAD evolui rapidamente dentro de poucas horas após a 
precipitação, enquanto o desenvolvimento do EHH é insidioso 
e pode ocorrer ao longo de dias ou semanas. 
O quadro clínico comum devido à hiperglicemia inclui 
poliúria, polifagia, polidipsia, perda de peso, fraqueza e sinais 
físicos de desidratação, como mucosa bucal seca, olho 
fundo, redução do turgor da pele, taquicardia, hipotensão e, 
em casos graves, choque. 
Respiração de Kussmaul, hálito de cetona, náuseas, vômitos e 
dor abdominal também podem ocorrer principalmente na 
CAD. 
A dor abdominal, que se relaciona com a gravidade da 
acidose, pode ser suficientemente grave para ser confundida 
com abdome agudo em 50 a 75% dos casos. Os pacientes 
podem apresentar hipotermia leve, mesmo com uma 
infecção. 
O nível de consciência na CAD pode variar. Em pacientes com 
EHH, os sintomas incluem turvação do sensório que progride 
para obnubilação mental ou coma. Ocasionalmente, podem 
apresentar déficit neurológico focal e convulsões. 
diagnóstico 
Para calcular a osmolaridade sérica e o anion gap utilizam-
se as fórmulas: 
Osmolalidade sérica efetiva = 2 × (Na+ medido) + glicose/18 
Anion gap = (Na+) – (Cl – + HCO3 –). 
 CAD 
 Leve Moderada Grave EHH 
Glicemia(mg/dℓ) Elevada > 250 Elevada > 250 Elevada > 250 
Geralmente > 
600 
pH arterial 7,25 a 7,3 7 a 7,24 < 7 > 7,3 
HCO3sérico(mEq/ℓ) 15 a 18 10 a 15 < 10 > 18 
Cetonúria e/ou β-hidroxibutirato 
(≥ 2,7 mmol/ℓ ou 27 mg/dl) 
+ + + Francamente + 
Osmolalidade < 330 < 330 < 330 > 330 
Aniongap > 10 > 12 > 12 Variável 
 
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Déficit CAD EHH 
Água total (ℓ) 6 9 
Água (mℓ/kg) 100 100 a 200 
Sódio (mEq/kg) 7 a 10 5 a 13 
Cloro (mEq/kg) 3 a 5 5 a 15 
Potássio (mEq/kg) 3 a 5 4 a 6 
Fosfato (mmol/kg) 5 a 7 3 a 7 
Magnésio (mEq/kg) 1 a 2 1 a 2 
Cálcio (mEq/kg) 1 a 2 1 a 2 
Hemograma 
Na CAD, costuma-se encontrar leucocitose com desvio à esquerda, mesmo quando não há infecção. Habitualmente, a contagem 
de leucócitos varia de 10.000 a 15.000/mm3. Esse achado pareceser causado por aumento dos níveis circulantes de catecolaminas, 
cortisol e citocinas pró-inflamatórias, como, por exemplo, o TNF-α. 1,2,6,33 Contudo, valores > 25.000 leucócitos/mm3 sugerem 
infecção associada possivelmente desencadeando o quadro. Na série vermelha, normalmente se espera aumento do hematócrito 
em decorrência da desidratação. Anemia deve alertar o médico para doenças associadas, principalmente nefropatia e 
hipotireoidismo. 
Tratamento 
As primeiras medidas referemse à estabilização clínica do 
paciente grave, que consiste em garantir vias respiratórias 
pérvias, acesso venoso central e instalar sonda vesical. Além 
disso, após primeiro atendimento em ambiente de urgência, 
o paciente deve ser manejado em centro de tratamento 
intensivo (CTI). 
Hidratação 
• É recomendado, inicialmente, o uso de soro fisiológico 
(SF) 0,9%, 15 a 20 mℓ/kg/h ou 1 a 1,5 ℓ na primeira hora. A 
escolha da solução a ser reposta continuamente vai 
depender do grau de hidratação, da depleção de 
eletrólitos e do débito urinário 
• Em pacientes com hipernatremia, aconselhase 0,45% de 
NaCl infundido em 4 a 14 mℓ/kg/h, e com hipo ou 
normonatremia, 0,9% de NaCl. A meta é repor metade da 
perda estimada em 12 a 24 h 
• Em pacientes com hipotensão, deve ser continuada 
terapia agressiva com SF até que se estabilize a pressão 
arterial 
• É necessário cuidado com pacientes idosos, com 
insuficiência cardíaca ou outras condições que 
restrinjam a reposição vigorosa de líquidos. 
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Insulinoterapia 
• É recomendado o uso intravenoso (IV) de insulina regular em 
bólus de 0,1 U/kg ou infusão contínua de insulina regular 0,1 
U/kg/hora como método de escolha 
• A insulina só deve ser administrada se K + > 3,3 mEq/ℓ 
• A taxa de redução de glicose deve ocorrer entre 50 e 70 mg/h 
• Se a meta não for alcançada, a dose deve ser dobrada 
• Quando a glicemia alcançar 200 ou 300 (CAD e EHH, 
respectivamente), a dose deve ser diminuída para 0,05 U/kg/h 
• A glicemia deve ser mantida entre 150 e 200 mg/dℓ na CAD até a 
cetoacidose ter sido resolvida, e 250 a 300 mg/dℓ no EHH até a 
melhora do estado de consciência e a correção da 
hiperosmolaridade 
• A insulina pode ser passada para a aplicação subcutânea (SC) 
quando houver a melhora da acidose (pH > 7,3, HCO3 > 18 mEq/ℓ). 
Não se recomenda o uso das insulinas ultrarrápidas em CAD 
grave ou EHH, pois não existem estudos que o justifiquem. 
Na CAD, assim que a glicemia estiver abaixo de 200 mg/d ℓ , a 
hidratação deve ser trocada por soro glicosado (SG) 5% com 
redução da dose de insulina até que se controlem a acidose 
e a cetose, evitando rápida correção da hiperglicemia 
(associada ao edema cerebral). No EHH, quando a glicemia 
estiver abaixo de 300 mg/dℓ, devese iniciar SG 5%. As perdas 
urinárias devem ser repostas. Caso contrário, haverá atraso 
na restauração de Na + , K + e déficit de água. 
Reposição de potássio 
• Para prevenir hipopotassemia, o potássio deve ser 
reposto se K + < 5,3 mEq/ ℓ , em pacientes com adequado 
débito urinário 
• Adicionar 20 a 30 mEq de potássio por litro de fluido 
infundido é suficiente para manter o potássio entre 4 e 5 
mEq/ℓ 
• Se ocorrerem hiperpotassemia e oligúria/anúria, devese 
realizar a hidratação antes de iniciar a reposição. 
Reposição de bicarbonato 
• Em pacientes com CAD com pH > 7, a terapia com insulina inibe 
a lipólise e corrige a cetoacidose sem necessidade do uso do 
bicarbonato 
• Se pH < 6,9, devem ser administrados 100 mmol de bicarbonato 
de sódio + 400 mℓ de água destilada (AD), titulandose 200 mℓ/h 
durante 2 h até alcançar o pH > 7. O tratamento pode ser repetido 
a cada 2 h, se necessário. 
Monitoramento 
Acompanhar parâmetros laboratoriais a cada 2 a 4 h 
(gasometria, função renal, glicemia, ionograma). 
Critérios de resolução para cetoacidose diabética: 
• Glicemia < 200 mg/dℓ 
• Bicarbonato plasmático > 18 mEq/ℓ 
• pH > 7,30 
• Anion gap < 12 
São critérios de resolução para estado hiperosmolar 
hiperglicêmico: 
• Osmolalidade plasmática < 320 mOsm/kg 
• Recuperação gradual do estado de consciência. 
Uma vez resolvida a CAD, o paciente pode se alimentar e 
iniciar múltiplas doses de insulina (lenta e rápida). A insulina 
IV deve ser continuada por 1 a 2 h após a realização da dose 
de insulina SC, para manter níveis adequados de insulina 
plasmática. Se o paciente não puder se alimentar, devese 
manter a insulina venosa e a reposição de fluidos. Os 
pacientes já diagnosticados com DM devem voltar a receber 
doses de insulina antes da CAD. Para pacientes com 
diagnóstico recente, é preciso calcular a dose de 0,5 a 0,8 
U/kg/dia de ambas as insulinas até que se estabeleçam 
valores adequados. 
REFERÊNCIAS 
Endocrinologia clínica / Lucio Vilar ... [et al.] - 6. ed. - Rio de Janeiro: 
Guanabara Koogan, 2016. 
Bandeira, Francisco Protocolos clínicos em endocrinologia e diabetes 
/ Francisco Bandeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

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