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A produção popular em relação à erudita e no contexto da cultura popular Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir o que é cultura popular. � Diferenciar produção literária popular e erudita. � Reconhecer o contexto de circulação da cultura popular. Introdução É bem provável que você já tenha ouvido falar em cultura popular, música popular, literatura popular. O termo popular é bastante am- plo e, dependo do contexto em que é utilizado, pode adquirir sig- nificados bem distintos. Neste texto, você irá conhecer um pouco mais da cultura popular e a diversidade de produções a partir daí produzidas. O que é cultura popular? Você que está começando a estudar um pouco da literatura popular precisa entender de que modo essa literatura se desenvolve e por que há necessidade de contrastar cultura popular com cultura erudita. Antes de qualquer coisa, convém discutirmos o conceito de cultura. A palavra cultura vem do latim colo, que significa cultivar o campo. Mas que relação se estabelece aí? A cultura é o resultado do trabalho do homem. O trabalho com a terra para obter um produto envolve uma série de memórias e esforços coletivos, compartilhados por aqueles que trabalham juntos. U N I D A D E 1 Daí podemos definir cultura como o conjunto de práticas, técnicas, sím- bolos e valores de determinada sociedade e que devem ser transmitidos às próximas gerações para se reproduzam e permitam a coexistência social. E por que diferenciamos cultura erudita e cultura popular? A cultura erudita é apresentada a nós o tempo todo: é aquela que se ensina na escola, que se valoriza como uma criação refinada, que leva as pessoas a quererem praticá-la e conhecê-la mais. No entanto, a cultura popular também faz parte de nossa vida. Desde as cantigas de infância, os trava-línguas, os provérbios, tudo isso compõe um conjunto de práticas que vivenciamos dia- riamente e que, muitas vezes, nem consideramos como parte de nossa cultura. Ambas as culturas, com suas particularidades, devem ser conhecidas e repro- duzidas. A cultura popular, no Brasil, tem sido tratada de dois modos distintos. Por um lado, é considerada inferior à cultura erudita, não digna de ser estudada, produto de pessoas “ignorantes” e pouco instruídas, analfabetas, que não tem bom gosto. Por outro lado, é exaltada como algo “exótico”, primitivo, autên- tico, que precisa ser protegida e resgatada. Se consideramos a cultura como algo em constante transformação, pos- sível de assimilações e adaptações, que reflete os interesses e práticas de um grupo, nem uma, nem outra acepção estão corretas. A cultura popular não é inferior porque não segue padrões tidos como “elevados” por determinado grupo, ela segue outros padrões estéticos. Da mesma forma, não é frágil, nem mais autêntica. Não há necessidade de ser preservada. Se determinadas prá- ticas culturais deixam de existir é porque já não cumpriam mais sua função. Assim, quando o assunto é cultura, devemos sempre falar no plural, nas várias culturas que nos cercam e em todas as suas complexidades e desdobra- mentos, já que não há uma unidade que as reúna em um único conceito. Entre o popular e o erudito Historicamente, a distinção entre popular e erudito foi acentuada a partir do século XVIII, com a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia. Com isso, a distinção de classes e o poder exercido pela burguesia levaram a um in- teresse maior em definir o clássico e o erudito e, assim, valorizar tudo aquilo que se produzia no meio burguês (em oposição àquilo que os trabalhadores em geral produziam como arte). Então, o que não se encaixava nessa estética burguesa era considerado popular e, de certa forma, menosprezado. Literatura popular2 O termo erudito vem do latim eruditus e significa ensinado, doutrinado. Já popular vem de populus, aquilo que é produzido pelo povo. Assim, parece que o erudito é melhor, mais bem feito, mais elaborado, enquanto o popular é improvisado, sem estilo. Será que é isso mesmo? No entanto, a distinção entre popular e erudito é bem mais antiga. Para simplificar, podemos perceber que, ao longo de toda a História, sempre houve dominantes e dominados, pobres e ricos. Assim, as produções de uns e outros recebiam o status do grupo que a produzia. Por exemplo, a arte clássica era valorizada como um produto cultural de elite, enquanto a arte popular, muitas vezes, nem tinha seu artista conhecido e era vista como mais simples, menos elaborada e, até, nem digna de ser considerada arte. Tudo isso porque a cultura dos dominantes (e suas produções) era mais valorizada do que a cultura do povo, simplesmente porque as elites gostavam de apreciar e consumir o que era produzido por seus pares. Figura 1. A orquestra sinfônica adquire valor estético superior no final do século XVIII, tornando-se um mo- delo de “erudição” e de “bom gosto” (LUYTEN, 1992). Fonte: MSSA / Shutterstock.com. 3A produção popular em relação à erudita e no contexto da cultura popular Você vai perceber que definir cultura popular como aquela produzida pelo povo é bem mais complicado. Em primeiro lugar, qual o conceito de povo que podemos adotar? A cultura popular é aquela produzida pelo povo, para o povo ou sobre o povo? Muitos folcloristas e teóricos têm discutido sobre o assunto e proposto algumas sugestões. Não devemos considerar o erudito melhor ou mais bem feito que o popular, nem o contrário: o fato de ser popular não é mais autên- tico, nem melhor. Trata-se de produções simplesmente diferentes. Vamos considerar, então, que a cultura erudita refere-se a uma tendência de produções artísticas individuais que atendem a um grupo autônomo com necessidades comuns, valendo-se de uma linguagem consciente de seus fins. Em geral, essas produções seguem modelos e tendências legitimados pelo grupo ao qual pertencem. As escolas, os livros e as Academias divulgam e ensinam a partir dessas práticas. Já a cultura popular reúne produções que possuem origem em costumes, experiências e práticas coletivas. Estas são conhecidas e reproduzidas com frequência em determinados grupos. Sua transmissão se dá pela tradição e pela oralidade, quase sempre. A origem da cultura popular e de suas pro- duções artísticas está associada a eventos como festas religiosas, colheitas, afazeres domésticos, crenças e lendas. No século XIX, na Europa, surgiu o Romantismo. Um de seus pressupostos foi a valo- rização de todo o saber popular. Assim, pesquisadores e folcloristas dedicaram-se a “redescobrir” as produções artísticas do povo, aquelas que não circulavam nos grandes salões. Você já deve ter ouvido falar nos irmãos Grimm e em contos como “Chapeu- zinho vermelho” e “A princesa e o sapo”. Essas obras ficaram conhecidas mundialmente porque os irmãos Grimm fizeram o registro escrito dessas histórias populares que cir- culavam pela Europa através da oralidade. Contextos de produção e circulação da cultura popular Vimos acima que as escolas tendem a divulgar e a valorizar as produções ar- tísticas eruditas. O que nos interessa, neste momento, é compreender os meios de produção e circulação da cultura popular. Literatura popular4 A cultura popular engloba uma série de práticas, muitas delas associadas a eventos como festas religiosas, rituais, trabalho, educação, crenças. Daí re- sultam canções, contos, trovas, danças, arte em cerâmica, tecido, xilogravuras e uma grande quantidade de outras produções. Apesar da diversidade, todas têm em comum o fato de apresentar algum significado no meio em que circulam. O Bumba-Meu-Boi é uma dança do folclore brasileiro que envolve o boi como “personagem principal”, em uma referência ao ciclo do couro brasileiro. No entanto, incorpora elementos indígenas e africanos. Isso mostra como a cultura popular é fluida e permite a incorporação e transformação de vários elementos. A lenda do boi que ressuscita apresenta várias versões. Outras expressões culturais, comocontos, cordéis e trovas, também fazem referência à lenda. Em todo o Brasil, a festa ganha elementos regionais. No Amazonas, o famoso Festival Nacional de Parintins reúne grande público para acompanhar os desfiles dos bois Caprichoso e Garantido. Figura 2. O dançarino brasileiro Carlinhos de Jesus em uma festa de Bumba- -Meu-Boi. Fonte: André Luiz Moreira / Shutterstock.com. Esse exemplo ilustra como a cultura se transforma com o passar do tempo e com os novos valores atribuídos a ela. Isso não é uma fragilidade. Pelo contrário, a possibilidade de outros elementos serem incorporados e de novos sentidos serem dados é o que garante a sua continuidade. Já uma obra erudita, como, por exemplo, a 5ª Sinfonia de Beethoven, apesar de poder ganhar novos 5A produção popular em relação à erudita e no contexto da cultura popular arranjos e ser apresentada em espaços inusitados, será sempre a obra produ- zida por Beethoven. Do contrário, deixaria de ser o que é. Embora pareça diversão e esteja vinculada a festas e celebrações, a pro- dução cultural popular possui, acima de tudo, uma função utilitária. Você se lembra da moral da história ao final dos contos de fada? Lembra-se da história de Chapeuzinho Vermelho? Lembra-se da moral da história: é perigoso andar sozinha pela floresta? A função utilitária está associada a um senso de praticidade. Ou seja, ao contar uma história, cantar uma canção, produzir uma escultura, busca-se transmitir um ensinamento. Esse ensinamento costuma estar associado às ex- periências de vida dos mais velhos, às práticas diárias do trabalho e à sabe- doria acumulada ao longo dos anos. Conforme o tempo passa e essa cultura se desenvolve, muitas vezes nem percebemos o ensinamento por trás de determinados produtos ou, quando muito, identificamos resquícios desses conselhos. É o caso, por exemplo, de provérbios e ditados populares. Repetimos várias vezes frases como “Água morna em pedra dura tanto bate até que fura” ou “Colocar a carroça na frente dos bois”, sem saber sua origem e o seu contexto de produção. Porém, são frases cujos sentidos são conhecidos e repetidos, com o objetivo de instruir, orientar ou resumir alguma atitude. A produção artística popular está relacionada com os hábitos, os costumes e as influências culturais de cada região. O Brasil, como sabemos, é um país de grandes extensões. Seu processo de colonização e desenvolvimento in- fluenciou diretamente naquilo que se produziu aqui como arte. Temos a influ- ência europeia (portugueses, espanhóis, holandeses, alemães, italianos, entre outros) que trouxe consigo sua cultura e suas práticas sociais. Também não podemos esquecer o elemento local – a cultura indígena – e a forte presença africana no Brasil. Essa especial conjuntura compôs a riqueza de nossa cul- tura em suas várias formas de expressão, formando uma espécie de sincre- tismo cultural. Literatura popular6 A palavra folclore vem do inglês folklore e significa os saberes do povo. Embora popular e folclórico sejam termos afins, não significam a mesma coisa. Usamos folclore para referir práticas culturais antigas, e popular envolve todo o conjunto de práticas não oficiais (não eruditas). Ou seja, nem toda produção popular é folclórica, mas todo fol- clore é popular. Um exemplo do folclore popular é o Saci: personagem cuja origem é bastante antiga, mas amplamente assimilada na cultura brasileira. O rap, por sua vez, compõe a cultura popular, mas não o nosso folclore. Se, originalmente, a cultura popular brasileira estava associada aos mais pobres e iletrados, não podemos afirmar que isso ainda seja verdade. As cul- turas estão sempre em processo de transformação e adaptação. A escrita, a televisão, os meios digitais e a globalização são todos fatores importantes no processo de disseminação e adaptação das culturas. 1. A que o conceito de cultura está associado? a) A uma imposição histórica por parte da Igreja e das instituições de ensino. b) A um conjunto de produções socialmente definidas que envolvem saberes e hábitos comuns. c) A formas fixas de comportamento e valores, que não mudam ao longo do tempo. d) Exclusivamente a produções artísticas reconhecidas pelas elites sociais. e) A teorias que definem o que deve ser considerado Belo em cada período da História. 2. Ao diferenciar cultura erudita e cultura popular, o que se deve considerar? a) O que determinam os críticos de arte. b) A antiguidade de cada uma delas. c) A distinção entre escrita e orali- dade. d) A região do país onde se desen- volvem. e) O meio de produção e de circu- lação de cada uma delas. 3. (ENEM 2010) O folclore é o retrato da cultura de um povo. A dança popular e folclórica é uma forma de representar a cultura regional, pois retrata seus valores, crenças, trabalho conhecê-la, é de alguma forma se 7A produção popular em relação à erudita e no contexto da cultura popular apropriar dela, é enriquecer a própria cultura. (BREGOLATO, R. A. Cultura Corporal da Dança. São Paulo: Ícone, 2007.) As manifestações folclóricas perpe- tuam uma tradição cultural, é obra de um povo que a cria, recria e a per- petua. Sob essa abordagem deixa-se de identificar como dança folclórica brasileira: a) Não apresentam método de com- posição, nem seguem fórmulas preestabelecidas. b) Envolvem um conjunto de prá- ticas antigas, não sendo possível falar em cultura popular produ- zida nos dias atuais. c) Sua autoria nunca é possível de determinar. d) Atendem a princípios de utili- tarismo e, muitas vezes, servem como conselhos e exemplos de condutas a serem seguidas. e) Surgiram no Brasil no início do século XIX, com o Romantismo. 4. Leia o seguinte trecho do poema popular Os martírios de Rosa de Milão: Num alfarrábio francês Foi esta lenda encontrada O caso foi doloroso A cena foi complicada Do falso duma madrasta E o sofrer duma entiada Numa cidade da Itália Denominado Milão Residia um alfaiate Chamado Paulo Bairão Casado segunda vez Com uma fera dragão Alvina era seu nome Mulher perversa e malvada Nunca concebeu um filho Enquanto viveu casada Mas casou com este velho Encontrou uma entiada. (PROENÇA, 1986, p.99) Nesses versos, o que se pode perce- ber? a) O preconceito em relação às madrastas, que era mais comum na cultura popular do que na erudita. b) A grande circulação das histórias da tradição popular, que chegam ao Brasil e ganham novas formas e novos significados. c) A rigidez métrica, que é própria da literatura erudita. d) Uma narrativa em versos, algo pouco comum na literatura erudita. e) Um tema próprio da literatura erudita, já que envolve a cidade de Milão e a cultura italiana. 5. Sobre as produções da cultura po- pular, assinale a alternativa correta. a) Não apresentam método de com- posição, nem seguem fórmulas preestabelecidas. b) Envolvem um conjunto de prá- ticas antigas, não sendo possível falar em cultura popular produ- zida nos dias atuais. c) Sua autoria nunca é possível de determinar. d) Atendem a princípios de utili- tarismo e, muitas vezes, servem como conselhos e exemplos de condutas a serem seguidas. e) Surgiram no Brasil no início do século XIX, com o Romantismo. Literatura popular8 LUYTEN, J. M. O que é literatura popular. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. (Col. Primeiros Passos.) PROENÇA, M. C. Literatura popular em verso (antologia). Belo Horizonte/São Paulo: Ita- tiaia/EDUSP, 1986. Leituras recomendadas ARANTES, A. A. O que é cultura popular. 14 ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. PEREIRA, E.; GOMES, N. P. M. Flor do não esquecimento: cultura popular e processos de transformação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 9A produção popular em relação à erudita e no contexto da cultura popular
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