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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO MÁRCIO BATISTA BARBOSA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS DO BRASIL: UM NOVO OLHAR CONSTITUCIONAL FORTALEZA 2022 MÁRCIO BATISTA BARBOSA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS DO BRASIL: UM NOVO OLHAR CONSTITUCIONAL Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva. FORTALEZA 2022 about:blank about:blank FICHA CATALOGRÁFICA MÁRCIO BATISTA BARBOSA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS DO BRASIL: UM NOVO OLHAR CONSTITUCIONAL Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Drª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva. Aprovada em: / / . BANCA EXAMINADORA Prof.ª Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC) Dra. Fátima Maria Rosa Mendonça (Membro) Juíza Titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Fortaleza – TJCE Antonio Alex Deyson Tomaz (Membro) Mestrando da UFC about:blank about:blank about:blank A greve dos policiais militares no Ceará é ilegal, mas os policiais não podem ser tratados como criminosos. “O governo federal vê com preocupação a paralisação que é ilegal da Polícia Militar do estado (Ceará). Claro que o policial tem que ser valorizado, claro que o policial não pode ser tratado de maneira nenhuma como um criminoso. O que ele quer é cumprir a lei e não violar a lei, mas de fato essa paralisação é ilegal, é proibida pela Constituição. O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu isso”. (Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública). AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, pelo dom da vida e pela força de vontade de vencer. À minha mãe, Maria Gorete, que sempre me incentivou e fez de tudo para que eu pudesse ser um bom filho, com seu amor, dedicação e suas orações, típicos de uma mãe zelosa. Ao meu pai, Raimundo Batista (in memoriam), agricultor e pequeno comerciante, vítima da violência em 1985, que, em que pese eu ter ficado órfão aos 7 anos, muito contribuiu para a minha primeira formação, sendo meu maior exemplo de esforço, dedicação e, sobretudo, amor. À minha esposa, Clêangela Batista, por me ajudar cotidianamente a traçar os nossos planos de futuro, trabalhando arduamente, em comunhão, pelo futuro dos nossos descendentes. Aos meus filhos, Mateus e Davi, pelo amor com que me olham e por serem os meus maiores motivadores, o verdadeiro combustível da minha força de vontade e coragem de lutar. Aos meus irmãos, André, Michael, Josefa, Áurea, Otoniel e Natanael (in memoriam), este, vítima da violência da Covid-19, que me fizeram crer que é possível vencer na vida. Aos meus sobrinhos-irmãos, Oséas Filho, Lucas e Israel, pela grande motivação e por sempre acreditarem que eu seria um projeto de vida e de perseverança que daria certo. Ao meu cunhado-pai, Oséas Pereira de Araújo, pela grande motivação, ensinamentos, apoio e, principalmente, por ter provido meu sustento, durante grande parte da minha vida. Aos meus sogros, José Sabino e Cleomar, pelo acolhimento, motivação, respeito, apoio e, sobretudo, pela dedicação, fundamental para que a nossa família concretize os nossos sonhos. Aos meus cunhados, Jucinara, Meire, Leide, Lene, Cléa Mara e Juarez, pela motivação, respeito, cuidados e apoio, sentimentos fundamentais na nossa longa caminhada. Aos meus sobrinhos, Lincoln, Joás, Fernando, Pedro, Nicole, Joaquim, Lícia Maria e Miguel, por fazerem parte das nossas vidas e dos nossos cuidados. À professora Fernanda Cláudia que, na Faculdade de Direito, me fez acreditar que o direito também pode ser libertador, um instrumento de luta em favor dos menos favorecidos. À professora Fernanda Cláudia, pela paciência e pelo profissionalismo com que conduziu a orientação desta monografia e, aqui, registro minha humilde gratidão, e aos demais membros da banca examinadora, à Juíza de Direito Dra. Fátima Maria Rosa Mendonça e ao Mestrando da UFC Antonio Alex Deyson Tomaz, por terem aceitado o encargo de bem e fielmente participarem desta banca examinadora, momento ímpar na vida de estudante e, mormente, da graduação no curso da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Salmos 127:1 about:blank Tenente é presa por abandonar posto ao lavar farda suja de menstruação (28/out/2021) A tenente conta que liberou os policiais que estavam na viatura para almoçar e saiu do local onde estava como supervisora da área, pelo Batalhão de Policiamento Turístico (BPTUR), também para almoçar no quartel. A oficial precisou lavar o fardamento, uma vez que estava sujo de sangue de menstruação. Enquanto o uniforme secava, ela foi para a porta do quartel pegar uma quentinha, à paisana. Um coronel flagrou a situação e conduziu a policial para a Coordenadoria de Polícia Judiciária Militar (CPJM). Caso recente Uma policial militar do Maranhão foi presa, no dia 5 de setembro deste ano (2021), por se recusar a fazer hora extra, uma vez que precisava amamentar o filho. (https://www.metropoles.com/brasil/tenente-e-presa- por-abandonar-posto-ao-lavar-farda-suja-de- menstruacao) about:blank about:blank about:blank about:blank about:blank about:blank RESUMO Procura-se analisar e propor a desmilitarização das polícias e órgãos de segurança pública do Brasil, a partir de um novo dispositivo constitucional, com amparo nas cartas internacionais sobre direitos humanos, bem como nos princípios norteadores da boa Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica, contraditório e ampla defesa constitucionais. O objetivo é fazer uma avaliação da militarização das polícias do Brasil e como esse regime prejudica a eficiência da atividade de segurança pública. Visa-se, ainda, propor a desmilitarização dos órgãos de segurança pública, como medida eficaz para concretizar a eficiência insculpida no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. No trabalho em tela, apontam-se falhas, criticando os abusos cometidos por gestores, ou seja, governos, sugerindo soluções, a partir de um novo dispositivo constitucional, bem como sua regulamentação na legislação infraconstitucional. Ademais, cabe esclarecer que destacaremos os aspectos do regime militar no seio das instituições de segurança pública, o histórico da polícia no Brasil, a desumana jornada de trabalho de até 96 (noventa e seis) horas semanais, o assédio moral, a mitigação da liberdade de expressão, o cerceamento da ampla defesa e do contraditório, o desrespeito a preceitos fundamentais de direitos humanos, que refletem diretamente, de forma negativa, no mau rendimento dos profissionais, quando da execução das atividades típicas de forças de segurança. Por consequência, tornam a prestação estatal do serviço de segurança pública precário, penoso, insalubre e ineficaz, em face da escalada incontrolável da violência. Por fim, analisam-se em que aspectos a desmilitarização resultariaem melhores condições de trabalho para os profissionais, os quais passariam a ser servidores públicos civis, tais como funcionam as forças policiais civis da União Federal, quais sejam, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Penal Federal (PPF). Para tanto, utiliza-se de pesquisas bibliográficas, baseadas, mormente, em estudos do direito administrativo, da teoria constitucional e da sociologia jurídica, seguindo um percurso metodológico a partir do estudo de literatura sobre os problemas da polícia militar no Brasil, bem como sobre o princípio constitucional da eficiência, abordando fatos noticiados em jornais e estudando obras que tratam de tais questões de modo mais adequado e específico. Palavras-chave: Polícia. Desmilitarização. Segurança Pública. Direitos Humanos. Sociedade. ABSTRACT It seeks to analyze and propose the demilitarization of the police and public security bodies in Brazil, based on a new constitutional provision, based on international charters on human rights, as well as on the guiding principles of good Public Administration, namely, legality, impersonality, morality, publicity, efficiency, reasonableness, proportionality, legal certainty, contradictory and full constitutional defense. The objective is to make an assessment of the militarization of the police in Brazil and how this regime harms the efficiency of public security activity. It is also intended to propose the demilitarization of public security bodies, as an effective measure to achieve the efficiency enshrined in article 37 of the Federal Constitution of 1988. In the work on screen, flaws are pointed out, criticizing the abuses committed by managers, that is, governments, suggesting solutions, from a new constitutional device, as well as its regulation in the infraconstitutional legislation. Furthermore, it should be clarified that we will highlight aspects of the military regime within public security institutions, the history of the police in Brazil, the inhuman working day of up to 96 (ninety-six) hours per week, moral harassment, the mitigation of freedom of expression, the restriction of ample defense and the adversary, the disrespect to fundamental precepts of human rights, which directly reflect, in a negative way, in the poor performance of the professionals, when carrying out the typical activities of security forces. Consequently, they make the state provision of public security service precarious, painful, unhealthy and ineffective, in the face of the uncontrollable escalation of violence. Finally, we analyze in which aspects demilitarization would result in better working conditions for professionals, who would become civil servants, such as the civil police forces of the Federal Union, namely, the Federal Police (PF), Federal Highway Police (PRF) and Federal Criminal Police (PPF). In order to do so, bibliographic research is used, based mainly on studies of administrative law, constitutional theory and legal sociology, following a methodological approach based on the study of literature on the problems of the military police in Brazil, as well as on the constitutional principle of efficiency, approaching facts reported in newspapers and studying works that deal with such questions in a more adequate and specific way. Keywords: Police. Demilitarization. Public security. Human rights. Society. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................12 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.................16 2.1 Princípios da administração pública: expressos e implícitos............................................16 2.2 Relevância dos princípios constitucionais........................................................................24 2.3 Extensão do princípio da eficiência..................................................................................25 2.4 Princípio da eficiência na atualidade................................................................................26 2.5 Paralelo entre eficiência e efetividade..............................................................................27 3 MILITARIZAÇÃO DO SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA.............................29 3.1 Polícias e Bombeiros Militares: as Forças de Segurança do Estado................................29 3.2 Defesa do Estado Nação e da Sociedade na Constituição Federal...................................30 3.3 Desrespeito aos direitos humanos dos profissionais.........................................................31 3.4 Organização e ascensão na carreira militar.......................................................................35 3.5 Jornada de trabalho dos servidores militares....................................................................36 4 DESMILITARIZAÇÃO: NOVO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL....................37 4.1 Filosofia de polícia comunitária: polícia e comunidade...................................................38 4.2 Segurança jurídica, relação de confiança e aproximação da sociedade............................40 4.3 Desmilitarização da segurança pública: uma nova estrutura constitucional.....................43 4.4 Progressão e promoção nas novas carreiras dos servidores policiais civis.......................48 4.5 Jornada de trabalho do servidor policial civil...................................................................50 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................51 REFERÊNCIAS…………………………………………………….……………...............54 12 1 INTRODUÇÃO O militarismo é um sistema baseado na hierarquia e disciplina, adotado pela Constituição Federal de 1988, aplicável às Forças Armadas, quais sejam, Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Aeronáutica (Força Aérea Brasileira), bem como às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, sendo estas corporações tratadas como forças auxiliares e reservas do Exército brasileiro. Sobre a hierarquia, entendida como ordenação progressiva de autoridade, é necessária para fixar funções e responsabilidades. Acerca da disciplina, entendida como obediência às funções que se deve desempenhar, é fundamental para o desenvolvimento regular das atividades. Peculiar a todas as instituições públicas, independentemente da complexidade, a hierarquia é a ordenação de funções em diferentes graus, e disciplina é a necessidade de observância fiel das funções por cada servidor, para concretização dos fins a que se destinam. O regime militar, típico das forças armadas, é um regime de exceção, aplicável apenas às instituições militares típicas de estado, nos casos e destinadas à defesa da pátria, da lei e da ordem, ou seja, em casos extremos, tais como a defesa externa (guerra ou ameaça de guerra) e, como política de segurança interna, para a garantia da lei e da ordem. No Brasil, o regime militar é erroneamente tratado como regra, sendo incorporado, inclusive, diretamente na relação de trabalho entre Estado e agentes da segurança pública, integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares. Indiretamente, hodiernamente, vê-se a militarização de ministérios e órgãos do serviço público federal civil. A atividade de polícia judiciária no Brasil, com o objeto de apurar a autoria e materialidade das infrações penais, nas fases de investigação e inquérito, ficam a cargo das polícias civis estaduais e federal. No que diz respeito às atividades de polícia ostensiva, são exercidas pela Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, nas suas respectivas competências e circunscrições, como dispõe o artigo 144 da Constituição Federal de 1988. O militarismo aplicado às corporaçõese seus agentes de segurança pública, com base na rígida hierarquia e disciplina, na obediência inconteste aos comandos superiores, revela-se um regime opressor e desumano, que incide tanto sobre os agentes oficiais quanto às praças, estes de mais baixa patente (graduação) dentro dessa hierarquia, são submetidos a jornadas de 13 trabalho excessivas e, além de sofrerem assédio moral de toda sorte, não dispõem de instrumentos de defesa, o que provoca diversos problemas psicológicos e, inclusive, suicídios. As polícias do Brasil nada têm a ver com o Exército. São instituições destinadas a garantir direitos e liberdades dos cidadãos, que estejam sendo violados, por meios pacíficos ou por uso comedido de força, associado à mediação de conflitos, nos marcos da legalidade e em estrita observância dos direitos humanos. Deste modo, qualquer projeto consequente de reforma dos órgãos de segurança pública militares, para transformar métodos de gestão e racionalizar o sistema operacional, tornando-os menos reativo e mais preventivo, precisa começar defendendo o rompimento secular com o Exército, através da desmilitarização. Sobre os abusos e absurdos praticados, em pleno século XXI, em nome do regime militar nas corporações, pode-se destacar a prisão em flagrante de uma mulher policial, oficial da Polícia Militar do Ceará (PMCE), simplesmente por ter tirado a farda para lavar, durante o serviço de plantão, tendo em vista que o uniforme estava sujo de menstruação. Ela foi presa quando saía do quartel, para pegar uma marmita para almoçar. Noutro caso, a prisão de uma mulher policial, praça da Polícia Militar do Maranhão (PMMA), por ter se recusado a fazer hora extra de trabalho após as 20:00h, sendo esta recusa para amamentar o filho de 2 anos. No Estado do Ceará, muitos policiais militares e bombeiros militares foram demitidos, pelo simples fato de participarem de uma reunião pacífica de associação representativa, mesmo a Constituição Federal assegurando o direito de participar de associação e reunião, posto que veda apenas a sindicalização, sendo plena a liberdade de associação para fim lícito. A problematização que dá luz à presente monografia põe termo à seguinte questão: de que modo a desmilitarização das polícias do Brasil é capaz de materializar a eficiência na prestação do serviço de segurança pública, buscando a execução de um serviço de excelência? O objetivo geral do trabalho em tela, é analisar as razões que tornam a desmilitarização uma medida viável, para a prestação de uma segurança pública de excelência, por meio da execução de um serviço humanizado, qualificado e eficiente, do ponto de vista dos fins a que se destinam, quais sejam, a proteção dos profissionais e dos membros da sociedade. Destarte, o enfoque será feito a partir das condições de trabalho dos profissionais e dos problemas que estes enfrentam, em face da militarização nas corporações, mazelas estas responsáveis pela ineficiência e fragilidades do serviço público prestado pelos Estados e Distrito Federal. 14 Os objetivos específicos consistem em compreender os questionamentos sobre a eficiência na prestação do serviço de segurança pública, analisar os problemas ocasionados pelo militarismo e como isso influencia negativamente no desempenho das atividades dos profissionais; analisar os aspectos que distanciam o policial militar da sociedade; e as vantagens da desmilitarização para os agentes e para a eficiência do serviço junto à sociedade. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica, de modo que o trabalho se debruça sobre a produção escrita acerca do tema. Primeiro, selecionaram-se os livros que tratam sobre os tópicos mais gerais acerca do presente trabalho, quais sejam, a desmilitarização das forças policiais, segurança pública e princípios constitucionais. Nesta senda, artigos, monografias e dissertações sobre o assunto em estudo, com tratamento mais específico sobre o serviço de segurança pública, constitucionalismo, princípio da eficiência e poder de polícia. Face às devidas leituras, tanto dos livros quanto das obras em análise, abriu-se uma nova investigação mais acurada, tendo como substrato os projetos de desmilitarização, o assédio moral no âmbito das polícias, a problemática da jornada de trabalho excessiva, os abusos da hierarquia militar e a legislação de regência dos militares. Princípios e conceitos do Direito Administrativo, presentes neste trabalho, foram extraídos da doutrina pátria, em especial das obras de Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, Marçal Justen Filho e Irene Patrícia Nohara. No tocante à discussão sobre o constitucionalismo, utilizou-se como referencial teórico, a obra de Paulo Bonavides e do ministro Luís Roberto Barroso (STF). A bibliografia utilizada elucidou vários pontos cruciais, já delineados anteriormente, posto que nunca foi observado de forma mais acurada, com relação aos abusos que os agentes de segurança pública sofrem no seio das corporações militares. Entretanto, percebe-se que há inúmeros trabalhos que se prestam a analisar as propostas de desmilitarização apresentadas no Congresso Nacional. Portanto, a maioria se debruça sobre a discussão do ciclo completo de polícia, dando enfoque à unificação das polícias civil e militar, gerando novo formato, através do ciclo completo da atividade policial. Outrossim, sobre a desmilitarização, muitos trabalhos têm como base a sociologia jurídica, sem ingressar nas discussões afetas ao direito público. Ademais, a obra mais recente sobre a desmilitarização, é do Luiz Eduardo Soares, doutor em ciência política, ex-secretário nacional de segurança pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública. 15 O primeiro capítulo elucida como os princípios eram tratados antes do constitucionalismo. Em seguida, passa-se a analisar o tratamento dispensado aos princípios, a partir do fortalecimento do constitucionalismo, passando de simples postulados para normas diretas. Explica, ainda, a dimensão que os princípios tomaram com o chamado neoconstitucionalismo. Trata sobre a formação do entendimento acerca do princípio da eficiência, inserido na nova gestão pública. Por fim, explicita-se qual definição de eficiência é investigada no presente trabalho, a saber, a efetividade, a qual busca o serviço de excelência. O segundo capítulo trata dos pontos em que o regime militar, além de subjugar o agente de segurança pública, enseja desmotivação e influencia negativamente no desempenho. Explicita como nasceu, historicamente, a formação da polícia militar atual, sucessivamente marcada pelo autoritarismo, funcionando como braço armado dos agentes políticos do Estado. Trata, ainda, dos direitos fundamentais dos profissionais, os quais são desrespeitados, sob o manto das leis que regem o regime militar, implicando em assédio moral de toda sorte, falta de urbanidade, jornada de trabalho desumana e cerceamento de direitos fundamentais. Por fim, o terceiro e último capítulo é um contraponto ao segundo e, além de ser propositivo, faz as devidas colocações de como os problemas apresentados serão solucionados, com a desmilitarização das polícias do Brasil, a partir de um novo dispositivo constitucional, bem como a sua devida regulamentação na legislação infraconstitucional. 16 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo à Administração Pública, qual seja, o Capítulo VII do Título III e, no seu art. 37, elencou de modo expresso apenas cinco princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sendo este último acrescentado pela EC nº 19/1998. Além desses princípios deve-se levar em conta os demais princípios constitucionais, a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos (CARVALHO FILHO, 2014). 2.1 Princípiosda administração pública: expressos e implícitos Cabe destacar, ainda, que os princípios revelam as diretrizes fundamentais da administração pública, de tal modo que só se poderá considerar válido o ato administrativo, se este estiver compatível com os seus princípios norteadores. 2.1.1 Princípio da legalidade O princípio da legalidade é inerente ao Estado Democrático de Direito, uma vez que em um Estado chamado de Direito, toda e qualquer atuação, seja do poder público, seja do particular, deve fundamentar-se na lei. Enquanto o poder público só pode fazer o que a lei autoriza, o particular só não pode fazer o que a lei proíbe. A Lei nº 9.784/1999 prevê, assim como a Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade como sendo de obrigatória observância pelo administrador público, de forma que a atuação deste não depende de qualquer vontade pessoal, estando vinculado à lei administrativa que, geralmente, trata de matéria de ordem pública, cujos preceitos não poderão ser descumpridos, ou seja, a natureza da função pública determina que os gestores devam cumprir os deveres e exercitar os poderes que a lei impõe (MEIRELLES, 2012). Destarte, o princípio em análise contrapõe-se diametralmente à ideia de autoritarismo, bem como a qualquer tendência personalista do administrador, visto que em um Estado Democrático de Direito todo poder emana do povo, sendo o administrador nada mais que representante dos interesses públicos, devendo exercer o poder pelo povo e não visando seus próprios interesses, confirmando a máxima regra do direito, não do particular (MELLO, 2014). 17 Neste sentido, a doutrina europeia desdobra o princípio da legalidade em dois subprincípios: da primazia da lei e da reserva legal. O primeiro, também denominado legalidade em sentido negativo, prevê que o ato administrativo, inferior à lei, não pode contrariá-la; já o princípio da reserva legal, institui que os atos administrativos dependem de autorização legal para serem praticados (MAZZA, 2012). Ademais, o princípio da legalidade apresenta-se como essencial à atuação da administração pública, garantindo uma subordinação ao ordenamento jurídico, devendo ser analisado à luz da lei, independentemente do tipo de ato administrativo a ser praticado. Os órgãos de segurança pública militares dos Estados, por vezes, não obedecem ao princípio da legalidade, sobretudo com relação aos direitos do trabalhador, no que diz respeito à carga horária não definida em Lei, ao não pagamento de horas extras, supressão da liberdade de expressão, vedação ao direito de greve, proibição de filiação a partido político, proibição de sindicalização e, principalmente, a prisão em caso de mera infração administrativa. 2.1.2 Princípio da impessoalidade O princípio da impessoalidade busca garantir que a atuação da administração pública ocorra de forma isonômica a todos os administrados, devendo o administrador, ao praticá-los, visar o interesse de todos, uma vez que os bens geridos por ele são públicos e não particulares. Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua muito bem o princípio da impessoalidade: “Nele se traduz a ideia de que a administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia (MELLO, 2014, p. 114)”. O princípio da impessoalidade deve ser visto sob os dois principais pontos: o primeiro, diz respeito à finalidade do ato que, ao ser exercido, deve visar sempre à satisfação da coletividade; e o segundo, trata da vedação da promoção pessoal do administrador, à custa das realizações da administração pública (ALEXANDRINO, 2012). É neste sentido que dispõe o art. 37, § 1º, da Constituição Federal de 1988, o qual prevê que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou 18 servidores públicos”, ou seja, as obras realizadas pelos poderes e com verbas públicas, não poderão servir de propaganda particular para os administradores. Entretanto, no que diz respeito à finalidade do princípio impessoalidade, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução proibindo o nepotismo e, posteriormente, o assunto foi inclusive sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que assim previu: “Súmula Vinculante nº 13 – STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. Neste sentido, o princípio da impessoalidade se faz presente em todos os assuntos que tratam da administração pública, devendo pautar toda e qualquer atuação do administrador, sob pena de ser considerado nulo o ato praticado, sem que a impessoalidade seja observada. Alguns governos buscam mecanismos de contenção da sensação de insegurança, não como função típica de Estado, visando o interesse público, mas como objeto de interesse político-partidário. Tal postura permeia de amadorismo a segurança pública, atividade esta que deveria ser essencialmente profissional por excelência. A sensação de insegurança impulsiona e potencializa o medo e, este, por sua vez, mantém certos agentes políticos no poder, tanto no executivo quanto no legislativo, bem como promove outros atores, inclusive integrantes da categoria, e outros da mídia “policialesca”, a ocupar cargos políticos eletivos, tais como vereador, deputado estadual e federal, senador, governador e, inclusive, presidente da República. Muitos atores e agentes políticos obtêm vantagens, com os elevados índices de criminalidade, quando associam a imagem pessoal a resultados fictícios, abstratos e ilusórios. Deste modo, resta comprovado que existe interferência política na segurança pública, em todas as esferas, comportamento este que colide com o princípio da impessoalidade. 2.1.3 Princípio da publicidade Acerca da publicidade, é tornar público um ato, fazendo com que este chegue ao conhecimento público, onde só a partir da publicação é que um ato, lei, norma ou regulamento 19 passarão a surtir os seus efeitos legais. Neste sentido, nos ensina Hely Lopes Meirelles: “Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí porque as leis, atos e contratos administrativos que produzem consequências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros. A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. […]. Em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque pública é a administração que o realiza, só se admitindo sigilo nos casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso (2012, p. 96)”. Desta forma, nota-se que é aceitável a limitação da publicidade dos atos administrativos, quando apenas as pessoas autorizadas, tais como os procuradores e os servidores terão acesso a estes, visando à proteção de um bem jurídico mais do que o direito à publicidade,ou seja, ocorrendo colisão de princípios, deve-se primar pelo de maior valor. O princípio correlato apresenta duas significações, quais sejam, a exigência da publicação dos atos administrativos em órgão oficial como condição para produção de efeitos e a exigência de transparência da atuação administrativa, derivada da indisponibilidade do interesse público, possibilitando a todos amplo acesso à atuação administrativa (ALEXANDRINO, 2012). “No que concerne ao princípio da publicidade ou da máxima transparência, quer este significar que a administração há de agir de sorte a nada oculta e, para além disso, suscitando a participação fiscalizatória da cidadania, na certeza de que nada há com raras exceções constitucionais que não deva ir ao público […]. Desta maneira, o agente público precisa prestar contas de todos os seus atos e velar para que tudo seja feito com a visibilidade do sol do meio dia, preservando sua própria reputação, somente se admitindo que não o faça por excepcional e estrita exigência superior do interesse público […] (FREITAS; J., 2004, p. 70). Conclui-se, portanto, que em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder é do povo e exercido para o povo, não se pode admitir o sigilo dos atos praticados, em especial quando digam respeito a bens e interesses indisponíveis, tais como os públicos, ao menos que a lei assim o permita, nos casos estritamente específicos. 2.1.4 Princípio da moralidade O art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, dispõe que a administração pública obedecerá ao princípio da moralidade administrativa, demonstrando que o administrador deve 20 atuar de maneira proba, primando pela tomada de atitudes em conformidade com a lei, agindo de maneira ética, visando sempre o interesse público. O princípio da moralidade exige que a administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna da administração pública (MARINELA, 2014, p. 39). É salutar perceber que a moral comum não se confunde com a moral administrativa, enquanto aquela busca determinar o agir entre o certo e o errado nas regras de convívio social, esta significa correção de atitudes, boa administração e eficiência, sendo que a ausência desta na prática de atos administrativos ocasionará na sua invalidade (ALEXANDRINO, 2012). Ainda, acerca deste princípio, o § 4º do art. 37 da Constituição Federal, ao dissertar sobre este, aduz que: “[…] os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (BRASIL, 2014). Pela análise do dispositivo acima colacionado, percebe-se que os princípios moralidade e probidade significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência separadamente à cada um deles, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões imoralidade e improbidade, porque esta tem um sentido mais amplo e mais preciso, por abranger não somente atos desonestos ou imorais, mas também atos ilegais (MEIRELLES, 2012). A principal forma de controle da moralidade administrativa é a Ação Popular, remédio por meio do qual o cidadão poderá propor a referida ação, com o fim de anular ato contrário à moralidade administrativa, constitucionalmente prevista no art. 5º, inciso LXXIII, da CF/88. O gestor público necessitara pautar-se, sempre, na moralidade administrativa, sob pena de, em caso de inobservância, sofrer a ação cabível para tutelar o princípio da moralidade. 2.1.5 Princípio da eficiência O princípio da eficiência foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19/1998, visando alcançar maior qualidade na atuação administrativa, rapidez no atendimento ao público e economia, dentre outros. Neste sentido, assim nos ensina Alexandre Mazza: “[…] Assim, o conteúdo jurídico do princípio da eficiência consiste em obrigar a administração a buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei” (MAZZA, 2012, p. 104). 21 Portanto, nota-se que o princípio em análise impõe ao administrador, o atendimento do interesse público, usando de sua competência para, de forma eficaz, garantir a melhor utilização dos recursos públicos, a fim atingir o interesse público. A segurança pública no Brasil é tratada com visão político-partidária, e não como função típica de Estado. Apesar de ser gerenciada por técnicos, estes são submetidos a interesses de grupos políticos, os quais direcionam os recursos e o policiamento, de acordo com a vontade pessoal dos “patrocinadores”. As estatísticas, em grande parte, são tratadas como segundo plano. O contribuinte é afetado negativamente, com os efeitos da violência. No Estado do Ceará, muitos ganham eleições à custa dos altos índices de criminalidade, do medo crescente e incontrolável, da sensação de insegurança. Foram criados programas como o “Ronda do Quarteirão”, beneficiando grupos econômicos com a aquisição de veículos de luxo (Toyota Hilux) e submetendo o material humano a uma escala de até 6 noites seguidas por 1 dia de descanso, supostamente em nome da “eficiência”. O agente de segurança pública, submetido ao regime de trabalho militarizado, não podia adoecer ou tirar férias, pois perdia parte dos rendimentos. O programa “Ronda do Quarteirão” nasceu, subdesenvolveu-se e morreu, sem atingir os fins desejados. Surge um questionamento: o que mudou nos índices de criminalidade? Qual o legado? Na verdade, as facções se alastraram. 2.1.6 Princípio da segurança jurídica A segurança jurídica revela-se como princípio fundamental do ordenamento jurídico como um todo e não apenas na seara administrativa, uma vez que no Estado Democrático de Direito é inaceitável que o povo não tenha garantida a tutela jurisdicional, com a consequente imutabilidade daquilo que foi decidido. Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que, na verdade, essa segurança advém não só das relações jurídicas, mas da necessidade do homem em se sentir seguro: “Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas aspirações do homem: a da segurança em si mesmo, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano, é a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente ao mero sabor do acaso –, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo” (MELLO, 2014, p. 127). Nota-se, portanto, que o princípio da segurança jurídica possui como objetivo 22 precípuo, evitar desconfortos traumáticos, protegendo assim a estabilidade e primando pela certeza nas relações jurídicas, o que cada vez se mostra mais difícil em uma sociedade que está em constante modificação (MARINELA, 2014). Assim sendo, a segurança jurídica não está vinculada apenas à prática de atos administrativos, ou na tomada de decisões administrativas, deve se revelar, a bem da verdade, de indispensável observância em todas as searas do direito. No Estado do Ceará, por exemplo, os órgãos de controle interno, por vezes, agem em nome de meros interesses político-partidários, de determinados grupos dominantes, principalmente com relação aos agentes de segurança pública militares. Estes são, geralmente, tratados com rigor excessivo, ilegalidades e abuso de poder, a exemplo das demissões de policiais militares e bombeiros militares que, motivadas por questões políticas, foram “expulsos”por participarem de uma reunião pacífica. Em suma, os agentes de segurança pública militares do Estado não têm segurança jurídica. 2.1.7 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se encontram expressamente previstos na Constituição Federal de 1988, todavia, são princípios de observância obrigatória, tanto na área jurídica quanto na área administrativa, sendo, inclusive, utilizado pelo Supremo Tribunal Federal ao proferir suas decisões. Em geral, estes princípios são analisados de forma conjunta, doutrinariamente, pois, apesar de cada qual possuir seu significado, a observância de um estará direta ou indiretamente atrelada ao outro. Desta forma, assim entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Embora a Lei nº 9.784/1999 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a administração e os fins que ela tem que alcançar […]” (DI PIETRO, 2014, p. 81) . Apesar do tratamento conjunto dado aos princípios em tela, é importante dizer que eles se complementam, sendo que cada um abrangerá um aspecto. Deste modo, discorrer-se-á acerca das características de cada um destes princípios. A razoabilidade é um agir com bom senso, tomando decisões que se mostrem adequadas, tendo em vista o fim a que se destinam, proibindo, assim, que o administrador, quando da prática dos atos que lhe competem, aja de forma despropositada, arbitrariamente, descumprindo os preceitos legais, ou seja, visa inibir os excessos (MARINELA, 2014). 23 O descumprimento das premissas delineadas pelo princípio da razoabilidade conduzirá à nulidade do ato praticado, em razão do vício de ilegitimidade: É óbvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme a finalidade da lei. Donde se padecer deste defeito, será, necessariamente, violadora do princípio da finalidade. Isto equivale dizer que será ilegítima, conforme visto, pois a finalidade integra a própria lei. Em consequência, será anulável pelo poder judiciário, a instâncias do interessado. (MELLO, 2014). Por sua vez, o princípio da proporcionalidade busca aferir a justa medida da atuação administrativa perante uma situação concreta, exigindo, pois, equilíbrio dos meios a serem utilizados pela administração, perante os fins que almeja alcançar (MAZZA, 2012). Na seara administrativa, enuncia Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 65) que a proporcionalidade “[…] é um princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a administração pública aja com excesso ou valendo-se de atos desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais”. Entretanto, a bem da verdade, pouco importa se os princípios são analisados separada ou conjuntamente, pois, conforme observação de Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo, são esses princípios que irão orientar e autorizar o controle judicial dos atos administrativos discricionários, sendo o poder jurisdicional competente para aferir a legalidade desses atos: Seja como for, certo é que, no âmbito do direito administrativo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade encontram aplicação especialmente no controle dos atos discricionários que impliquem restrição ou condicionamento aos direitos dos administrados ou imposição de sanções administrativas. Deve ser esclarecido desde logo que se trata de controle de legalidade ou legitimidade e não de controle de mérito, vale dizer, não se avaliam conveniência ou oportunidade administrativas do ato – o que implicaria, se fosse o caso, a sua revogação –, mas sim a sua validade. Sendo o ato ofensivo aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade, será declarada a sua nulidade; o ato será anulado e não revogado. (ALEXANDRINO, 2012, p. 203) Deste modo, mostrou-se, principalmente, a fundamental importância da obediência e respeito aos princípios que regem a boa administração pública, sobretudo porque o administrador age em nome do interesse público, devendo pautar as suas ações no ordenamento jurídico pátrio, dos quais os princípios são pedra fundamental. 24 2.2 Relevância dos princípios constitucionais Com o descrédito do positivismo, tendo em vista que só as leis positivadas não eram suficientes para a resolução dos conflitos e dos problemas sociais, políticos e econômicos, surgiu o movimento neoconstitucionalista. Na verdade, foi a conversão para o juspublicismo e o advento do Estado Social que permitiu ganhar força, a ideia de que a Constituição não se resumia apenas ao seu texto, era corroborada por valores, mais amplos do que suas denominações comportavam, sendo essa carga axiológica expressada através dos princípios. Deste modo, no neoconstitucionalismo os princípios, enquanto valores, são o critério de aferição do conteúdo constitucional em sua dimensão normativa mais elevada. Vislumbra- se o neoconstitucionalismo em três sentidos: metodológico, ideológico e teórico. O sentido metodológico cuida da questão moral atrelada à Constituição, o que legitima a aplicação dos princípios constitucionais. Já o ideológico defende o enlarguecimento da atuação dos poderes políticos do Estado, a fim de que ampliem e promovam os direitos fundamentais. Por fim, em seu sentido teórico, agrupa os dois postulados anteriores, defendendo maior liberdade para que o Estado promova direitos, partindo da suposição axiológica que passa a orbitar a Constituição, de entender o seu valor e não somente seu sentido (BONAVIDES, 2002). Destarte, é essa ressignificação do Direito Constitucional, em combate ao positivismo, baseado na interpretação e aplicação de princípios constitucionais com o fim de resolver questões de outros ramos do direito, que dá, sobremaneira, enfoque aos princípios. Dessa forma, o neoconstitucionalismo traz, à luz do Direito Constitucional, novas nuances com maior relevância aos princípios constitucionais, agora componentes primordiais das constituições; uma nova hermenêutica constitucional e a ponderação como técnica de aplicação; irradiação dos princípios a todo ordenamento jurídico; maior importância da atividade judicial; e melhor aceitação da relação entre direito e valores (BARROSO, 2007). O neoconstitucionalismo encara os princípios constitucionais, colocando-os como normas primordiais, sobretudo, em defesa das garantias fundamentais. Ademais, com a ascensão do paradigmático bem estar social no pós-guerra, os princípios presentes na Constituição deveriam ser interpretados com a finalidade de resolver conflitos segundo os seus valores, posto que o positivismo já não mais conseguia fundamentar nesse sentido e, portanto, não traduzia mais a realidade da ordem jurídico-constitucional. Nesta toada, temos a relevância dos princípios constitucionais, no tocante aos direitos 25 fundamentais, com o objeto de sedimentar a desmilitarização das polícias do Brasil. Desse modo, o enfrentamento do paradigma neoconstitucional se dá em razão da defesa das garantias fundamentais, onde os direitos dos agentes de segurança pública são desrespeitados. 2.3 Extensão do princípio da eficiência Cabe destacar que, antes da Emenda Constitucional nº 19/1998, o princípio da eficiência não constava da redação original do texto constitucional, tendo sido incluído pela sobredita Emenda. Porém, o dito princípio já estava positivado em leis anteriores, sendo referenciado duas vezes na Constituição, no art. 74, inciso II; e no art. 144, § 7º, este que tratava especificamente da eficiência dos órgãos de segurança pública. Sua ideia, entretanto, já existia, só que como o denominado “princípioda boa administração”, como aponta Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2015, p. 126): “O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o “princípio da boa administração”. As modificações sugeridas foram inspiradas em um valor-base: a eficiência. Uma das principais medidas da reforma foi a Emenda Constitucional nº 19/1998, que promoveu ampla transformação das regras existentes, alterando inúmeros dispositivos do art. 37 da Constituição e inserindo em seu caput o princípio da eficiência, como vetor jurídico de atuação do poder público (NOHARA, 2012, pp. 1-2). Os organismos internacionais de financiamento passaram, com a influência do neoliberalismo, a questionar o Estado de bem-estar social, pressionando países da América Latina, ainda em desenvolvimento, a incorporarem alterações consideradas modernizadoras em seus ordenamentos, em nome da globalização (NOHARA, 2012). No entanto, as propostas da reforma se chocavam com forças opostas. Na medida em que se pretendeu modificar o papel do Estado de prestador direto de serviços públicos, para mero gerenciador das atividades, que seriam gradativamente transferidas ao setor privado, através de delegação ou até privatização, os projetos reformistas se depararam com noções refratárias que reforçaram a imprescindibilidade de se prosseguir com um modelo de Estado prestador de serviços públicos, com o fito de evitar que ocorresse, com o desmonte burocrático, um retrocesso em direitos assegurados constitucionalmente (NOHARA, 2012). 26 A sociedade brasileira há muito já desejava que o Estado fosse mais eficiente, ou seja, que sua administração e os serviços públicos fossem de melhor qualidade. A insatisfação deve-se, principalmente, ao mau uso dos recursos públicos e aos altos níveis de corrupção, potencializado pela carga tributária elevada. Surgiu uma crise ética, com a falta de confiabilidade nas gestões públicas, decorrente do não atendimento dos anseios sociais. Então, ingressa-se no modelo de administração gerencial, buscando essencialmente a eficiência dos órgãos de estado. Por conseguinte, a Emenda Constitucional nº 19/1998, ao adicionar a eficiência junto aos demais princípios que regem a administração pública, positivou a sua obrigatoriedade, elevando-a ao status de mandamento constitucional, com o objetivo de garantir a sua observância, bem assim assegurar o tão desejado desenvolvimento do desempenho da administração pública. 2.4 Princípio da eficiência na atualidade A Constituição Federal de 1988, no caput do seu art. 37, elenca a eficiência como um dos princípios a ser seguido por toda a administração pública, de todos os poderes e entes federados. Deste modo, resta evidente a submissão dos órgãos de segurança pública, outrossim, ao referido princípio. A conceituação do que seja princípio é tarefa deveras dificultosa, dentro da pesquisa jurídica. Todavia, aceita-se que princípios são normas que ordenam a realização de algo dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que melhor atendam seu fim. Por conseguinte, princípios são também aceitos como mandados de otimização, que se caracterizam pela possibilidade de serem satisfeitos em graus variados (ALEXY, 2008, pp. 90-91). O termo eficiência advém dos estudos de economia e, portanto, está associado à ideia de otimização de gastos frente aos benefícios. Contudo, no direito, não se pode resumi-la somente à economicidade dos recursos públicos, em especial àqueles destinados aos serviços que são (e devem) ser prestados diretamente pelo Estado. Desta sorte, ainda há uma certa confusão quanto a seu conceito, o que se percebe da forma como a doutrina e os legisladores usam o vocábulo, dando conotações, às vezes, completamente distintas (SANTANA, 2014). Assinala-se que a eficiência está intrinsecamente ligada à legalidade, pois sua busca 27 jamais poderia afastar aquele que é o dever administrativo primordial (MELLO, 2015). Contudo, o princípio da eficiência cobra que a função administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Como mais moderno princípio da atividade administrativa, já não se contenta que esta seja exercida apenas com legalidade, exige resultados positivos para o serviço público e, principalmente, satisfatório atendimento das necessidades dos administrados (MEIRELLES, 2002). Os administrativistas concebem três definições para a eficiência: eficiência propriamente dita, eficácia e efetividade, conforme ensina José dos Santos Carvalho Filho. A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a positividade dos objetivos (CARVALHO FILHO, 2016). Sob esse olhar, far-se-á a análise da ineficiência dos órgãos de segurança pública militarizados, na acepção da efetividade, tendo como enfoque os resultados obtidos, os quais poderiam ser bem melhores, caso houvesse uma desmilitarização. 2.5 Paralelo entre eficiência e efetividade Sobre eficiência e efetividade, trabalha-se o conceito de eficiência como sinônimo de bom resultado. Os neoliberais defendem a ideia de que o Estado possui como objeto, apenas regular o serviço público. Noutra perspectiva, os publicistas defendem o Estado Social, defendendo que este deve ser o prestador direto dos serviços públicos. No tocante ao serviço de segurança pública, tem-se que é atividade típica prestada diretamente pelo Estado, pois assim dispõe o ordenamento jurídico pátrio. Deste modo, a atividade dos órgãos de segurança pública submete-se ao princípio da eficiência, assim como toda atividade administrativa. Ademais, a Lei nº 11.079/2004, art. 4º, inciso III, mesmo tratando de parcerias público-privadas, positivou que o poder de polícia é indelegável. Assim sendo, os inúmeros dispositivos constitucionais atribuem ao Estado não somente o papel de prestador de serviços públicos, mas de participante ativo da concretização 28 de direitos sociais. O autor Ricardo Marcondes Martins (2015, p. 456) enuncia que “os neoliberais defendem que o Estado deva apenas regular o exercício das atividades, aniquilando o Estado-Prestador de serviços públicos, restando para este apenas a disciplina, controle e fomento da iniciativa privada, em busca de uma suposta eficiência existente somente na prestação do serviço por um particular” (MARTINS, 2015, p. 456). Destarte, pressupõe-se que essa defesa não é feita em termos científicos, mas em termos advocatícios: a teoria da regulação é propagada no exercício da advocacia das empresas multinacionais, interessadas nos lucros proporcionados pela exploração das atividades estatais. Tudo que foi escrito sobre a teoria do Estado-Regulador, do ponto de vista científico, deve ser desprezado: trata-se de mero exercício de advocacia. (MARTINS, 2015). O paradigma defendido pelos neoliberais é a ideia do serviço ser mais eficiente: ter melhor resultado, se prestado pela iniciativa privada. Os publicistas, por sua vez, tendem a repelir as avaliações da eficiência como resultado. Desta forma, estuda-se a possibilidade de manter os órgãos de segurança pública eficientes, com resultados positivos, sendo este um serviço público tipicamente prestado pelo Estado. Assim, examina-se não pelo crivo da eficiência defendida pelos neoliberais, qual seja, a acepção do resultado, mas partindo do pressuposto que o serviço público de segurança continua sendo prestado pelo Estado. Dessa forma, a tarefaé demonstrar que o serviço público pode ser eficiente, do ponto de vista neoliberal, se for prestado pelo estado, pois um dos pontos que entravam a obtenção de melhores resultados não é sua prestação de forma pública, mas sim a militarização da segurança pública. Por isso, analisa-se a desmilitarização como forma de garantir melhores resultados, tornando o serviço mais eficiente. A Constituição Federal de 1988, no seu art. 144, caput, trata a segurança pública como dever do Estado, um direito e responsabilidade de todos, serviço essencial executado por órgãos permanentes, que objetiva preservar a ordem pública e a incolumidade (integridade) das pessoas. Desta forma, é a expressão do poder de polícia que mais limita os direitos individuais, porém, em benefício do interesse público. Conforme explanado, todos os poderes e entes federados devem obediência aos princípios constitucionais que regem a administração pública. Por conseguinte, inequívoca é a obrigatoriedade dos órgãos de segurança pública trabalharem conforme o princípio da eficiência. Tanto pela força normativa do princípio constitucional, quanto pela sua forte intervenção nos direitos individuais, a fim de assegurar a imperatividade do interesse público. 29 3 MILITARIZAÇÃO DO SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA As polícias do Brasil são órgãos permanentes do Estado, que têm por objeto preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, realizar policiamento ostensivo preventivo, apurar a autoria e materialidade das infrações penais, ou seja, reprimir crimes. Entretanto, as polícias nada têm a ver com exércitos: como foi dito anteriormente, são instituições destinadas a garantir direitos e liberdades dos cidadãos, que estejam sendo violados ou na iminência de sê-lo, por meios pacíficos ou por uso comedido de força, associado à mediação de conflitos, nos marcos da legalidade e em estrita observância dos direitos humanos. Por isso, qualquer projeto consequente de reforma das polícias militares para transformar métodos de gestão e racionalizar o sistema operacional, tornando-o menos reativo e mais preventivo (fazendo-o apoiar-se no tripé diagnóstico-planejamento-avaliação), precisa começar advogando o rompimento do cordão umbilical com o Exército e a desmilitarização (SOARES, 2019, p. 37) 3.1 Polícias e Bombeiros Militares: as Forças de Segurança do Estado Especificamente, conforme dispõe o art. 144 da Constituição, a polícia federal e as polícias civis estaduais, inclusive do Distrito Federal, são denominadas polícias judiciárias, a quem cabe a apuração da autoria e materialidade das infrações penais, exceto crimes militares. As polícias militares são incumbidas do policiamento ostensivo, ou seja, das atividades que garantam a preservação da ordem pública. Os corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei específica, incumbem a execução de atividades de defesa civil. Historicamente, a polícia tem como marco a criação da polícia de Paris, em 1665, pelo Rei Luís XIV. Porém, sua estrutura moderna foi elaborada na Inglaterra, na primeira metade do século XIX, com a criação de uma força militar independente do exército, para reprimir as revoltas sociais daquela época. Destarte, a polícia foi se tornando parte do Estado Moderno. Antes da Constituição Federal de 1988, o texto Magno não tratava das polícias, as quais eram apenas apêndices do Estado. A sua estruturação sempre esteve ligada às forças armadas, em razão da responsabilidade pela segurança interna, conceito muito comum nos tempos ditatoriais do Estado Novo, bem como da ditadura militar. 30 Conforme o pacto federativo do Brasil, delineado na Constituição Federal, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, na condição de forças auxiliares e reservas do Exército, ficaram subordinados aos governadores dos Estados e do Distrito Federal. 3.2 Defesa do Estado Nação e da Sociedade na Constituição Federal A defesa do Estado Nação é atribuição constitucional das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, as quais são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes poderes, da garantia da lei e da ordem. Assim prevê a Constituição Federal, no seu art. 142, caput, sobre a defesa interna e externa. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (CF 1988). No tocante à defesa da sociedade, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 144, reservou essa atividade às Polícias e aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como às Guardas Municipais e aos Agentes de Trânsito, nos seus parágrafos, positivando que a segurança pública é dever do Estado, um direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (...) § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (...) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (...) § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos 31 Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. (CF 1988). A polícia militar e o corpo de bombeiros militar, historicamente, são instituições vinculadas às forças armadas, como forças auxiliares e reservas do Exército. Na atualidade, é injustificada a manutenção destes órgãos de segurança pública, como sendo corporações regidas pelo obsoleto regime militarizado, posto tratarem diretamente da segurança de uma sociedade civil integrante do Estado democrático de direito, onde não se admite abusos. 3.3 Desrespeito aos direitos humanos dos profissionais A princípio, cabe destacar que, para os agentes do Estado ofereçam segurança com eficiência, estes devem se sentir seguros, estando devidamente treinados e de posse de bons equipamentos e armamentos adequados. Nesta toada, para o Estado exigir tratamento urbano e respeito aos direitos e à dignidade da pessoa humana, por parte de seus agentes, deve também tratar esses profissionais com urbanidade, dignidade e o devido respeito, sobretudo com relação aos direitos desses agentes, trabalhadores da segurança pública. Ademais, são muitas as notícias de abuso de autoridade e assédio moral, sérias infringências aos direitos humanos dos profissionais militares, cometidospelos gestores do Estado, supostamente em nome deste, em prejuízo dos agentes policiais submetidos ao regime arcaico da segurança pública militarizada. No entanto, o abuso de poder é cometido contra todo e qualquer gênero, sobretudo contra as mulheres policiais, submetidas ao tratamento vexatório e desumano do regime militarizado. Numa análise superficial do problema, numa única reportagem, temos dois casos de sérias violações a preceitos fundamentais de direitos humanos. No primeiro caso noticiado, uma policial mulher, ocupante do posto de Tenente da Polícia Militar do Ceará (PMCE), foi presa no dia 28 de outubro de 2021, por abandono de posto de serviço, crime previsto no art. 195 do Código Penal Militar. A Tenente teria liberado os policiais que estavam na viatura sob o seu comando, para almoçar, saindo do local onde estava como supervisora da área, pelo Batalhão de Policiamento Turístico (BPTUR), para almoçar no quartel. A oficial precisou lavar o fardamento, uma vez que estava sujo de sangue de menstruação e, enquanto o uniforme secava, ela foi para a porta do quartel pegar uma https://www.metropoles.com/tag/menstruacao 32 “quentinha” (marmita), à paisana. Um coronel flagrou a situação e conduziu a policial para a Coordenadoria de Polícia Judiciária Militar (CPJM), onde foi autuada em flagrante delito. Sem direito à ampla defesa e ao contraditório, preceitos insculpidos no texto constitucional e, mesmo diante do crime de menor potencial ofensivo, com pena detenção de 3 meses a 1 ano, a Tenente ficou presa durante esse mesmo dia, sendo solta apenas no dia seguinte, numa audiência de custódia na Justiça Militar Estadual. Decreto-Lei nº 1001/1969 – Código Penal Militar – Abandono de posto Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o pôsto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo: Pena - detenção, de três meses a um ano. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948) Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Artigo 11 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. No segundo caso, envolvendo também uma mulher policial, Tatiane Alves, ocupante da graduação de Soldado da Polícia Militar do Maranhão (PMMA), esta foi presa no dia 5 de setembro de 2021, por se recusar a fazer hora extra, uma vez que precisava amamentar o seu filho de apenas 2 anos. Tatiane, policial militar há 7 anos, trabalharia até as 20:00 horas. Entretanto, próximo ao horário do fim do expediente, ela foi ordenada a fazer hora extra. Como é mãe de uma criança de 2 anos, ela informou que não poderia trabalhar mais, pois precisava amamentar o filho. Na ocasião, Tatiane Alves foi informada que o policiamento seria estendido até o término do evento no qual trabalhava. Após ser detida, a Soldado Tatiane Alves denunciou o seu superior nas redes sociais. “A gente não sabia até que horário. Eu já estava sem condições físicas de permanecer, eu já estava cansada e não tinha tido nenhum tipo de alimentação. Eu estava com meu filho pequeno, que precisava de amamentação. Fui até o meu comandante imediato, expliquei a situação e, infelizmente, ele não me ouviu. Simplesmente, disse que, se eu não cumprisse a determinação dele, eu seria presa em http://metropoles.copm/tag/amamentacao 33 flagrante por desobediência”. Tatiane Alves, Soldado da PMMA, 2021. (https://www.metropoles.com/brasil/tenente-e-presa-por-abandonar-posto-ao-lavar- farda-suja-de-menstruacao). DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948) Artigo 24 Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. Artigo 25 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969) (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA) Artigo 19 - Direitos da criança Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado. A tônica das violações aos direitos são rotineiras, no Brasil como um todo, tal como nos casos ora apresentados, onde homens e mulheres policiais são vítimas de violência física (com a supressão da liberdade) e psicológica, o que muitas vezes pode ensejar suicídios. No Brasil, o número de policiais que tiram a própria vida é maior que o número dos que morrem em serviço. Segundo o relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2020, só em 2019, 65 policiais militares e 26 civis cometeram suicídio. Naquele mesmo ano, o número de PMs mortos em serviço foi de 56, contra 06 de policiais civis. O número de PMs mortos fora de serviço: 101 militares e 09 policiais civis. (https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf) Contudo, numa rápida análise sobre o comparativo estatístico, com os números de suicídios entre policiais militares versus policiais civis, pode-se denotar uma elevada taxa entre os agentes policiais submetidos ao regime de trabalho militarizado. about:blank about:blank 34 3.4 Organização e ascensão na carreira militar A polícia militar e o corpo de bombeiros militar, órgãos subordinados aos respectivos Governadores dos Estados, são instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, tal qual como funciona nas Forças Armadas. Todas as corporações militares dos 26 Estados e do Distrito Federal possuem Estatutos e Códigos Disciplinares próprios, muito similares, dividindo a carreira em graduações para as praças e em postos para os oficiais, de acordo com a seguinte ordem crescente de hierarquia, no quadro de praças: soldado, cabo, terceiro- sargento, segundo-sargento, primeiro-sargento, subtenente e aspirante-a-oficial, este último ocupando a graduação de praça especial, após a conclusão do curso de formação de oficiais (CFO). No quadro de oficiais, temos os seguintes postos: segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, subcomandante-geral e comandante-geral. No tocante à ascensão nas carreiras militares, tomando por base a realidade da Polícia Militar do Ceará (PMCE), tínhamos policiais militares que, até bem pouco tempo, passavam até 22 anos estacionados na mesma graduação inicial, qual seja, na condição de Soldado PM, numa carreira onde, quando contados 30 anos de efetivo serviço, o profissional se aposenta. No entanto, com os movimentos das associações de representação dos militares estaduais do Estado do Ceará, essa realidade foi atenuada, porém, ainda está muito longe do ideal, em se tratando da valorização, motivação e respeito aos agentes que tratam diretamente da proteção da sociedade civil, diuturnamente, mesmo com o risco da própria vida. Na atualidade, mesmo com os chamados “avanços” promovidos pelo Governo, em face do atendimento parcial das pautas das sobreditas associações de representação, o agente policial militar (PM) ou bombeiro militar (BM), passa, no mínimo, 7 anos na graduação inicial de Soldado PM ou BM, para perceber uma humilde promoção à graduação de Cabo. A promoção nas carreirasmilitares do Estado do Ceará tem como fundamento a Lei Estadual nº 15.797, de 25/05/2015, ocorrendo nas seguintes modalidades: antiguidade; merecimento; post mortem; bravura; e requerida. Por antiguidade, baseia-se na precedência hierárquica do militar estadual sobre os demais de igual posto ou graduação, conforme a Lei. A promoção por merecimento tem por fundamento os valores funcionais agregados pelo militar estadual, no decorrer da carreira e que o destaquem na atuação funcional, preferencialmente no posto ou graduação ocupados por ocasião da disputa pela promoção, sendo essa aferição promovida por comissão específica de promoção, nos termos da Lei. 35 A promoção post mortem ocorre quando o militar falecer em razão do desempenho da atividade militar estadual, ou em acidente em serviço ou em consequência de doença, moléstia ou enfermidade que nele tenha sua causa imediata, conforme aferição de comissão de meritoriedade designada pelo Comandante-Geral, ou, ainda, quando o militar estadual fazia jus à promoção em vida, não sendo esta efetivada a tempo, em razão do seu óbito. A promoção por bravura, a ser aferida por comissão de meritoriedade designada pelo Comandante-Geral da respectiva corporação, resulta de ato, ou atos, não comuns de coragem e audácia, que, ultrapassando os limites normais do cumprimento do dever, representem feitos de notório mérito, em operação ou ação inerente à missão institucional da corporação militar estadual, tanto em serviço quanto de folga. Por fim, a promoção requerida alcançará o militar estadual que completar 30 anos de contribuição, sendo, no mínimo, 25 anos de contribuição como militar à previdência, e consistirá na sua elevação, a pedido, ao grau imediatamente superior. Cabe ressaltar que, para que o militar estadual consiga atingir a tão sonhada promoção, é uma verdadeira peregrinação. São muitos impedimentos, criados pela própria Lei, sobretudo com relação ao percentual máximo de apenas 60% dos habilitados, bem como a cláusula de barreira que determina a manutenção de 40% do efetivo da base na graduação de Soldado. Lei nº 15.797, de 25/05/2015 – Dispõe sobre as promoções dos militares estaduais. Art. 9º Elaborado o Quadro de Acesso Geral, serão promovidos 60% (sessenta por cento) dos militares incluídos na relação de habilitados para graduação ou posto, dos quais metade ascenderá por antiguidade e a outra metade por merecimento. Parágrafo único. Na apuração do quantitativo de promoções, nos termos do caput, proceder-se-á ao arredondamento para o número inteiro seguinte, sempre que da incidência do percentual previsto resultar número fracionado. Art. 11. As promoções de que trata esta Lei, à exceção dos postos de Coronel e Major QOA, independerão de vagas e ocorrerão com observância ao percentual previsto no caput do art. 9º. § 1º Nas promoções da praça Soldado, deverá ser observado o número mínimo de permanência na citada graduação de 40% (quarenta por cento) do efetivo de Soldado existente na Corporação respectiva. (https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao- do-ceara/titulos-honorificos/item/3545-lei-n-15-797-de-25-05-15-republicado-por- incorrecao-no-d-o-de-28-05-15). Deste modo, a atual legislação do Estado do Ceará impõe barreiras para o desenvolvimento do policial militar ou bombeiro militar, em suas respectivas carreiras, causando falta de perspectiva e desmotivação, o que enseja prejuízos no seu desempenho, refletindo nos resultados obtidos, comprometendo o princípio da eficiência constitucional, por conta do regime de trabalho militarizado a que é submetido o agente de segurança pública. 36 3.5 Jornada de trabalho dos servidores militares Sobre a jornada de trabalho dos profissionais da segurança pública, submetidos ao regime loboral militarizado, temos verdadeiras aberrações, especificamente quando se trata do policiamento realizado no interior do Estado do Ceará. Existem destacamentos da Polícia Militar do Ceará (PMCE), no interior do Estado, onde até bem pouco tempo, os profissionais trabalhavam até 96 horas semanais, numa escala de 2 dias de trabalho por 2 dias de folga, ou seja, tralhava-se 48 horas ininterruptas, com 48 horas de folga, retornando na mesma semana para outra jornada de 48 horas, totalizando 96 horas por semana, sem direito ao pagamento de horas extras, por falta de previsão legal, tendo em vista que o regime de trabalho militarizado veda o pagamento de horas extras. Ademais, na Constituição Federal de 1988, os policiais militares e os bombeiros militares pertencem a uma classe diferenciada de agentes do Estado, possuindo tratamento especial, ficando disciplinado que a Lei estadual de cada ente federado estabelecerá direitos, deveres, remuneração, prerrogativas e outras situações especiais dos militares estaduais. Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º, do art. 40, § 9º, e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (CF 1988). Contudo, diante da omissão legislativa sobre a carga horária, bem como da justificativa legal de dedicação integral à atividade militar estadual, os gestores estabelecem a escala de serviço dos profissionais militares estaduais, fazendo uso do poder discricionário. São adotadas diferentes escalas de serviço, sendo cada jornada de trabalho definida de acordo 37 com o binômio: necessidade do serviço público e efetivo disponível. Lei nº 13.729, de 11/01/2006 - Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará. Art. 217. Os militares estaduais são submetidos a regime de tempo integral de serviço, inerente à natureza da atividade militar estadual, inteiramente devotada às finalidades e missões fundamentais das Corporações Militares estaduais, sendo compensados através de sua remuneração normal. § 1º. Em períodos de normalidade da vida social, em que não haja necessidade específica de atuação dos militares em missões de mais demorada duração e de mais denso emprego, os militares estaduais observarão a escala normal de serviço, alternada com períodos de folga, estabelecida pelo Comando-Geral. (https://www2.al.ce.gov.br/legislativo/legislacao5/leis2006/13729.htm) Destarte, conforme exaustivamente demonstrado, nem mesmo o Estatuto dos Militares Estaduais do Estado do Ceará, trata da definição da carga horária dos agentes da segurança pública, submetidos ao regime de trabalho militarizado. Os legisladores, corroborando com o projeto de lei elaborado pela gestão superior dos militares do Ceará, omitiram a carga horária de caso pensado, para submeter
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