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2a edição | Nead - UPE 2013 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife xxxx, xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Recife: UPE/NEAD, 2011 60 p. ISBN - xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxx U ni ve rs id ad e de P er na m bu co - U PE N EA D - N Ú CL EO D E ED U CA ÇÃ O A D IS TÂ N CI A REITOR Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado VICE-REITOR Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque PRó-REITOR ADMINISTRATIVO Prof. José Thomaz Medeiros Correia PRó-REITOR DE PLANEJAMENTO Prof. Béda Barkokébas Jr. PRó-REITOR DE GRADUAÇÃO Profa. Izabel Christina de Avelar Silva PRó-REITORA DE PóS-GRADUAÇÃO E PESqUISA Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim PRó-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E ExTENSÃO Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque COORDENADOR GERAL Prof. Renato Medeiros de Moraes COORDENADOR ADJUNTO Prof. Walmir Soares da Silva Júnior ASSESSORA DA COORDENAÇÃO GERAL Profa. Waldete Arantes COORDENAÇÃO DE CURSO Profa. Giovanna Josefa de Miranda Coelho COORDENAÇÃO PEDAGóGICA Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima COORDENAÇÃO DE REVISÃO GRAMATICAL Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti Profa. Eveline Mendes Costa Lopes Profa. Geruza Viana da Silva GERENTE DE PROJETOS Profa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes ADMINISTRAÇÃO DO AMBIENTE Igor Souza Lopes de Almeida COORDENAÇÃO DE DESIGN E PRODUÇÃO Prof. Marcos Leite EqUIPE DE DESIGN Anita Sousa Gabriela Castro Rafael Efrem Renata Moraes Rodrigo Sotero COORDENAÇÃO DE SUPORTE Afonso Bione Prof. Jáuvaro Carneiro Leão EDIÇÃO 2013 Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro Recife / PE - CEP. 50103-010 Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664 CONTEÚDOS E MÉTODOS EM GEOGRAFIA Prof. Msc. Nilson Vasconcelos de Sousa Carga Horária | 60 horas Profa. Ms.Fabiana Cristina da Silva Objetivo geral Apresentação Ementa Fundamentações epistemológicas da ciência ge- ográfica. Inter-relações entre a ciência geográfica. Disciplina Geografia. Teoria e Prática no ensino fun- damental. Geografia em sala de aula. Interdepen- dência. Cartografia e Geografia. Parâmetros Curri- culares e o ensino de Geografia. Demonstrar a relevância da Geografia como ciên- cia e disciplina escolar, identificando e analisando os conteúdos, as metodologias, as complexidades, as contradições e as inter-relações estabelecidas entre a natureza e a sociedade, sobretudo a sua aplicabilidade na prática didático-pedagógica, em sala de aula. Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho e o avanço tecnológico reconfiguram a sociedade virtual e os meios de comunicação, incidindo fortemente numa reflexão epistemológica da Geografia como ciência e disciplina escolar. Diante dessas circunstâncias, aplicar novos paradigmas e conteúdos no ensino de Geografia não é uma tarefa simples nem fácil. Portanto, o nosso desafio é o de demonstrar e analisar as novas condições e as exigências do mundo contemporâneo frente às práticas didático-pedagógicas em sala de aula, propiciando um desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico do dis- cente e futuro docente em Pedagogia. capítulo 1 7 Prof. Msc. Nilson Vasconcelos de Sousa Profa. Ms.Fabiana Cristina da Silva Carga Horária | 15 horas INTRODUÇÃO Ao longo da história, a humanidade vivenciou diversas transformações as quais refletiram na evolução e nos fundamentos epistemológicos da ciência geográfica, uma vez que, sendo uma ciência essen- cialmente social e natural, deve responder aos anseios e às novas realidades. Essas vertentes geraram várias tendências na ciência geográfica, as quais foram e são desenvolvidas por diversos pensadores e teóricos. Atualmente, muitos estudiosos e acadêmicos têm produzido vários artigos, resenhas, dissertações e teses relacionados aos fundamentos epistemológicos da ciência geográfica, dando enfoque a uma revisão de seus conteúdos e métodos. Sendo assim, essa disciplina tem como objetivo principal de- monstrar a relevância da Geografia como ciência e disciplina escolar, identificando e analisando as complexidades, as contradições e as inter-relações estabelecidas entre a natureza e a sociedade, numa determinada escala de tempo, sobretudo a sua aplicabilidade na prática pedagógica, em sala de aula. Em seguida, serão expostos à história os percursores e as discussões conceituais da Geografia como também as tendências do pensamento geográfico no século xx. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Caracterizar e compreender as abordagens históricas e conceituais da Geografia; • Entender e identificar as inter-relações da ciência geográfica com as demais ciências; • Apontar e analisar as principais tendências da Geografia no século xx. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA capítulo 18 1. HISTÓRIA DA GEOGRAFIA E DE SEUS PERCURSORES Os primeiros registros de conhecimentos geo- gráficos se encontram em relatos de viajantes, como o grego Heródoto, no século V a.C. A percepção dos gregos sobre a Terra era bas- tante avançada, e filósofos, como Pitágoras e Aristóteles, acreditavam que ela tinha a forma esférica. No século III a.C., Erastóstenes de Ci- rene, na Geographica, primeira obra a usar a palavra geografia no título, calculou a circunfe- rência da Terra com assombrosa aproximação. Posteriormente, o geógrafo e historiador gre- go Strabo compilou todo o conhecimento clássico sobre geografia numa obra de 17 vo- lumes sobre a época de Cristo, que se tornou a única referência sobre obras gregas e romanas desaparecidas. Outra importante contribuição, apesar dos erros que seus estudos apresenta- vam, foi a do astrônomo e geógrafo Ptolomeu, do século II da era cristã. Com a queda do Império Romano no Ociden- te, o conhecimento geográfico greco-romano perdeu-se na Europa, mas, durante os sécu- los xI e xII, foi preservado, revisto e ampliado por geógrafos árabes. No entanto, as adições e correções que esses fizeram foram ignora- das pelos pensadores europeus que, na época das cruzadas, retomaram as primeiras teorias. Assim, os erros de Ptolomeu se perpetuaram no Ocidente até que as viagens realizadas nos séculos xV e xVI começaram a reabastecer a Europa de informações mais detalhadas e pre- cisas sobre o resto do mundo. Em 1570, o car- tógrafo flamengo Abraham Ortelius organizou vários mapas sob a forma de livro, no primeiro Atlas de que se tem notícia. Em 1650, surge uma importante figura da re- tomada dos estudos geográficos, Bernhardus Varenius, cuja obra denominada Geographia generalis foi, várias vezes, revisada e permane- ceu como principal obra de referência durante um século ou mais. Também era de Flandres o cartógrafo mais importante do século xVI, Gerardus Mercator, que criou um novo siste- ma de projeções, aprimorando os que usavam longitudes e latitudes. Entre os anos de 1772 e 1775, James Cook fixou novos padrões de precisão e técnica em navegação. Realizou viagens com fins cientí- ficos e circunavegando o globo. Na França, surgiu a primeira pesquisa topográfica deta- lhada de um grande país, levada a cabo entre os séculos xVII e xVIII por quatro gerações de astrônomos e pesquisadores da família Cassini. Em seu trabalho, baseou-se o Atlas nacional da França, publicado em 1791. Como muitos que o antecederam, Alexander von Humboldt se propôs a conhecer outras partes do mundo, mas acabou se distinguindo pela cuidadosa preparação que antecedia suas viagens, pelo alcance e pela precisão de suas observações. Durante as viagens aos Andes, às Américas Central e do Sul, no período de 1799 a 1804, fez uma descrição sistemáticae inter-relacionada da altitude, temperatura, ve- getação e agricultura em montanhas situadas em regiões de alta e baixa latitude. Humboldt lançou as bases da geografia moderna, com ênfase na observação direta e nas medições acuradas como base para leis gerais. Immanuel Kant definiu o lugar da geografia entre as diferentes disciplinas e afirmou que a Geografia lida com os fenômenos associados ao Espaço, da mesma forma que a história lida com os fatos que ocorrem durante uma mes- ma época. Foi Kant que primeiro utilizou o ter- mo “Geografia Física” e que relacionou a Geo- grafia ao espaço e a História ao tempo. Tanto Kant quanto Humboldt lecionaram geografia física e foram contemporâneos de Carl Ritter, que ocupou a primeira cadeira de geografia criada numa universidade moderna. capítulo 1 9 Carl Ritter já definiu o conceito de sistema na- tural como uma área delimitada, dotada de uma individualidade. Para ele, a Geografia de- veria estudar esses arranjos individuais e com- pará-los. Cada arranjo abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade, em que o homem seria o principal elemento. Assim, a Geografia de Ritter é, principalmente, um estudo dos lugares, uma busca da indivi- dualidade desses. Toda essa proposta se assen- tava na arraigada perspectiva religiosa. Nesse sentido, a Geografia explicaria a individualida- de dos sistemas naturais, pois nesta se expres- saria o desígnio da divindade ao criar aquele lugar específico. Com Friedrich Ratzel, a Geografia passou pelo processo de sistematização com base nos seus trabalhos pioneiros em geografia humana e política. Criador da antropogeografia, o geó- grafo e etnógrafo alemão é autor do ensaio tido como ponto de partida da geopolítica, no qual introduziu o conceito de espaço vital. Apesar de admirar as concepções evolucionis- tas de Darwin e Haeckel, criticou-as pelo meca- nicismo. Expôs, em suas obras Antropogeogra- fia (1882-1891) e Geografia política (1897), os princípios de seu pensamento: na primeira, de- senvolveu a tese de uma relação causal entre as características do meio-ambiente natural e as realizações humanas; na segunda, estabele- ceu uma analogia biológica entre os mecanis- mos de contração e a expansão dos países, ou seja, a tendência dos povos a limitarem ou am- pliarem fronteiras, segundo as necessidades de espaço vital. Já Paul Vidal de La Blache foi um dos principais responsáveis pelo surgimento da geografia moderna na França. Deve-se a ele a definição do campo da geografia regional, com ênfase no estudo de áreas pequenas e relativamente homogêneas. Foi o primeiro professor de geo- grafia da Sorbonne e planejou uma obra mo- numental, que cobria a geografia regional em todo o mundo, mas não viveu o bastante para concluí-la. Geografia Universal (1927-1948) foi completada por seu aluno Lucien Gallois e é considerada uma das mais bem-sucedidas publicações sobre o tema. A seguir, no próxi- mo subitem, serão discutidas as inter-relações da ciência geográfica. 2. INTER-RELAÇÕES DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA O que é Geografia? - aparentemente é simples – porém se refere a um campo do conheci- mento científico sobre o qual reina uma gran- de polêmica. Apesar da antiguidade do uso do rótulo Geografia, há uma imensa controvérsia sobre a matéria tratada por essa disciplina. Isso se manifesta na indefinição do objeto dessa ci- ência, ou melhor, nas múltiplas definições que lhes são atribuídas. Alguns estudiosos definem a Geografia como o estudo da superfície terrestre. Esse conceito é o mais usual e vago. Essa definição do objeto apoia-se na etimologia da palavra Geografia, a qual significa descrição da Terra. Nesse sen- tido, o estudo geográfico descreveria todos os fenômenos manifestados na Terra, sendo uma síntese de todas as ciências. Esse pensamen- to fundamenta-se nas ideias de Kant. Para ele, a ciência estaria apoiada em duas classes: a especulativa, apoiada na razão, e a empírica, na observação e nas sensações. Em outras pa- lavras, a Geografia é uma ciência sintética e descritiva, a qual visa abranger uma visão de conjunto do planeta. Já outros conceituam a Geografia como o es- tudo da paisagem. Para esses, a análise geo- gráfica estaria restrita aos aspectos visíveis do real. A paisagem é vista como uma associação de múltiplos fenômenos, o que mantém a con- cepção de ciência de síntese, que trabalha to- das as demais ciências. Uma outra proposta discutida é que a Geogra- fia é um estudo da individualidade dos luga- res. Para esses, nela o estudo geográfico de- veria abarcar todos os fenômenos que estão capítulo 110 presentes numa dada área, tendo por meta compreender o caráter singular de cada por- ção do planeta. Muitos geógrafos iriam buscar essa meta por meio da descrição exaustiva dos elementos, outros pela visão ecológica, encon- trando, no próprio inter-relacionamento, um elemento de singularização. A Geografia como estudo de diferenciação de áreas é outra proposta existente. A tal pers- pectiva traz uma visão comparativa para o uni- verso da análise geográfica. Nessa concepção, é individualizar as áreas e compará-las com as regularidades da distribuição e das inter-rela- ções dos fenômenos como também diferen- ciá-las delas. Já outros autores buscam definir a Geografia como estudo do espaço. Para eles, o espaço pode ser concebido como uma categoria do entendimento, isto é, toda forma de conhe- cimento efetivar-se-ia por meio de categorias, como tempo, grau, gênero, espaço, etc. Em outras palavras, o espaço pode ser concebido como um ser específico do real, com caracte- rísticas e com uma dinâmica própria. E, por fim, alguns definem a Geografia como estudo das relações entre o homem e o meio, ou posto de outra forma, entre a sociedade e a natureza. Dentro dessa linha de raciocínio, existem três visões distintas: a primeira, em que o homem é posto como um elemento pas- sivo, cuja história é determinada pelas condi- ções naturais as quais o envolvem; a segunda é a ideia de que a Geografia é um estudo da relação entre o homem e a natureza, definin- do o objeto como a ação do homem na trans- formação desse meio; e a terceira, em que os autores conceberiam o objeto como a relação em si, com os dados humanos e os naturais possuindo o mesmo peso. Para eles, o estu- do buscaria compreender o estabelecimento, a manutenção e a ruptura do equilíbrio entre o homem e a natureza. Conforme as discussões anteriores, podemos perceber, apenas, as definições da Geografia tradicional, sendo que existem novas propos- tas atuais que tornam a temática cada vez mais complexa. quanto às reflexões na definição de seu ob- jeto de estudo, conclui-se que a geografia se relaciona com outras ciências, como a Meteo- rologia, a Geologia, a Biologia, a Economia, a Sociologia e a História. Apresenta, além disso, pontos em comum com a Psicologia, a Filoso- fia e a Teologia, já que tanto as ideias como os fatos humanos se manifestam espacialmente. A Ecologia é a ciência mais afim com a Ge- ografia, e chegou-se até a definir essa última como ecologia humana. Não obstante, uma grande diferença as separa, já que a primeira se encarrega do estudo do ecossistema, enten- dido como unidade funcional dos seres vivos e do meio a sua volta, enquanto a segunda estuda e interpreta a distribuição espacial dos ecossistemas. A semelhança com outras ciências levou mui- tos a considerarem a Geografia como uma soma de elementos que individualmente per- tenceriam a outras ciências. Contudo, o caráter de síntese e a busca da interação entre os fe- nômenos que conformam a realidade terrestre outorgam à geografia características próprias. A Geografia se divide em campos sistemáticos e especializações regionais, que podem ser reunidos em três grupos principais: geografia física, geografia humana e geografia regional. As principais atividades do geógrafo físico - observação, medição e descrição da superfície da Terra - são os aspectosda geografia geral mais perceptíveis. A crescente complexidade das questões geográficas exigiu uma progres- siva especialização, o que deu margem à cria- ção de novas disciplinas, como ocorreu com a geomorfologia, a climatologia, a biogeografia capítulo 1 11 e a geografia dos solos, ramos da geografia física. Com o aumento da capacidade humana de alterar as paisagens e a ecologia mundial, dois novos ramos surgiram: o manejo de re- cursos e os estudos ambientais. Os temas do manejo de recursos e dos estudos ambientais são de especial interesse para os geógrafos, pois envolvem tanto sistemas físi- cos quanto biológicos por um lado, e sistemas humanos por outro, e todos eles têm relações específicas com o espaço que ocupam. O ma- nejo de recursos tende a direcionar a utilização dos recursos naturais em benefício da humani- dade, geralmente com exploração sustentada ou planejamento de longo prazo, como, por exemplo, no uso de recursos aquáticos de um curso d’água para múltiplas finalidades (ener- gia, irrigação e lazer). Os estudos ambientais abordam a ameaça im- posta a animais e vegetais pela atividade huma- na; a degradação da atmosfera, da hidrosfera e da litosfera por poluição de muitos tipos; e a combinação desses dois aspectos, como ocor- re no caso da chuva ácida, resultante da pro- dução de energia a partir de hidrocarbonetos, e no caso da redução da camada de ozônio, pelo uso de clorofluorcarbonos. Em todos esses estudos, os geógrafos consideram tecnologias alternativas, custos, impactos sobre outros sis- temas, políticas alternativas e distribuição espa- cial do benefício ou do problema. Um dos problemas centrais da geografia hu- mana é explicar a distribuição e as caracterís- ticas dos povos - área de estudo específica da geografia das populações. Essa distribuição, porém, somente pode ser compreendida, quando se presta atenção à forma como os povos satisfazem suas necessidades e garan- tem sua subsistência; a seus valores culturais e sociais, ferramentas e organização, que são os campos de estudo da geografia cultural e so- cial; à forma como se concentram em cidades e áreas metropolitanas, objeto da geografia urbana; a sua organização política, estudada pela geografia política; a sua saúde e às doen- ças que os afetam, campo da geografia médi- ca; e à evolução de seus hábitos, matéria da geografia histórica. No estudo da distribuição da população, a geografia das populações considera várias ca- racterísticas, como crescimento, quantidade, densidade, idade, sexo, fertilidade, mortalida- de, crescimento natural e ocupação; divisão em grupos rurais e urbanos, étnicos, linguís- ticos ou religiosos e migrações. Em geral, os geógrafos não se contentam com médias na- cionais, que frequentemente encobrem fortes contrastes regionais. Em lugar disso, tentam medir e descrever variações regionais e locais. Em algumas regiões, por exemplo, a popula- ção aumenta, enquanto em outras declina, e essas variações são quase sempre acompanha- das de fluxos migratórios substanciais. Alguns estudos geográficos abordam a dis- tribuição espacial, a mobilidade espacial ou a diversidade espacial em relação ao meio am- biente e aos recursos, frequentemente repre- sentados nos mapas. Outros estudos se pre- ocupam mais com fertilidade, mortalidade, crescimento populacional e previsões apoia- das em modelos demográficos, outros, ainda, abordam questões de política populacional. O conhecimento do modo como as pessoas garantem sua sobrevivência em termos eco- nômicos é básico para a compreensão da distribuição da população. É de especial in- teresse geográfico a localização da atividade econômica em sua evolução histórica dentro de contextos culturais e tecnológicos especí- ficos, baseada em combinações particulares de recursos físicos, biológicos e humanos, condições econômicas e políticas, bem como de ligações e movimentos inter-regionais. Por exemplo, no estudo do surgimento de centros metalúrgicos de um país, é preciso considerar não apenas a localização e disponibilidade das matérias-primas mas também fatores, como: capítulo 112 a disponibilidade, a qualificação e o custo da mão de obra; distâncias e custos de distribui- ção para os mercados; custos de implantação e até mesmo mudanças nas taxas de câmbio dos países competidores, entre outros fatores. Os cinco temas principais caracterizam a geo- grafia cultural: cultura, área cultural, paisagem cultural, história cultural e ecologia cultural. O primeiro deles refere-se à distribuição no es- paço e no tempo de culturas e dos elemen- tos da cultura, como artefatos e ferramentas, técnicas, atitudes, costumes, línguas e crenças religiosas. A área cultural diz respeito aos com- plexos culturais em sua organização espacial, e a paisagem cultural aborda a associação de características humanas, biológicas e físicas sobre a superfície da Terra (especialmente as que são visualmente perceptíveis), alteradas ou não pela ação humana. Esse campo tende a concentrar seus estudos nas sociedades tradi- cionais, e sua principal preocupação tem sido os aspectos espaciais dos grupos minoritários, como mulheres, idosos e pobres. Já a geografia urbana é um campo de gran- de importância em nações com economias mais desenvolvidas e altos níveis de urbaniza- ção, como os países da Europa ocidental e da América do Norte, a Austrália e o Japão. Entre outros tópicos, estuda os fatores que influen- ciam a localização de determinadas cidades, sistemas urbanos, diferenças regionais em ur- banização, expansão de áreas metropolitanas, problemas sociais e habitacionais etc. Os estudos de geografia política em nível in- ternacional se concentram na organização do mundo em estados, nas alianças regionais en- tre países de um lado, e sua subdivisão polí- tico-administrativa de outro, na delimitação e demarcação de fronteiras, na escolha de locais para as capitais etc. Em nível nacional, estuda movimentos separatistas e distribuição dos vo- tos, conforme interesses regionais, entre ou- tros temas. Existem três tipos diferentes de estudos (es- tão incluídos sob a especialidade da geografia médica): um deles é o estudo da difusão de doenças infecciosas com base nos centros de ocorrência, que incluem o mapeamento da dis- tribuição de determinada doença; em segundo lugar, estão os estudos da relação entre desnu- trição e problemas médicos, e o terceiro campo inclui as pesquisas sobre disponibilidade de ser- viços médicos e sua ótima distribuição. A geografia de épocas passadas e suas mudan- ças ao longo do tempo é o tema da geografia histórica. O primeiro aspecto analisado é o es- tudo horizontal dos padrões apresentados em épocas específicas; o outro é a análise vertical do processo de mudança ao longo do tempo. Esse campo cresceu muito na segunda metade do século xx. Em contraste com os campos sistemáticos da geografia, os quais enfocam categorias par- ticulares de fenômenos, sobre a forma como se distribuem pelo globo, a geografia regio- nal estuda as associações regionais de todos ou alguns desses elementos e, especialmente, sua evolução histórica. Trata-se de uma abor- dagem relativamente recente - os trabalhos pioneiros nesse campo datam do fim do sé- culo xIx e início do século xx - à qual muitos geógrafos têm-se dedicado, mas que, algumas vezes, se apresenta como claramente subordi- nada a outros campos da geografia sistemáti- ca. Uma das questões metodológicas a superar é a forma como o mundo deve ser dividido do ponto de vista da geografia regional. A divisão em continentes foi adotada por algum tem- po. Mais recentemente, contudo, as regiões com semelhanças culturais ganharam maior reconhecimento, como, por exemplo, a Amé- rica Latina, o Oriente Médio, muito úteis em alguns casos, uma vez que estão estreitamente ligadas ao tipo de agricultura praticado e às demais atividades humanas. No próximo subi- tem, serão discutidas as tendências do pensa- mento geográfico do séculoxx. 3. TENDÊNCIAS capítulo 1 13 DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO DO SÉCULO XX As transformações ocorridas no conhecimen- to científico e no contexto sócio-econômico promovem a contínua mudança nos desafios e nos problemas enfrentados pelos homens. Pro- curando analisar e explicar essa problemática, com vistas a propor soluções e prever as pos- síveis consequências futuras, o conhecimento científico está sempre aceitando os desafios e lutando com o objetivo de superar as questões relevantes para as sociedades. Nesse sentido, o conhecimento geográfico tem o propósito de analisar e esclarecer esses problemas de cunho social, natural, cultural, econômico e, principalmente, científico. Toda- via, não se poderá compreender esse debate atual, se não abordarmos as características da geografia predominante na primeira metade do Século xx e se não tivermos uma visão mais abrangente do seu desenvolvimento no tem- po. Portanto, com o intuito de entender e ca- racterizar as diversas tendências atuantes nos estudos geográficos, procurou-se, nessa seção, estabelecer o seguinte esquema sequencial: a fase tradicional (pré-1950), a Nova Geografia, a Geografia Humanística, a Geografia Idealis- ta, a Geografia Radical e a Geografia Têmporo- -Espacial. Foi somente no Século xIx que a Geografia co- meçou a usufruir status de conhecimento orga- nizado, penetrando nas universidades. Em 1870, foram criadas, na Alemanha, as primeiras cadei- ras de Geografia e, posteriormente, na França. Organizada e estruturada em função das obras de Alexandre von Humboldt e de Carl Ritter, de- sabrochando na Alemanha e na França, pouco a pouco a Geografia foi-se difundindo para os demais países. As contribuições e as ideias dos geógrafos alemães e franceses tiveram grande influência no desenvolvimento dessa ciência na primeira metade do Século xx. Enquanto na Ale- manha, os trabalhos mais significativos são os de Alfred Hettner, na França, os trabalhos básicos são os de Paul Vidal de La Blache. Em 1925, Alfred Hettner considerava como objetivo fundamental da Geografia o estudo da diferenciação regional da superfície terres- tre. Essa definição foi acatada e elaborada por Hartshorne, em 1939, em sua obra A natureza da Geografia. Muito mencionada também é a definição elaborada por Emmanuel de Mar- tonne, em sua obra Tratado de Geografia Físi- ca, cuja primeira edição surgiu em 1909, e a última, em 1951. Para De Martonne a “geo- grafia moderna encara a distribuição à superfí- cie do globo dos fenômenos físicos, biológicos e humanos, as causas dessa distribuição e as relações locais desses fenômenos”. Essas definições e a prática da pesquisa geo- gráfica estavam imbuídas de contradições di- cotômicas. Entre elas, duas merecem ser des- tacadas nesta oportunidade. A primeira estava relacionada com a Geografia Física e a Geogra- fia Humana, representando os conjuntos meio geográfico e atividades humanas, a Geografia Física destinava-se ao estudo do quadro natu- ral, enquanto a Geografia Humana preocupa- va-se com a distribuição dos aspectos origina- dos pelas atividades humanas. Em virtude do aparato teórico-metodológico mais eficiente das ciências físicas elaborado por William Morris Davis, a Geografia Física rapidamente ganhou a imagem de ser cienti- ficamente mais bem consolidada e executada. Destituída de aparato teórico e explicativo para as atividades humanas, assim como da impre- cisão dos procedimentos metodológicos, a Ge- ografia Humana sempre se debatia na procu- ra de justificar o seu gabarito científico, e em estabelecer sua definição e finalidades como ciência. A esta dicotomia se juntava o confli- to conceitual de ser a Geografia uma “ciência única” ou um conjunto de ciências. A segunda dicotomia se refere à geografia geral e à geografia regional. A geografia ge- capítulo 114 ral analisava cada categoria de fenômenos de maneira autônoma, objetivando estudar a distribuição dos fenômenos na superfície da Terra. Essa focalização resultou na geografia sistemática ou na subdivisão da geografia (ge- omorfologia, hidrologia, climatologia, bioge- ografia, geografia da população, da energia, urbana, industrial, da circulação e outras). En- tretanto, deve-se lembrar de que o designativo geral não se referia ao conceito da metodo- logia científica de procurar generalizações ou leis, mas se baseava no princípio da “unidade terrestre” (La Blache, 1896) e na “escala plane- tária” (Cholley, 1951). A Geografia Regional procurava estudar as unidades componentes da diversidade areal da superfície terrestre. Em cada lugar, área ou re- gião, a combinação e a interação das diversas categorias de fenômenos refletiam-se na ela- boração de uma paisagem distinta, que surgia de modo objetivo e concreto. O estudo das regiões e das áreas favoreceu a expansão da perspectiva regional, que teve como padrão as clássicas monografias da escola francesa. Preo- cupados em compreender as características re- gionais, o geógrafo desenvolveu a habilidade descritiva, exercendo a caracterização já esta- belecida por La Blache, em 1913. À Geografia, considerando a totalidade, cor- respondia o trabalho de síntese, reunindo e coordenando todas as informações a fim de salientar a visão global e totalizadora da re- gião. A vocação sintética tornou-se a respon- sável pela unidade do ponto de vista atribuí- do à pesquisa geográfica. É ela a responsável pela unidade da Geografia, fazendo com que a “Geografia tenha por objeto o conhecimento das relações que condicionam, em determina- do momento, a vida e as relações dos grupos humanos. Essas relações colocam em jogo elementos e atos de essência múltipla, tão di- ferentes como a presença do granito ou a de uma fronteira” (Pierre George, 1961). Em virtude dessa concepção ampla, todos os eventos da superfície terrestre acabam perten- cendo ao âmbito geográfico. A importância assumida pela síntese é tão grande que Jacque Line Beaujeau Garnier, em 1971, observa que “o método geográfico visa analisar uma parce- la do espaço concreto, isto é, pesquisar todas as formas de relações e de combinações que podem existir entre a totalidade dos diversos elementos em presença. Isso é a geografia glo- bal, a geografia tout court”. A propósito da Geografia Tradicional, inúmeros são os trabalhos conceituais e metodológicos disponíveis em língua portuguesa. É da mais significativa importância salientar o trabalho e a preocupação assídua do periódico Boletim Geográfico em publicar traduções de artigos básicos elaborados por geógrafos de diversas nacionalidades. Publicado, regularmente, des- de 1943, pelo antigo Conselho Nacional de Geografia e depois pela Fundação IBGE, cons- titui fonte preciosa de referências bibliográfi- cas. Com o intuito somente de exemplificar, podemos lembrar os artigos de Boyé (1974), Cholley (1964), Davis (1945), James (1967), James e Jones (1959), Le Lannou (1948), Ta- tham (1959) e Whittlesey (1960), Paul Vidal de La Blache (1954), Jean Brunhes (1962), René Clozier (1950), Jan Broek (1967), Olivier Doll- fuss (1972; 1973), Pierre George (1972), Pierre George, R. Gughielmo, B. Kaiser e Y. Lacos- te (1966), Richard Hartshorne (1978), Pierre Monbeig (1957), Gabriel Rougerie (1971), Hil- gard Sternberg (1946), S. W. Wooldridge e W. G. East (1967) e a de Nelson Werneck Sodré (1976). A denominação de “Nova Geografia” foi ini- cialmente proposta por Manley (1966), consi- derando o conjunto de ideias e de abordagens que começaram a se difundir e a ganhar de- senvolvimento durante a década de cinquenta. O surgimento de novas perspectivas de abor- dagem está integrado na transformação pro- funda, provocada pela Segunda Guerra Mun- dial nos setores científico, tecnológico, social e econômico. Essa transformação, abrangendo o aspecto filosófico e metodológico, foi deno- capítulo 1 15 minada de “revolução quantitativa e teorética da Geografia” por lan Burton (1963). Com o objetivo de superar as dicotomiase os procedimentos metodológicos da Geografia Regional, a Nova Geografia desenvolveu-se procurando buscar um enquadramento maior da Geografia no contexto científico. A fim de traçar um panorama genérico sobre a Nova Geografia, podemos especificar algumas de suas metas básicas: A - Rigor maior na aplicação da metodologia científica - baseada na filosofia do positivismo lógico, a metodologia científica representa o conjunto dos procedimentos aplicáveis à exe- cução da pesquisa científica. Não há metodo- logia específica para uma ciência, mas, para o conjunto das ciências. Há métodos científicos para a pesquisa geográfica, mas não, métodos geográficos de pesquisa. Considerando a metodologia científica como o paradigma para a pesquisa geográfica, a Nova Geografia salienta a necessidade de maior rigor no enunciado e na verificação de hipó- teses assim como na formulação das explica- ções para os fenômenos geográficos. E não se deve só explicar o existente e o acontecido, mas, com base nas teorias e nas leis, ser capaz também de propor predições. Dessa maneira, cria-se a simetria entre o passado e o futuro. Com o intuito de cada vez mais se conhecerem os aspectos e as questões relacionadas com a metodologia, os geógrafos passaram a se interessar pela filosofia da ciência. E as obras de Ernest Nagel, Gustav Bergmann, R. B. Brai- thwaite, Mario Bunge, Carl Hempel e de Karl Popper, entre muitos outros, começaram a ser mencionadas por geógrafos preocupados com essa temática. B) Desenvolvimento de teorias - a falta de te- orias explicitamente expostas na Geografia Tradicional foi veementemente criticada por inúmeros geógrafos. Por essa razão, sob o paradigma da metodologia científica, a Nova Geografia também procurou estimular o de- senvolvimento de teorias relacionadas com as características da distribuição e arranjos espa- ciais dos fenômenos. Deve-se notar também a grande facilidade com que os geógrafos pas- saram a usar e trabalhar as teorias disponíveis em outras ciências, como as teorias econô- micas, mormente as relacionadas com a dis- tribuição, localização e hierarquia de eventos (as teorias de Christaller, von Thunen, Losch, Weber). Tendo em vista verificar a aplicabilidade de tais teorias, muitos geógrafos passaram a es- tudar os padrões de distribuição espacial dos fenômenos (estudo de distribuições pontuais, de redes ou de áreas), mas sem fazer estudo crítico e propor modificações ou substituições àquelas teorias. Não se encontra contribuição realmente significativa para a teoria geográfica das organizações espaciais. Se havia deficiên- cia em teorias, essa lacuna ainda continua a existir. Por outro lado, com o estudo dos pa- drões espaciais, aceitava-se implicitamente o espaço como a dimensão característica da análise geográfica e a superfície terrestre como o seu objeto de estudo. Basicamente, não ha- via nada de diferenciação fundamental com as definições propostas por Hettner e Hartshorne. Ao deslocar o foco de análise para o das or- ganizações espaciais, estava-se propondo mo- dificação substancial, mas a inércia da forma- ção geográfica manteve-se, e a transformação continua a ser almejada. C) O uso de técnicas estatísticas e matemáticas - para analisar os dados coletados e as distri- buições espaciais dos fenômenos foi uma das primeiras características que se salientou na Nova Geografia, e o seu carisma foi tão grande que se refletiu na adjetivação empregada por muitos trabalhos, a denominação de “Geogra- fia quantitativa”. Indiscutivelmente, o uso das técnicas de análi- se deve ser incentivado porque elas se consti- tuem em ferramentas, em meios para o geó- grafo. O conhecimento das diversas técnicas capítulo 116 de análise (as simples, as multivariadas e as relacionadas com a análise seriada e espacial) é básico para o geógrafo. Entretanto, usar técnicas estatísticas, por mais sofisticadas que sejam, não é fazer Geografia. Se o geógra- fo coleta inúmeros dados e informações e os analisa por meio do computador (por exem- plo, usando a análise fatoral ou a discrimi- nante), sem ter noção clara do problema a pesquisar e se não dispuser de arsenal teórico e conceitual que lhe permita adequadamente interpretar os resultados obtidos, estará, ape- nas, fazendo trabalho de mecanização, mas nunca, um trabalho geográfico. D) A abordagem sistêmica - serve ao geógrafo como instrumento conceitual, que lhe facilita tratar dos conjuntos complexos, como os da organização espacial. A preocupação em foca- lizar as questões geográficas sob a perspectiva sistêmica representou característica que favo- receu e dinamizou o desenvolvimento da Nova Geografia. A aplicação da teoria dos sistemas aos estu- dos geográficos serviu para melhor focalizar as pesquisas e para delinear, com maior exatidão, o setor de estudo dessa ciência, além de propi- ciar oportunidade para considerações críticas de muitos dos seus conceitos. A bibliografia específica avoluma-se continuamente, abor- dando temas ligados às geociências ou às ciên- cias humanas. No âmbito da Geografia, todos os seus setores estão sendo revitalizados pela utilização da abordagem sistêmica. Por exem- plo, a introdução do conceito de geossistema pelos geógrafos soviéticos permitiu recompor e revitalizar o campo da Geografia Física (So- tchava, 1977). E) O uso de modelos - intimamente relaciona- da com a verificação das teorias, com a quan- tificação e com a abordagem sistêmica, desen- volveu-se o uso e a construção de modelos. A construção de modelos pode ser considerada como estruturação sequencial de ideias rela- cionadas com o funcionamento do sistema. O modelo permite estruturar o funcionamento do sistema, a fim de torná-lo compreensível e expressar as relações entre os seus diversos componentes. Para o geógrafo, o modelo é um instrumento de trabalho, que deve ser utilizado na análise dos sistemas das organi- zações espaciais. Como na quantificação, não se deve se prender à construção e ao uso de modelos pelo simples objetivo em si mesmo. Mas é um meio para melhor se atingir a com- preensão da realidade. A Geografia Humanís- tica, a Geografia Idealista e a Geografia Radical são três tendências que ganharam ímpeto nos últimos anos. A abordagem humanística em Geografia tem como base os trabalhos realizados por Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, Edward Relph e Mercer e Powell e possui a fenomenologia existencial, como a filosofia subjacente. Embora possuin- do raízes mais antigas, em Kant e Hegel, os sig- nificados contemporâneos da fenomenologia são atribuídos à filosofia de Edmund Husserl (1859-1939). Evidentemente, esse movimento filosófico foi ampliado, e vários autores forne- ceram subsídios importantes, tais como Heide- gger, Merleau-Ponty e Sartre, entre outros. A fenomenologia preocupa-se em analisar os aspectos essenciais dos objetos da consciência por meio da supressão de todos os preconcei- tos que um indivíduo possa ter sobre a natu- reza dos objetos, como os provenientes das perspectivas científica, naturalista e do senso comum. Preocupando-se em verificar a apre- ensão das essências por meio da percepção e da intuição das pessoas, a fenomenologia uti- liza como fundamental a experiência vivida e adquirida pelo indivíduo. A Geografia Humanística procura valorizar a experiência do indivíduo ou do grupo, visando compreender o comportamento e as manei- ras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares. Para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão do mundo, que se expressa por meio das suas atitudes e de seus valores para com o quadro ambiente. capítulo 1 17 É o contexto por meio do qual a pessoa valo- riza e organiza o seu espaço e o seu mundo, nele relacionando-se. Nessa perspectiva, os geógrafos humanistas argumentam que sua abordagem merece o rótulo de “humanística”, pois estudam os aspectos do homem que são mais distintamente humanos: significações, valores, metas e propósitos (Entrikin, 1976).As noções de espaço e lugar surgem como muito importantes para essa tendência geo- gráfica. O lugar é aquele onde o indivíduo se encontra ambientado, onde está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeições; é o “centro de significância ou um foco de ação emocional do homem”. O lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas. Em 1974, ao tentar es- truturar o setor de estudos relacionados com a percepção, atitudes e valores ambientais, Yi- -Fu Tuan propôs o termo Topofilia, definindo-o como “o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico”. A Geografia Idealista representa tendência para valorizar a compreensão das ações envolvidas nos fenômenos, procurando focalizar o seu as- pecto interior, que é o pensamento subjacente às atividades humanas. O filósofo e historia- dor R. G. Collingwood, em sua obra The idea of history, de 1956, considera que uma ação compreende dois aspectos: o exterior e o inte- rior. O exterior compreende todos os aspectos de uma ação passíveis de descrição em função de corpos e de seus movimentos, enquanto a parte interior das ações é o pensamento sub- jacente aos seus aspectos observáveis (a sua parte exterior). Essa perspectiva collingwoodiana foi acatada por Leonard Guelke, o qual vem aplicando-a à Geografia. Em 1974, apresentou as caracterís- ticas básicas da geografia idealista e posterior- mente mostrou a sua potencialidade de aplica- ção à geografia histórica (1975) e à geografia regional (1977). Descontente com a característica pragmática assumida pela Nova Geografia, Guelke (1975) observa que “o valor pragmático de muitos trabalhos da Nova Geografia é o único aspec- to a fornecer-lhe uma justificativa maior para a sua existência. Se analisarmos a Nova Geo- grafia somente em função da sua contribuição intelectual à disciplina, os resultados são escas- sos. Mas isso não é surpreendente. Os novos geógrafos simplesmente aplicavam técnicas mais sofisticadas dentro do velho contexto hartshorniano. Em outras palavras, os novos geógrafos estiveram basicamente relacionados com os atributos externos dos fenômenos e com sua associação espacial”. O idealismo é uma alternativa ao positivismo, tomando plena consideração da dimensão do pensamento no comportamento humano. O idealista considera que as ações humanas não podem ser explicadas adequadamente, a me- nos que se compreenda o pensamento subja- cente a elas, em que o positivista procura expli- car o comportamento como uma função dos atributos externos dos fenômenos, e o idealis- ta procura compreendê-lo em termos dos prin- cípios internos do indivíduo ou do grupo en- volvido. Em outras palavras, “o idealista tenta explicar os padrões de paisagens repensando os pensamentos das pessoas que os criaram”. (Guelke, 1975). Em seu artigo de 1974, Guelke observa que o geógrafo humano está interessado principal- mente na forma por meio da qual uma ação possa se desenrolar, em “compreender a res- posta racional para o fenômeno, mas não na explicação do fenômeno em si”. As formas de atividades humanas, em níveis individual e so- cial, modificaram e transformaram a superfície terrestre. Assim, “o objetivo do geógrafo hu- mano idealista é o de compreender o desen- volvimento da paisagem cultural da Terra ao revelar o pensamento que jaz atrás dele”. Outra tendência nos estudos geográficos que se iniciou na década de 1960 está relacionada capítulo 118 com a Geografia Radical. Em virtude do am- biente contestatório nos Estados Unidos, nos anos sessenta, em função da guerra do Vietnã, da luta pelos direitos civis, da crise da poluição e da urbanização, surgiu uma corrente geo- gráfica preocupada em ser crítica e atuante. Vários adjetivos são mencionados para carac- terizá-la, tais como geografia crítica, de rele- vância social, marxista e radical. Dentre eles, considero ser a denominação Geografia Radi- cal mais abrangente e significativa, designan- do tudo o que seja de tendência esquerdista e a postura contestatória de seus praticantes. Por meio de pequenos grupos de professores e alunos, em diversas universidades americanas (John Hopkins, Clark, Simon Fraser e outras), a leitura e a análise das obras de Marx e Engels foram aspectos destacados no movimento da Geografia Radical, a fim de procurar focaliza- ções para a análise marxista do espaço. Em 1974, fundou-se a União dos Geógrafos So- cialistas em Toronto, a qual se encontra orga- nizada com base em federações locais e sem possuir uma sede central. A partir de 1975, ela se tornou responsável pela publicação da revis- ta U. S. G. Newsletter. Outro ponto importante na evolução da Geo- grafia Radical foi a publicação do livro de Da- vid Harvey – Justiça Social e a Cidade 1973 -, que foi a primeira tentativa de apresentar uma síntese e um marco teórico para a análise mar- xista do espaço urbano. A Geografia Radical também visa ultrapassar e substituir a Nova Geografia. Os seus propug- nadores consideram a Nova Geografia como sendo pragmática, alienada, objetivada no estudo dos padrões espaciais e não nos pro- cessos e problemas socioeconômicos e com grande função ideológica. Dessa maneira, ela procura analisar, em primeiro, os processos sociais, e não os espaciais, ao inverso do que se costumava praticar na geografia teorético- -quantitativa. Nessa focalização, encontra-se implícito o esforço na tentativa de integrar os processos sociais e os espaciais no estudo da realidade. A Geografia Radical interessa-se pela análise dos modos: o de produção e o das formações sócio-econômicas. Isso porque o marxismo considera como fundamental os modos de produção, enquanto as formações sócio-eco- nômicas espaciais (ou formações econômicas e sociais) são as resultantes. As atividades dos modos de produção constroem e geram for- mações diferentes. Cada modo de produção, capitalista ou socialista, por exemplo, reflete-se em formações sócio-econômicas espaciais dis- tintas, cujas características da paisagem geo- gráfica devem ser analisadas e compreendidas. Para a análise dos modos de produção e das formações sócio-econômicas, os geógrafos radicais têm por base a filosofia marxista. In- serida no contexto radical do movimento cien- tífico, ela tem por objetivo colaborar ativamen- te para a transformação radical da sociedade capitalista em direção da socialista, por meio do incentivo à revolução. Por essa razão, a Ge- ografia Radical deve ser marxista (Folke, 1972). Com o fito de atingir tais objetivos, surge a ênfase sobre os temas de relevância social, a fim de incentivar os mecanismos das lutas de classe, tais como: a pobreza, as desigualdades e as injustiças sociais, a deterioração dos re- cursos ambientais, as desigualdades espaciais e sociais nas estruturas urbanas e outros. Nes- sa perspectiva, o tema do “bem-estar social” não surge como novo ramo da Geografia, mas para definir “uma geografia humana nova” (Smith, 1977). Outro aspecto importante refere-se à questão metodológica. A Nova Geografia baseia-se nos procedimentos da metodologia científica, enquanto a Geografia Radical se assenta nos procedimentos metodológicos dos matemáti- cos dialéticos. É tema polêmico mostrar qual dos procedimentos é o mais adequado. A fim de considerar que os procedimentos metodo- lógicos, baseados no positivismo lógico, são capítulo 1 19 inadequados em vários textos radicais, o termo “científico” surge com conotação pejorativa. Por outro lado, digladiam-se temas, como a objetividade e a exigência de verificação e refu- tabilidade na metodologia científica, e o dog- matismo e a impossibilidade de se verificarem e refutarem as explicações marxistas dadas aos fenômenos sócio-espaciais. Em língua portuguesa, encontram-se disponí- veis diversas obras e artigos relacionados com a Geografia Radical. Entre as traduções, convém mencionar as obras de Yves Lacoste (A Geo- grafia Serve, Antes de MaisNada, para fazer a Guerra, 1977), de Massimo quaine (Marxismo e Geografia, 1979) e de David Harvey (Justiça Social e a Cidade, 1980), além do artigo de James Anderson (1977) sobre a ideologia na Geografia. Entre os geógrafos brasileiros, Míl- ton Santos vem-se salientando nessa perspec- tiva geográfica, por meio de diversos artigos e de duas obras mais expressivas, denominadas Por uma Geografia Nova (1978) e Economia Espacial (1979). A Geografia Têmporo-espacial procura anali- sar as atividades dos indivíduos e das socieda- des em função das variáveis tempo e espaço, visando traçar as trajetórias dos ritmos de vida (diários, anuais e da própria duração da vida), assinalando a alocação de tempo despendido nas diversas atividades e nos vários lugares. O contexto abrangido pelo território ao alcance do indivíduo, ou da sociedade corresponde ao seu meio ambiente, dentro do qual ele execu- ta as suas atividades, considerando as escalas temporais do dia, do ano ou da própria vida. Tomando como base os trabalhos realizados por Torsten Hagerstrand, a partir de 1970, essa ten- dência originou o Grupo de Geografia do Tempo na Suécia. Na atualidade, vários outros grupos e escolas já se dedicam a essa temática, como o Grupo Multinacional de Orçamento Comparativo de Tempo, o Grupo Chapin, na Carolina do Norte (E.U.A.), e a Escola de Becker, que se dedica à alo- cação temporal na economia. As questões relacionadas com o uso do tempo são fundamentais para a perspectiva têmporo- -espacial da Geografia, tanto em relação ao in- divíduo como em relação aos grupos. As ativi- dades desenvolvidas pelos indivíduos e grupos na família, nos locais de trabalho e nas horas de lazer exigem construções adequadas, meios de transporte e organização dos horários. Para que os membros da sociedade possam usu- fruir dos divertimentos e lazeres, por exemplo, é preciso que essas atividades sejam ofereci- das fora dos seus horários de trabalho e numa localização próxima da sua residência, a qual permita um deslocamento conveniente e aces- sível de ida e volta. As escolhas de residência, de locais de trabalho, de cidades para morar são decisões que envolvem seleção de pontos para usufruir das regalias e disponibilidades sociais e para distribuir convenientemente o uso do tempo diário nas diversas atividades. Os recursos individuais e familiares (renda, uso de carro etc.) criam condições que liberam as pessoas para agir numa porção maior do espa- ço e para executar tarefas mais diversificadas. As atividades produtivas e as características das classes sócio-econômicas são importantes na análise têmporo-espacial. São significativas, por exemplo, as diferenças no uso do tempo entre as populações urbanas e as rurais. Ou- tro aspecto relaciona-se com o valor do tempo gasto. As pessoas de baixo nível social e cultu- ral executam tarefas de baixo rendimento, pois o seu tempo é barato. As pessoas de alto nível social e cultural apresentam valor do tempo muito mais elevado, cujo gasto não é destina- do à execução de tarefas simples e rotineiras. Delegar as tarefas domésticas e de limpeza às empregadas é procedimento usual nas famílias abastadas, assim como os subalternos execu- tam muitas tarefas delegadas pelos patrões e dirigentes. Portanto, as abordagens histórica-conceituais, as inter-relações e as tendências dos estudos geográficos demonstram e delineiam as carac- terísticas da atual Geografia. Essas perspec- tivas enriquecem conceitualmente e promo- capítulo 120 vem um dinamismo científico. A Geografia continua sendo uma ciência que analisa o conjunto global ou as categorias setoriais dos fenômenos. E cabe a nós, geógrafos, conhe- cer e atualizar as várias tendências (conteú- dos e métodos) da Geografia, avaliando os seus aspectos positivos e negativos, as suas vantagens e desvantagens. RESUMO A humanidade passou por diversas trans- formações que refletiram na evolução e nos fundamentos epistemológicos da ciência geo- gráfica, uma vez que, sendo uma ciência es- sencialmente social e natural, deve responder aos anseios e às novas realidades. Nesse sen- tido, este capítulo deteve-se na caracterização e compreensão das abordagens histórica-con- ceituais da Geografia, no entendimento e na identificação das inter-relações da ciência geo- gráfica com as demais ciências e a descrição e análise das principais tendências da Geografia do século xx. REFERÊNCIAS 1. Comente sobre a definição do objeto de es- tudo da Geografia e suas inter-relações com as demais ciências. 2. Fale sobre a história da Geografia. 3. Caracterize e analise as tendências da Geografia do século xx. Atividades: MORAES, A. C. R. GEOGRAFIA: pequena his- tória crítica. 20. ed. São Paulo: annablume, 2005. BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâme- tros Curriculares Nacionais para o Ensino da Geografia. Brasília: MEC/SEF/1998. CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos [et al]. Ge- ografia em sala de aula: práticas e reflexões. 3. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 2001. CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e Prá- ticas de Ensino. Goiânia: Alternativa, 2002. CASTRO, I.E. de., GOMES, P.C. Da C., CORREA, R. L.(orgs). Geografia: conceitos e temas. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. PONTUSCHKA, N. N., PAGANELLI, T. I., CACE- TE, N. H. (orgs). Para ensinar e aprender Geo- grafia. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2007. capítulo 2 21 Prof. Msc. Nilson Vasconcelos de Sousa Profa. Ms. Fabiana Cristina da Silva Carga Horária | 15 horas INTRODUÇÃO A Geografia é uma disciplina escolar, a qual oferece aos alunos e professores representações sociais, naturais, históricas e culturais, visando ao entendimento melhor do mundo em seu processo ininter- rupto de transformação. As atuais abordagens da Geografia no Brasil resultam das várias correntes do pensamento, desde as de Paul Vidal de La Blache até as contemporâneas. Alguns pesquisadores orientam-se, teórica e metodologicamente, com maior ênfase, pelas correntes humanísticas e psicológicas da Geografia da percepção e pela fenomenologia, enquanto outros, ainda, pelo materialismo histórico e dialético. A identificação dessas correntes permite expor a atuação das práticas pedagógicas no desenvolvimen- to da espacialidade dos professores e alunos, considerando a multiplicidade de concepções acerca da Geografia e de seu ensino. Os conteúdos e os métodos distintos não existem um sem o outro em educação. Decidir por um mé- todo passivo ou por outro interativo e participativo incide, de modo diferente, no desenvolvimento do pensamento e do raciocínio do aluno e na sua formação social. A discussão com o professor em formação inicial e continuada sobre a consistência e a coerência de sua opção teórico-metodológica é fundamental para trabalhar com a educação geográfica dos alunos e, sobretudo, ter o respeito dos estudantes como educador e profissional que sabe Geografia. No entanto, este capítulo irá abordar a origem da Geografia como ciência e disciplina no Brasil, apon- tando as abordagens conceituais, metodológicas e curriculares, o movimento de renovação da geo- grafia no Brasil nas escolas e a teoria e prática de Geografia em sala de aula. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Levantar e compreender o processo histó- rico da Geografia como ciência e disciplina escolar no Brasil, apontando as abordagens conceituais, metodológicas e curriculares; • Analisar o movimento de renovação da Geografia no Brasil nas escolas; • Identificar e entender a teoria e a prática da Geografia em sala de aula. GEOGRAFIA NO BRASIL: CIÊNCIA E DISCIPLINA ESCOLAR capítulo 222 1. A ORIGEM DA GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA E DISCIPLINA NO BRASIL A Geografia passou a desenvolver-se com o respaldo do Estado francês, sendo introduzida como disciplina em todas as séries do ensino básico, na reforma efetivada na terceira repú- blica. Foram criadas as cátedras e os institutos de Geografia,o que estimulou a formação de geógrafos e de professores da disciplina. Os princípios da escola francesa nortearam as primeiras gerações de pesquisadores brasilei- ros e o trabalho pedagógico dos docentes. No Brasil, as ideias produzidas pela escola france- sa chegaram aos bancos escolares por meio de licenciados, que, de posse do saber científico, desenvolvido na universidade, e com o auxílio de livros didáticos, escritos por professores uni- versitários, elaboravam suas aulas, produzindo um saber para os diferentes níveis de ensino. Vale destacar o trabalho de Aroldo de Azeve- do, cujos livros foram adotados nas escolas brasileiras, entre as décadas de 1950 e 1970. Em meados da década de 1950, as tendên- cias tradicionais da Geografia buscavam com- preender o espaço geográfico por meio das relações do homem com a natureza, passan- do a serem questionadas em várias partes do mundo e, nas décadas seguintes, também no Brasil. Os geógrafos foram à busca de novas teorizações e novos paradigmas. A fundação da Faculdade da USP (1934) e do Departamento de Geografia (1946) teve papel fundamental no desenvolvimento da ciência geográfica no País e na formação de licencia- dos para o ensino da disciplina. Do ponto de vista teórico, é importante registrar a profunda influência europeia sobre o desenvolvimento dessa ciência no Brasil, com destaque para a presença francesa, justificada pela naciona- lidade dos primeiros mestres, entre os quais Monbeig e Deffontaines, na faculdade da USP, e Ruellan na Faculdade do Rio de Janeiro. Simultaneamente à criação da USP, fundou-se a AGB – Associação de Geógrafos Brasileiros, que teve e tem significativa importância para todos os que, no Brasil, produzem conheci- mento geográfico e ensinam Geografia. Antes da Faculdade da USP, não havia, no Brasil, o bacharel e o professor licenciado em Geogra- fia. Existiam pessoas que, egressas de diferentes faculdades ou até mesmo das escolas normais, lecionavam essa disciplina, assim como outras. Eram os professores de Geografia: advogados, engenheiros, médicos e seminaristas. Nessa época, a Geografia era uma disciplina decorativa, que objetivava, apenas, a enume- ração de nomes de rios, serras, montanhas, ilhas, cabos, capitais, cidades, rios, etc. As pesquisas feitas pela Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo foram fundamentais para a produção geográfica no país. Delgado de Carvalho, intelectual, forma- do nas universidades europeias e norte-ame- ricanas, participou dos debates educacionais dos anos de 1920. Foi diretor do Colégio Pe- dro II e integrou o grupo executivo, o qual re- formulou os programas de ensino no Distrito Federal (RJ), sob a direção de Anísio Teixeira - que teve, na época, para a História e a Geo- grafia, profundo significado na definição tan- to dos conteúdos a serem ensinados quanto das respectivas metodologias. Ele produziu obras científicas, didáticas e me- todológicas no campo das ciências sociais, participando ativamente do movimento da Es- cola Nova, que fundamentava as discussões e as reformas de ensino na década de 1930 e nas que se seguiram. A Metodologia do Ensi- no Geográfico, publicada em 1925, constituiu o trabalho mais importante da Geografia no Brasil da primeira metade do século xx. Delgado de Carvalho propôs que o território brasileiro fosse estudado por meio das regiões capítulo 2 23 naturais, posição que promovia a naturalização das questões relativas à sociedade brasileira. No Brasil, a formação de uma Geografia com caráter científico efetivou-se a partir de 1930, ao serem criadas as primeiras faculdades de Fi- losofia, o Conselho Nacional de Geografia, o IBGE e AGB. A criação da faculdade da USP contribuiu para mudanças no perfil do professor de Geografia e História, pois possibilitou o surgimento de um profissional novo, o bacharel e licenciado. Esse novo professor foi procurar seu espaço no mundo profissional, tendo papel importante na transformação cultural, sobretudo na sala de aula, na atuação junto aos alunos do ginásio. A formação docente em Geografia desen- volveu-se com o crescimento da produção científica, baseada em trabalhos de campo, realizados com os estudantes e vinculados à literatura geográfica de origem francesa ou alemã, acrescida da crítica dos professores brasileiros. O aluno, ao completar sua forma- ção inicial, tornava-se professor de História e Geografia. Entre as décadas de 1940 e 1950, o IBGE teve papel fundamental na produção de artigos so- bre pesquisas de caráter geográfico, os quais chegaram aos alunos do antigo ginásio e co- légio por meio dos professores da área, bem como pelos livros didáticos e pelas orientações metodológicas, fundamentadas em publica- ções produzidas por esse instituto e pelo Con- selho Nacional de Geografia. Para o ensino médio, destacou-se o Boletim Geográfico, com distribuição por todo o ter- ritório nacional por meio das agências e dele- gacias do IBGE, tendo sido um dos primeiros a preocupar-se com o ensino da Geografia de forma regular. Esse boletim, que existiu por 36 anos, possuía uma parte dedicada ao ensino. Os geógrafos estrangeiros e as gerações que os sucederam deixaram artigos e transcrições sobre o ensino nesse periódico. A AGB seção – São Paulo deu início, em 1949, à publicação do Boletim Paulista de Geografia - BPG, que se tornou canal de expressão dos geógrafos do estado de São Paulo e, principal- mente, da USP, contando, até o ano de 2005, 81 números publicados. O BPG, no qual os geógrafos expunham e ainda expõem suas ideias e pesquisas, foi-se constituindo fonte bibliográfica obrigatória dos estudantes e sendo utilizado pelos pro- fessores das escolas de ensinos fundamental e médio. O boletim, desde a década de 1940, vem influenciando a formação dos professores na USP e nas faculdades particulares e públi- cas do país. Os associados da AGB – São Paulo mantinham-se atualizados sobre o movimento e a produção da Geografia em nível nacional e, até mesmo, internacional. Na apresentação do primeiro número do BPG, Aroldo de Azevedo afirmava que a publicação deveria ser o espelho da nova geração de ge- ógrafos e oferecer aos leitores contribuições originais de valor quer no quadro da Geografia física e biológica, quer no da Geografia Huma- na em seu mais amplo sentido, sem esquecer o campo fascinante da Geografia regional. 2. GEOGRAFIA NO BRASIL: qUESTIONAMENTOS A partir do término da 2ª Guerra Mundial, houve uma reelaboração das condições de dependência do País, com a reintegração do Brasil ao sistema econômico mundial sob a he- gemonia dos EUA. As classes sociais brasilei- ras passaram a participar dos debates sobre os problemas nacionais, sobretudo nos grandes centros urbanos; a burguesia industrial, a clas- se média e o proletariado tinham interesse e sensibilidade para debater o desenvolvimento econômico, a industrialização, o nacionalismo e a emancipação econômica. capítulo 224 O planejamento econômico, com a aplicação de novas tecnologias, passou a ser visto como uma das saídas. A realidade tornou-se mais complexa. A urbanização acentuou-se, e for- maram-se as áreas metropolitanas. O quadro agrário sofreu modificações em várias partes do Brasil, em decorrência da industrialização e da mecanização das atividades agrícolas. As realidades locais tornaram-se elos de uma rede articulada em níveis nacional e mundial, ou seja, cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo como produto de longa relação his- tórica entre a vida do homem em sociedade e o meio natural, transformando-se em meio geográfico por esse mesmo homem. Baseando-se nisso, surgem novas metodolo- gias para se compreender a tal complexidade. O levantamento feito por meio de pesquisa de campo revelou-se insuficiente, passando-se, aos poucos, para o uso de técnicas mais so- fisticadas, como, na década de 1960, a aero- fotogrametria, antes monopólio dos exércitos americanos e brasileiros.Na década de 1970, os geógrafos passaram a utilizar, com maior intensidade, a leitura de imagens de satélites as quais mostravam a co- bertura do céu, sobretudo na meteorologia e na climatologia, como documentos importan- tes nos estudos da dinâmica atmosférica. Entre as décadas de 1980 e 1990, os progra- mas de computador e as técnicas ligadas ao sensoriamento remoto passaram a ser usados. No entanto, mais importante do que as novas técnicas disponíveis para as análises espaciais foi a reflexão teórico-metodológica, intensifi- cada no Brasil, a partir da década de 1970. O embasamento filosófico, centrado no posi- tivismo clássico e no historicismo, passou a ser fortemente questionado pelos geógrafos teoré- ticos. O IBGE foi pioneiro na produção de arti- gos de caráter geográfico, nos quais se verifica o uso de métodos matemáticos. Durante essa época, surgiu uma entidade denominada As- sociação de Geografia Teorética – Ageteo, que passou a divulgar trabalhos relacionados a mé- todos estatísticos e modelos matemáticos, com vistas à compreensão do espaço geográfico. A geografia teorética não teve repercussão di- reta nas escolas de primeiro e segundo graus. No entanto, medidas ligadas à política edu- cacional do país na década de 1970 levaram para as escolas livros com saberes geográficos extremamente empobrecidos em seu con- teúdo, desvinculados da realidade brasileira e, ademais, descaracterizados pela propos- ta dos Estudos Sociais, introduzidos pela Lei 5.692/71. Esse empobrecimento dos livros di- dáticos é explicado pela imposição da censura militar sobre publicações, autores e editoras. Enquanto as instituições de ensino superior particulares proliferavam sem condições mate- riais e humanas de realizar pesquisas, as uni- versidades públicas mantinham o debate sobre a ciência geográfica e seu ensino. No mundo, principalmente no pós-guerra, continuando nas décadas seguintes, nomes, como Pierre George, Yves Lacoste, Jean Tricart e outros, procuraram o aprofundamento teórico da Ge- ografia, utilizando o materialismo histórico e dialético. Marx e seus seguidores afirmavam que só a perspectiva de transformar o mundo permitia sua compreensão, só a visão crítica permitia apreender a essência e o movimento dos processos sociais. A partir da década de 1980, surgiram tendên- cias críticas, as quais apresentavam o mate- rialismo histórico como elemento unificador e método de investigação da realidade, bus- cando superar os diferentes dualismos sempre constatados na Geografia, por constituir-se um corpo sistematizado de conhecimentos. Mas, ao longo da década de 1990, despon- taram tendências não marxistas, além de al- gumas que desvalorizavam a importância do método dialético no debate. Hoje, existem vá- capítulo 2 25 rios caminhos para a discussão e a produção da Geografia no Brasil, apoiadas no existen- cialismo, na fenomenologia, na percepção, no anarquismo, dentre outros mais. A seguir, será discutida a Geografia como dis- ciplina escolar e seus currículos. 3. DISCIPLINA ESCOLAR E CURRÍCULOS DE GEOGRAFIA Na década de 1970, os debates se acirravam em decorrência da busca de novos paradigmas teóricos no âmbito do conhecimento em Ge- ografia, a escola pública de primeiro e segun- do graus, hoje ensinos fundamental e médio, enfrentava um problema ocasionado pela Lei 5.692/71: a criação de Estudos Sociais, com a eliminação gradativa da História e da Geogra- fia da grade curricular. Pela Lei 5.692/71, assistiu-se à extinção do exa- me de admissão ao ginásio e a fusão do gi- násio ao primário, constituindo-se a escola de primeiro grau de 8 anos. Com as mudanças no currículo e na grade curricular, como a criação de Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica, contribuiu-se para causar danos à formação de toda uma geração de estudantes. A discussão contemporânea sobre conteúdos de ensino beneficia-se das reflexões, dos deba- tes e das produções sobre os currículos esco- lares e os condicionantes históricos, políticos, econômicos, sociais, culturais e educacionais em sua elaboração e adoção. Além de permitir a compreensão da relação sociedade-cultura- -currículo-práticas escolares e dos programas de ensino das disciplinas no passado, funda- menta melhor a análise dos currículos e dos programas de ensino atuais. No entanto, para Sacristán (1998, p.17), a con- cepção de currículo está ligada à expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momen- to, enquanto que, por meio dele, se realizam os fins da educação no ensino escolarizado. Em seu conteúdo e nas formas por meio das quais nos apresenta e se apresenta aos pro- fessores e alunos, é uma opção historicamente configurada, que sedimentou dentro de uma trama cultural, política, social e escolar, carre- gado, portanto, de valores e pressupostos que é preciso se decifrar. As diferentes atribuições curriculares que se referem ao conteúdo, à metodologia, à avalia- ção, à organização e à inovação do/no ensino são assumidas pelos diversos agentes de sua implementação: o Estado, as comunidades, a escola e o professor. A este atribui-se a respon- sabilidade pelos aspectos citados e pela defini- ção de um programa, pelo planejamento/or- denação das aulas, pela avaliação dos alunos, pelo autoaperfeiçoamento e pelo aperfeiçoa- mento horizontal, associado ao projeto polí- tico pedagógico da escola. Esta, por sua vez, orientada pelas diretrizes gerais de um Estado, define, com base em um mínimo curricular de áreas e/ou disciplinas, objetivos, conteúdos e horários mínimos. No Brasil, a centralização e a descentralização das diretrizes curriculares pelo Estado têm so- frido flutuações. A partir de 1940, houve uma centralização das diretrizes curriculares estabe- lecidas pelo MEC. Ocorreram depois períodos de maior autonomia dos Estados da Federa- ção, proporcionada pela Lei 5.692/71, para posteriormente verificar-se, uma vez mais, a centralização da política educacional com os parâmetros curriculares nacionais para o ensi- no básico e as diretrizes curriculares nacionais para o ensino superior nos anos de 1990. Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692, em 1971, os Estudos So- capítulo 226 ciais foram incorporados ao currículo da escola denominada de primeiro e segundo graus, de acordo com um núcleo composto de três ma- térias: comunicação e expressão, estudos so- ciais e ciências. Essas matérias correspondiam às chamadas licenciaturas curtas, e, para as disciplinas do segundo grau, seriam formados professores em licenciatura plena. Essas medidas receberam intensas críticas dos geógrafos brasileiros, principalmente no que dizia respeito aos Estudos Sociais como campo de integração dos conhecimentos de História e Geografia. Com a criação dessa disciplina, a política educacional estabelecida subordinou a estrutura do ensino universitário a uma ten- dência ambígua, segundo a qual a formação do professor deve ser reduzida em compara- ção à do pesquisador. Surgiram muitos debates acerca do assunto, levando-se ao MEC para substituir Estudos Sociais por História e Geografia nas diferentes séries finais do ensino de primeiro grau, com a ampliação da carga horária e a extinção da licenciatura curta. A AGB e ANPUH auxiliaram, com as respectivas críticas, na extinção dos Estudos Sociais e tam- bém contribuíram para aproximação de parte do professorado à universidade. Esse processo colaborou para minimizar o desconhecimen- to da produção geográfica e histórica, a qual, apesar do período militar, continuou a avançar no âmbito universitário. 4. MOVIMENTOS DE RENOVAÇÃO DE GEOGRAFIA NAS ESCOLAS Os egressos, sobretudo das universidades pú- blicas ou que acompanhavam os vários even- tos da AGB, vinham participando dos debates entre os representantes das diferentes tendên- cias da Geografia produzidas nas universida- des e que, direta ou indiretamente, influíam nos ensinosfundamental e médio. Nas déca- das de 1980 e 1990, variada produção sobre o ensino da disciplina foi posta à disposição de seus professores e dos responsáveis pela for- mação docente no país. As secretarias de educação estaduais no Brasil, ao produzirem suas propostas curriculares de Geografia para o primeiro grau, via de regra em convênio com as universidades, organiza- ram cursos para a capacitação docente, possi- bilitando o acesso às diferentes metodologias ligadas aos movimentos de renovação do ensi- no da disciplina. No entanto, apesar desse trabalho, o processo de mudança no ensino em sala de aula esta- va sendo lento. Segundo pesquisas realizadas junto aos professores, a impossibilidade de mudanças foi atribuída às precárias condições de trabalho oferecidas pelas escolas, ao nú- mero elevado de horas que se viam obrigados a cumprir e ao grande número de alunos em sala de aula. A década de 1980 destacou-se pela produção de livros didáticos de melhor qualidade e de inúmeros títulos paradidáticos, teses e disserta- ções sobre a pesquisa no ensino e na formação do docente e pelo movimento de reorientação curricular no primeiro grau efetivado pelas se- cretarias de educação estaduais e municipais. Nessa mesma década, a AGB teve papel pri- mordial na promoção de encontros, cujo ob- jetivo principal era o de refletir sobre o ensino e incentivar a produção de artigos sobre esse tema. Portanto, o objetivo das diferentes pro- duções e dos debates consistia na tentativa de descobrir meios para minimizar a comparti- capítulo 2 27 mentalização dos conteúdos escolares e a dis- tância entre o ensino da Geografia e a realida- de social, política e econômica do país, ambos discutidos no âmbito da universidade. O movimento de renovação do ensino da Geografia nas escolas fez parte do chamado movimento de renovação curricular dos anos de 1980, cujos esforços estavam centrados na melhoria da qualidade do ensino, a qual, ne- cessariamente, passava por uma revisão dos conteúdos e das formas de ensinar e aprender as diferentes disciplinas dos currículos da es- cola básica. Nesse sentido, será abordado um breve histórico da elaboração das propostas curriculares para o ensino de Geografia. Até a década de 1980, os estados da federação e os municípios elaboravam suas próprias pro- postas curriculares, as quais se apresentavam sob nomes variados, como guias, propostas curriculares, programas de ensino, e, de modo geral, ditavam os conteúdos que deveriam es- tar presentes nas aulas e nos planos de aula dos professores, incluindo os de Geografia. Os autores de livros didáticos pautavam-se pela organização dos conteúdos apresentados pe- las secretarias de educação dos estados e dos municípios para elaborar seus textos. Nos anos de 1980, em São Paulo, a Coordena- doria de Estudos e Normas Pedagógicas consti- tuiu uma equipe de autores, liderados por pes- quisadores de universidades públicas, para a realização de propostas curriculares para todo o Estado. No caso da Geografia, foram con- vidados professores da USP para efetuar uma revisão metodológica e inserir novos princípios da disciplina, inclusive os da Geografia Crítica. Mais tarde, esses pressupostos teórico-me- todológicos deveriam ser implementados em outros espaços, como secretarias de educação e universidades, nos eventos das entidades cul- turais e de classe, como a AGB e o sindicato dos professores do estado de São Paulo da ca- pital e do interior paulista. Segundo os autores da proposta, baseados em reuniões realizadas com representantes das Delegacias de Ensino da capital e do interior (hoje Diretorias de Ensino), os professores de Geografia da rede estadual demonstraram as seguintes insatisfações: a ineficácia do ensino da disciplina na formação do estudante; o li- vro didático como única fonte de estudo; as orientações didático-pedagógicas vulgarizadas de acordo com os interesses das editoras, com a proposição de conceitos incompatíveis com o momento vivido pela ciência geográfica; a desvinculação da Geografia ensinada na uni- versidade daquela ensinada nas escolas de pri- meiro e segundo graus. Os professores sentiram a necessidade de dis- cutir conceitos, métodos e novas abordagens teóricas para temas constantemente inseridos nas programações de Geografia, mas, muitas vezes, não dominados do ponto de vista teóri- co. Dentre eles, destacavam-se os conceitos de trabalho e o modo de produção e questões re- lativas à abordagem da natureza e do processo de industrialização. A discussão dessa proposta promoveu uma ruptura no ensino tradicional da disciplina, apontando caminhos diferentes de um ensino apenas transmitido pelo professor, descolado dos movimentos sociais e da realidade social do país. Os debates estimulados pela propos- ta conseguiram atingir grande contingente de professores presentes em sala de aula, oriun- dos de cursos de Geografia e de Estudos So- ciais de escolas públicas e particulares de ter- ceiro grau. Apesar de a Geografia Crítica ter surpreendido os professores do Estado de São Paulo, impac- to maior deu-se entre aqueles de outras partes do Brasil. No I Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor, realizado em Brasí- lia, em 1987, alguns dos professores idealiza- capítulo 228 dores da proposta explicitaram suas posições teóricas e a necessidade de novas metodolo- gias para a compreensão do espaço geográ- fico, com base em uma ciência que, dialeti- camente, buscasse a integração do arranjo espacial com as relações sociais existentes em cada momento histórico. As pessoas presentes nesse evento refletiram sobre as ansiedades e dúvidas dos professo- res de Geografia de todos os Estados do país, ou seja, sobre o que ensinar, como ensinar e como avaliar os conhecimentos geográficos nos diferentes níveis de ensino, com base na Geografia Crítica. Os professores da rede pública, nas discussões fundamentadas na proposta, deram ênfase a duas questões relacionadas ao ensino da disci- plina: sistematização e divulgação de trabalhos existentes em sala de aula, fundamentados nos princípios e pressupostos do documento de re- ferência, e o ensino da cartografia nas escolas de primeiro e segundo graus. A avaliação foi igualmente palco de discussões. Como avaliar o desempenho dos alunos com uma proposta aberta em que se pressupunha a construção de conceitos e não, a transmis- são pura e simples de um rol de conteúdos? Embora já se falasse em avaliação contínua, a avaliação ainda era, na época, baseada na afe- rição dos conteúdos aprendidos, constituindo a principal forma de aprovar ou reprovar o alu- no, de expulsá-lo ou mantê-lo na escola. Muitas vezes, mesmo os professores demo- cratas, ditos transformadores ou críticos, rea- lizavam a avaliação em seu sentido mais tradi- cional: selecionar os melhores. Se a avaliação deve estar condicionada ao projeto de edu- cação que a escola deseja construir, isso, no entanto, não estava claro para a maioria dos professores da rede. Estava na hora de desmis- tificar a sala de aula como um local de seleção dos alunos e criar condições para a produção individual e coletiva do conhecimento. Mudanças significativas ocorreram no universo educacional brasileiro como fruto das discus- sões para a promulgação da LDBN/96, e, na década de 1990, as propostas curriculares dos Estados foram debatidas com a finalidade de gerar nova proposta, agora com o nome de Parâmetros Curriculares Nacionais. Com a nova LDB, a situação foi alterada com base nas decisões tomadas pelo MEC, por meio da Secretaria do Ensino Fundamental, a respeito do currículo das escolas públicas do país. Após a crítica aos currículos propostos pelas Secretarias Estaduais, efetuada por pro- fessores do ensino superior contratados pela Fundação Carlos Chagas, houve a constituição de uma equipe de professores para pensar em uma proposta única para as escolas públicas de todos os Estados, eliminando assim a par- ticipação
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