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1 Louyse Jerônimo de Morais 1. Divisão de epitélios A linha denteada ou pectínea divide o canal anal em duas partes: sendo a superior de mucosa e a inferior de epiderme. Além disso, a nível da mucosa, encontraremos o plexo hemorroidário interno, e, a nível do epitélio, teremos o plexo hemorroidário externo. Na altura da linha pectínea, temos algumas glândulas anais denominadas “glândulas de Chiari”, as quais estão localizadas nas criptas anais. Essas glândulas têm a função de produzir um muco lubrificante, para lubrificar e proteger o canal anal. A obstrução dessa glândula gera uma inflamação, que pode infectar e, nas criptas, formar abscessos [abscesso anal ou anorretal]. 2. Doença hemorroidária ou “hemorroida” Trata-se de uma doença do plexo hemorroidário, então é uma doença de vasos. A principal manifestação dela vai ser os sangramentos. • Causa: o plexo venoso está sangrando, normalmente por uma maior ingurgitação. Os principais mecanismos envolvidos são constipação e hipertensão porta, embora também existam fatores individuais. o Constipação: quando a pessoa está constipada, ela tem pouco volume de fezes, o que gera dificuldade para evacuar, então ela faz mais força do que as outras pessoas. Isso dilata todo o sistema venoso, fazendo com que o plexo hemorroidário se pronuncie para a luz do órgão. As fezes sólidas passam por esse vaso e geram laceração do plexo hemorroidário. o Hipertensão porta: o plexo hemorroidário faz parte da drenagem da veia mesentérica inferior, que vai para a superior, para a esplênica, se junta e vai para a veia porta. Quando há uma obstrução no sistema porta, retrogradamente, o plexo torna-se ingurgitado e ocupa a luz do órgão. Com o tempo, o vaso rompe e começa a sangrar. Clínica • Doença hemorroidária interna: sabe-se que a mucosa não protege tão bem os vasos; então sangramento indolor é a principal manifestação clínica. Se a ingurgitação ocorrer por muito tempo, o tecido conjuntivo que cerca o vaso fica mais frouxo e se aproxima mais da luz anal, podendo se pronunciar para fora da luz, ou seja, faz prolapso. O prolapso serve para facilitar o sangramento e para incomodar. Pode até doer, mas o principal sintoma é incômodo. Esse tipo de doença hemorroidária é o mais comum. • Doença hemorroidária externa: normalmente, o problema não é por laceração, porque a epiderme protege o vaso. Às vezes, a pessoa é tão constipada e faz tanta força que o sangue fica parado ali no plexo hemorroidário externo e não circula [pode ocorrer por trauma também]. Por conseguinte, o paciente vai ter trombose, o que vai gerar dor perianal. A hemorroida que tem dor é a externa, surgindo como um “caroço” dolorido na parte de fora do ânus. Diagnóstico: clínico + anuscopia Tratamento Hemorroida interna O tratamento da hemorroida interna vai depender de sua classificação. Por exemplo, havendo pouco prolapso, não necessariamente precisa intervir cirurgicamente. Quanto pior o prolapso, mais agressivo na intervenção. 2 Louyse Jerônimo de Morais • 1º grau: sem prolapso, apenas sangra. A primeira coisa a se fazer é mudar os hábitos de vida - controlar hipertensão porta se a pessoa tiver e combater constipação. A forma de mudar isso é com dieta com fibras e líquidos. • 2º grau: tecido conjuntivo passa a ficar frouxo, então já tem prolapso, mas ocorre redução espontânea. Sai quando o paciente faz força para evacuar. Trata com ligadura elástica. É indolor, porque não tem inervação periférica acima da linha pectínea. No máximo, passa um gel de lidocaína para lubrificar e não dar incômodo. • 3º grau: prolapso só reduz manualmente. Ligadura com ou sem cirurgia. • 4º grau: prolapso irredutível. Tem que partir direto para a cirurgia, que consiste na ressecção do plexo hemorroidário. Na ligadura elástica, só ataca o plexo que está com problema, na cirurgia, já ataca todos os três [dois na direita e um na esquerda]. Técnica aberta de Milligan-Morgan: por ser uma região muito contaminada, deixa cicatrizar por segunda intenção. Deixa os três mamilos hemorroidários abertos - esquerdo lateral, direito anterior e direito posterior. Técnica fechada de Ferguson: sutura, mas o risco de infeccionar é maior. Hemorroida externa Ao fazer inspeção, já se vê um vaso trombosado - o paciente sente muita dor. Para pensar no tratamento, avalia quanto tempo tem de trombose. • ≤ 72h: o tecido ainda não está muito friável [quando friável, não se consegue dar ponto e há um maior risco de infecção]. Dessa forma, pode fazer procedimento cirúrgico - excisão do mamilo hemorroidário externo trombosado. • >72h: banho de assento [literalmente, uma compressa morna]. Faz isso para amolecer o coágulo e fazer ele drenar sozinho. QUESTÕES 1. Em relação à doença hemorroidária e seu tratamento, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I) As hemorroidas internas de segundo grau são aquelas em que há um prolapso do tecido e redução espontânea. PORTANTO, II) Para pacientes portadores de doença com este grau não está indicado nenhum tipo de tratamento. a. As duas assertivas são proposições verdadeiras e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b. As duas assertivas são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. c. A primeira assertiva é uma proposição verdadeira e a segunda é falsa. d. A primeira assertiva é uma proposição falsa e a segunda é verdadeira. e. As duas assertivas são proposições falsas. GABARITO: C 3. Fissura anal O principal sintoma é a dor. É tanta dor que o paciente tem até medo de evacuar, pois, quando evacua, relaxa o esfíncter, fazendo com que a pele estique. Dessa forma, o indivíduo tende a contrair o esfíncter para que a pele não estique tanto e não gere dor. Isso vai evoluir para uma hipertonia de esfíncter anal. Esta última, gera isquemia, pois impede a 3 Louyse Jerônimo de Morais chegada de sangue no local. Por conseguinte, não vai cicatrizar e a isquemia perpetua a fissura. Então, fica nesse ciclo vicioso. A fissura anal aguda pode se tornar crônica, por conta desse ciclo. Veja, na imagem acima, que não tem nada saindo de dentro do ânus. Além disso, como tem sangue, é uma laceração. Desse modo, a fissura nada mais é do que uma laceração aguda que sangra. A principal queixa é dor e sangramento no papel higiênico. Toda vez que pegar um paciente com fissura anal, estimular que ele não faça higiene exclusivamente com papel. Essa fissura está exatamente na linha mediana posterior. Essa posição é a mais comum de surgir fissura anal, porque a maioria das pessoas limpa de trás para frente [diagnóstico diferencial com doença de Crohn]. • Fissura anal aguda: dor ao evacuar, sangue no papel, coloração avermelhada, < 6 semanas o Tratamento: dieta, porque os fatores de risco são os mesmos da hemorroida [constipação]. Para tentar quebrar o ciclo vicioso da fissura anal, faz pomada tópica para atacar qualquer um dos pontos do ciclo - dor, hipertonia ou isquemia. ▪ Dor: pomada de lidocaína, com ou sem corticoide junto. ▪ Hipertonia: diltiazem. Não vende em farmácia, tem que mandar manipular. ▪ Isquemia: pomada de corticoide. Pode até combinar as pomadas, mas tem que mudar dieta, melhorar higiene etc. • Fissura crônica: o paciente continua sentindo dor ao evacuar, só que ele vai ter sinais de cronificação do processo. Como sempre está fazendo força para evacuar, aos poucos, a pele da região anal vai enrugar, surgindo uma ruga, denominada plicoma papilite anal sentinela. Quando olha a fissura, ela tem um aspecto mais esbranquiçado e dura mais de 6 semanas. o O tratamento, nesse caso, é cirúrgico [esfincterotomia lateral interna]. Já que o paciente não consegue relaxarpara deixar o sangue chegar e cicatrizar, ele vai relaxar “na marra”, cortando um pedaço do esfíncter dele. Hemorroida = vaso, sangra muito e dói pouco; fissura = pele, sangra pouco e dói muito. As imagens acima mostram casos de fissura anal. QUESTÕES 1. Assinale a assertiva correta sobre fissura anal em mulheres. a. Pode ser tratada com sucesso através de aplicação tópica de pomadas à base de nitratos. b. Está associada a uma diminuição da atividade do músculo esfíncter anal interno. c. É mais frequentemente localizada na linha média anterior. d. Tem pico de incidência por volta de 60 anos. GABARITO: A Obs.: O nitrato é vasodilatador, então entra no arsenal terapêutico também. Quanto à epidemiologia, acontece a vida inteira - o paciente jovem tem bastante. É muito comum em mulheres, porque em geral elas têm mais constipação do que os homens. 4. Abscessos anorretais Ocorre por infecção das glândulas de Chiari. Quando se forma um abscesso, normalmente ele está próximo da origem. Nesse caso, normalmente eles ficam exatamente na altura da linha pectínea. É ali que desembocam as glândulas de Chiari [que são transesfincterianas; por isso que quando obstruem, 4 Louyse Jerônimo de Morais acumula para trás]. A partir daí, pode se acumular em outras regiões. Ele se acumula entre dois esfíncteres, então é uma região de muita tensão. Não é incomum que esse abscesso se acumule, por exemplo, para baixo, formando abscesso perianal [tem flutuação, se apertar é molinho; sendo hemorroida, é mais roxo, porque é trombose]. O mais comum é o interesfincteriano. Só que este último dificulta mais o diagnóstico, porque ele é mais interno. Nessa situação, o paciente demora a descobrir que tem um abscesso. O perianal não, porque é o principal direcionamento do abscesso e também porque o paciente consegue sentir que tem um “caroço doendo”. O perianal, portanto, é mais diagnosticado. • Clínica: muita dor na região perianal + abaulamento com ou sem flutuação, podendo ter febre. Faz diagnóstico diferencial com fissura, mas o exame físico é capaz de diferenciar. • Classificação o Supraelevador: abscesso pélvico. Pode ter sido originado de doença diverticular do cólon. o Isquiorretal: nádega. Tem que drenar pela nádega. o Interesfincteriano: origem o Perianal: mais comum. • Diagnóstico: clínico + anuscopia, com ou sem RNM se tiver dúvida no diagnóstico. • Tratamento o Drenagem imediata, porque é uma região de tecido frouxo e é fácil de disseminar. Pode alastrar e formar gangrena de Fournier. o Pode ou não usar ATB [sepse] Únicos abscessos que não se drena: abscesso pulmonar e abdome hepático-amebiano. QUESTÕES 1. A melhor conduta perante o diagnóstico de abscesso anal sem flutuação é: a. Antibioticoterapia e compressas até aparecer flutuação. b. Drenagem cirúrgica imediata em todos os casos c. Drenagem cirúrgica imediata só para imunossuprimidos d. Aguardar drenagem espontânea e. Antibioticoterapia precoce para evitar formação de trajeto fistuloso. 2. A maioria dos pacientes submetidos à drenagem de um abscesso perianal evolui para a formação da seguinte patologia orificial: a. Fístula b. Fissura c. Prolapso d. Hemorroida GABARITO: B, A 5. Fístula anorretal Ocorre quando há cronificação do abscesso anorretal 5.1 Fístulas simples • Fístula interesfincteriana: drena pela região interesfincteriana. 5 Louyse Jerônimo de Morais • Fístula transesfincterianas: fura o esfíncter externo Na fístula simples, o orifício externo de drenagem vai estar sempre próximo do ânus. Quando está longe do esfíncter anal, iremos chamar de fístulas complexas. 5.2 Fístulas complexas A drenagem é completamente aleatória, sem respeitar a força da gravidade. • Fístula supraesfincteriana: fura o elevador do ânus e segue a força da gravidade. Assim, o orifício vai ser mais afastado do que a fístula inter e a trans. • Fístula extraesfincteriana: quando o abscesso é drenado, forma-se um trajeto aleatório, muito afastado do esfincter anal. O abscesso anorretal pode se localizar em qualquer porção da circunferência da linha denteada - pode surgir mais lateral, mais posterior, mais anterior etc. -, desde que seja na altura da linha pectínea. Dependendo da posição do abscesso, ele vai ter que drenar por cima ou por baixo. • Abscesso posterior: segue trajeto curvilíneo, seguindo a força da gravidade em seguida. • Abscesso anterior: trajeto retilíneo. Regra de Goodsall and Salmon 5.3 Clínica: dor + secreção purulenta. 5.4 Classificação • Interesfincteriana • Transesfincteriana • Supraesfincteriana • Extraesfincteriana 5.5 Diagnóstico: anamnese + anuscopia. Se tiver dúvida, pede RNM ou TC com fistulografia. 5.5 Tratamento • Drenagem • Simples: fistulotomia / ectomia. • Complexa: sedenho, não pode cortar, porque gera incontinência anal. Então, passa dreno ou fio por todo o trajeto da fístula. Passa sempre de fora para dentro e amarra. Com isso, corta- se a região, só que aos pouquinhos, sempre que apertar. • Mais moderno: plug. Plug QUESTÕES 1. Homem, 54 anos de idade, refere dor anal intensa durante as evacuações. As dores começaram, há 6 semanas, após episódio de dificuldade para evacuar devido a fezes muito endurecidas. Desde então, durante toda evacuação, apresenta dor intensa, que vai melhorando lentamente. Refere ainda ter 6 Louyse Jerônimo de Morais notado a presença de laivos de sangue no papel higiênico. Identifique a imagem correspondente à principal hipótese diagnóstica. a. b. c. d. GABARITO: A. As imagens acima mostram, respectivamente, fissura anal, doença hemorroidária interna, doença hemorroidária externa ou abscesso perianal e fístula com picloma anal sentinela. 6. Câncer do canal anal Na grande maioria dos casos, é um carcinoma epidermoide [esôfago parte proximal, câncer de boca, câncer de laringe, câncer de orofaringe; tudo tem a ver com tabagismo e HPV] • Fatores de risco: tabagismo, HPV, imunodeficiência. Estadiamento No estadiamento do câncer do canal anal, sempre palpar linfonodos inguinais, pois eles vão demonstrar doença mais avançada. Além disso, procurar sinais de metástase à distância. A drenagem anal não passa pela circulação porta, mas vai direto para a veia cava inferior, então vai direto para o pulmão. Portanto, sempre fazer: • TC de tórax • TC de abdome: metástase hepática • RM de pelve: avaliar linfonodos. Tratamento Não precisa operar na maioria dos casos. O tratamento é radio quimioterápico. Como não está no peritônio, pode fazer radioterapia. • Esquema nigro: esquema fixo de QT + RT exclusivas. • Se falhar, faz ressecção cirúrgica, retirando canal anal e porção mais distal do reto - cirurgia de Miles. O paciente vai ficar com colostomia para o resto da vida. QUESTÕES 1. Paciente masculino apresenta lesão anal ulcerada com pouca dor local. O médico assistente indica uma biópsia que revela tratar- se de um carcinoma epidermoide. O tratamento mais indicado é: a. Amputação abdominoperineal de reto b. Quimioradioterapia c. Excisão local da lesão d. Cauterização e. Quimioterapia isolada GABARITO: B
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