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Filosofia Política

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Na obra O Príncipe de Maquiavel, o filósofo expõe o seu pensamento político apresentando o Estado sem idealizações, isto é, tal qual ele se mostra nas dadas circunstâncias históricas e contextuais. Assim, Maquiavel se debruça sobre a organização vivenciada na época em Florença, na Itália, para elaborar sua obra capaz de orientar um governante na manutenção de seu poder e no estabelecimento de uma autoridade implacável. Para tanto, o filósofo se afasta do pensamento político clássico, indo por vezes de encontro ao que fora preconizado por Aristóteles e Platão. 
Nesse sentido, um dos primeiros aspectos antiaristotélicos percebidos na composição de Maquiavel diz respeito à sua pretensão em realizar descrições sem a introdução de elementos prescritivistas e de orientações morais ou valorativas. Diferentemente do Estagirita que realizara classificações acerca das formas puras e impuras de governo, Maquiavel não se mostrava interessado em julgamentos pautados na moralidade: “(...) aquele que abandona o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinar-se que a preservar-se (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.75). Assim, o filósofo não objetivava a construção de uma teoria política consolidada de forma sistemática, mas de uma compreensão acerca da verdade particular dos casos, analisando os efeitos e afastando-se de uma concepção essencialista, o que se opõe ao essencialismo imanente de Aristóteles e ao essencialismo de Platão que se pauta na existência antecedente das Ideias no mundo inteligível. O atributo antiessencialista da antropologia maquiavélica se justifica pela variabilidade que o filósofo atribui aos comportamentos humanos, logo não há uma preocupação com a investigação acerca da essência humana, mas somente com os casos particulares e reais. Isto pode ser percebido no capítulo XV, em: “Mas como não se pode tê-las nem observá-las inteiramente, devido às próprias condições humanas que não o consentem, ele necessita ser suficientemente prudente para escapar à infâmia daqueles vícios (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.76). 
Por conseguinte, ainda no referido capítulo é possível verificar uma argumentação conflitante com o pensamento platônico, pois o filósofo grego preocupara-se com a formulação descritiva de uma cidade verdadeiramente justa em sua obra República. Enquanto isso, Maquiavel não tenciona o alcance de uma sociedade idealizada e pautada em juízos morais, o que leva o filósofo à compreensão acerca da manutenção do poder máximo de um governante nos moldes de uma sociedade tal qual ela se apresenta na realidade e não de maneira idealizada, como presente em: “Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.75). Da mesma forma, a argumentação contrária ao platonismo pode ser percebida na defesa maquiavélica ao respeito do governante em relação à propriedade privada e à família dos governados: “(...) pois é perfeitamente possível ser temido e não ser odiado ao mesmo tempo, o que conseguirá sempre que se abstiver de se apoderar dos bens e das mulheres de seus cidadãos e de seus súditos.” Assim, mesmo que o temor se faça de suma importância para o jogo político, existem os limites explicitados pelo filósofo, os quais foram ultrapassados por Platão em República ao formular a organização social dos guardiões da cidade pautando-se na nulificação da propriedade e na posse comunitária de mulheres e filhos. Entretanto, a enunciação de Maquiavel mostra-se ao mesmo tempo antiaristotélica, pois o filósofo grego comparava a política à relação diádica da amizade: “Acreditamos que a amizade é o maior dos bens para as cidades porquanto pode ser o melhor meio de evitar revoltas.” (Política,1262b). Assim, enquanto o filósofo de Estagira demonstrara grande preocupação com as relações de amizade e com a possibilidade de ruptura da relação pai-filho, Maquiavel apresentou uma concepção contrária e na qual os julgamentos morais se anulam, o que pode ser visto em: “Mas, sobretudo, deverá abster-se dos bens alheios, porque os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio.” (MAQUIAVEL, 2010, p.83). Logo, no pensamento maquiavélico a relação de amizade aparece somente sob um ponto de vista instrumentalizado, isto é, voltado para a garantia de interesses do governante. Para assegurar a defesa contra agentes externos potencialmente ameaçadores, Maquiavel enuncia a importância de manter boas amizades, o que se apresenta apenas como instrumento para a preservação da autoridade governamental, como visto em: “Um príncipe deve ter dois receios: um interno (...) e outro externo (...). Deste se defende com boas armas e bons amigos, e sempre que tiver boas armas terá também bons amigos.” (MAQUIAVEL, 2010, p. 90).
Dessa forma, o filósofo moderno apresenta a política como um exercício de poder assimétrico e com nuances artificiais, no qual existem indivíduos governados que são naturalmente apolíticos. Sob essa óptica, Maquiavel se encontra em dissonância em relação a Aristóteles que enunciara a natureza política do indivíduo humano não podendo ser reduzida a um caráter meramente gregário como observado em outros animais. A política, então, não diz respeito ao que é natural sob a óptica maquiavélica, mas a um exercício de coerção e coação constituído por uma hierarquia verticalizada: “E se foi necessário, como eu disse antes, que o povo de Israel fosse escravizado no Egito para reconhecer a virtú de Moisés (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.127). Além disso, no capítulo XVIII de O príncipe há uma referência elogiosa aos sofistas e à retórica por eles empregada para enganar e camuflar as palavras direcionadas aos governados: “Mas é necessário saber colorir bem essa natureza e ser grande simulador e dissimulador (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.86). Assim, Maquiavel também enuncia os dois artifícios que o governante precisa saber utilizar, sendo estes a força e as leis. Tendo em vista o perigo de valer-se da força de maneira que instigue o ódio, a retórica sofística se mostra de fundamental importância para tanto. Contudo, ao mesmo tempo há uma defesa ao bom uso desses artifícios, pautando-se em uma estratégia moderada e prudente acerca do emprego da força e das leis, o que pode ser confrontado com o pensamento platônico que se assentava na educação dos cidadãos como única possibilidade de garantir a coesão entre os indivíduos inseridos na coletividade: “Não vale a pena estabelecer preceitos para homens de bem, porque facilmente descobrirão a maior parte das leis que é preciso formular em tais assuntos.” (República IV, 425d). Destarte, a educação representaria uma fuga da burocratização da cidade, o que garantiria sob o ponto de vista platônico uma solução para assegurar a ordem comunitária excluindo a necessidade da criação de mais leis, de forma oposta ao que se apresenta em Maquiavel: “Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos.” (MAQUIAVEL, 2010, p. 86). 
Por fim, se ressalta a concepção maquiavélica acerca da virtú e da fortuna, elementos essenciais para a compreensão do seu pensamento. Para o filósofo, a virtú está atrelada à virilidade, à astúcia, ou seja, à capacidade do governante em antecipar-se aos possíveis dilemas e acasos emergentes. Assim, esse atributo é amplamente citado ao decorrer de sua obra, sendo elementar para o estabelecimento das estratégias governamentais e para o exercício autônomo do jogo político: “Certamente, as defesas só são boas, seguras e duráveis quando dependem de ti mesmo e de tua virtú.” (MAQUIAVEL, 2010, p. 120). Nesse sentido, sob uma perspectiva fatalista na qual o destino encontra-se envolto em contingências, a fortuna representa o acaso e a sorte. O governante deve, então, antecipar-se à sorte por meio da virtú, de forma que não dependa integralmente das circunstâncias eventuais, pois são incertas e podem prejudicar a atuação do governante: “O mesmo acontece coma fortuna, que demonstra sua potência onde não encontra virtú ordenada, pronta para resistir-lhe (...)”. (MAQUIAVEL, 2010, p.122). Sendo assim, é evidenciada a intenção maquiavélica em estabelecer parâmetros que orientem o governante na manutenção de seu poder político sem a implicação de limites morais e atribuindo protagonismo ao arbítrio e à autonomia daquele que governa. 
Em Leviatã, Hobbes defende a necessidade de instituir um governo constituído de poder absoluto para governar os súditos e garantir a manutenção da ordem social. Nesse sentido, o poder absoluto atribuído ao Estado justifica-se pelo caos e pela desordem que caracterizariam a relação entre os indivíduos em uma sociedade abstrata na qual atuariam somente as leis da natureza, o que fora denominado de “estado de natureza”. O contrato social proposto por Hobbes representa, então, o pacto voluntário dos súditos que abdicam de sua liberdade natural em prol da segurança, o que leva à vivência de uma liberdade civil, limitada, porém garantidora de direitos. 
Inicialmente, é primordial compreender a caracterização da natureza humana para Hobbes, que preconiza a igualdade entre os indivíduos no que tange às faculdades corporais e espirituais: “(...) a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que o outro não possa também aspirar, tal como ele.” (HOBBES, 2003, p.106). Assim, mesmo que se façam presentes diferenças e distinções individuais, estas são niveladas por meio da igualdade natural. A referida igualdade entre os indivíduos no estado de natureza não os encaminha à harmonia, mas ao conflito e à barbárie, pois a persecução de necessidades e de fins semelhantes obstaculiza a relação de um homem com o outro: “Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos.” (HOBBES, 2003, p.107) 
Sob essa óptica, o filósofo enuncia que além da necessidade de autopreservação e do cumprimento de seus fins, os indivíduos aspiram igualmente à satisfação de seus desejos, o que leva ao atrito e à disputa por domínio: “(...) caso não aumentassem o seu poder por meio de invasões, não seriam capazes de subsistir durante muito tempo, se apenas se pusessem em atitude de defesa.” (HOBBES, 2003, p.108). Esse panorama de guerra entre os homens é reconhecido como característica intrínseca à natureza humana, sendo consequência da ausência de um poder comum e soberano. Para Hobbes, o ser humano no estado de natureza trata-se então de um animal beligerante e destituído de caráter político, ou melhor, um animal apolítico, o que leva à imprescindibilidade de uma autoridade soberana que viabilize a convivência entre os homens: “(...) durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-Ios todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra (...)”. (HOBBES, 2003, p.109). Por conseguinte, atributos referentes à moralidade, como a justiça e a noção bem não são possíveis no estado de natureza, bem como, a garantia individual à propriedade privada, o que se sucede em virtude da ausência de um conjunto normativo que garanta os direitos dos indivíduos. Logo, é possível depreender que a liberdade presente no estado de natureza é ilimitada e autêntica por não possuir artificialidades, porém leva à iminente aniquilação recíproca e à negação de direitos individuais, pois o estabelecimento de leis subjaz à moralidade e à propriedade privada: “A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito.” (HOBBES, 2003, p.111)
Após a caraterização hobbesiana acerca da natureza humana, isto é, da determinação de uma antropologia filosófica, Hobbes apresenta na Segunda Parte de Leviatã, uma defesa do Estado como meio para satisfação das necessidades de conservação pessoal e de fruição dos indivíduos. O Estado emerge então como uma possibilidade de compatibilizar os interesses pessoais dos homens a partir da prescrição de limites que não seriam respeitados somente através das leis da natureza, pois estas não possuem poder suficiente para garantir a ordem: “Portanto, apesar das leis de natureza (...) se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade (...)”. (HOBBES, 2003, p.144). Tendo isso em vista, o filósofo propõe que a liberdade ilimitada do estado de natureza seja substituída pela liberdade civil, que se apresenta como artificial e inautêntica, mas garantidora do bem-estar social e das necessidades individuais. Entretanto, para que esse pacto seja possível é imprescindível a adesão generalizada dos súditos, submetendo-se a uma soberania legitimada pelos próprios indivíduos. Assim, o pacto de submissão é voluntário e legitima a atuação de um Estado no qual as decisões governamentais representam diretamente as decisões dos próprios homens, pois a autoridade estatal não mais carece de justificações de ordem metafísica e divina, mas da corroboração dos próprios concernidos que compõem a sociedade: “Isto é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens (...)” (HOBBES, 2003, p.147). Dessa forma, todos os indivíduos abdicam da liberdade desenfreada em um processo de transferência do seu autogoverno para o soberano em prol do bem-comum, o que evidencia o caráter artificial, porém necessário, do Estado. 
Por conseguinte, a liberdade para Hobbes se caracteriza como uma necessidade, de forma que a ausência de impedimentos da liberdade natural assemelha-se ao movimento inerente às águas de um canal, quando neste não existem limitações e barreiras em seu fluxo. Essa concepção profundamente influenciada pelo mecanicismo, leva ao entendimento de que no estado de natureza há uma liberdade negativa, isto é, uma forma de ser livre determinada pela negação de restrições: “A liberdade e a necessidade são compatíveis, o que ocorre com a água que não tem apenas a liberdade, mas também a necessidade de descer pelo canal, também ocorre com as ações que os homens voluntariamente praticam (...)”. (HOBBES, 2003, p.180). A existência natural da liberdade marcada pelo desimpedimento absoluto é substituída por um tipo de liberdade limitada e artificial que se forma a partir do pacto social, ou seja, a liberdade civil. Assim, o filósofo também evidencia uma posição nominalista ao referir-se à palavra “liberdade” como um instrumento linguístico do qual o seu significado só reside no individual e particular, ou seja, não há uma representação generalizada da liberdade, mas a atribuição de um sentido particular ao termo: “Mas, sempre que as palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que não é um corpo, há um abuso de linguagem, pois o que não se encontra sujeito ao movimento não se encontra sujeito a impedimentos.” (HOBBES, 2003, p.179).
Destarte, Hobbes explicita as limitações e as permissões da liberdade experienciada pelos súditos dado o pacto de submissão ao soberano. Essa liberdade deve ser então compatível ao poder absoluto da autoridade soberana, a qual não perde o seu domínio ao conceder uma liberdade limitada aos súditos, uma vez que assente somente às ações que assim escolheu relegar a outrem: “Portanto, a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas que, ao regular as suas ações, o soberano preteriu (...)”. (HOBBES, 2003, p.182). O filósofo enuncia, mais adiante, as obrigações e os direitos dos súditos, sobrelevando algumas situações nas quais o indivíduo possui permissão para a recusa perante o Estado, como: infligir ferimentos ao próprio corpo, dar cabo à própria vida e guerrear em situações de temor e medo. A despeito da enunciação realizada por Hobbes torna-se proeminente a constante submissão dos súditos em relação à centralização do poder soberano, como nos casos em que o indivíduo poderia afirmarseus direitos perante os juízes, mas ao mesmo tempo encontrar-se-ia sob uma situação de possível perda de propriedades e/ou bens individuais: “(...) quem mover uma ação contra o soberano estará movendo-a contra si mesmo.” (HOBBES, 2003, p.188). Portanto, as consequências da instituição do poder estatal para a liberdade individual dos súditos traduzem-se em uma relação de inúmeros impedimentos e limitações, mesmo que, para Hobbes o cerceamento da liberdade natural garanta a segurança e a ordem social. 
Na obra Segundo Tratado sobre o Governo, John Locke se incumbe do desenvolvimento de um argumento contratualista, valendo-se dos mesmos operadores e conceitos utilizados anteriormente por Hobbes. Contudo, a sua formulação é de caráter distinto e divergente, pois se encontra predominantemente marcada por um pensamento anti-hobbesiano. Assim, a ambientação histórica, social e política na qual o filósofo e os seus estudos se inserem reflete diretamente no quadro teórico apresentado, sendo necessário o entendimento contextual acerca da filosofia lockeana. 
	A princípio, o movimento cultural e intelectual iluminista, transcorrido entre os séculos XVII e XVIII, marca o pensamento lockeano pautado na defesa à liberdade dos indivíduos, o que se contrapõe à centralização do poder absoluto proposto por Hobbes em Leviatã. Assim, as formulações empiristas presentes em Ensaio sobre o entendimento humano influenciam e são influenciadas pelo Iluminismo à medida que o filósofo investiga a faculdade do entendimento e os caminhos da razão, atribuindo protagonismo às ciências duras e às suas técnicas: “Não é para qualquer um ser um Boyle, ou um Sydenham; e, numa época que produz mestres como o grande Huygens (1629-1695) e o incomparável Sir Newton (...)”. (LOCKE, 2012, p.12). Nesse sentido, voltando-se ao Segundo Tratado sobre o Governo é possível perceber o enfoque atribuído ao discernimento do próprio indivíduo para atribuir assentimento ao modelo governamental, transferindo a justificação do poder político da ordem teológica para o próprio homem: “(...) é impossível que os soberanos ora existentes sobre a Terra devam haurir algum benefício ou derivar que seja a menor sombra de autoridade daquilo que é considerada a fonte de todo poder, o domínio particular e a jurisdição paterna de Adão (...)”. (LOCKE, 2014, p.380). Destarte, mesmo que exista uma aproximação entre Hobbes e Locke ao destacarem a relevância do assentimento humano em oposição às justificações metafísicas ou teológicas para o Estado, o filósofo anterior atribui o assentimento dos homens a uma figura centralizadora do poder, enquanto Locke enuncia o consentimento dos homens para os homens, uma vez que o poder se apresenta a todos os indivíduos. 
Por conseguinte, o panorama explicitado também é permeado pelas Revoluções Burguesas, como a Revolução Gloriosa, as quais são constituídas por disputas de poder e um ideário liberal que é aderido por Locke e refletido no Segundo Tratado sobre o Governo, o que pode ser percebido através da sua concepção acerca da propriedade privada e da autorregulação dos indivíduos no estado de natureza. Dessa forma, o estado de natureza, para Locke, se difere do estado de guerra e de potencial conflito mútuo entre os indivíduos, como fora preconizado por Hobbes. Assim, a despeito da similaridade entre os filósofos acerca da igualdade natural, Locke não concebe a igualdade como causadora de desordem e de guerra, mas como promovedora do equilíbrio entre os indivíduos que seriam capazes de gerir a si próprios: “(...) devemos considerar o estado em que todos os homens naturalmente estão, o qual é um estado de perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas do modo como julgarem acertado (...)”.(LOCKE, 2014, p.382). O estado de natureza possuiria então uma lei regulatória, a lei da natureza, que representa uma normatividade mínima a partir da qual os indivíduos não entrariam em conflito e não prejudicariam a si mesmos ou a outrem. Contudo, tendo em vista a ausência de um mediador que garanta a conservação de toda a humanidade através da execução imparcial da lei natural, é possível que alguns indivíduos atuem como transgressores, devendo ser punidos enquanto os prejudicados devem ser reparados, pois os direitos naturalmente existentes no estado de natureza também implicam em deveres: “(...) e a razão, em que essa lei consiste, ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses.”. (LOCKE, 2014, p.384)
Sendo assim, o estado de natureza não seria equivalente ao estado de guerra como aparece em Hobbes, entretanto, esse estado ainda seria carregado de arbitrariedades e da potencial injustiça entre os indivíduos, tendo em vista a ausência de vigilância na execução da lei. Para tanto, Locke defende o governo civil como meio para garantir a justiça, mesmo que o estado de natureza como preconizado pelo filósofo fosse preferível ao absolutismo monárquico proposto por Hobbes: “Muito melhor é o estado de natureza, no qual os homens não são obrigados a se submeterem à vontade injusta de outrem e no qual aquele que julgar erroneamente em causa própria ou na de qualquer outro terá de responder (...)”. (LOCKE, 2014, p.392). Assim, o estado de guerra marcado pela destruição e pelo desequilíbrio representa para Locke o que seria o contrato social para Hobbes, isto é, o pacto civil de submissão que delega o poder absoluto a um homem ou a um grupo de homens. Logo, a monarquia absolutista seria a própria institucionalização da arbitrariedade e da injustiça, cerceando a liberdade dos indivíduos e, consequentemente, legitimando a agressão contra aquele que atentou em direção à lei natural. Sob essa óptica, evidencia-se novamente o contexto de inserção do filósofo favorável aos ideais iluministas que enfocavam a liberdade do homem e posiciona-se em favor da burguesia que reivindicava uma nova ordem em oposição às autoridades monárquicas. 
Dessa forma, Locke sucede uma argumentação que se encaminha para a defesa da propriedade privada como elemento garantido pela lei natural através do trabalho, sendo então subjacente ao contrato social: “Embora a Terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa.” (LOCKE, 2014, p. 407). Assim, uma vez que o indivíduo é dotado de liberdade natural, essa liberdade se estende à posse das coisas que o seu próprio corpo é capaz de produzir por meio do trabalho. Isto leva à garantia individual da propriedade que fora trabalhada pelas mãos do próprio homem que dela se apossa, excluindo dessa o direito comum dos demais indivíduos, como visto em: “O trabalho que tive em retirar essas coisas do estado comum em que estavam fixou a minha propriedade sobre elas.” (LOCKE, 2014, p.410). A propriedade pertenceria então a um dado indivíduo na medida em que ele é capaz de usufruir dessa sem excessos e sem prejudicar a outrem. Essa ideia demonstra validade tanto para os frutos extraídos de uma terra quanto para a própria extensão da terra, os quais seriam garantidos mediante o trabalho do homem e a sua viabilidade em conseguir cultivá-la e usufruí-la em sua totalidade: “O trabalho, portanto, no princípio, deu um direito de propriedade sempre que qualquer um houve por bem empregá-lo no que era comum, que durante muito tempo foi a maior parte e ainda é mais do que a humanidade pode utilizar.” (LOCKE, 2014, p.424). Portanto, a crítica ao modelo hobbesiano contida no Segundo Tratado atinge um ponto de extrema importância a partir do papel da propriedade privada no estado de natureza, o qual através da liberdade e da autorregulação dos indivíduos acaba por naturalizar as demandas burguesas que transcorriam no século XVII. Assim, Locke opõe-se igualmente às proposições centralizadoras de Hobbes e ao panorama histórico de centralização do poder sob uma monarquia absolutista.

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