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CAPÍTULO 2 AJUSTAMENTO DE OBSERVAÇÕES 2.1 Motivação para AJUSTAR OBSERVAÇÕES! As observações conduzidas pelo homem se caracterizam pela inevitável presença dos “erros de medida”. Erros que decorrem não apenas de falhas humanas, mas também da imperfeição do equipamento e da influência das condições ambientais nas quais se processa a mensuração. Cabe aqui, de imediato, a célebre frase do Prof. Camil Gemael: “Quem dá os primeiros passos na análise de observações começa por fazer uma concessão: abdicar da pretensão de obter o verdadeiro valor de uma grandeza medida”. A desconfiança no resultado de uma medida isolada, fruto da certeza na falibilidade humana, leva naturalmente à repetição das observações. Assim, a partir da pluralidade de observações, sabidamente incorretas – pelas discrepâncias que apresentam como extrair um resultado que seja único e que possa representar com confiança a grandeza medida? O ajustamento de observações proporciona este resultado bem como estima a precisão da solução adotada. 2.2 Erros: Verdadeiro, Aparente e Resíduo Designando por X o valor estimado de uma grandeza medida; por o seu verdadeiro valor, e por li os valores observados, tem-se que: lv i - erro verdadeiro; l Xa i - erro aparente; V X li i - resíduo Em função da certeza de não podermos conseguir chegar ao verdadeiro valor de uma grandeza também não é possível conhecer os erros verdadeiros e seus comportamentos. Assim, devemos lançar mão da pluralidade de observações sobre uma grandeza e procurar um procedimento para estimar o “melhor valor” ou o valor mais provável da grandeza. Assim, toda a análise dos erros e seus comportamentos é realizada a partir dos resíduos. 2.3 O Método dos Mínimos Quadrados - MMQ Para apresentar o MMQ, considere o caso muito simples de medida direta de uma grandeza X. Sejam 1 2 3 , , ,..., n l l l l os valores obtidos em uma série de n observações – medidas da grandeza X. Na impossibilidade de se obter o verdadeiro valor de X, pesquisemos uma estimativa na qual se possa confiar; adote-se, com base num certo critério, o valor x e determinam-se as diferenças: 6 1 1 2 2 ............. n n x l v x l v x l v Tais diferenças ( i v ) são os resíduos; estes, a priori são desconhecidos, e somados às observações reproduzem o valor escolhido x. Mudando o critério, poder-se-ia adotar outro valor x’; resultaria um novo conjunto de resíduos: i i x l v E assim por diante. Qual dos valores x, x’,... adotar? Como escolher um critério que permita, das observações repetidas i l , discrepantes entre si, extrair um valor único para representar a incógnita X? Há dois séculos, Gauss e Legendre indicaram a solução: Método dos Mínimos Quadrados – MMQ. ENUNCIADO: A melhor estimativa de uma grandeza X é o valor que torna mínima a soma dos quadrados dos resíduos: 2 1 min n i i v Quando as observações não oferecem o mesmo grau de confiança, são homogeneizadas através da atribuição de pesos i p : 2 1 min n i i i p v Modernamente, prefere-se a notação matricial: min T V V min T V PV sendo V o vetor coluna dos resíduos. Até há bem pouco tempo, a teoria clássica dos mínimos quadrados manteve-se inalterada; isto é, impunha restrições hoje dispensáveis: observações não correlacionadas e os resíduos obedecerem à distribuição normal. Foram os avanços da Estatística Matemática, através da extraordinária concisão da linguagem matricial associada ao uso de computadores capazes de manipular matrizes de elevadas dimensões, que mostraram a conveniência da revisão de certos conceitos. Assim, os pré-requisitos de “observações não correlacionadas” e os de “desvios normais” recebem atualmente outro enfoque: as observações são encaradas como variáveis aleatórias ou estocásticas (sujeitas as oscilações probabilísticas) e o ajustamento proporciona estimativas das 7 mesmas e/ou de quantidades (parâmetros) a elas ligadas. A introdução da estimativa por intervalos e dos testes estatísticos veio possibilitar o tratamento mais lógico de certos problemas. RESUMO Em resumo, pode-se dizer que: A partir de observações superabundantes, sujeitas a flutuações probabilísticas e de uma estimativa de sua precisão, o AJUSTAMENTO tem por objetivo: a) Estimar mediante a aplicação de modelos matemáticos adequados e do MMQ, um valor único para cada uma das incógnitas do problema; b) Estimar a precisão de tais incógnitas e a eventual correlação entre elas. 2.3.1 Considerações gerais A maioria das medições topográficas realizadas em levantamentos devem se adequar a certas condições geométricas. Quando as medições não satisfazem estas condições surge o conhecido erro de fechamento e isso é indicativo da presença de erros aleatórios. Diversos procedimentos são utilizados para distribuir esses erros e produzir condições geométrica e matematicamente perfeitas. Alguns profissionais aplicam correções iguais às medidas o que significa distribuir igualmente o erro de fechamento entre todas as medidas envolvidas. Outros introduzem correções proporcionais aos pesos estabelecidos para as medições. Vimos anteriormente que os erros aleatórios em Topografia ocorrem em conformidade com as leis matemáticas da probabilidade e se distribuem normalmente. Por esta razão o processo de ajuste mais adequado deverá basear-se nestas leis. O procedimento dos Mínimos Quadrados é um deles. Não é um método novo, pois ao final do século XVIII Gauss já o havia aplicado. Entretanto o método foi pouco difundido devido a grande quantidade de cálculos envolvidos. Com o aparecimento dos computadores e a utilização do cálculo matricial, o método tornou-se novamente atrativo. Além do fato de o método produzir solução única para o problema, permite também determinar a qualidade desta solução (acurácia). O Método dos Mínimos Quadrados é um procedimento adequado para ajustar quaisquer tipos de medição e é especialmente indicado para todos os procedimentos topográficos. O método reforça a condição que a soma dos quadrados dos resíduos é mínima, ou, se as medições forem ponderadas a soma dos produtos dos pesos das medidas multiplicadas pelos resíduos correspondente elevados ao quadrado, se minimiza. Esta condição, que se desenvolve a partir da distribuição normal de erros, proporciona os valores mais prováveis para as quantidades ajustadas. Além disso, o MMQ possibilita: 1- determinar as precisões dos valores ajustados; 2- detectar a presença de erros grosseiros e equívocos de tal forma que se possa tomar medidas para eliminá-los; 3- planejar as tarefas de campo ainda no escritório, definindo o procedimento e equipamentos mais adequados para a tomada de medidas de campo. As hipóteses básica em que se apoia o MMQ são: 8 1- os equívocos e erros sistemáticos já foram tratados adequadamente, de tal forma que só restaram os erros aleatórios; 2- o número de observações a serem ajustadas deve ser grande; em outras palavras, para aplicação do MMQ é necessário a existência de observações redundantes (superabundantes); 3- a distribuição de frequência dos erros é considerada normal. Caso essa hipótese não possa ser cumprida integralmente, mesmo assim o ajuste por mínimos quadrados proporciona o tratamento mais rigoroso dos erros. 2.3.2 Aplicando o Método dos Mínimos Quadrados Algebricamente a expressão do MMQ pode ser escrita na forma φ = v1 2 + v2 2 + v3 2 + … + vn 2 =mínimo = ∑vi 2 onde os vi 2 são os resíduos da n observações realizadas. Se as n observações forem obtidas com diferentes níveis de confiabilidade, torna-se necessário a introdução de pesos e nesse caso pode-se escrever φ = p1.v1 2 + p2.v2 2 + p3.v3 2 + … + pn.vn 2 =mínimo = ∑vi 2 .pi Afinal, quando uma função passa por um mínimo? Uma função passa por um mínimose a derivada primeira for nula. Assim, toda vez que aplicamos o MMQ vamos impor a condição de derivada nula e resolver o sistema de equações que resulta desse processo. Para facilitar o entendimento do princípio vamos desenvolver exemplos numa forma geral sem a definição do método de ajustamento a ser utilizado. 1) Numa base ABCD foram medidos os segmentos AB, BC, CD, AC e BD. Todas as medidas são não correlacionadas e possuem a mesma confiabilidade. Os valores medidos encontram-se anexos ao croquis. Ajustar as medidas pelo MMQ e informar qual a distância entre A e D. Solução: Com os comprimentos AB (x1), BC (x2) e CD (x3) já pode-se determinar a base AD desejada. Porém foram realizadas mais duas medições, totalizando cinco observações. Existem, portanto duas observações redundantes. Para cada observação vamos escrever uma equação envolvendo as observações efetuadas (coluna da esquerda). Ocorre que as equações apresentadas não são consistentes, uma vez que as medições apresentam erros. Assim temos que inserir os resíduos para eliminar a inconsistência (coluna da direita). 9 L1 = x1 L2 = x2 L3 = x3 L4 = x1 + x2 L5 = x2 + x3 L1 + v1 = x1 a v1 = x1 a - L1 L2 + v2 = x2 a v2 = x2 a - L2 L3 + v3 = x3 a v3 = x3 a - L3 L4 + v4 = x1 a + x2 a v4 = x1 a + x2 a - L4 L5 + v5 = x2 a + x3 a v5 = x2 a + x3 a - L5 Vamos aplicar o MMQ: a soma dos quadrados dos resíduos deve ser mínima; então φ = v1 2 + v2 2 + v3 2 + v4 2 + v5 2 =mínimo = ∑vi 2 c/i = 1,...,5 Substituindo os resíduos pelas respectivas expressões dadas no quadro (coluna da direita), pode-se escrever: φ = (x1 a – 100,000) 2 + ( x2 a -100,000) 2 +( x3 a -100,080) 2 + + ( x1 a + x2 a – 200,040) 2 + ( x2 a + x3 a – 200,000) 2 = mínimo Para minimizar a função φ suas derivadas parciais com relação as incógnitas (distâncias x1 a , x2 a e x3 a ) devem ser iguais a zero: (δφ/δ x1 a ) = 2( x1 a – 100,000) + 2( x1 a + x2 a – 200,040) = 0 (δφ/δ x2 a ) = 2( x2 a – 100,000) + 2( x1 a + x2 a – 200,040) + (x2 a + x3 a – 200,000) = 0 (δφ/δ x3 a ) = 2( x3 a – 100,080) + 2( x2 a + x3 a – 200,000) = 0 Efetuando as operações algébricas indicadas, resulta o sistema de equações normais a seguir: 2 x1 a + x2 a = 300,040 x1 a + 3 x2 a + x3 a = 500,040 x2 a + 2 x3 a = 300,080 As equações acima possuem as três incógnitas procuradas e são conhecidas por equações normais. Resolvendo as equações por qualquer procedimento encontram-se os valores para as incógnitas: x1 a = 100,025 m x2 a = 99,990 m x3 a = 100,045 m Então, a distância ajustada AD = x1 a + x2 a + x3 a = 300,060 m. Com o intuito de efetuar algumas verificações vamos calcular os resíduos: v1 = x1 a - L1 = 0,025 m v4 = x1 a + x2 a - L4 = -0,025 m v2 = x2 a - L2 = -0,01 m v5 = x2 a + x3 a - L5 = 0,035 m v3 = x3 a - L3 = -0,035 m 2) Os três ângulos horizontais medidos (conforme figura) ao redor do horizonte foram: x = 42 o 17', y = 60 o 48' e z = 256 o 52'. Ajuste estes ângulos pelo MMQ de maneira que a soma seja 360 o . 10 Solução: 1) Primeiramente vamos escrever as equações de observação: x a = 42 o 17' + v1 y a = 60 o 48' + v2 z a = 256 o 52' + v3 2) Existe uma condição geométrica que deve ser atendida; escrevamos a expressão: x a + y a + z a = 360 o Devido a esta condição geométrica, o resíduo da observação z não é independente dos demais; assim, temos que reescrever a equação exprimindo-a somente em função dos resíduos independentes. Logo, teremos: ( 42 o 17' + v1 + 60 o 48' + v2 + 256 o 52' + v3 ) = 360 o v3 = 03' – v1 – v2 3) Vamos criar a função φ = ∑ vi 2 = mín φ = ∑ vi 2 = v1 2 + v2 2 + (03' – v1 – v2 ) = mín 4) Derivando parcialmente a função em relação a v1 e v2, temos: ∂∑ vi 2 /∂v1 = 0 = 2 v1 + 2(03' – v1 – v2)(-1); 4 v1 + 2 v2 = 06' ∂∑ vi 2 /∂v2 = 0 = 2 v2 + 2(03' – v1 – v2)(-1); 2 v1 + 4 v2 = 06' 5) Resolvendo as duas equações surge: v1 = 01' e v2 = 01' 6) ) O terceiro resíduo é imediato: v3 = 03' – v1 – v2 = 01' 7) Finalmente substituindo os valores encontrados na equação de observação, resultam os valores ajustados: x a = 42 o 17' + v1 x a = 42 o 17' + 01' = 42 o 18' y a = 60 o 48' + v2 y a = 60 o 48' +01' = 60 o 49' z a = 256 o 52' + v3 z a = 256 o 52' + 01' = z a = 256 o 53' cuja soma resulta 360 o , conforme esperado. O resultado deste exemplo evidencia outro procedimento básico usualmente aplicado em Topografia; isto é, para ângulos igualmente ponderados medidos ao redor do horizonte, se 11 aplicam correções de igual magnitude a cada ângulo. O mesmo acontece quando os três ângulos igualmente ponderados de um triângulo plano se ajustam por MMQ: cada um recebe uma correção de igual magnitude. 2.3.3 Considerações sobre o peso nas observações A atribuição de pesos às observações não é tarefa trivial e é tida como uma das mais complexas em ajustamento de observações. Inúmeros fatores devem ser levados em conta no momento de decidir por ponderar as observações, tais como, instrumentos utilizados, operadores envolvidos e condições ambientais no momento da tomada das medidas. O peso de uma observação é a confiança relativa de um valor observado comparado com algum outro valor. Na verdade são estimativas ou expressões das confianças relativas das observações. Uma alta precisão implica num pequeno desvio, que por sua vez demonstra uma boa observação e um peso alto. Em geral a expressão genérica do peso é dada por: pi = σ0 2 / σi 2 onde σ0 2 é um valor igual à variância de uma observação cujo peso é considerado unitário e σi 2 é a variância da observação i. O peso de uma observação é, portanto, inversamente proporcional ao quadrado do desvio padrão correspondente. Em geral, no início do ajustamento, atribui-se o valor unitário para σ0 2 . Nas medições angulares os pesos são atribuídos proporcionalmente ao número de vezes em que os ângulos são medidos. No nivelamento, os pesos são inversamente proporcionais ao comprimento das seções a serem niveladas. Assim, quanto mais longa a seção nivelada menor será o peso agregado. 2.3.4 Atribuição de pesos usando Matriz Variância-Covariância Nos cálculos de ajustamento utilizando matrizes é comum utilizar a MVC das observações para a atribuição de pesos. Admitamos que as mencionadas observações não ofereçam o mesmo “grau de confiança”; neste caso, podemos “homogeneizá-las” multiplicando por pesos. Quanto maior o valor atribuído ao peso, maior é a confiança que as observações inspiram – quanto maior a confiança, menor o valor da variância da observação. Seja ∑Lb a matriz variância-covariância do vetor das observações e σo 2 um fator de escala, valor adimensional numericamente igual à variância da observação à qual foi atribuído peso unitário. Dividindo ∑Lb por σo 2 obteremos nova matriz, simétrica, denominada matriz dos coeficientes de peso: Q = 1/σo 2 . ∑Lb Se a matriz Q for não singular admitirá inversa: Q -1 = σo 2 ∑Lb -1 = P onde P recebe o nome de matriz dos pesos. A matriz P, também simétrica se reduz a uma matriz diagonal quando as observações são não correlacionadas entre si. Neste caso os elementos diagonais de P são os pesos das observações.
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