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536 PROJETO LUDIBUS: A ARTE E O LÚDICO NAS ESCOLAS E BAIRROS DA CIDADE DE MARÍLIA-SP Ana Paula CORDEIRO1 Reginaldo Tomé de ARAÚJO2 Felipe Martins LOPES3 Resumo: O presente artigo apresenta o trabalho desenvolvido pelo Projeto Ludibus, ligado à FFC- UNESP, junto a escolas e comunidades de bairros da cidade de Marília-SP. O Projeto visa sensibilizar graduandos do curso de Pedagogia da FFC, diretores e professores do Ensino Fundamental a respeito da importância do lúdico e da arte como elementos facilitadores do desenvolvimento infantil. Visa também levar às escolas públicas propostas de ação às crianças a fim de estimulá-las a criar e expressar-se ludicamente através das diversas linguagens artísticas. Este texto apresenta o trabalho desenvolvido pelo Projeto nos anos de 2005 e 2006. Os resultados demonstram que um trabalho voltado para as artes e o lúdico tende a ser bem aceito nas escolas, levando as crianças a criarem trabalhos originais e falarem de si e seu mundo através de suas criações. Palavras-chave: Ludibus; lúdico; arte; educação. 1. INTRODUÇÃO O Projeto LUDIBUS, ligado ao Núcleo de Ensino da FFC-UNESP, Campus de Marília, tem como principal característica a existência de um ônibus adaptado e adequado para o desenvolvimento de atividades artísticas, lúdicas e literárias e visa levar propostas de trabalho no campo da arte e do lúdico às escolas públicas de Ensino Fundamental e programas culturais do município. Para tanto, os bancos do ônibus circular destinado ao projeto foram retirados, de modo que todo o seu espaço pudesse ser aproveitado. No lugar dos bancos foram colocados baús coloridos que são utilizados para guardar material didático-pedagógico do Projeto. Existe também no interior do ônibus um significativo acervo de livros infantis, livros de História da Arte e gibiteca. Criado em 1999, o Projeto Ludibus se espelhou nas brinquedotecas itinerantes existentes em várias capitais e cidades brasileiras, geralmente mantidas por secretarias de cultura e turismo para desenvolver seu trabalho. O Ludibus tem como proposta possibilitar às escolas de Ensino Fundamental experiências pedagógicas relacionadas à arte, à literatura e ao lúdico, que muitas vezes não são plenamente vivenciadas dentro do ambiente escolar, por serem tratadas como secundárias. Assim, a equipe do Projeto leva até às escolas sugestões de atividades para o desenvolvimento de um trabalho que privilegia e evidencia a importância dessas áreas para a formação integral dos alunos. Parte-se do pressuposto de que a arte e o lúdico, como importantes elementos da cultura, não podem receber um tratamento secundário ao longo do processo educacional e de formação das crianças. Portanto, considera-se de 1 Docente do Departamento de Didática da FFC- UNESP de Marília, ministra as disciplinas Fundamentos da Educação Infantil, Jogos e atividades lúdicas, Arte e Educação Infantil e Jogos teatrais na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. 2 Graduando do curso de Pedagogia da FFC- UNESP e Bolsista do Núcleo de Ensino; 3 Graduando do curso de Pedagogia da FFC-UNESP e colaborador junto ao Projeto Ludibus. 537 fundamental importância a realização de ações voltadas para a valorização da arte e do lúdico nas escolas. Todo o trabalho desenvolvido visa unir as três funções básicas da Universidade, quais sejam: o ensino, a pesquisa e a extensão. Neste sentido, os principais objetivos do Projeto Ludibus são: - sensibilizar os diretores e professores das escolas públicas envolvidas com o projeto e os alunos do curso de graduação (Pedagogia) da UNESP de Marília para o fato de que brincadeiras, atividades artísticas e literárias são importantes elementos da cultura e auxiliam para a formação integral do aluno; - oferecer aos alunos do Ensino Fundamental oportunidades de vivências e aprendizagens através do lúdico, da arte e da literatura como elementos que integram a sua formação; - conhecer as formas de pensar e as visões de mundo das crianças beneficiadas pelo Projeto através do trabalho de arte-educação realizado nas escolas. Especificamente o projeto visa: - proporcionar aos alunos bolsistas uma formação mais consistente, tendo em vista a experiência adquirida durante a realização das ações do Projeto, que lhes possibilita aproximar teoria e prática; - realizar pesquisas junto às escolas parceiras do Projeto, tendo como foco as atividades lúdicas e artísticas como elementos integradores de diversas áreas do conhecimento; - manter website (em funcionamento na página da FFC-UNESP de Marília) visando divulgar o trabalho realizado; - manter arquivo das principais atividades realizadas nas escolas da rede, com amostras das produções, registros fotográficos e filmagens, a fim de construir um acervo- memória do projeto. O trabalho desenvolvido pelo Projeto LUDIBUS e suas propostas estão em consonância com os objetivos contidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), ao buscarem privilegiar atividades lúdicas e artísticas que contribuam para uma formação mais completa dos alunos do Ensino Fundamental, do I e II ciclos. O Projeto também integra a Universidade com as escolas e a comunidade, levando professores da rede pública e estudantes de graduação do curso de Pedagogia da FFC-UNESP de Marília, participantes das ações desenvolvidas, a trocarem idéias e experiências nas áreas da arte, do lúdico e da literatura. A experiência proporcionada aos alunos de graduação do curso de Pedagogia através do trabalho realizado nas escolas públicas (estaduais e municipais) de Marília tem 538 gerado discussões e reflexões acerca da realidade educacional e tem suscitado a elaboração de projetos de pesquisa e trabalhos de conclusão de curso relacionados à arte e ao lúdico no interior da FFC-UNESP. Organizar o trabalho com vistas à criação infantil é prioridade do Projeto, pois muitas das práticas pedagógicas relacionadas à arte e literatura, de acordo com relatos de graduandos do Curso de Pedagogia que desenvolvem estágios em diversas escolas, pautam- se em desenhos xerocados ou mimeografados e outras atividades que não permitem que a criança crie e expresse seu mundo através da arte, de forma lúdica e prazerosa. Dessa forma, o trabalho desenvolvido pelo Projeto LUDIBUS visa privilegiar os processos de criação das crianças, seja através das artes plásticas, dos jogos tradicionais e teatrais, da educação para o movimento e literatura infantil. O principal procedimento da equipe é o oferecimento de oficinas variadas ligadas às já citadas áreas de conhecimento, nas quais as crianças são convidadas a participar de forma dinâmica e ativa. As crianças são instigadas a criar seus próprios trabalhos, a falarem de si e do mundo que as rodeia e a interagirem com seus pares trabalhando em grupos através das propostas de oficinas do Projeto. Os graduandos da FFC, bolsistas e voluntários, desenvolvem observação sistemática acerca de tudo que ocorre nas escolas, anotam tudo em diários de campo, analisam o material coletado e elaboram projetos e relatórios de pesquisa ligados aos objetivos do Projeto. 2. DESENVOLVIMENTO 2.2. Projeto Ludibus: discussão teórica relacionada à importância do lúdico e da arte para a educação formal O Projeto Ludibus visa proporcionar às crianças beneficiadas por suas ações uma aprendizagem artística permeada pelo elemento lúdico. À primeira vista, pode parecer que um trabalho relacionado à arte já envolva por si só o elemento lúdico. No entanto, isso não se configura necessariamente em algo verdadeiro. As práticas escolares muitas vezes demonstram que o que ainda impera em grande parte das instituições educacionais é um trabalho mecânico voltado para as artes em geral. Crianças ensaiam exaustivamente coreografias ou peças teatrais prontas e carentes de sentido para elas. Pintam desenhoscopiados nas cores exigidas por seus professores, expressam-se pouco, não falam de si, pois não são livres para criar seus próprios trabalhos. Em outras ocasiões o trabalho desenvolvido fica empobrecido pela falta de propostas interessantes, pelo simples “deixar fazer” praticado por alguns professores. Não se trata aqui de atirar pedras no trabalho dos profissionais da educação, mas de oferecer uma reflexão relacionada à arte e ao lúdico a fim de que outras práticas surjam no contexto escolar e se propaguem, levando crianças e professores a sentirem prazer no trabalho realizado. 539 Como já foi explicitado, um dos objetivos deste Projeto é o de levar as crianças do ensino fundamental a vivenciarem novas aprendizagens através do lúdico, da arte e da literatura infantil. Torna-se necessário, desta forma, apresentar aqui o que entendemos por lúdico e por arte. Qual a importância desses elementos para o desenvolvimento do ser humano, para a educação? Em relação ao lúdico, Hiuzinga (1990) afirma que a civilização surge e se desenvolve através do jogo. O autor analisa o jogo como fenômeno cultural e o estuda em uma perspectiva histórica. Salienta que as grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde seu início, marcadas pelo jogo. Ele o define da seguinte forma: O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana (1990, p. 33). O autor nos diz que a noção que temos de jogo e a própria palavra jogo tiveram sua origem na linguagem criadora. Analisa diferentes línguas para mostrar que a categoria geral de jogo nem sempre foi sintetizada em uma única palavra e distinguida com igual rigor por todas elas. Ele nos diz que “há diversos indícios que mostram que a abstração de um conceito geral de jogo foi, em algumas culturas, tão tardia e secundária como foi primária e fundamental a função do jogo” (HUIZINGA,1990, p. 34). A língua latina, entretanto, cobre todo o terreno do jogo com uma única palavra: ludus, de ludere. Embora ludere possa ser usado para designar os saltos dos peixes, o esvoaçar dos pássaros e o borbulhar das águas, sua etimologia não parece residir na esfera do movimento rápido, e sim na da não seriedade, e particularmente na da ‘ilusão’ e da ‘simulação’. Ludus abrange os jogos infantis, a recreação, as competições, as representações litúrgicas e teatrais e os jogos de azar. (HUIZINGA,1990, p. 41) Cordeiro, a respeito da importância social do lúdico, nos diz: Ora, se o lúdico é um elemento chave na criação da cultura, há que se defender a importância desse elemento e sua presença também na transmissão da cultura. Daí pensarmos na necessidade de uma educação voltada e preocupada com os aspectos lúdicos da cultura, aspectos que envolvem a criação, a representação, o jogo, o prazer das realizações humanas. (2003, p. 13) 540 O lúdico também está relacionado à afetividade, ao desenvolvimento da auto- estima, comunicação e interação social. A respeito da forma como nos relacionamos afetivamente, Walter Benjamin (1984) nos fala da essência do brincar. Para o autor, brincar não é um fazer “como se”, mas um fazer sempre “de novo”, transformação da experiência mais comovente em hábito. Diz ele: “Pois é o jogo, e nada mais, que dá à luz todo hábito. Comer, dormir, vestir-se, lavar- se devem ser inculcados nos pequenos irrequietos através de brincadeiras. Todo hábito entra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas mais enrijecidas sobrevive um restinho de jogo até o final. Formas petrificadas e irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de nosso primeiro terror, eis os hábitos” (1984, p.75). Jogar, brincar é, pois, formar hábitos, desenvolver a afetividade, socializar-se. Ao desenvolver os trabalhos propostos pela equipe do Projeto LUDIBUS, as crianças brincam e criam trabalhos originais através das diversas linguagens artísticas. O Ludibus se imbrica na infância para vivenciar as atividades lúdicas no ambiente escolar. No seio da cultura infantil, festeja com o brincar e suas nuances ao delinear atividades que buscam conduzir a criança para a descoberta de outros mundos, para se projetar num universo inexistente, mas conveniente a ela. Na brincadeira a criança mistura realidade e fantasia. O fantástico, o imaginário, expressos na brincadeira da criança quando fala com um cabo de vassoura “como se” fosse um cavalo, fica zangada com seu cãozinho imaginário porque faz sujeira no tapete da mamãe ou transforma a pedra em pássaro, mostram uma mistura de realidade e fantasia, em que o cotidiano toma outra aparência, adquirindo um novo significado. Isso está muito próximo do sonho [...] no qual os contornos da realidade e fantasia se misturam (KISHIMOTO, 2000, p.69-70). É esta proposta de imaginação, de fantasia, de criação, de representação, de prazer, enfim, de lúdico, que o Ludibus desenvolve em sua caminhada itinerante; é ela que torna possível a transformação de um ônibus em brinquedo e sua atividade intensiva nas escolas levando cultura e arte a todos aqueles que acreditam na educação imersa na cultura infantil. Quanto ao desenvolvimento de um trabalho voltado para as diversas manifestações artísticas, as propostas respeitam as crianças e buscam levá-las a interagir com seus pares e compreender melhor o mundo em que vivem através de suas vivências e cotidianidade. O trabalho artístico proposto pela equipe do Ludibus encara a arte como linguagem e procura levar em conta o seu caráter dialético. A esse respeito, Ernst Fischer (1971) nos leva a refletir sobre a função da arte em nossa sociedade atual. Ele acompanha a evolução das artes da pré-história até nossos dias e fundamenta seu trabalho a partir de uma 541 visão marxista, à medida em que vê a função da arte de maneira dialética e inserida na sociedade de classes. O mundo capitalista cria dualidades, separa razão e emoção. A arte precisa remover esse conflito, ultrapassá-lo. Para Fischer, a função arte não é única e se transforma com um mundo que está em constante transformação. Mas ela guarda também, através dos tempos, elementos contínuos e comuns. Isso quer dizer que a humanidade não é apenas uma contraditória descontinuidade, mas é também continuidade. O antigo e o novo permanecem em nós, mesmo que não percebamos. Para Fischer, a arte nos aproxima do real de forma dialética, através da razão e da emoção, do novo e do antigo, da identificação e não identificação, do desejo de compreender o mundo para melhor transformá-lo. A função essencial da arte num mundo divido em classes deve ser a de esclarecer e incitar à ação, mas não podemos nos esquecer que a arte também guarda algo de sua magia primitiva. É exatamente isso que o Projeto Ludibus, com suas propostas de ação, visa promover: reflexão, mudanças, transformação, sem deixar de levar em conta a magia contida no processo de criar, de fazer e compreender a arte. 2.2. O Projeto Ludibus e as atividades desenvolvidas nos anos de 2005 e 2006: um breve histórico O ônibus destinado ao Projeto Ludibus tem fundamental importância para o desenvolvimento das atividades nas escolas. Como equipamento recreativo, requer uma estrutura específica, contemplando necessidades de utilização de espaços e brinquedos, além das ações pedagógicas da equipe envolvida. O ônibus precisa ser um lugar agradável e dinâmico, para que possa enriquecer o contexto para o incentivo à imaginação e à liberdade de criação através de linguagens artísticas e lúdicas. Precisa contemplar diversas faixas etárias e interesses diferenciados. Como já foi anteriormente salientado, o ônibus sofre alterações, como por exemplo, aretirada de bancos. Em seus lugares são colocadas estantes para livros e baús nos quais são guardados brinquedos, fantasias, fantoches e materiais como papel, tinta, lápis, tesoura e cola; mesas improvisadas servem para os desenhos, pinturas, jogos e leitura. É desprovido de roleta e bancada de cobrador e no fundo do veículo, há uma boca de cena para teatro; há também uma lousa e vários ganchos para pendurar obras de arte. Todo o espaço é construído visando o desenvolvimento de atividades ligadas às artes e ao lúdico. Durante os últimos dois anos do Projeto, um amplo trabalho foi realizado pela equipe do Ludibus junto a escolas de Ensino Fundamental e comunidades de bairros. No ano de 2005 contamos com a participação de sete alunos, graduandos do curso de Pedagogia da FFC- UNESP. Destes, 5 eram bolsistas (uma bolsa do Núcleo de Ensino) e dois, voluntários. No ano de 2006 a participação de graduandos no Projeto aumentou, saltando para 12 alunos, 542 sendo 6 bolsistas (dois do Núcleo de Ensino) e 6 voluntários. Criamos, nestes dois anos, uma rotina semanal de trabalho. Realizamos, no início de cada ano, uma reunião geral para a apresentação do projeto a todos os graduandos participantes da equipe e lançamos a proposta de construção de um trabalho conjunto através de reuniões semanais, nas quais todos pudessem opinar sobre as ações a serem realizadas e participar ativamente da programação desenvolvida nas escolas. Determinamos que as reuniões da equipe seriam às terças feiras, das 14:00 às 17:00 horas. Optamos por trabalhar prioritariamente com as primeiras quatro séries do ensino fundamental e em escolas públicas (municipais e estaduais). Firmamos parcerias com a Secretaria de Educação e Secretaria de Cultura e Turismo da cidade de Marília, a fim de que a equipe do Projeto pudesse trabalhar de forma variada, atingindo os objetivos de sensibilizar professores e alunos de escolas públicas para a importância da arte e da ludicidade na educação formal através de propostas de trabalho nestas áreas, com vistas à criação infantil. A parceria firmada com a Secretaria de Educação de Marília nos levou a desenvolver dois tipos de trabalhos nas escolas: um, contínuo, com atividades semanais realizadas na EMEF “Nivando Mariano dos Santos”, localizada na zona sul da cidade, nos anos de 2005 e 2006, atendendo cerca de seiscentas crianças das quatro primeiras séries do ensino fundamental; outro, através de visitas esporádicas a diversas escolas e entidades ligadas à rede municipal de ensino que solicitaram a visita do Projeto Ludibus neste período. As escolas atendidas pelo Projeto foram: EMEI “Branca de Neve”, localizada no distrito de Padre Nóbrega, EMEFs “Nicácia Garcia Gil” e “Célio Corradi”, SEAMA/Casa do Pequeno Cidadão II e Educandário “Bento de Abreu Sampaio Vidal”. Nestas escolas e entidades cerca de mil e quinhentas crianças desenvolveram atividades propostas pela equipe de graduandos da FFC ligados ao Projeto Ludibus. Com a Secretaria de Cultura e Turismo de Marília firmamos parceria para a participação do Projeto no PIC (Programa de Integração Comunitária). A proposta da Secretaria de Cultura é a de promover o PIC em diferentes bairros da cidade, levando à população da periferia lazer, informações úteis relacionadas ao ensino, à saúde e meio ambiente (vários estandes são montados de forma didática com um monitor especializado em determinada área de conhecimento), passeios turísticos e atividades culturais, como danças, música, teatro, cinema, palestras, leitura, artes plásticas e informações diversas. O projeto LUDIBUS participou, no ano de 2005, do I e III PICs, permanecendo com seu ônibus e integrantes (coordenador, alunos bolsistas e alunos voluntários) nos locais dos eventos (Jardim Fontanelli e Vila São Paulo), oferecendo à população oficinas de artes plásticas ( desenho, pintura, colagem), estantes de livros de literatura infantil e gibiteca. A biblioteca municipal de Marília também colocou no ônibus uma estante de livros, jornais e revistas à disposição do público. Toda a população presente pôde manusear e ler o material exposto. No ano de 2006 a equipe do Projeto desenvolveu o mesmo tipo de trabalho durante o IV e V PICs, ocorridos, 543 respectivamente, nos bairros Nova Marília e Vila Altaneira. Através da participação nesses eventos, pudemos observar a importância do estabelecimento de parcerias entre o projeto LUDIBUS e programas culturais da cidade, no sentido de proporcionar à população situações lúdicas e prazerosas de aprendizado. Nestes eventos, crianças de todas as idades participaram das oficinas de artes oferecidas e adultos visitaram o ônibus e tiveram acesso ao acervo de livros e gibis do Projeto. Outro importante trabalho a ser destacado refere-se a uma proposta de atividades realizada pelo Projeto LUDIBUS e pelo Grupo de Contadores de Histórias da UNATI (Universidade Aberta à 3ª Idade), da FFC- UNESP de Marília. Com o objetivo de integrar a Universidade à comunidade mariliense, promover um encontro de gerações e suscitar pesquisas através do ensino e extensão, elaboramos a proposta de unir o trabalho realizado pelo LUDIBUS com artes, jogos e literatura Infantil na EMEF “Nivando Mariano dos Santos” e o trabalho desenvolvido pelas oficinas de Contadores de história da UNATI, que visam trabalhar com histórias, contos e “causos” junto aos alunos da UNATI, a fim de que estes atuem como agentes culturais. Foram realizados encontros entre os participantes dos dois projetos, nos quais discutiu-se a importância da linguagem oral, do encontro de gerações que a junção dos projetos propiciaria e de trabalhos e pesquisas futuras que a empreitada poderia suscitar. Os resultados desta parceria ocorreram no ano de 2005 com a realização de uma tarde de contação de histórias por graduando do projeto LUDIBUS e alunos da UNATI às crianças da EMEF “Nivando Mariano dos Santos” e uma palestra intitulada “Encontro de Gerações”, ministrada aos alunos da UNATI pela equipe do Projeto LUDIBUS, que versou sobre a importância da proposta de unir pessoas idosas, jovens e crianças num mesmo trabalho. Além da importância do trabalho prático realizado, propostas como esta são capazes de gerar o aprofundamento de questões relacionadas à arte, ao lúdico, à linguagem oral, às contribuições de um debate inter-geracional através de pesquisas que podem ser suscitadas a partir do encontro de ações entre projetos de extensão. As escolas estaduais também foram contempladas pelo Projeto, que visitou, no ano de 2006, a EE Lourenço Sene e a EE Maria Isabel Sampaio Vidal, no distrito de Padre Nóbrega. O trabalho desenvolvido pela equipe do Ludibus visou a desconstrução de uma visão mecanicista ligada ao trabalho artístico nas escolas e outros espaços educacionais, a fim de que a arte seja valorizada em seus aspectos lúdicos, enquanto linguagem e forma de expressão. Nos dois anos em que o projeto Ludibus esteve ligado ao Núcleo de Ensino da FFC- UNESP de Marília, buscamos levar às diversas escolas e instituições de ensino, além de comunidades de bairros, a idéia do ônibus lúdico, que leva arte, brincadeiras e literatura infantil por onde passa. 544 2.3. Oficinas artísticas e lúdicas realizadas na EMEF Nivando Mariano dos Santos nos anos de 2005 e 2006: desenvolvimento de uma parceria fixa de trabalho. No início do ano de 2005, estabelecemos contato com a Secretaria de Educação do município de Marília e firmamos uma parceria fixa com a EMEF Nivando Mariano dos Santos, escola situada no Jardim Santa Clara, na zona sul da cidade. A escola é nova e possui uma boa infra-estrutura, com espaços apropriados para o desenvolvimento do trabalho realizado pelo Ludibus. Ela atende crianças das primeiras quatro séries do ensino fundamental e possui oito turmas no período da manhã e oito no período da tarde. Cerca de seiscentascrianças estudam na EMEF, que possui quatro turmas de cada série, 1ª, 2ª, 3ª e 4ª, respectivamente. Inicialmente nos reunimos com o diretor da escola, a fim de dialogarmos sobre o trabalho a ser desenvolvido. O diretor propôs que o Projeto Ludibus entrasse em consonância com o Projeto de artes da escola, o Educarte, que tem como objetivo integrar as diversas áreas de conhecimento através de trabalhos artísticos e lúdicos. Também propôs um encontro com as professoras da escola para conversarmos a respeito de nossas propostas de ação. Desta forma, nos reunimos com todas as professoras da escola e expusemos os objetivos do Projeto, enfatizando a importância do desenvolvimento de propostas ligadas à arte e ao lúdico capazes de levar as crianças a criarem, falarem de si e apresentarem suas formas de ver o mundo. Ficou acordado que realizaríamos as atividades semanalmente, às quintas feiras. Este foi considerado o melhor dia para a realização das atividades do projeto dentro da rotina da escola. Os graduandos (bolsistas e voluntários) do Ludibus trabalhariam em duplas e atenderiam primeiramente, durante os meses iniciais, as turmas do período da tarde. Cada dupla permaneceria com duas turmas e as atividades deveriam durar de quarenta a cinqüenta minutos por turma. Intensificamos, desta forma, as reuniões com os graduandos da equipe do projeto. Todas as terças, de abril e maio, nos reunimos com os bolsistas para organizarmos as atividades e para leituras e discussão de textos que dariam suporte ao nosso trabalho, tais como Huizinga (1990), Lowenfeld (1977), Fischer (1971), Benjamin (1984), Laban (1978), entre outros. Nas reuniões preparamos as atividades a serem desenvolvidas, organizamos o material no interior do ônibus, elaboramos material- didático pedagógico e cada participante da equipe passou a refletir e discutir sobre a possibilidade de elaboração de projetos de pesquisa ligados aos temas do lúdico e da arte e sua importância para o desenvolvimento infantil. Em nossas reuniões ficou acordado que a ênfase do trabalho recairia sobre as artes visuais, a fim de complementarmos o trabalho que já vinha sendo desenvolvido na EMEF através de seu Projeto Educarte. Também trabalharíamos com brincadeiras, jogos tradicionais e teatrais e com contação de histórias. 545 No segundo semestre de 2005, iniciamos nosso trabalho prático na EMEF “Nivando Mariano dos Santos”. No início do mês de agosto, pela primeira vez, as crianças tiveram contato com o Ludibus e com todo o material disponível no ônibus. Organizamos uma atrativa exposição dos materiais do ônibus: nas mesas foram colocados papéis coloridos, lápis e canetinhas para desenhar. Foram espalhadas fantasias, máscaras, fantoches, jogos variados, instrumentos musicais da bandinha rítmica, livros de literatura infantil e história da arte e gibis. No fundo do ônibus, havia um quadro em papel manilha para as crianças escreverem suas impressões sobre o Ludibus e deixar recados. A partir deste primeiro contato da equipe do Projeto com as crianças, demos prosseguimento ao trabalho, buscando interagir com alunos, professores e pessoal da escola. As crianças passaram a esperar, todas as quintas feiras, pela chegada do Ludibus com as atividades propostas pela equipe. No ano de 2005, priorizamos o trabalho voltado para as artes visuais pois, como já explicamos, o Projeto Ludibus buscou o tempo todo estar em consonância com o Projeto Educarte, que em 2005 desenvolveu atividades ligadas às artes visuais, trabalhando, inclusive, com releituras de obras de arte. Nós, da equipe do Projeto Ludibus, através de estudos e leituras, idealizamos propostas com vistas à criação infantil, objetivando levar a criança a expressar-se através da arte, falar de si, de seu mundo, de sua cotidianidade. Os graduandos do projeto sempre enfatizaram às crianças a importância da criação, pois ao criarmos nossos trabalhos, mostramos um pouco do nosso mundo e de quem somos às outras pessoas. Nos comunicamos, transmitimos mensagens. As propostas de artes visuais estiveram ligadas também a horas do conto, a brincadeiras, jogos teatrais e teatros de fantoche. Apresentamos aqui algumas das atividades realizadas: Conhecendo melhor cores e materiais para o trabalho com artes visuais. Esta proposta visou o desenvolvimento de atividades voltadas para a livre experimentação das crianças relacionadas a suportes e materiais para desenho e pintura. Disponibilizamos, inicialmente, (durante pelo menos três semanas), em nossas visitas à escola, papéis variados, lápis de cor, canetinhas, giz de cera, tintas guache e para pintura a dedo, barbantes e outros materiais para a experimentação das crianças e confecção de trabalhos individuais e em grupos. As crianças desenvolveram desenhos livres e puderam manusear à vontade todo o material a elas disponibilizado. A equipe do Projeto Ludibus orientava sobre as cores, fazia a distinção entre cores primárias e secundárias, auxiliava as crianças a misturarem tintas para criar cores novas. Por vezes as crianças perguntavam se poderiam utilizar as cores que quisessem e pintar os desenhos com canetinhas coloridas. As crianças eram orientadas a fazer seus experimentos e a utilizar todo o material sem se preocupar em utilizar tons naturalistas nos desenhos. Por exemplo, se uma criança desejasse pintar seu gato de azul, deveria fazê-lo. As canetinhas poderiam ser usadas para pintar os desenhos tanto quanto os 546 lápis. Muitas vezes, por questão de economia, pais e professores orientam as crianças para que façam o contorno dos desenhos com canetinhas e que pintem a parte interna com lápis de cor. As crianças, logo no início das atividades, perceberam que poderiam manusear todo o material disponível como desejassem. A equipe também orientava as crianças em relação aos cuidados para com o material fornecido. Elas eram solicitadas a forrar com jornais o chão do ônibus e dos locais onde as atividades aconteciam, a fechar as tampas dos pincéis atômicos e canetinhas para que não secassem, a lavar os pincéis sujos de tinta, a não sujar a escola com as tintas, a guardar todo o material depois de utilizado. Enfim, as crianças aprendiam a manusear o material e a cuidar dele, tendo consciência de que poderiam utilizar tudo o que desejassem. Desta forma, as crianças elaboraram seus trabalhos em folhas de papel sulfite, papel manilha, cartolina; trabalharam com a questão dos limites no desenho utilizando barbantes e fios de lã; perceberam a importância do suporte e do tamanho do papel no processo de criação de trabalhos. Em uma das propostas, a da “fotografia desenhada”, pedimos às crianças que pensassem em algo (pessoa, paisagem, objeto) que quisessem fotografar. Distribuímos cartolinas cortadas em tamanho de 10 x 15 cm e pedimos às crianças que desenhassem aquilo que gostariam de fotografar. Trabalhos originais e muito coloridos resultaram desse processo. Em outras ocasiões, as crianças se reuniam em grupos de quatro pessoas, pensavam num tema e elaboravam seus trabalhos em grandes pedaços de papel manilha. Estas atividades de experimentação propiciaram segurança às crianças e a certeza de que em nenhum momento seriam tolhidas em seus processos de criação. Trabalhando o corpo humano Esta proposta propiciou a elaboração de algumas atividades relacionadas ao conhecimento do próprio corpo, além de suas possibilidades de movimentação. Utilizamo-nos de jogos teatrais e de oficinas de educação para o movimento tendo como base os trabalhos de Vila Spolin (1979) e Rudolf Laban (1978). Em uma das oficinas, ocorrida na quadra de esportes da escola, delimitamos o espaço que utilizaríamos e conversamos com as crianças a respeito do espaço que tínhamos para trabalhar, que nos locomovemos diariamente em espaços variados e que, muitas vezes, não utilizamos toda nossa capacidade de movimentação.As crianças fizeram vários comentários sobre seus corpos e suas possibilidades de movimentos. Segundo Laban, o homem, mais que qualquer outro animal, possui uma gama enorme de movimentos e é capaz de tornar seu corpo expressivo através deles. Também leva vantagem sobre os outros animais, pois é capaz de refletir sobre seus movimentos e mudar padrões de movimentação. Depois da conversa, partimos para o trabalho prático, que foi realizado com duas terceiras séries da escola. As crianças caminharam pelo espaço movimentando de diferentes formas pés, pernas, tronco, braços, mãos, cabeça, pescoço. Pedimos a seguir que as crianças imaginassem várias situações que interferem na caminhada. Por exemplo: caminhar como se pisassem num chão muito quente; com um vento 547 muito forte; com a chuva caindo; pisando em flocos de algodão. Em duplas, realizaram uma série de jogos e brincadeiras, tais como: - exercício do espelho: duas crianças ficam de frente uma para outra. Uma delas realizará movimentos e a outra, que será o espelho, deverá realizar os mesmos movimentos simultaneamente. - escultura: uma criança será o escultor e a outra a argila. O escultor dará forma ao corpo do outro e criará posições nas quais aquele que é a massa da escultura deverá permanecer, até que o escultor mude a posição anterior. - caminhar pela sala com os companheiros unidos pelas costas. Deve haver uma busca de sincronia na caminhada. Encerramos o trabalho pedindo às crianças que pensassem num brinquedo. Cada uma delas seria um brinquedo que, à noite, ganha vida numa loja mágica. Vários “brinquedos” surgiram através dos movimentos dos corpos das crianças: carrinhos, bonecas, bolas, aviões, etc. Em relação às artes visuais, as crianças elaboraram desenhos tendo como tema a figura humana. Também trabalhamos com recortes de revistas apresentando às crianças partes do corpo humano. Elas elaboraram composições com desenhos, recortes e colagem. Sempre conversávamos com as crianças sobre suas criações. Histórias e outras surpresas A equipe do Projeto elaborou tardes de contação de histórias e outras atividades a serem realizadas com as crianças relacionadas às histórias contadas. Foram contadas as histórias: “Dona Baratinha”; “Marcelo, marmelo martelo”, de Ruth Rocha, “Uxa, ora fada, ora bruxa”, de Sylvia Orthof, além de histórias elaboradas pelos próprios integrantes da equipe do Projeto. Depois das histórias, outras atividades ocorriam, tais como rodas de conversa sobre a história, elaboração de textos curtos, de desenhos, dramatizações com fantoches. Como já foi salientado, também realizamos parceria com o Grupo de contadores de histórias da UNATI, realizando uma tarde de contação de histórias na escola. Estas são algumas das muitas atividades realizadas na EMEF “Nivando Mariano dos Santos” no ano de 2005. Em 2006 desenvolvemos um trabalho voltado para várias formas de linguagens artísticas. A arte e o lúdico foram privilegiados através de oficinas variadas: artes visuais, jogos teatrais, literatura infantil, elaboração de textos. Idealizamos o trabalho tendo em vista conhecer melhor as crianças: o que pensam, quais seus gostos, idéias, anseios, medos, visões de mundo (LOPES, 2006). A temática das oficinas sempre era explicitada no inicio do trabalho. Depois de conversas informais com as crianças tentávamos explicar a proposta de maneira agradável, sempre buscando suas opiniões e ressaltando que ali poderiam dizer tudo 548 o que quisessem, dentro da idéia de respeito mútuo. O diálogo, que sempre precedeu as oficinas, buscava que as crianças avaliassem, ao longo do trabalho, tudo aquilo que estavam produzindo. Apresentaremos algumas das oficinas ministradas às crianças: Quem sou eu? O objetivo desta proposta foi o de levar as crianças a falarem um pouco de si mesmas, de suas características físicas, dos aspectos que as diferenciam, da maneira de ser de cada um. As crianças descreveram suas características físicas, seus gostos: programas de tv preferidos, lazer. A partir das respostas das crianças, dialogamos sobre o que nos torna semelhantes, mas também sobre o que nos diferencia, levando-nos a ser seres únicos, inimitáveis. Este trabalho levou as crianças a refletirem e falarem sobre si mesmas, sobre quem são. Depois do diálogo inicial, pedimos que as crianças desenhassem seu auto-retrato, apresentando suas características físicas. Distribuímos papel sulfite e lápis de cor para as crianças, que realizaram a proposta individualmente. Sentado na porta de minha casa... Esta oficina teve por objetivo levar as crianças a falarem um pouco sobre o bairro em que moram, sobre suas casas. No início do trabalho, o tema da oficina passada (quem sou eu) foi retomado, a fim de que as crianças percebessem que havia uma seqüência no trabalho: falar de si, da casa, do bairro, da família, de seu mundo. Perguntamos para um menino em que bairro que ele morava e, depois de algum tempo precisando se situar e recorrendo à ajuda dos colegas e da professora disse o nome do bairro. Questionamos se o bairro no qual ele morava era igual aos outros bairros da cidade. A maior parte das crianças afirmou que não, que os bairros eram diferentes. A partir desse diálogo inicial, as crianças descreveram seu bairro, suas casas, lembraram que, mesmo em bairros com casas padronizadas, como os conjuntos populares, cada casa é enfeitada de forma diferente pelo seu dono: há diferenças nos portões, nas flores, nos adornos, nas cores, nos tamanhos. Depois das conversas nas quais muitas crianças apresentaram seus pontos de vista, propusemos que fizessem um desenho e colocassem nele a sua casa. Como suporte oferecemos uma folha de papel manilha. Dissemos, então, que este desenho deveria ser feito em grupo e cada criança colocaria a sua casa na folha, formando, através do desenho, uma espécie de retrato do bairro. Durante o trabalho a interação foi muito grande entre os grupos, com as crianças conversando e resolvendo problemas como a divisão do material disponibilizado para o coletivo. Na maioria dos desenhos, a escola ocupou a região central da folha com as casas concentrando-se ao seu redor. 549 Contando e “teatrando” Esta proposta teve como objetivo levar as crianças a falarem de suas famílias e pessoas próximas através do diálogo e da criação de historietas coletivas com a utilização de fantoches. As crianças poderiam criar histórias que versassem sobre situações familiares. Várias histórias surgiram e os fantoches disponíveis foram importantes no momento de elaboração das mesmas. Havia fantoches de famílias inteiras, fantoches ligados ao folclore brasileiro, fantoches das personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo, entre outros. As crianças criaram várias histórias com estes fantoches, principalmente com a temática envolvendo a turma do Sítio do Pica Pau. Quase todas as histórias envolveram situações familiares. Minha tribo sou eu! Nesta proposta as crianças deveriam escrever poesias e montar um pequeno livro contando um pouco sobre seus gostos. Antes da realização desta atividade pelas crianças, conversamos a respeito do ato de escrever. Lemos o poema de Cecília Meireles, “O mosquito escreve”, do livro Ou isto ou aquilo e conversamos com as crianças sobre o que leva uma pessoa a escrever um texto, um poema. As crianças responderam que geralmente escrevemos sobre aquilo que gostamos ou sobre o que nos chama a atenção. Pedimos às crianças que falassem sobre seus gostos e escrevessem seus próprios textos. O trabalho de escrita foi realizado individualmente e, depois de pronto, mostrado às outras crianças em forma de sarau de poesias. A Mandala Esta proposta teve por objetivo levar as crianças a apresentarem o que consideravam bom e o que consideravam ruim em suas vidas e na vida em sociedade. Dissemos que falaríamos um pouco sobre nossas próprias vidas e quenelas sempre aconteciam coisas boas e coisas ruins. Questionamos o que seriam as coisas boas da vida e as respostas das crianças foram variadas, indo desde sorvete de chocolate até Deus. Quanto às coisas ruins, as respostas incluíram desde tarefas escolares até a morte, a guerra e o “capeta”. Contamos, em seguida, a “história” da mandala, dissemos que ela era uma espécie de “círculo mágico de meditação” e nada que fosse ruim poderia penetrar nesse círculo. A mandala impede que o mal entre para dentro do círculo, todo o mal fica do lado de fora. Fizemos, então, a proposta da mandala para o desenho das crianças. Foi entregue uma folha com um grande círculo no meio, representando a nossa mandala. Então pedimos para que as crianças desenhassem tudo o que achavam bom dentro deste círculo, inclusive os sonhos que queriam realizar, e todos as coisas que considerassem ruins deveriam ficar do lado de fora do círculo. As crianças compreenderam bem a proposta e a realizaram de forma compenetrada e silenciosa. 550 Estas foram algumas das propostas realizadas com crianças das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental da EMEF Nivando Mariano dos Santos. O trabalho desenvolvido visou privilegiar a criação infantil através de diversas linguagens artísticas e levou as crianças a falarem de si e de seu mundo através de suas próprias criações. 3. RESULTADOS 3.1. Ludibus: a arte e o lúdico como elementos estimuladores do desenvolvimento infantil O trabalho desenvolvido pela equipe do Projeto Ludibus nas escolas e no PIC (Programa de Integração Comunitária) nos leva a refletir sobre a importância do suporte que o Projeto dá às escolas parceiras e aos programas culturais voltados para as comunidades de bairros. Nosso intuito sempre foi o de somar, de unir forças com as escolas a fim de propagar a importância da arte e do lúdico no processo de educação formal de crianças das primeiras séries do ensino fundamental. Como já salientamos, desenvolvemos junto às escolas uma parceria fixa, que teve a duração de dois anos com uma EMEF da cidade de Marília e várias parcerias esporádicas, com visitas semestrais ou anuais a várias escolas municipais e estaduais. As visitas a estas escolas contemplaram atividades semelhantes às realizadas na EMEF Nivando Mariano dos Santos. Artes visuais, jogos teatrais e tradicionais, teatro de fantoches, horas do conto, leituras de histórias, confecção de brinquedos formaram o quadro de propostas desenvolvidas nas escolas por onde o Projeto Ludibus passou. Em relação aos resultados alcançados, percebemos que houve um processo de interação muito bom entre os graduandos do curso de Pedagogia participantes da equipe do Ludibus e alunos, professores, diretores e coordenadores das escolas visitadas pelo Projeto. O trabalho desenvolvido ganhou força na comunidade e durante os anos de 2005 e 2006 recebemos muitos convites, inclusive de escolas particulares, para o estabelecimento de parcerias e visitas do ônibus itinerante. No entanto, escolas particulares não puderam ser contempladas, pois a prioridade do trabalho foi atender as escolas públicas, em bairros periféricos, algumas delas próximas de favelas. O contato dos graduandos do curso de Pedagogia com diversas escolas e realidades educacionais distintas proporcionou a eles oportunidades de vivências e reflexões acerca da importância do lúdico e da arte para o desenvolvimento infantil, levando-os a elaborarem projetos de pesquisa e trabalhos de conclusão de curso relacionados aos temas do Projeto. Apresentaram seus trabalhos em eventos acadêmico-científicos e trocaram experiências com outros pesquisadores. Quanto às respostas das crianças às atividades oferecidas pelo Projeto, podemos dizer que foram muito positivas e acreditamos ter cumprido os objetivos propostos. Na EMEF “Nivando Mariano dos Santos”, onde o trabalho foi desenvolvido semanalmente, as crianças esperavam ansiosas pela chegada do Ludibus e equipe. A aproximação das crianças com os graduandos da equipe do Projeto se deu de forma rápida e tranqüila. Através das artes 551 visuais, dos jogos tradicionais e brincadeiras, do teatro, da literatura, as crianças criaram seus trabalhos, mostraram muito de seu mundo e sua cotidianidade. Nas oficinas intituladas “Conhecendo melhor cores e materiais para o trabalho com artes visuais”, as crianças puderam criar seus desenhos livremente e pintá-los com as cores que desejassem. Entre os trabalhos elaborados, chamou-nos a atenção o trabalho de um menino da 2ª série do período da tarde. Seu desenho mostrava um submarino azul envolvido por um fundo preto e vermelho. Ao explicitar seu trabalho, ele disse que o desenho representava a guerra e a poluição do planeta Terra. Outra criança desenhou a casa na qual iria morar no futuro. Mas disse que não sabia se iria colorir seu desenho. Perguntado sobre o porquê de não colori-lo, a criança respondeu que “meu pai briga com a minha mãe e isso não é alegre!” A criança complementou sua argumentação dizendo que a alegria é colorida e, portanto, se não estamos alegres, o desenho também não deve ser tão colorido. Podemos perceber, através destes dois exemplos, o quanto as crianças falam de si, de seu mundo, de suas idéias através das obras que criam. Os temas, as formas e cores que utilizam relacionam-se com seus anseios, sonhos, medos e decepções cotidianas. Outra questão importante que surgiu no processo de análise do trabalho desenvolvido diz respeito à forma como as crianças negras se representaram nos auto-retratos da oficina intitulada “Quem sou eu?”. Em duas salas de aula, de quinze crianças negras, apenas duas representaram nos desenhos suas características físicas. As outras crianças utilizaram cores rosadas ou amareladas para representarem sua cor e uma das crianças representou-se com cabelos loiros e lisos. Esta situação indica que o que prevalece na mídia e na cotidianidade do povo brasileiro é o padrão de beleza europeu, que leva crianças a negarem suas próprias características, desejando outras consideradas mais interessantes e aceitáveis. Esses dados podem fornecer pistas para um trabalho educacional preocupado e comprometido com as questões raciais. Em outra oficina, intitulada “A mandala”, na qual as crianças receberam uma folha contendo um círculo simbolizando a mandala, as crianças desenharam na parte de dentro do círculo as coisas que consideravam boas em suas vidas e fora do círculo tudo o que consideravam ruim. As crianças desenharam dentro do círculo casas, bichos de estimação, pessoas que consideravam importantes, a escola, que apareceu em vários desenhos e o ônibus do Projeto Ludibus. Fora da mandala as crianças desenharam armas de fogo, cenas de violência, em que uma pessoa apanhava de outra, cenas de guerra, colegas de quem não gostavam, entre outras coisas. Algumas desenharam cruzes e próximas a elas escreveram a palavra morte. Chamou-nos a atenção o desenho de uma menina: dentro da mandala ela desenhou o ônibus do Projeto Ludibus e um menino de boné, com uma grande pinta no rosto. Fora do círculo da mandala ela desenhou o mesmo menino deitado e uma cruz ao seu lado. Dialogando com a criança, ficamos sabendo que o menino era seu irmão, que morreu assassinado em outra cidade. Ela disse que gostaria que seu irmão tivesse conhecido o 552 Ludibus. Outra criança desenhou dentro do círculo um cigarro e disse à equipe que seu pai dizia que o cigarro era bom. Uma criança desenhou o Ludibus fora do círculo da mandala, explicitando através do desenho que não gostava do Projeto. As crianças também criaram e improvisaram cenas tendo como tema situações cotidianas e familiares. Os fantoches também ajudaram as crianças a criar situações interessantes e a falarem de si através do jogo projetado, em que a criança faz uso de objetos para jogar dramaticamente (SLADE, 1978). As oficinas revelarama capacidade infantil para criar e comunicar mensagens através da arte e do lúdico. Preocupações com o meio ambiente, com a violência doméstica e urbana, com desentendimentos familiares e desafetos surgiram em seus trabalhos. A violência não está distante, ao contrário, afeta por vezes suas famílias, seus entes queridos. A escola é vista como um ambiente positivo e isso tornou-se perceptível nas conversas e desenhos das crianças. Ao desenharem em grupos no papel manilha o bairro em que moravam, a escola geralmente aparecia no centro dos desenhos, pintada com cores vibrantes. Nas mandalas a escola também apareceu dentro do círculo, representada como algo bom para suas vidas. Perguntadas sobre qual o lugar onde mais brincavam, várias crianças responderam que era na escola, e não em casa ou na rua. Nas outras escolas e no PIC, programa cultural ligado à Secretaria de Cultura de Marília do qual participamos, as crianças também revelaram muito de seus gostos e potencial criativo através do trabalho realizado, apesar do menor contato com o Projeto. Numa das edições do PIC, conversamos longamente com um menino de 10 anos que disse ser apaixonado por desenho e passou boa parte da tarde dentro do ônibus, folheando os livros de História da Arte. Quanto ao impacto e aceitação do Projeto por parte de professores e profissionais da educação, podemos afirmar que houve uma boa participação dos mesmos junto ao trabalho desenvolvido. Muitas professoras participaram das ações, contribuíram com idéias, e a grande maioria esteve presente durante as oficinas. Houve casos em que algumas professoras permaneceram com a turma, sem interferir no trabalho desenvolvido pela equipe. Apenas em uma escola visitada houve duas professoras que deixaram as salas enquanto a equipe do Projeto desenvolvia as atividades. Para o ano de 2007 pretendemos continuar com o trabalho fixo na EMEF “Nivando Mariano dos Santos”, desenvolvendo atividades em consonância com o trabalho artístico da escola, que estará voltado para a Literatura Infantil. Pretendemos estabelecer também uma outra parceria fixa em uma escola municipal de educação infantil da cidade, realizar visitas a várias escolas públicas e dar continuidade à nossa parceria com a Secretaria de Cultura da cidade através de nossa participação no PIC. 553 4. CONCLUSÃO Durante os últimos dois anos, o Projeto Ludibus desenvolveu seu trabalho junto às escolas e à comunidade do município de Marília buscando parcerias para novas atividades e integração com trabalhos que estão em consonância com os objetivos do Projeto. Nossa visão sobre o lúdico liga-o à cultura e, consequentemente, à educação. A arte sempre foi tratada dentro do Projeto como linguagem criadora, comunicante, viva. Sua função é por nós entendida como dialética. As linguagens artísticas visam instigar, provocar, levar ao conhecimento e à reflexão. As crianças não receberam nada pronto, acabado. Ao contrário, foram instigadas a criar, a dialogar, a refletir sobre si e sobre o mundo que as cerca. Nosso trabalho buscou demonstrar a importância da arte e do lúdico para o desenvolvimento infantil, unindo e relacionando ensino, pesquisa e extensão. Através do ensino e da extensão, pesquisas foram geradas. E através do debruçar-se sobre a prática e atividades realizadas, buscamos aperfeiçoar o trabalho desenvolvido. Hoje também possuímos um considerável acervo do trabalho realizado, com amostras das obras das crianças, fotos e registros das atividades desenvolvidas. Parte desse trabalho pode ser vista na página do Projeto Ludibus, presente no site da FFC-UNESP de Marília. Concluindo, podemos dizer que o Projeto Ludibus é um exemplo palpável de como se pode utilizar o que a infância tem de mais precioso: a imaginação, que garante o prazer de se desenvolver atividades lúdicas e artísticas significantes. “O sonhar e o brincar não necessitam de muito: a idéia e a possibilidade são o essencial” (RODRIGUES, 2000, p. 60). 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter. Reflexões: A criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte/Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SE, 1997. CORDEIRO, Ana Paula. Oficinas de Teatro da UNATI-UNESP de Marília: a arte e o lúdico como elementos libertadores dos processos de criação da pessoa idosa. Marília, 2003. 200 p. Tese (Doutorado em Educação)- Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista, 2003. FISCHER, E. A necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1990. 2.ed. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2000. LABAN, R. Domínio do Movimento. Ed. organizada por Lisa Ullman. São Paulo: Summus, 1978. LOPES, Felipe. Quem é você? Arte – educação e o imaginário infantil. Marília, 2006. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Pedagogia. (monografia)- Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2006. 554 LOWENFELD, V. A criança e sua arte - um guia para os pais. São Paulo: Mestre Jou, 1977. SLADE, Peter. O Jogo Dramático Infantil. (Tradução de Tatiana Belinky). São Paulo: Summus, 1978. SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1979. RODRIGUES, Rejane Penna. (Org.) Brincalhão: uma brinquedoteca itinerante. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 64.
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