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ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA

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LIPÍDIOS 
 
Do ponto de vista biológico, os lipídios são essenciais para a sobrevivência humana. Eles 
contribuíram fundamentalmente para a evolução das espécies, tanto pelo seu papel biológico 
quanto estratégico, no que se refere ao seu conteúdo calórico ou ao aumento da durabilidade de 
alimentos com alto teor desse nutriente. 
Uma das funções dos lipídios recentemente descoberta refere‐se ao seu papel como componente 
principal da grande massa tecidual que respondia pela manutenção sistêmica da vida de seres 
como a drosófila. Conhecido como “corpo gorduroso” e representando mais de 80% do corpo do 
inseto, esse tipo de tecido adiposo ancestral era responsável por funções como manutenção 
energética e hormonal, mas principalmente pelo controle do sistema imune. Com a evolução, o cru‐ 
zamento entre espécies resultou na especialização desses sistemas descritos, separando essas 
funções. Com isso, diferentes espécies começaram a apresentar sistemas isolados responsáveis 
por controle energético, circulatório, linfático, imunológico, entre outros. 
 Em tempos modernos, com o avanço da ciência da nutrição, houve a compreensão de que os 
lipídios apresentavam estrutura complexa e não poderiam ser tratados de forma generalizada. 
Nesse sentido, os lipídios foram sistematizados em “famílias”, de acordo com o tamanho de suas 
cadeias carbônicas. Sua unidade fundamental é chamada de ácido graxo e, portanto, surgiram os 
termos ácidos graxos de cadeia curta (2‐4 carbonos), média (6‐12 carbonos), longa (14‐20 
carbonos) e muito longa (>22 carbonos). 
Posteriormente, foi notada a presença de uma ou mais duplas ligações (insaturações) entre essas 
cadeias carbônicas, o que culminou em nova nomenclatura para os ácidos graxos, 
consecutivamente chamados de ácidos graxos mono (uma insaturação) ou poli‐insaturados (duas 
ou mais insaturações). 
 
Ácidos Graxos De Cadeia Curta 
 
Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), quimicamente, são ácidos carboxílicos que apresentam 
uma pe- quena cadeia alifática. Essas moléculas possuem de um a quatro átomos de carbono em 
sua estrutura, conforme mostrado na Figura 9.1.1 
 
Figura 9.1.1 
 
 
Produção dos ácidos graxos de cadeia curta 
Os AGCC são gerados durante o metabolismo de li- pídios e carboidratos (produção endógena) e 
no trato gastrintestinal, principalmente no cólon, durante a fer- mentação bacteriana de carboidratos 
e proteínas (produ- ção exógena). Embora esta última seja a principal fonte de AGCC ao organismo 
em certas condições, incluindo jejum prolongado, intolerância à glicose e diabete melito, nas quais 
há um aumento considerável da oxidação de ácidos graxos, e após ingestão de álcool (aumento de 
10 vezes na concentração de acetato no sangue), a via endó- gena contribui de maneira importante 
para as concen- trações plasmáticas desses compostos.2-4 
Os AGCC são gerados em grandes quantidades no trato gastrintestinal, principalmente no cólon, 
pela ação de bactérias da microbiota intestinal. Estas últimas utilizam carboidratos não digeríveis 
pelas enzimas in- trínsecas do organismo, incluindo polissacarídeos e oli- gossacarídeos como 
fontes de energia pelo processo de fermentação. Além disso, carboidratos simples e aminoá- cidos 
que não tiverem sido absorvidos nas porções ante- riores do intestino também são utilizados pelas 
bactérias intestinais.5 
 
PRINCIPAIS EFEITOS ATRIBUÍDOS AOS AGCC 
 
Além de constituírem fonte energética importante para diferentes células do organismo, os AGCC 
também modificam a função de diversos tipos celulares e tecidos, conforme ilustrado na Figura 9.2. 
 
 
Figura 9.2 Principais ações dos ácidos graxos de cadeia curta. AGCC: ácidos graxos de cadeia curta. 
 
Efeitos no trato gastrintestinal 
Os AGCC apresentam efeitos importantes no trato gastrintestinal. Esses compostos são 
importantes para a manutenção da integridade das células epiteliais que de- limitam o intestino. 
Além de constituírem fonte de ener- gia para essas células, os AGCC também induzem proli- 
feração das células epiteliais normais do cólon e a morte por apoptose de células mutadas 
(neoplásicas). Esses compostos também regulam a permeabilidade intestinal, favorecendo a função 
de barreira exercida pelas células que recobrem o intestino e impedem a entrada de com- postos 
prejudiciais ao organismo, como o lipopolissaca- rídeo (LPS), componente de bactérias Gram-
negativas.19 Ainda no trato gastrintestinal, os AGCC regulam a moti- lidade intestinal e o fluxo 
sanguíneo e contribuem para a manutenção do pH (acidificação) e para a absorção hídri- ca e de 
sais.1 Esse primeiro efeito pode ter relevância na proteção do organismo contra infecções 
bacterianas. 
A secreção de hormônios como peptídeo YY (PYY) e peptídeo semelhante ao glucagon (GLP) por 
células enteroendócrinas presentes no trato gastrintestinal é indu- zida pelos AGCC.20,21 Vale 
ressaltar que esses hormônios têm ações importantes no controle da ingestão alimentar e do gasto 
energético e podem ser relevantes para os efei- tos metabólicos dos AGCC (descritos a seguir). 
 
Efeitos sobre o sistema imune e a inflamação 
Os AGCC também apresentam efeitos sistêmicos importantes, incluindo ações sobre os sistemas 
imune e nervoso, além de tecidos e órgãos metabolicamente re- levantes como fígado, tecido 
adiposo e músculo esquelético. 
Sabe-se que os AGCC modulam a diferenciação, a proliferação, o recrutamento, a ativação e a 
função efetora de células envolvidas na resposta imune.22 A seguir são ressaltados alguns dos 
principais efeitos desses compostos. 
Os AGCC têm efeitos anti-inflamatórios que decor- rem da inibição da produção de mediadores 
inflamató- rios por células como macrófagos, monócitos e neutrófilos. Essas células, uma vez 
ativadas por moléculas microbianas (MAMP, padrões moleculares associados a micro-orga- 
nismos) ou liberadas após dano celular (DAMP, padrões moleculares associados ao dano), 
produzem grandes quan- tidades de moléculas, incluindo citocinas como o fator de necrose tumoral 
alfa (TNF-alfa), as interleucinas (IL) 1 e 6, quimiocinas (p. ex., Cxcl-1 e Cxcl-2), óxido nítrico (NO), 
entre outras. Esses mediadores atuam em conjun- to, recrutando e ativando leucócitos e 
amplificando a res- posta inflamatória.22 
Os AGCC, principalmente propionato e butirato, re- duzem a produção desses mediadores, o que 
decorre, em parte, conforme discutido adiante, de suas ações sobre a ativação do fator de 
transcrição NF-kB (fator nuclear kappa B). Além disso, os AGCC também modificam a produção de 
eicosanoides, que são moléculas lipídicas, como as prostaglandinas e os leucotrienos, derivadas 
da metabolização do ácido araquidônico por enzimas como a ciclo-oxigenase e a lipoxigenase. 
Nesse sentido, de- monstrou-se que o butirato modula a síntese e a secreção de prostaglandina E2 
e outros eicosanoides, incluindo o leucotrieno B4 e o tromboxano B2, efeito que pode ser relevante 
no controle da inflamação.23,24 Os mecanismos envolvidos nos efeitos dos AGCC sobre a 
produção de ei- cosanoides ainda não foram totalmente esclarecidos. Há indicações na literatura 
de que os AGCC atuem tanto via receptores acoplados à proteína G (GPCR, G-protein cou- pled 
receptors – efeito inibido por toxina pertussis)24 quanto via modulação da expressão de enzimas 
funda- mentais na geração desses mediadores, como a ciclo-oxi- genase 2, o que pode decorrer da 
ação sobre histonas de- sacetilases,23 conforme descrito adiante. 
Quanto ao recrutamento de leucócitos, sabe-se que os AGCC podem tanto aumentar quanto 
diminuir a mi- gração dessas células e, particularmente, de neutrófilos para os locais de inflamação. 
Isso se deve, em parte, ao fato de que os AGCC têm efeito quimioatrativo por inte- ração direta com 
GPCR presentes na membrana dos leu- cócitos (como o GPR41 e o GPR43), e também podem 
controlar o influxo de leucócitos via seus efeitos na produção de mediadores inflamatórios ou na 
expressão de moléculas de adesão nas células endoteliais.22 
Os AGCC inibem a proliferação e modificamo processo de diferenciação de linfócitos T, células 
envolvidas na resposta imune adaptativa, em resposta a estímulos como a concanavalina A e o 
anticorpo anti-CD3, bem co- mo reduzem a produção de citocinas, como a IL-2, a qual é essencial 
à resposta proliferativa de linfócitos. Nesse sentido, recentemente, diferentes grupos de 
pesquisado- res demonstraram que os AGCC têm papel relevante na geração e função de células 
T regulatórias (Treg) no sistema imune associado ao intestino.25-27 Vale ressaltar que as células 
Treg têm papel essencial na manutenção da homeostase do organismo por regularem a resposta 
imune e inflamatória. Além disso, em outro trabalho, os autores sugerem que os AGCC, via suas 
ações em células dendrí- ticas e macrófagos, reduzem a diferenciação de células T auxiliares em 
células Th2 e, dessa maneira, influenciam o desenvolvimento e a intensidade de alergias no trato 
res- piratório e, possivelmente, outras doenças que cursam com esse tipo de resposta.28 
Há indicações na literatura de que os AGCC também modificam funções efetoras de leucócitos, 
incluindo fagocitose, produção de espécies reativas de oxigênio e des- truição de micro-organismos, 
o que sugere um efeito imunossupressor. Contudo, mais estudos são necessários para investigar 
as ações dos AGCC sobre células do siste- ma imune durante processos infecciosos. 
 
Efeitos sobre o metabolismo energético 
Os AGCC afetam o metabolismo energético e podem ser relevantes tanto para o desenvolvimento 
quanto para a redução do risco da obesidade, da resistência à insulina e do diabete. 
Os AGCC têm efeitos benéficos em modelos experimentais de resistência à insulina secundária à 
obesidade. 
Nesse contexto, mostrou-se que a administração de AGCC, juntamente com a ração ou oralmente 
de maneira contínua (adição na água dos animais) ou não (administração da pró-droga de butirato, 
tributirina, três vezes por semana) a animais que ingerem dietas obesogênicas, faz que eles ganhem 
menos peso, protegendo-os do desenvolvimento de várias alterações associadas à obesidade, 
incluindo esteatose hepática, inflamação crônica e resistência à insulina. Efeitos biológicos têm sido 
relacionados a essa ação protetora dos AGCC, incluindo aumento do gasto energético e da 
oxidação de lipídios, inibição da inflamação associada à obesidade e produção de hormônios 
gastrintestinais, incluindo o GLP-1, o qual reduz a ingestão alimentar e melhora a tolerância à 
glicose. Alterações da termogênese e da função mitocondrial foram descritas como possíveis 
mecanismos envolvidos no aumento do gasto energético e da oxidação de lipídios pelos AGCC. Em 
camundongos, mostrou-se que o butirato induz aumento de função e biogênese mitocondrial em 
músculo esquelético (efeito que parece decorrer de ativação de vias como AMPK, p38MAPK e PGC-
1 alfa) e aumento da atividade termogênica do tecido adiposo mar- rom.20,29-31 
Recentemente, demonstrou-se que o acetato atraves- sa a barreira hematoencefálica e atua no 
hipotálamo, re- duzindo a ingestão alimentar e o ganho de peso.32 Além desse relato do efeito em 
nível de sistema nervoso central, outros estudos também têm demonstrado que os AGCC regulam 
a atividade do sistema nervoso autônomo. Especificamente, os AGCC produzidos e absorvidos logo 
após a ingestão alimentar aumentam a atividade simpática e, consequentemente, o gasto 
energético. Por outro lado, em situações de jejum prolongado ou em indivíduos dia- béticos, o corpo 
cetônico beta hidroxibutirato interage com os receptores aos quais os AGCC se ligam, reduz a 
ativação simpática e, consequentemente, o gasto energé- tico.33 
Nesse contexto, os AGCC também parecem ser, ao menos em parte, responsáveis pelos efeitos 
benéficos da ingestão de fibras alimentares, as quais constituem subs- trato para a fermentação 
bacteriana e para a formação de AGCC no intestino.14 
 
Ações antitumorais dos AGCC 
Os AGCC, principalmente o butirato, têm ações an- titumorais, as quais têm sido exploradas, 
principalmente, no caso de tumores que afetam o trato gastrintestinal, em particular o cólon. Os 
efeitos do butirato incluem inibição da proliferação e da neoangiogênese e indução da diferenciação 
e da apoptose em células mutadas.34 Vale ressaltar que esses efeitos de inibição da proliferação 
celular são seletivos para células tumorais. Em contraste, as células normais do tecido praticamente 
não são afetadas. Essa seletividade se deve, em parte, às diferenças metabó- licas existentes entre 
as células tumorais e normais. De acordo com Donohoe et al.,35 o butirato aumenta o cres- cimento 
de células epiteliais intestinais por atuar como substrato energético nessas células via betaoxidação 
e ci- clo do ácido tricarboxílico. Esse efeito estimulatório não ocorre em células tumorais em razão 
do butirato não ser metabolizado de maneira eficiente e se acumular no nú- cleo dessas células, 
onde exerce efeitos inibitórios sobre a proliferação celular. 
 
MECANISMOS DE MODULAÇÃO DA EXPRESSÃO GÊNICA POR AGCC 
 
Os efeitos dos AGCC sobre células e tecidos no orga- nismo decorrem, ao menos em parte, da 
ativação de duas principais vias celulares de sinalização: 
§Ligação GPCR, como por exemplo o GPR41 e o GPR43. 
§Inibição das enzimas histonas desacetilases (HDAC). 
Ambos os casos resultam em modificações no pa- drão de expressão gênica, o que culmina em 
efeitos celu- lares. Atualmente, sabe-se que esses mecanismos podem atuar em conjunto e que a 
ativação de um alvo celular pode levar à modulação do outro, como é o caso do GPR43, que pode 
modificar a atividade de HDAC.27 En- tretanto, didaticamente, esses mecanismos serão consi- 
derados separadamente a seguir. 
 
Receptores acoplados à proteína G 
Os AGCC se ligam a GPCR, os quais estão situados na membrana celular e têm como característica 
o fato de apresentarem sete domínios transmembrana e de intera- girem com um conjunto de 
proteínas triméricas chama- das proteínas G. 
As proteínas G têm função essencial na propagação do sinal intracelular mediado pelos GPCR. Nas 
células existem diferentes classes de proteínas G, as quais estão acopladas aos receptores de 
membrana. Essas classes, por sua vez, são distinguidas com base nos efetores em que atuam. As 
principais classes são: 
§Proteínas Gs, que estimulam a adenilato ciclase e, com isso, aumentam a produção de AMPc. 
§Proteínas Gi, que inibem a adenilato ciclase e abrem canais de potássio (diminuem AMPc e 
reduzem o poten- cial de membrana). 
§Proteínas Go, que fecham canais de cálcio (dimi- nuem o potencial de membrana). 
§Proteínas Gt, que estimulam a fosfodiesterase GMPc (diminuem GMPc). 
§Proteínas Gq, que ativam a fosfolipase C, aumen- tando assim a concentração de inositol 
trisfosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG)36 (Figura 9.3). 
 
Figura 9.3 
 
Após a união do ligante ao GPCR, ocorre uma mudança conformacional que causa a ativação da 
proteína G. As proteínas G são triméricas (subunidades alfa, beta e gama), e suas funções 
dependem da dissociação da subu- nidade alfa em relação ao resto da proteína. Na forma tri- 
mérica, a proteína é inativa e permanece ligada ao recep- tor. Com a ativação do receptor, há uma 
alteração conformacional e a guanosina difosfato (GDP) da subu- nidade alfa é substituída por 
guanosina trifosfato (GTP). Com a ligação do GTP, a subunidade alfa se dissocia da proteína e atua 
sobre os diferentes efetores. A duração da ativação da proteína G é controlada pela subunidade 
alfa, a qual possui atividade GTPásica. Quando ela realiza a hidrólise do GTP, a subunidade volta 
a se ligar ao dímero beta/gama. Em certos casos, o dímero beta/gama também pode ser importante 
na ativação dos efetores (Figura 9.3). 
 
 
Figura 9.3 Ativação de vias intracelulares por receptores acoplados à proteína G (GPCR). 
AMPc: adenosina monofosfato cíclica; DAG: diacilglice‐ rol; GDP: guanosina difosfato; GMPc = 
guanosina monofosfato ciclica; GTP: guanosina trifosfato; IP3: inositol trisfosfato (IP3). 
 
Os AGCC são capazes de ativar ao menos três recep-tores do tipo GPCR: o GPR41, também 
conhecido como receptor de ácidos graxos livres-3 (FFAR3), o GPR43 (FFAR2) e o GPR109A. 
Esses receptores diferem na distribuição tecidual, na especificidade de ligante (maior ou menor 
afinidade por determinado AGCC) e na classe de proteína G na qual estão acoplados, conforme 
destacado no Quadro 9.1.1,37 Além disso, diferentes ações dos AGCC têm sido atribuídas a esses 
receptores. 
Quadro 9.1.1 
 
GPR41/FFAR3: receptor 41 acoplado à proteína G/Receptor de ácidos graxos livres‐3; GPR43/FFAR2: 
receptor 43 acoplado à proteína G/Receptor de ácidos graxos livres‐2; GPR109A = receptor 109A acoplado 
à proteína G. 
 
Inibição de histonas desacetilases (HDAC) 
O DNA nuclear encontra-se envolto por uma estru- tura formada por proteínas, as chamadas 
histonas (duas moléculas de cada subunidade H2A, H2B, H3 e H4, des- critas em mais detalhes no 
Capítulo 5). Uma das estra- tégias utilizadas para modificar a expressão gênica em células 
eucarióticas envolve a alteração do estado das histonas, sendo a acetilação e a desacetilação 
dessas pro- teínas mecanismos envolvidos nesse controle.44 
O controle desse processo (acetilação e desacetilação) é realizado por enzimas denominadas 
histonas acetilases ou acetiltransferases (acetilam as histonas) e histonas desacetilases (retiram o 
grupamento acetil das histonas) (Figura 9.4).37 
 
 
Figura 9.4 Regulação do estado de acetilação de histonas. AGCC: áci‐ do graxo de cadeia curta; HAT = 
histona acetiltransferase; HDAC = histona desacetilase. Fonte: adaptada de Kim e Yang.38 
 
A acetilação das histonas, em geral, está associada com aumento da expressão gênica. Com a 
adição do gru- po acetila à cadeia lateral das histonas, ocorre diminuição da interação do DNA com 
essas proteínas em razão da perda da carga positiva (diminuição da afinidade eletros- tática) e por 
impedimento estérico. As consequências dessa modificação (adição de grupo acetil a lisinas das 
histonas) são maior grau de descompactação da cromati- na e favorecimento da ligação de fatores 
de transcrição. Por isso, em geral, a acetilação está relacionada com au- mento de expressão 
gênica, ao passo que a desacetilação (catalisada pelas HDAC) relaciona-se com a redução da 
transcrição gênica. Contudo, essa lógica não se aplica a todos os genes, o que, em parte, decorre 
de outras proteí- nas também terem suas funções reguladas por acetilação/ desacetilação, incluindo 
fatores de transcrição. Fatores de transcrição como o NF-kB também são reversivelmente 
acetilados, processo que modifica as suas funções e ativi- dades.39 
Os AGCC butirato e propionato têm capacidade de inibir a atividade de histonas desacetilases 
(HDAC) e, com isso, aumentar o estado de acetilação de histonas e de proteínas não histonas. 
Efeitos biológicos dos AGCC, como as ações anti-inflamatória e antitumoral, têm sido atribuídos à 
sua atuação inibitória sobre as HDAC.1,22,34 
 
ESTUDOS REALIZADOS COM ADMINISTRAÇÃO DE AGCC OU DE SUAS FONTES 
 
Estudos têm sido conduzidos em animais de experi- mentação e em seres humanos com o intuito 
de determi- nar os efeitos in vivo dos AGCC e de utilizar-se de suas propriedades na redução do 
risco ou no tratamento de doenças. A aplicação tanto dos AGCC isoladamente quan- to em mistura, 
ou de métodos que aumentam sua produ- ção intestinal (incluindo probióticos, prebióticos ou sim- 
bióticos), tem apresentado resultados interessantes em algumas condições clínicas. A seguir estão 
apresentados, resumidamente, os resultados de alguns desses estudos. 
 
Câncer 
Conforme discutido anteriormente, os AGCC, particularmente o butirato, apresentam efeitos 
antitumorais demonstrados por estudos conduzidos in vitro. Dados de estudos epidemiológicos 
também evidenciam possível relação entre os AGCC e redução do risco de determina- dos tipos de 
tumores. Nesse contexto, Bingham et al.40 mostraram relação inversa entre o consumo de fibras 
(fontes de AGCC) e a incidência de câncer colorretal. Outros autores sugeriram ainda que o 
consumo de fibras e, possivelmente, a produção e absorção de AGCC também reduzam a 
incidência ou agressividade de tumore mores intestinais, ainda não há consenso na literatura com 
respeito ao efeito das fibras e dos AGCC. Além dis- so, outro ponto importante a ser considerado é 
que os AGCC são um possível, mas não único, elo entre os efei- tos das fibras sobre a incidência 
de neoplasias. São neces- sários mais estudos para entender melhor essa relação em humanos. 
A aplicação isolada de AGCC, via oral, por meio de enemas ou infusão colônica, foi investigada em 
modelos animais de carcinogênese colorretal. Apesar de alguns trabalhos mostrarem benefícios 
desse tratamento, em ge- ral, há grande variação nos resultados obtidos, o que di- ficulta a sua 
interpretação, além de não haver estudos em seres humanos.43 
Em razão da rápida metabolização do butirato, alter- nativas incluindo análogos/pró-drogas (p. ex., 
tributirina), uso de sistemas de entrega de fármacos como nanopartí- culas lipídicas e, 
principalmente, moléculas sintéticas que atuam seletivamente sobre alvos dos AGCC, como as his- 
tonas desacetilases (p. ex., vorinostat), têm sido exploradas no tratamento de diversos tipos de 
tumores. Nesse contex- to, vale ressaltar os resultados promissores que têm sido obtidos com o 
uso de inibidores de histonas desacetilases no tratamento de diferentes tipos de tumores, incluindo 
linfomas, tumor de próstata, alguns tipos de leucemias, mieloma, entre outros,44 bem como com a 
utilização da tributirina em modelo animal de hepatocarcinoma.45,46 Nesses últimos trabalhos, tem-
se mostrado que a adminis- tração oral de tributirina aumenta a acetilação de histonas e proteínas 
não histonas, incluindo p21 e p53, alterações que podem ser relevantes para a proteção observada 
com esse tratamento. 
 
Doença inflamatória intestinal 
As ações anti-inflamatórias dos AGCC têm sido ex- ploradas em modelos experimentais de doença 
inflama- tória intestinal (DII). As justificativas para a realização desses estudos incluem o fato de 
que pacientes com DII apresentam menores concentrações ou alterações na ca- pacidade de 
metabolização dos AGCC, além disso, esses compostos, conforme discutido anteriormente, têm 
pa- pel fundamental na manutenção das células epiteliais intestinais e apresentam importantes 
efeitos anti-infla- matórios. 
Em camundongos, os AGCC apresentam efeitos protetores em modelos de colite.25,27 Apesar de 
mais estudos em seres humanos serem necessários, observou-se que a aplicação de AGCC na 
forma de enema ou irrigação co- lônica pode ser benéfica no tratamento de alguns casos de colite 
ulcerativa em humanos.47 
 
Obesidade e resistência à insulina 
A administração de AGCC, conforme discutido anteriormente, protege os animais do 
desenvolvimento de obesidade, da resistência à insulina e de outras alterações metabólicas 
secundárias ao maior ganho de peso. 
Esses efeitos têm sido observados não apenas em estudos com administração isolada desses 
compostos, mas também em trabalhos nos quais foram administrados substratos para a geração 
de AGCC no trato gastrintesti- nal (fibras, prebióticos), bactérias (probióticos) que atuam no intestino 
aumentando a produção de AGCC ou ambos (simbióticos).48 Nesse sentido, grupos de pes- quisa 
têm focado seus esforços na identificação dos mecanismos moleculares envolvidos nos efeitos 
desses pro- dutos do metabolismo bacteriano com o intuito de desenvolver novas abordagens para 
a redução do risco ou para o tratamento de alterações secundárias ao ganho ex- cessivo de peso. 
 
Sepse, suas complicações e uso de AGCC na nutrição parenteral 
Estudos têm sido conduzidos no sentido de investi- gar a possível aplicação de AGCC em indivíduos 
com sepse, condição caracterizada por resposta exacerbada e potencialmente fatal do sistema 
imune diante de infec- ção. Embora os estudos tenham sido realizados apenas em modelos animais 
de sepse e endotoxemia, os resulta- dos são animadores. De acordocom Zhang et al.,49 a ad- 
ministração intravenosa de butirato de sódio reduz a mortalidade em animais nos quais se induz 
sepse por li- gação e punção cecal. Nesse estudo, verificou-se redução de danos em órgãos 
importantes como fígado, rins e pul- mões, resultando, consequentemente, em maior taxa de 
sobrevivência dos animais tratados com butirato. Além do efeito protetor da administração 
intravenosa, a ad- ministração oral de butirato de sódio ou de tributirina (triacilglicerol formado por 
três moléculas de butirato ligadas ao glicerol) também protegeu animais contra le- sões teciduais 
decorrentes da administração intravenosa de LPS (modelo de endotoxemia).50 Resultados promis- 
sores também têm sido obtidos com o uso de butirato em modelos experimentais de lesão pulmonar 
aguda decor- rente de sepse. Nesse quadro, a administração de butirato de sódio reduziu o 
recrutamento de leucócitos para os pulmões e, consequentemente, as lesões pulmonares.51 
Em seres humanos, a administração de dieta enteral suplementada com butirato e outros nutrientes 
com ações imunomodulatórias, incluindo glutamina, antio- xidantes e vitaminas, para pacientes com 
diagnóstico de sepse resultou em recuperação mais rápida, apesar de não afetar outros parâmetros, 
como o número e tipo de infecções secundárias e a taxa de mortalidade.52 
Outra possível aplicação dos AGCC que tem sido ex- plorada por alguns grupos de pesquisa é sua 
administra- ção parenteral. Em animais, demonstrou-se que a adição de butirato à alimentação 
parenteral resulta em redução da atrofia da mucosa intestinal e em melhora significati- va da 
imunidade de mucosas, incluindo aumento do nú- mero de linfócitos nas placas de Peyer e das 
concentra- ções de IgA no lúmen intestinal em comparação com animais que receberam dieta 
parenteral sem butirato.53 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Os AGCC são compostos predominantemente ge- rados no trato gastrintestinal durante o processo 
de fermentação bacteriana. Apresentam uma miríade de efeitos que decorrem de ações em 
diferentes alvos celu- lares, incluindo os GPRC (GPR41, 43 e 109b) e as enzi- mas HDAC. Esses 
produtos do metabolismo bacteriano têm ações em diversos tecidos e células, incluindo leu- cócitos, 
células epiteliais intestinais, fígado, tecido adiposo e sistema nervoso. As principais ações que têm 
sido atri- buídas aos AGCC incluem atenuação da inflamação, manutenção da homeostase 
intestinal, regulação do metabolismo e inibição da proliferação de células tu- morais. Apesar de mais 
trabalhos serem necessários, há indicações de que, em razão dessas ações, os AGCC possam ser 
utilizados na redução do risco de doenças inflamatórias e de tumores, bem como do desenvolvi- 
mento de obesidade e suas comorbidades.

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