Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Aline Realce Aprendizagem da Matemática Victor Hugo dos Santos Gois Lilian Aparecida Teixeira © 2019 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidência Rodrigo Galindo Vice-Presidência de Produto, Gestão e Expansão Julia Gonçalves Vice-Presidência Acadêmica Marcos Lemos Diretoria de Produção e Responsabilidade Social Camilla Veiga Gerência Sr. de Produção de Conteúdo Fernanda Migliorança Editorial Renata Galdino Revisão Técnica André Luis Delvas Fróes Rosângela de Oliveira Pinto Thamiris Mantovani CRB-8/9491 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Gois, Victor Hugo dos Santos G616a Aprendizagem da matemática / Victor Hugo dos Santos Gois, Lilian Aparecida Teixeira. – Londrina : Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2019. 200 p. ISBN 978-85-522-1504-2 1. Ensino da Matemática. 2. Aprendizagem da Matemática. 3. Matemática nos anos iniciais. I. Gois, Victor Hugo dos Santos. II. Teixeira, Lilian Aparecida. III. Título. CDD 372.7 Sumário Unidade 1 Introdução à educação matemática ............................................................ 7 Seção 1 Por dentro da história da matemática .............................................. 8 Seção 2 A educação matemática no Brasil ..................................................21 Seção 3 Orientações nacionais para o ensino de matemática ...................34 Unidade 2 O processo de ensino-aprendizagem sobre números e álgebra .............51 Seção 1 Competências gerais e específicas para o ensino de matemática ........................................................................................53 Seção 2 O processo de ensino-aprendizagem sobre números ..................67 Seção 3 O processo de ensino-aprendizagem sobre álgebra .....................81 Unidade 3 O processo de ensino-aprendizagem sobre geometria, grandezas e medidas e estatística e probabilidade ............................................................................................99 Seção 1 O processo de ensino-aprendizagem sobre geometria ..............................................................................101 Seção 2 O processo de ensino-aprendizagem sobre grandezas e medidas ........................................................................................117 Seção 3 O processo de ensino-aprendizagem sobre probabilidade e estatística ......................................................................................133 Unidade 4 Tendências em educação matemática e a interdisciplinaridade .........151 Seção 1 Tendências da educação matemática ..........................................153 Seção 2 O ensino de Matemática e a proposta interdisciplinar .............169 Seção 3 Os temas contemporâneos e a educação matemática ...............183 Palavras do autor Caro aluno, nos anos iniciais do ensino fundamental as crianças têm uma relação positiva com a matemática. Porém, ao longo dos anos escolares, a disciplina passa a ser temida por muitos. É nosso dever, enquanto futuros professores, refletir sobre o que causa essa mudança, para que, futuramente, possamos contribuir para que o gosto por esse compo- nente curricular persista. Nesse sentido, estudaremos ao longo dessa disciplina muitos aspectos que contribuem para um processo de ensino-aprendizagem significativo na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, buscando construir saberes docentes que lhe serão úteis em sala de aula. O conhecimento da história, dos conteúdos, das diferentes metodolo- gias e técnicas de ensino-aprendizagem são fundamentais para fornecer ao docente subsídios necessários a uma condução correta da aprendizagem da matemática nos anos iniciais da educação básica. Na Unidade 1, o foco é conhecer a história da matemática. Assim, discu- tiremos a respeito da natureza e da concepção do que é a matemática, de sua instituição como ciência, de seu objeto de estudo e da relação de sua história e seu ensino. Também aprenderemos sobre o ensino dessa disciplina no Brasil, sobre a natureza da aprendizagem e do ensino de matemática e sobre a produção do conhecimento matemático. Ainda, trataremos dessa ciência na educação básica, e, a esse respeito, veremos o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre os objetivos para o ensino da matemática e sobre as unidades temáticas desse componente curricular. Na Unidade 2, estudaremos as competências gerais e específicas para o ensino de matemática e o processo de ensino-aprendizagem a respeito das unidades temáticas números e álgebra, de acordo com a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Na Unidade 3, ampliaremos o estudo a respeito do processo de ensino- -aprendizagem, abordando, nesse momento, as unidades geometria, grandezas e medidas e probabilidade e estatística, de acordo com a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Na Unidade 4, aprenderemos a respeito de algumas tendências da educação matemática, como a modelagem matemática, a resolução de problemas, a investigação matemática e os jogos e TICs na matemática, abordaremos o ensino de matemática de acordo com a proposta interdisci- plinar, articulando-se com outros componentes curriculares, e estudaremos os temas contemporâneos propostos pela BNCC e as possíveis maneiras de trabalhá-los em sala de aula. A matemática, além de muito interessante, está presente em todo lugar. Você, futuro professor e pedagogo, será responsável por evidenciar e provocar o interesse por ela! Vamos aos estudos? Unidade 1 Lilian Aparecida Teixeira Introdução à educação matemática Convite ao estudo A matemática se desenvolveu, principalmente, a partir das necessi- dades do ser humano com relação a situações com que sempre se deparou no dia a dia. Assim, conforme o tempo passou, a necessidade de contar elementos (frutos ou animais), demarcar territórios ou terrenos (distâncias e áreas), dividir bens e pagar impostos (porcentagens e proporções), entre outras, oportunizou o desenvolvimento de ferramentas matemáticas e, dessa maneira, é necessário citar essa área do conhecimento como fundamental para que isso ocorresse. Com o tempo, surgiam novos desafios e, com eles, a responsabilidade de compartilhar os conhecimentos matemáticos já consolidados e os que ainda necessitavam de estudo e pesquisa. É a partir dessa perspectiva que desenvolveremos o trabalho nesta unidade, buscando ampliar nossa concepção com relação a todos os aspectos que fizeram parte dessa evolução e relacionando-a com contextos de ensino- -aprendizagem. Além disso, a partir desse estudo poderemos conhecer e refletir a respeito da história da matemática e do ensino de matemática. Imagine que você é um professor dos primeiros anos do ensino funda- mental e que ouviu dizer que, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), sua prática deverá ser modificada em alguns aspectos. Assim, para avançar profissionalmente, resolve realizar um estudo aprofundado a respeito da BNCC, aproveitando para revisitar seus conceitos referentes a como a matemática se desenvolveu e o quanto ela está presente em quase todo nosso cotidiano. Você acha que discutir essas questões com os alunos auxilia a despertar o interesse deles pelosconteúdos desse componente curricular? Iniciemos nosso estudo refletindo a respeito da natureza e da concepção do que é a matemática, da sua instituição como ciência, de seu objeto de estudo e sobre a relação de sua história e de seu ensino. Bons estudos! 8 Seção 1 Por dentro da história da matemática Diálogo aberto Você acha que a matemática está presente em nosso cotidiano? Se sim, quais circunstâncias você poderia apontar? Ao longo da história da evolução da humanidade, o homem se deparou com situações que o levaram a desenvolver procedimentos que fossem capazes de solucionar problemas. Ao tratar desse assunto, o mais interessante é que grande parte desses procedimentos deram origem aos conhecimentos matemáticos de nossa atualidade, o que nos leva a pensar em como cada conteúdo se formou ou foi descoberto. Isso faz com que uma lacuna permaneça aberta: a matemá- tica está pronta, e acabada ou ainda há o que descobrir/desenvolver? Essa linha de discussão nos permite averiguar a matemática como uma ciência, que pode ser definida tanto como um processo quanto como um produto. De qualquer maneira, suponha que você, futuro professor, perceba que seus alunos não entendem o que é a matemática, que não percebem que ela é uma construção humana, que não está pronta e acabada. Que estratégia você utilizaria para trabalhar essas ideias de maneira a levá-los a compreender que a matemática está presente em nosso cotidiano e que faz parte de nosso dia a dia? Ainda nessa vertente, devemos nos questionar: • Como podemos abordar a história da matemática de modo adequado na educação básica, já que os alunos ainda estão iniciando a construção do seu conhecimento matemático? • Você acha que conhecer a história da matemática pode corroborar com o interesse dos alunos? De que maneira? • Devemos definir, para eles, o que é ciência? E, portanto, explicar como a matemática pode ser compreendida como tal? • Como trabalhar os conteúdos matemáticos levando todos estes aspectos em consideração e buscando uma transposição didática satisfatória, ou seja, que os leve a enxergar a matemática como parte do nosso dia a dia e como ferramenta útil para a evolução da humanidade sem tratá-la de modo abstrato no contexto de ensino dos anos iniciais? Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce 9 • Como trabalhar os conteúdos levando todos esses aspectos em consi- deração e tomando cuidado com a transposição didática, ou seja, como levar os alunos a enxergar a matemática como parte do nosso dia a dia e como ferramenta útil para a evolução da humanidade sem tratá-la de modo abstrato ao considerar os anos iniciais? Vamos, então, iniciar nosso estudo e nos aprimorar enquanto futuros professores. Bons estudos! Não pode faltar Iniciaremos nossos estudos refletindo a respeito da natureza e da concepção do que é a matemática, de sua instituição como ciência, de seu objeto de estudo e da relação de sua história e de seu ensino. Esses assuntos são de suma importância para fundamentar a discussão sobre a aprendizagem da matemática na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, já que muitos pesquisadores, educadores e filósofos defendem que a concepção do que é a matemática se relaciona de maneira intensa com o processo de ensino-aprendizagem desse componente curricular. Ao pretender fazer-se um cômputo geral da Matemática que revele os seus factores essenciais e explique como é que os seres humanos são capazes de a fazer, torna-se difícil organizar os diversos aspectos num todo coerente. De facto, a simples pergunta “afinal o que é a Matemática” tem sido, ao longo dos tempos, objeto de diversas tentativas de resposta. E os problemas acentuam-se quando se pretende identificar os objetos das suas teorias. A Matemática é o conhecimento de quê? Esta questão filosófica, apesar de ser tão antiga quanto esta ciência, tem gerado, desde sempre, inúmeras controvérsias. (PONTE et al., 1997, p. 1) A palavra matemática vem da palavra grega matemathike e signi- fica “aquilo que se pode aprender”. De modo geral, ela é considerada uma linguagem, um instrumento e uma atividade. Além disso, a sistematização do conhecimento que atualmente chamamos de matemático se iniciou com a necessidade de definir a matemática como uma ciência. Aline Realce 10 A busca de fundamentos para estruturar a Matemática com o rigor de uma Ciência iniciou-se com os gregos, mais especificamente com Platão, que tinha os objetos matemá- ticos como ideais e concebia que estes eram acessíveis à mente humana apenas pelo conhecimento. Para ele, os objetos matemáticos eram repletos de perfeição e verdade. O homem deveria esforçar-se para conhecê-los e, conhe- cendo-os, evoluir. (MONDINI, 2009, p. 21) Aristóteles, entretanto, pensava o contrário. Para ele, o homem não desco- briu a matemática, ele a construiu. O filósofo acreditava que a existência da matemática dependia do homem, e podia ser acessada por meio dos conhe- cimentos e sentidos. Para exemplificar as divergências entre os raciocínios de Aristóteles e de Platão, podemos pensar em uma situação análoga: o universo já seguia as leis de Isaac Newton quando ele as enunciou. Então, Isaac Newton criou as leis ou ele as descobriu? Após refletirmos sobre esse questionamento, a divergência entre as concepções de Platão e de Aristóteles passa a fazer mais sentido para nós. Afinal, parece que as duas são corretas e ao mesmo tempo distintas. Reflita Aproveitando o momento, devemos nos questionar com relação à nossa própria concepção sobre a natureza da matemática. Nesse sentido, leia a pergunta a seguir e reflita. Você pensa que a matemática foi criada ou foi descoberta? Por quê? Suas reflexões colaborarão para seu pensamento a respeito de matemá- tica e refletirá em sua prática docente! São perguntas como essa que levam os teóricos e filósofos a seguirem diferentes perspectivas quanto a considerar a matemática como ciência e, por isso, na literatura, há diversas controvérsias. Fajardo (2017, p. 9), por exemplo, diz que: A matemática não é uma ciência, propriamente, mas, sim, uma linguagem. Seus objetos de estudo não são reais, concretos, palpáveis, mas são abstratos, padrões estabele- cidos pela mente humana que permeiam todas as ciências. Em certo sentido, portanto, a matemática pode ser vista https://d.docs.live.net/a9c71e1421174112/Área de Trabalho/U1S1_aprendizagem_da_matemática_elaborando.docx#tituloExemplificando Aline Realce Aline Realce Aline Realce 11 como uma forma de falar sobre esses objetos abstratos de maneira clara, para podermos entendê-los, desenvolvê-los e utilizá-los melhor. No entanto, a matemática sofreu reestruturações e evoluções ao longo do tempo e ainda está em construção, o que nos permite chamá-la de ciência, já que o National Research Council (NRC) – Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos – define que ciência é tanto um processo quanto um produto. Ou seja, compreende tanto o conhecimento sobre determinado assunto quanto o processo a partir do qual esse conhecimento constrói-se, amplia-se e refina-se (NRC, 2007). Assimile Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) se refere à matemática “[...] como uma ciência hipotético-dedutiva, porque suas demonstrações se apoiam sobre um sistema de axiomas e postulados, é de fundamental importância também considerar o papel heurístico das experimentações na aprendizagem da Matemática” (BRASIL, 2017). É necessário dizer que considerar o papel heurístico significa utilizar a matemática para descobrir e/ou investigar fatos, permitindo, inclusive, que o aluno aprenda por ele mesmo. Dessa maneira, podemos considerar a matemática como uma ciência fundamental para a evolução da humanidade e que está presente em diversas situações do cotidiano. Assim, sendo a matemática uma ciência e um componente curricular presente em todas as escolas, devemos pensar em qual é o seu objeto de estudo. Teoricamente,podemos dizer que essa ciência estuda os objetos abstratos, como números, figuras, equações etc. Mas nesse momento devemos nos ater ao objeto de estudo da matemática enquanto componente curricular da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, aos processos de ensino-aprendizagem que envolvem as seguintes unidades temáticas: números, álgebra, geometria, grandezas e medidas e probabilidade e estatística. Com base nos recentes documentos curriculares brasi- leiros, a BNCC leva em conta que os diferentes campos que compõem a Matemática reúnem um conjunto de ideias fundamentais que produzem articulações entre eles: https://d.docs.live.net/a9c71e1421174112/Área de Trabalho/U1S1_aprendizagem_da_matemática_elaborando.docx#tituloExemplificando Aline Realce Aline Realce Aline Realce 12 equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. Essas ideias funda- mentais são importantes para o desenvolvimento do pensa- mento matemático dos alunos e devem se converter, na escola, em objetos de conhecimento. (BRASIL, 2017, p. 266) Tais ideias são consideradas fundamentais porque serão necessárias para a construção do conhecimento matemático dos alunos, já que, para compre- ender os conteúdos dos anos finais do ensino fundamental, bem como do ensino médio e até mesmo do ensino superior, é preciso ter domínio dessas ideias, ou seja, compreender seus conceitos e como eles se aplicam. Ao longo de nosso estudo, veremos diversas articulações entre os campos da matemá- tica, denominados atualmente como unidades temáticas, mas podemos, nesse momento, fornecer um exemplo de relação, como de números e álgebra. Por exemplo, para avançar em sua aprendizagem matemática nos anos finais do ensino fundamental quando começar o estudo com a intro- dução de incógnitas e variáveis, é extremamente necessário que os conceitos básicos das operações (adição, subtração, multiplicação e divisão) estejam solidificados, pois eles constituirão a base para os novos conteúdos. De qualquer modo, onde podemos encontrar os objetos matemáticos? Muitos dizem que ela está em toda parte, mas, para enxergá-la, podemos, por exemplo, pensar nas situações cotidianas em que ela é utilizada. Exemplificando A matemática está por toda parte. Nas construções civis, por exemplo, ela é fundamental. Você consegue imaginar como construir uma casa sem utilizar nenhum tipo de cálculo? Simplesmente a construção não seria concluída ou a casa desmoronaria logo após ficar pronta, porque qualquer medida utilizada de modo incorreto abalaria toda a estrutura. E também podemos citar situações triviais, como pagar um boleto bancário, seguir as medidas citadas em uma receita culinária, entre outros. Quando temos algum material manipulável, como o material dourado, é fácil perceber nele alguns conteúdos matemáticos. No entanto, se pedirmos para algumas pessoas, por exemplo, que digam onde está a geometria, perce- beremos algumas dificuldades. Isso porque estaremos tratando de um objeto matemático não visível. A solução, então, seria estabelecer associações, ou seja, citar, por exemplo, objetos de seu dia a dia que lembrem as figuras geométricas espaciais, como uma bola, que tem formato esférico; uma caixa que tem formato de um paralelepípedo; entre outros. A tendência é que ao Aline Realce Aline Realce Aline Realce 13 longo dos anos escolares os alunos passem a relacionar, cada vez melhor, a matemática a situações da vida real. Portanto, os objetos de estudo da matemática são considerados não manipuláveis, mas o processo de ensino-aprendizagem da matemática consiste em relacionar objetos e situações concretas que podem “dar vida” às entidades matemáticas. Pesquise mais Aprofunde seu conhecimento a respeito do objeto de estudo da matemática acessando o artigo indicado a seguir: BORGES, C. C. A Matemática: suas origens, seu objeto e seus métodos. Folhetim de Educação Matemática, Feira de Santana, ano 16/17, n. 155, jul./ago. 2010. Com a intenção de desmitificar a matemática, autores como Mendes (2009), Miguel (1997), Miguel e Miorim (2011), Miguel et al. (2009) e D’Ambrosio (1996) dizem que a história da matemática possibilita demons- trar para os alunos que a matemática foi desenvolvida ao longo dos séculos a partir das necessidades do homem. Além disso, a história da matemática situa os conhecimentos matemáticos como uma forma de manifestação cultural, permitindo que os alunos entendam como se deu a evolução dos conceitos matemáticos. A BNCC argumenta que “[...] é importante incluir a história da Matemática como recurso que pode despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar Matemática” (BRASIL, 2017, p. 296). Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) já propunham que, no ensino de matemática, a história poderia auxiliar no desenvolvimento de atitudes positivas do aluno com relação à matemática bem como permitir um olhar mais crítico para os conteúdos. As primeiras argumentações relacionando a educação matemática e a história da matemática apareceram no fim do século XIX, mas de maneira não intencionalmente voltadas a esse objetivo, “como as manifestações de Felix Klein e Henri Poincaré, respectivamente na obra Elementary Mathematics from an Advanced Standpoint (primeiramente publicada em alemão em 1908) e Science et Méthode (1908)” (MIGUEL; MIORIM, 2002, p. 180). Consideramos que “o uso da história como um recurso pedagógico tem como principal finalidade promover um ensino-aprendizagem da Matemática que busque dar uma ressignificação ao conhecimento matemá- tico produzido pela sociedade ao longo dos tempos” (MENDES, 2009, p. 76). https://d.docs.live.net/a9c71e1421174112/Área de Trabalho/U1S1_aprendizagem_da_matemática_elaborando.docx#tituloPesquiseMais Aline Realce Aline Realce Aline Realce 14 Além disso, Mendes (2009) diz que a história da matemática [...] é uma tentativa de responder às perguntas acerca do processo de construção das informações apresentadas no presente [e que] à medida que passamos a conhecer e compreender o desenvolvimento da sociedade em sua trajetória de transformação aprendemos novos meios de compreender e explicar um mesmo fenômeno. (p. 71) Miguel e Miorim discorrem que a utilização da história da matemática nas aulas auxilia a fazer com que os alunos percebem, por exemplo: (1) A matemática como uma criação humana; (2) as razões pelas quais as pessoas fazem matemática; (3) as necessi- dades práticas, sociais, econômicas e físicas que servem de estímulo ao desenvolvimento das ideias matemáticas; (4) as conexões existentes entre matemática e filosofia, matemática e religião, matemática e lógica, etc.; (5) a curio- sidade estritamente intelectual que pode levar à generali- zação e extensão de ideias e teorias; (6) as percepções que os matemáticos têm do próprio objeto da matemática, as quais mudam e se desenvolvem ao longo do tempo; (7) a natureza de uma estrutura, de uma axiomatização e de uma prova. (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 53) Miguel (1997), ainda, apresenta argumentos a respeito das potenciali- dades pedagógicas da história da matemática: 1º argumento – A história é uma fonte de motivação para o ensino aprendizagem da matemática; 2º argumento – A história constitui-se numa fonte de objetivos para o ensino da matemática; 3º argumento – A história constitui-se numa fonte de métodos adequados de ensino da Matemática; 4º argumento – A história é uma fonte para a seleção de problemas práticos, curiosos, informativos e recreativos a serem incorporados nas aulas de matemática; 15 5º argumento – A história é um instrumento que possibi- lita a desmistificação da matemática e a desalienação de seu ensino; 6º argumento – A história constitui-se num instrumento de formalização de conceitos matemáticos; 7º argumento – A história é um instrumento de promoção do pensamento independente e crítico; 8º argumento – Ahistória é um instrumento unificador dos vários campos da matemática; 9º argumento – A história é um instrumento promotor de atitudes e valores; 10º argumento – A história constitui-se num instrumento de conscientização epistemológica; 11º argumento – A história é um instrumento que pode promover a aprendizagem significativa e compreensiva da matemática; 12º argumento – A história é um instrumento que possibi- lita o resgate da identidade cultural. (MIGUEL, 1997, p. 121) A utilização da história da matemática pode ajudar na superação de obstá- culos encontrados em sala de aula no que concerne ao ensino de matemática, como as dificuldades em perceber a utilidade dos conteúdos no cotidiano e os motivos do porquê estudar tais conteúdos. Assim, a história ajuda a explicar esses “porquês”, “desde que possamos incorporar às atividades de ensino-aprendizagem aspectos históricos necessários a solução desse obstá- culo” (MIGUEL et al., 2009, p. 109), o que requer que as informações sejam adaptadas pedagogicamente de acordo com os objetivos desejados. Pesquise mais Veja e se inspire no plano de aula que se encontra no site apresentado a seguir. Ele contém uma atividade que pode ser realizada em sala de aula e que contribui para a elaboração de problemas matemáticos auxiliando no processo de ensino-aprendizagem desse componente curricular. ALTEMARI, E. G. Plano de aula – Criando uma história matemática. Nova Escola, [s.l., s.d.]. Assim, a história da matemática permite que os alunos percebam que os conhecimentos matemáticos não estão prontos e acabados e que eles foram extremamente necessários ao desenvolvimento científico, tecnológico e econômico. Mendes (2009), diz ainda que, https://d.docs.live.net/a9c71e1421174112/Área de Trabalho/U1S1_aprendizagem_da_matemática_elaborando.docx#tituloPesquiseMais Aline Realce 16 A viabilidade de uso pedagógico das informações histó- ricas baseia-se em um ensino de Matemática centrado na investigação; o que conduz o professor e o aluno à compre- ensão do movimento cognitivo estabelecido pela espécie humana no seu contexto sociocultural e histórico, na busca de respostas às questões ligadas ao campo da Matemá- tica como uma das formas de explicar e compreender os fenômenos da natureza e da cultura. (MENDES, 2009, p. 91) Portanto, é necessário que o professor de matemática conheça a história da matemática e a natureza dessa ciência, que constitui a base da engenharia e da informática, pois isso o auxiliará em suas práticas pedagógicas e permi- tirá que alcance um processo de ensino-aprendizagem satisfatório. Sem medo de errar A situação-problema apresentada no início desta seção propôs alguns questionamentos a respeito de como abordar a história da matemática de modo adequado na educação básica, sobre como conhecer essa história pode corroborar com o interesse dos alunos e sobre como trabalhar os conteúdos levando em consideração todos esses aspectos. A partir do nosso estudo, vimos que devemos utilizar a história da matemática nas aulas de modo a desmitificar a imagem de que essa ciência tem um conteúdo pronto e acabado bem como despertar o interesse dos alunos, mas sempre tomando cuidado em fazer uma abordagem correta de acordo com o ano em que se está trabalhando. De qualquer maneira, suponha que você, futuro professor, perceba que seus alunos não entendem o que é a matemática, que não saibam que ela é uma construção humana, que não está pronta e acabada. Que estratégia você utilizaria para trabalhar essas ideias de maneira a levá-los a compre- ender que a matemática está presente em nosso cotidiano e que faz parte de nosso dia a dia? Nesse caso, leve para a aula objetos que lembrem as figuras geométricas, por exemplo. Algumas sugestões são bolas esportivas, embalagens com formato de paralelepípedo (embalagem de creme dental, caixas de sapato, entre outros); também use a internet como recurso para mostrar a eles os mais diversos exemplos em que podemos reconhecer a matemática. Procure imagens de construções famosas, como o Museu do Louvre, que lembra uma pirâmide, e muitas outras. Aline Realce 17 Se ainda assim sentir que eles não percebem a matemática concretamente na sociedade, você pode utilizar questões como as citadas a seguir: • Como você organiza sua renda e seus gastos? Que conhecimentos são necessários para essa organização? • A sua casa, ou apartamento, foi construído por quem? Que saberes esse alguém usou nessa construção? Enfim, são vastos os exemplos. Aproveite-os o quanto for necessário para que os alunos percebam que os conteúdos matemáticos fazem parte de nossa realidade. Um famoso exemplo a respeito da matemática não se tratar de uma ciência pronta e acabada é o teorema de Fermat, lançado em 1627 e cuja demonstração matemática só foi obtida em 1995. Sugerimos a leitura do artigo a seguir para saber mais sobre o tema: MAZZA, J. L. O Último Teorema de Fermat: a trajetória histórica do “enigma”. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Disciplina Fundamentos da Matemática, Graduação em Licienciatura em Matemática). Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. Como professores, devemos sempre buscar por estratégias e recursos didáticos importantes para o processo de ensino-aprendizagem, consultando sites, revistas, periódicos, entre outros. Avançando na prática A matemática ao nosso redor Imagine agora que você é responsável por uma turma de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental e que parte de seus alunos moram com suas famílias na zona rural da cidade, e a outra parte, em zona urbana. Desse modo, de que maneiras você pode fazer com que eles entendam: • Para que serve a matemática? • O que nos motiva a aprender esse componente curricular? 18 Resolução da situação-problema A partir do que vimos até aqui, você pode propor aos alunos que perguntem aos seus familiares de que maneiras eles utilizam a matemática no dia a dia deles. Desse modo, algumas das possíveis respostas de familiares da zona rural, por exemplo, é que a utilizam para determinar o espaço a ser usado para uma plantação, para calcular o tempo de espera da colheita, para decidir por quanto poderão vender o produto que produzirem, ou ainda, para calcular o quanto de ração é necessário para alimentar determinada quantidade de animais e quantas pessoas são necessárias para cuidarem de determinada quantidade de animais de criação. Por outro lado, os familiares que habitam a zona urbana podem responder que utilizam a matemática para determinar a quantidade de cada produto da casa a partir da quantidade de moradores, para determinarem o tempo que gastam na locomoção de casa até o serviço e vice-versa, e, assim, determi- narem o melhor trajeto ou o meio de transporte, entre outras situações. A partir desses apontamentos é possível relacionar com os alunos que a matemá- tica é uma criação humana para resolver problemas e que, até hoje, como visto nos exemplos dados por seus familiares, a matemática ainda serve para isso. Depois é possível propor uma situação-problema para os alunos. Uma opção é pedir que descrevam como os materiais utilizados por eles devem ser organizados no armário da sala, utilizando critérios lógicos. Desse modo, é possível explicar aos alunos que o que nos motiva a aprender matemática é a possibilidade de ela nos ajudar a resolver problemas presentes em nosso cotidiano assim como os alunos fizeram quando propuseram na organi- zação dos materiais. Faça a valer a pena 1. A história da matemática, entre outros recursos, nos auxilia a compreender como os conteúdos matemáticos foram evoluindo e sendo utilizados ao longo da traje- tória da humanidade, contribuindo com o que hoje podemos chamar de construção humana e tecnológica. Nesse sentido, A viabilidade de uso ____________ das informações históricas baseia-se em um ensino de Matemática centrado na _____________; o que conduz o professore o aluno à compreensão do movimento cognitivo estabelecido pela espécie humana no seu contexto sociocul- tural e histórico, na busca de respostas às questões ligadas ao campo 19 da ___________ como uma das formas de explicar e compreender os fenômenos da ____________ e da cultura. (MENDES, 2009, p. 91) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas. a. matemático - investigação - matemática - natureza. b. pedagógico - memorização - matemática - natureza. c. matemático - memorização - história - ciência. d. pedagógico - investigação - matemática - natureza. e. pedagógico - investigação - história - ciência. 2. Utilizar a história da matemática no ensino da matemática em sala de aula pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, pois relaciona o conteúdo com o seu desenvolvimento bem como permite contextualizá-lo melhor a situações do cotidiano. Considerando o contexto apresentado, é correto o que se afirma em: I. A história da matemática é uma fonte de motivação para o ensino e aprendizagem dessa disciplina, capaz de despertar o interesse dos alunos pelos conteúdos. II. A história da matemática é um instrumento que possibilita a desmistificação dessa área do conhecimento, pois contribui para que o aluno perceba que se trata de uma ciência que não está pronta e acabada. III. A história da matemática é um instrumento que pode promover a aprendi- zagem significativa, pois permite que o aluno compreenda que seu enten- dimento só é possível se ele a conhecer de maneira minuciosa, entendendo cada detalhe, mesmo que insignificante, por se tratar de uma ciência que teve início há milhares de anos. Assinale a alternativa correta: a. As sentenças I e II estão corretas. b. As sentenças I e III estão corretas. c. Apenas a sentença I está correta. d. Apenas a sentença II está correta. e. Apenas a sentença III está correta. Aline Realce Aline Realce Aline Realce Aline Realce 20 3. Avalie as seguintes asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I. A matemática é uma ciência hipotético-dedutiva. PORQUE II. As demonstrações da matemática se apoiam em um sistema de axiomas e postulados e, portanto, não é necessário considerar o papel heurístico das experimentações na aprendizagem da matemática. A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta. a. As asserções I e II estão corretas, mas a asserção II não é uma justificativa da asserção I. b. As asserções I e II estão corretas, e a asserção II é uma justificativa correta da asserção I. c. A asserção I está correta e a asserção II está incorreta. d. A asserção I está incorreta e a asserção II está correta. e. As asserções I e II estão incorretas. Aline Realce 21 Seção 2 A educação matemática no Brasil Diálogo aberto Os conhecimentos matemáticos estão presentes em toda a história da humanidade, em diferentes contextos e em diferentes momentos. Estudar a história da matemática permite que o professor compreenda as limitações e possibilidades do conceito e de sua aplicação durante a história e, portanto, que melhore sua prática atual. Da mesma maneira, levar até os alunos o conhecimento dessa história pode promover curiosi- dade e maior interesse dos alunos pelo processo de ensino-aprendizagem dos conceitos matemáticos. A história da matemática deve estar presente no processo de ensino-apren- dizagem em diferentes momentos, de forma significativa e contextualizada. Considerando as informações apresentadas, reflita sobre as seguintes questões: • Como o ensino da matemática se desenvolveu durante a história da educação? • Como a matemática é trabalhada na educação básica? • Você identifica possibilidades de melhoria no ensino dos conheci- mentos matemáticos? Como futuro educador das séries iniciais da educação básica, como trabalhar os conteúdos relacionados à história da educação matemática, à natureza do ensino e da aprendizagem da matemática, à produção do conhe- cimento matemático e à educação matemática na educação básica? Em quais momentos do processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos da matemá- tica a sua história e natureza devem ser destacados e por que são importantes? Bons estudos! Não pode faltar A educação matemática foi reconhecida como área da educação no final do século XIX e início do século XX, época em que, de acordo com D’Ambrósio (1996), ela era sinônimo de boa didática, cumprimento dos programas e da verificação da aprendizagem de conteúdos por meio de exames rigorosos. Aline Realce parei aqui 09-02 22 Ao realizar um levantamento histórico da matemática, componente curricular que até hoje apresenta grande quantidade de alunos com rendi- mento insatisfatório, deparamo-nos também com muitas conquistas brilhantes. Porém, no que concerne às questões relacionadas ao seu processo de ensino-aprendizagem, encontramos muitas situações problemáticas, por exemplo, a ideia de se tratar de uma ciência abstrata e que envolve conteúdos complexos, distantes da realidade de muitas pessoas. Nesse sentido, é preciso ressaltar que, enquanto professores, precisamos buscar maneiras de tornar esse componente curricular mais atraente e, até mesmo, divertido à visão dos alunos, colaborando para o desenvolvimento do interesse por essa ciência. O ensino da matemática tem seu primeiro registro na Grécia Antiga, onde foi entendida como um conhecimento fundamental para formar governantes e filósofos. Com Platão, houve a instituição da matemática como disciplina e, como forma de ensinar as crianças, as seguintes atitudes tinham de ser evitadas: exercícios puramente mecânicos e castigos corporais (MIORIM, 1999). No Brasil, em particular, a situação sócio-política-econômica era difícil e, para que melhorasse, necessitava-se de uma universalização do ensino primário e da instituição de uma maneira de ensino que considerasse a formação do homem como um todo. Antes ainda da Primeira Guerra Mundial, no fim do século XIX, algumas pessoas e, entre elas, o professor Otto de Alencar e Silva (1874-1912), empenhavam-se em levar o Brasil aos patamares mais avançados da produção matemática mundial. Depois de Otto de Alencar e Silva, outros professores – Manuel Amoroso Costa (Rio de Janeiro/RJ, 1885-1928), Theodoro Ramos (São Paulo/SP, 1895-1937) e Lélio Gama (Rio de Janeiro/RJ, 1892-1981) – apoiaram o movimento “[...] em prol da implantação definitiva no Brasil das novas teorias e técnicas matemáticas, bem como da ruptura das estru- turas arcaicas representadas pela ideologia positivista de Comte, no que diz respeito às ciências exatas” (BERTI, 2005, p. 4). No Brasil do início do século XX, houve um aumento acelerado, e sem planejamento, da população urbana, o que ocasionou uma carência de infraestrutura. No meio acadêmico prevaleceria a visão positivista e “para a incipiente burguesia industrial, os ’males brasileiros’ dependiam da resolução dos problemas como o analfabetismo, a falta de patriotismo e o internaciona- lismo” (BERTI, 2005, p. 3). A autoria do termo positivismo é geralmente atribuída ao filósofo Augusto Comte (1798-1857) e é comumente entendida como a linha de pensamento que entende 23 que o conhecimento científico matemático sistemático é baseado em observações empíricas, na observação de fenômenos concretos, passíveis de serem apreendidos pelos sentidos do homem. Não apenas isso, o positivismo é a ideia da construção do conhecimento pela apreensão empírica do mundo, buscando descobrir as leis gerais que regem os fenômenos observáveis. Dessa forma, traba- lham as ciências naturais, como a biologia ou a química, que se debruçam sobre seus objetos de estudo em busca de estruturação das “regras” que constituem as formas de interação entre organismos e seus compostos no mundo biológico observável ou das interações entre diferentes reagentes químicos. (RODRIGUES, [s.d., s.p.]) O período coincide com o início do processo de industrialização no Brasil, surgindo, assim, a necessidade de uma educaçãopara atender ao mercado, formando mão de obra especializada, o que resultou na neces- sidade da demanda do ensino da matemática. Nesse contexto, podemos citar dois importantes professores que defenderam um ensino para toda a sociedade: Júlio César (Rio de Janeiro/RJ, 1895-1974) e Euclides Roxo (Aracaju/SE, 1890-1950). Júlio César criticava a maneira como a matemática era ensinada e, assim, como recurso didático, utilizava a história da matemática e as atividades lúdicas com o objetivo de atingir uma aprendizagem significativa. Euclides Roxo é considerado o responsável pela mudança no ensino da matemática no Brasil no que se refere à unificação das áreas em que tal componente curricular era segmentada: aritmética, álgebra e geometria. Essa mudança foi influenciada pelo movimento internacional de reforma, orientado por Felix Klein (Düsseldorf/Alemanha, 1849-1925). A proposta também trazia uma visão mais moderna dos conteúdos matemáticos, sugerindo a eliminação de “assuntos de interesse puramente formalístico”, de “processo de cálculo desprovido de interesse didático” e introduzindo o conceito de função e noções de cálculo infinitesimal. (MIORIM, 1999, p. 95) Nessa época, a Universidade de São Paulo (USP) foi fundada e foi respon- sável por influenciar o surgimento de muitas outras universidades no país. Nela encontramos o primeiro curso direcionado à formação de professores 24 de matemática, que contou com a colaboração de matemáticos italianos, como Luigi Fantappié (Viterbo/Itália, 1901-1956) e Giacomo Albanese (Geraci Siculo/Itália, 1890-1947). Alabanesse dizia, por exemplo: Nas escolas secundárias, é especialmente recomendável não reduzir o ensino a uma árida exposição de teoremas, de fórmulas ou de relações trigonométricas, frequente- mente inútil e danosa, pois procedendo dessa maneira, a geometria perde sua real importância de ciência viva e fecunda e torna-se inútil receituário vulgar e inconclu- dente. (ALBANESE apud SILVA, 1992, p. 39) A década de 1950 foi caracterizada pelas transformações mundiais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial e pelas confrontações políticas e sociais entre o capitalismo e o socialismo. O Brasil, vivenciando um período de crescimento econômico e de desenvolvimento, encontrava-se em um processo de estru- turação da matemática e de demais componentes curriculares. “Prevalecia o ensino tradicional, a rigorosidade, a memorização e o castigo. Os exames recor- riam à matemática como meio de segregação social” (FERNANDES, 2004, p. 5). Durante a Guerra Fria, época na qual a necessidade de avanço tecnoló- gico, que, com relação à matemática, era considerado fundamental, ocorreu o Seminário de Royaumont, no ano de 1959, realizado em Asnières-sur-Oise, na França, com o objetivo de discutir perspectivas de ensino dessa disciplina. “Foi justamente esse seminário que deu origem à chamada Matemática Moderna, a qual, naturalmente, chegou ao nosso país.” (FERNANDES, 2004, p. 6). Reflita Diante do exposto até o momento, quais avanços o ensino da matemá- tica sofreu ao longo dos citados anos? O I Congresso de Professores de Matemática no Brasil aconteceu em 1955, em Salvador, na Bahia. Nele, discutiu-se a necessidade de repensar o ensino de matemática, seus conteúdos e sua metodologia. Aconteceram mais quatro desses congressos, mas a ênfase ficou com o último, realizado em São José dos Campos, em 1964, com o objetivo de reestruturar o ensino da matemática. Assim, movimentos contrários se manifestaram em favor de uma Matemática que fizesse sentido ao aluno e valorizasse 25 sua cultura e seus conhecimentos prévios. Surge, então, a Educação Matemática com a visão voltada para o novo século. Vislumbrando uma Matemática capaz de colaborar na educação de crianças, jovens e adultos numa sociedade que se torna cada vez mais complexa. (BERTI, 2005, p. 2) De modo internacional, a educação matemática constitui-se como tal nos Congressos Internacionais de Educação Matemática (ICME) e na Comissão Internacional Americana de Educação Matemática (CIAEM). Na década de 1970, influenciados pelo Movimento Internacional da Matemática Moderna, foram escritos livros didáticos e criados muitos grupos de estudo em ensino de matemática. Entre eles, podemos citar o GEEM, em São Paulo, o GEEMPA, em Porto Alegre, o GEMEG e o GEPEM, ambos no Rio de Janeiro. A década de 1980 refletiu as preocupações dos anos anteriores e foi funda- mental para a educação matemática. Nessa época, foram criados muitos cursos e programas de pesquisas nessa linha. A coroação dos esforços dos precursores do movimento da Educação Matemática no Brasil foi concretizada através da criação da SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática, durante o II ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática, em 1988. A gênese da SBEM, segundo o professor Ubiratan D’Ambrosio foi a 6ª Confe- rência Interamericana de Educação Matemática, realizada em Guadalajara, México, em 1985. (FERNANDES, 2004, p. 8) Atualmente, muito se discute, em âmbito nacional e internacional, a respeito da educação matemática. O Brasil tem sido ponto de encontros internacionais de pesquisadores da área. Faz-se necessário dizer que as mudanças exigem tempo e que ideias continuam a surgir, desde os níveis da educação infantil até a pós-graduação. O sucesso e os resultados de tais discussões dependem fundamentalmente da formação dos professores de matemática de todos os níveis de ensino. Com relação aos problemas nos processos de ensino-aprendizagem da matemática, podemos afirmar que são muitos. E as relações estabelecidas nesses processos envolvem três componentes: a matemática, o aluno e o professor. O papel do docente é fundamental e a tarefa de ensinar deve ser sempre pensada como uma maneira de aproximar o aluno e o conteúdo. Aline Realce Aline Realce 26 Acredita-se também que há um paralelismo entre a maneira como o aluno aprende determinado conteúdo e como o homem lidou com ele ao longo dos tempos. Dessa maneira, a história do conhecimento a respeito do conteúdo matemático que se pretende ensinar tem relação direta com o processo pedagógico, ou seja, o processo de aprendizagem. São diversas as atividades interdisciplinares e transdisciplinares da matemática, e o professor, além das diretrizes curriculares e afins, necessita organizar e sistematizar os conteúdos e o tempo, levando sempre em consideração os interesses, as motivações, as dificuldades e as potencialidades. É necessário mostrar aos alunos a origem e a finalidade dos conceitos bem como fornecer experiências que viabilizem aos alunos situações e experiências para adquirirem confiança em seus conhecimentos matemá- ticos. O processo de ensino-aprendizagem relaciona-se diretamente com a expertise do professor. No entanto, no interesse do bom ensino, o professor deve não só saber o que ensinar e como o ensinar, mas também o porquê daquilo que ensina (VASCONCELOS, 2009). Isso acontece porque as convic- ções matemáticas dos alunos formam-se de modo lento, ao longo de um certo período de contato com os conteúdos. Esse contato geralmente ocorre em sala de aula e, assim, o que se faz na aula tem relação fundamental com as concepções dos alunos e suas formas de encarar os conteúdos. Além disso, por conta da interação social ser um fator importante para a aprendizagem, a maneira como os estudantes se relacionam entre si, e também com o professor, reflete em seu aprendizado (ou não) da matemática. Outro fator não menos importante é que, se um aluno tem uma concepção errada a respeito de algum conceito matemático, então os problemas de aprendi- zagem com os conceitos tendem a ser mais complexos. Isso acontece pelo fato de a matemática ser uma cadeia de conhecimentos. Assim, na medida em que a Matemática difere de outras disciplinas, também a sua aprendizagem tem uma natureza diferente. Um exemplo óbvio vem-nos à ideia. Embora a Matemática tenha uma linguagem especial, não é propriamente umalíngua estrangeira. Em Matemá- tica, é preciso mais do que traduzir uma expressão para a linguagem corrente. Por vezes, os alunos não percebem esta diferença e contentam-se quando são capazes de debitar fórmulas e definições em resposta às questões do professor. (VASCONCELOS, 2009, p. 11) 27 Quando o professor apresenta explicações que não fazem sentido aos alunos, eles acabam por criar suas próprias explicações e até mesmo assimilar de modo inadequado, ou seja, o professor de matemática é um elemento- -chave na atividade de mediação dos processos de ensino e aprendizagem dos conhecimentos específicos dessa disciplina. Em sua prática pedagógica, encontram-se embutidos fatores pessoais, sociais e epistêmicos. As características do contexto de vida do educador do contexto de onde a escola se insere e do contexto de vida dos alunos relacio- nam-se de maneira direta com os resultados de ensino e de aprendizagem dos conteúdos matemáticos. As concepções dos professores são objetos de estudo de muitas investiga- ções. Além dessas, é necessário pensar no docente como um profissional que detém ou não o domínio dos saberes curriculares, disciplinares, pedagógicos e práticos que lhe permitem o desempenho de sua função. Assim, é neces- sário levar em consideração a capacidade do docente de analisar os entraves ao longo do percurso, suas próprias concepções e dos alunos bem como a execução e avaliação de projetos pedagógicos, de trabalhos em grupos de estudo e de reflexões sobre as práticas. Além disso, a concepção metodológica que o professor adota referente ao ensino da matemática influencia o processo de ensino e de aprendizagem, pois tem relação com as decisões tomadas na sala de aula, a abordagem dos conteúdos e a ênfase que atribuiu aos temas. Portanto, “mudanças nas concep- ções dos professores sobre a Matemática podem contribuir para mudanças significativas no ensino desta ciência” (VASCONCELOS, 2009, p. 16). Portanto, o que acontece em aula é sempre marcado pelas concepções do professor e do aluno. E as concepções que os professores têm a respeito do ensino e da aprendizagem da matemática, assim como da forma como seus alunos apreendem, interfere nas decisões tomadas quando se planeja o conteúdo a ser lecionado na aula. Nesse contexto, faz-se necessário dizer que é consenso que o conheci- mento matemático, embora tenha se iniciado com base em experiências práticas de contar e de medir, carrega muitos níveis de abstrações e depende muito mais da lógica do que da demonstração experimental. Uma linha central de investigação na Matemática pura consiste em identificar em cada área de estudo um pequeno conjunto de ideias e regras básicas a partir das quais todas as outras ideias e regras interessantes naquela área podem ser deduzidas logicamente. (VASCONCELOS, 2009, p. 5) 28 Conforme a matemática se desenvolveu, notaram-se relações entre as áreas que tinham se desenvolvido separadamente, como as representações de símbolos entre a álgebra e a geometria. Essas relações permitiram alcançar conhecimentos novos em suas áreas separadamente, como o desenvolvi- mento da geometria analítica por René Descartes. O que ocorre é que, geralmente, apenas um ciclo de raciocínio matemá- tico não gera conclusões suficientes. Na produção de conhecimento matemá- tico, o que frequentemente acontece são “saltos” para frente e/ou para trás, ou seja, ajustes e recomeços até que os resultados sejam satisfatórios. Quando se revisa a teoria à luz das novas contribuições, preenchem-se lacunas, exceções etc. de forma a contribuir para a construção de um corpo de conhecimentos mais sólidos – o que não significa que o que existia antes estivesse errado. Segundo Lévy (1993), é a experimentação e a simulação que produzem o conhecimento matemático, ou seja, ao trabalhar com a experiência e a simulação, o sujeito constrói uma forma de intuição e de imaginação. E, conforme as informações avançam, surgem novas habilidades e a cognição evolui. Para ele, nenhum conhecimento se produz se não utilizar as habili- dades intelectuais. Para Steinbring (2005), o conhecimento matemático se produz por meio do contexto social e do processo de interpretação particular, ou seja, ele não existe antecipadamente, mas é elaborado em interações sociais. Dessa maneira, o processo de ensino-aprendizagem de Matemática é uma diver- sidade de construções matemáticas. Assim, para se entender a natureza do conhecimento da matemática deve-se olhar o contexto social no qual se elaboram os sinais e os símbolos. Esse autor diz, ainda, que a matemática escolar e a científica assemelham-se quanto aos contextos sociais, pessoais e epistêmicos e o que as difere é o grau de formalidade de cada uma. [...] Aprender matemática requer olhar a matemática como um processo ativo de construção, o qual, através da inter- pretação interativa dos conceitos e notações matemáticas, se desenvolve um novo conhecimento. A aprendizagem do estudante não pode ser comparada com a do profissional matemático. (BARBOSA, 2011, p. 3) Steinbring (2005) diz ainda que o conhecimento matemático científico não pode ser transferido para a matemática escolar ou vice-versa. Se isso ocorresse, a matemática escolar perderia seu caráter cultural e mediado. Dessa forma, a matemática produzida pelos alunos se difere da produzida de 29 modo científico. “Se o conhecimento matemático (sinais, símbolos, princí- pios, estruturas etc.) puder apenas ser interpretado significativamente a partir de um ambiente cultural específico, então não existe apenas uma simples, mas muitas diferentes formas de matemática.” (STEINBRING, 2005, p. 16). Outro aspecto a ser considerado a respeito da produção do conhecimento matemático é a abordagem visual, muito utilizada nos dias atuais. Guzmán (2002) defende que a visualização é benéfica ao facilitar a apresentação para outros e a manipulação de solução de problemas. Além disso, a visualização é facilitada diante do atual desenvolvimento da tecnologia, com destaque para o uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem. Ao trabalhar com imagens, é possível atingir uma maior assimilação ao ter as imagens, as animações e os sons interpretados pelos alunos de forma mais dinâmica. Exemplificando Na aula de matemática, uma ferramenta muito interessante para auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem é o software GeoGebra, que é de fácil utilização e usado em quase todos os países. Ele permite, além de muitas outras contribuições, a visualização de figuras geométricas planas, o que auxilia no entendimento de conceitos abstratos relativos a conceitos de tais conteúdos. Assim, a importância da visualização na aprendizagem da matemática, [...] surge deste modo, não só como algo absolutamente natural no nascimento do pensamento matemático, mas também na descoberta de novas relações entre objetos matemáticos e, também, no processo de transmissão e comunicação que é próprio à atividade matemática. (GUZMÁN, 2002, p. 2-3) É importante saber quais são as competências matemáticas que os cidadãos do mundo atual necessitam dominar. E mais importante do que isso é a definição de tais competências no formato de objetivos curriculares de ensino e de aprendizagem para a educação básica. Aprender matemática de modo significativo é um direito de todos, e a educação matemática pode contribuir de maneira profunda para a formação de jovens e adultos críticos e confiantes no que diz respeito ao conhecimento 30 matemático. Além disso, devemos considerar a tecnologia do mercado de trabalho, que está totalmente embasada nos conceitos matemáticos. Quando se fala em educação básica, remete-se à divisão dessa etapa em séries iniciais, quando o aluno é alfabetizado matematicamente, e séries finais, quando ele passa a aplicar a matemática em situações mais elaboradas. Em 1990, a UNESCO, na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, indicou a resolução de problemas como um instrumento eficazda aprendizagem matemática, compreendendo seus valores, seus conheci- mentos, suas capacidades e suas atitudes. Isso é, de fato, muito importante, já que o principal objetivo do ensino e da aprendizagem de matemática é desenvolver habilidades para resolver problemas e, assim, colaborar para a formação do aluno, tornando-o um sujeito crítico, capaz de se desenvolver individual e socialmente. Lara (2011) afirma que a matemática é um meio privilegiado para o alcance da racionalidade, da inteligência, do pensamento crítico e do desenvolvimento individual e social do aluno no mundo. Pesquise mais Leia trechos da tese a seguir, a respeito do ensino de matemática na educação básica na perspectiva lógico-histórica, de Maria do Carmo de Sousa. Nela a autora discorre sobre as práticas na maioria dos sistemas escolares e que são vistos sob uma ótica de perfeição. SOUSA, M. C. O ensino de álgebra numa perspectiva lógico-histórica: um estudo das elaborações correlatas de professores do ensino funda- mental. 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. Como última reflexão, podemos afirmar que, enquanto professores, necessitamos refletir sobre o modo como ensinamos a matemática e se estamos atingindo uma aprendizagem significativa, atentos a novas metodo- logias de ensino e de aprendizagem. Sem medo de errar Na situação-problema pedimos que você, como futuro educador das séries iniciais da educação básica, refletisse sobre as possibilidades de como trabalhar conteúdos relacionados à história da educação matemática, à natureza do ensino e da aprendizagem da matemática, à produção do conhe- cimento matemático e à educação matemática na educação básica. 31 Ao longo desta seção, vimos que o ensino de matemática era antes forte- mente tecnicista e pautado na memorização de teoremas e fórmulas. Fatos históricos como a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, influenciaram de maneira significativa o modo como eram entendidos o contexto escolar e os objetivos de ensino da matemática. Com o passar dos anos e após a estruturação a respeito da educação matemática, vimos que se passou a ter uma preocupação maior com o ensino dessa disciplina. Tentativas como o Movimento da Matemática Moderna não foram totalmente satisfatórias, mas foram importantes para mudanças, discussões e reflexões a respeito da educação matemática. Além disso, atualmente, com o advento das tecnologias digitais da infor- mação e comunicação e também como sociedade cada vez mais imersa em tecnologias digitais, o ensino de matemática, assim como o de outros compo- nentes curriculares, passa por mudanças e continua a se modificar. O ensino-aprendizagem de matemática no contexto escolar deve cada vez mais estar imerso em tecnologias digitais e na produção de conhecimentos matemáticos a partir de situações próximas do aluno. Um exemplo da inclusão da história da matemática nas aulas de matemá- tica seria, ao estudar o sistema de numeração decimal, apresentar aos alunos ou propor que pesquisem como povos antigos faziam para contar e registrar quantidades, incluindo também os indígenas de nosso país. Assim, os alunos podem perceber como o sistema de numeração decimal surgiu, a partir das necessidades e como resolução de problemas das pessoas. Por fim, sempre que possível, devemos associar o conteúdo matemático que está sendo trabalhado com a sua história, mostrando o seu desenvolvi- mento, de maneira a tornar o processo de ensino-aprendizagem mais signifi- cativo. Isso é importante porque leva o aluno a entender a matemática como uma ciência que não está pronta e acabada, mas que ainda pode se desenvolver. Avançando na prática Representações de operações básicas entre a aritmética e a geometria Conforme a matemática se desenvolveu, notaram-se relações entre as áreas que tinham se desenvolvido separadamente, como a representações de 32 operações básicas entre a aritmética e a geometria. Essas relações permitiram alcançar conhecimentos novos em suas áreas separadamente. Assim, imagine que você é um professor dos anos iniciais do ensino fundamental, que deseja realizar uma atividade para a aprendizagem aritmé- tica de operações entre frações e quer relacionar o conteúdo aritmético com uma abordagem também geométrica desse conteúdo. De que maneira seria possível explorar um mesmo conteúdo nessas duas unidades temáticas diferentes (aritmética e geometria)? Resolução da situação-problema Na aritmética há o ensino de algoritmos para realizar adições entre frações, enquanto na geometria é possível relacionar frações a partes de uma figura plana, por exemplo. Desse modo, é possível estabelecer relações entre as duas áreas investigando com os alunos uma régua de frações. Desse modo, é possível explorar que frações os alunos obtêm juntando réguas que representam a mesma fração (frações com denominadores iguais) e o que acontece quando se juntam réguas de tamanhos diferentes (frações com denominadores diferentes). Faça a valer a pena 1. A educação matemática é o estudo de relações de ensino e de aprendizagem da matemática. É considerada uma área interdisciplinar que usa teorias de outros campos teóricos, como a sociologia, a psicologia, a filosofia etc. A educação matemática não se reduz à análise dos meios para construírem conhecimentos previamente estabele- cidos, mas também problematiza e reflete sobre o próprio conhecimento matemático. Segundo o estudo realizado a respeito da instituição da matemática, é correto afirmar que ela: a. Se formou na Grécia Antiga, quando surgiu a preocupação com o ensino da matemática. b. Foi reconhecida como área no fim do século XIX e início do século XX, buscando um ensino significativo. c. Foi reconhecida como área após a Primeira Guerra Mundial, quando preci- savam de mão de obra qualificada para trabalhar. d. Foi reconhecida no século XXI, com o avanço da tecnologia. e. Foi reconhecida após o avanço de cursos de pós-graduação no Brasil. 33 2. É consenso que o conhecimento matemático, embora tenha início em experi- ências práticas de contar e de medir, tem muitos níveis de abstrações e, atualmente, depende muito mais da lógica do que da demonstração experiencial. Nesse contexto, podemos afirmar que o conhecimento matemático: I. Provém somente da experimentação e da simulação. II. Só é compreensível para pessoas com elevada capacidade intelectual. III. E sua assimilação dependem do contexto social e do processo de interpre- tação particular. Assinale a alternativa correta. a. Apenas as sentenças I e II estão corretas. b. Apenas as sentenças I e III estão corretas. c. Apenas a sentença I está correta. d. Apenas a sentença II está correta. e. Apenas a sentença III está correta. 3. Avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I. A primeira Guerra Mundial acendeu a necessidade de transformações na arte, na ciência e na educação. E, no que concerne à arte, romperam-se os velhos costumes culturais e ela entrou em harmonia com o mundo moderno. Porém, no Brasil, isso não aconteceu. PORQUE II. O Brasil estava ocupado à época com questões mais elementares, como a universalização do ensino primário e, para que avançasse, necessitava-se de uma forma de ensino que considerasse a formação do homem como um todo. A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta. a. As asserções I e II estão corretas, mas a asserção II não é uma justificativa da asserção I. b. As asserções I e II estão corretas, e a asserção II é uma justificativa correta da asserção I. c. A asserção I está correta e a asserção II está incorreta. d. A asserção I está incorreta e a asserção II está correta. e. As asserções I e II estão incorretas. 34 Seção 3 Orientações nacionais para o ensino de matemática Diálogo aberto Nas seções anteriores, estudamos a natureza e a história da matemática bem como os processos de produção do conhecimento matemático. Agora, diantedo grande acervo de conteúdos que esse componente curricular dispõe, surge a reflexão de como trabalhar com os alunos de modo que desenvolvam o raciocínio matemático nas aulas, além das competências necessárias para que se tornem cidadãos atuantes e capazes de transformar suas realidades. Dessa maneira, faz sentido questionar: ao trabalhar os conteúdos de matemática em sala de aula, como devemos organizá-los? Com relação a todas as unidades temáticas relacionadas ao componente curricular de matemática, é muito importante organizá-lo de modo coerente, levando em consideração o planejamento vertical e horizontal dos conteúdos bem como o ano de escolarização dos alunos. Além disso, o Brasil é um país grande, pensando em escala geográfica, o que poderia acarretar problemas. Por exemplo, se um aluno se mudar para outra região do Brasil, é possível garantir a aprendizagem dos mesmos conte- údos e competências? Nessa linha de discussão, buscando garantir o direito de aprendizagem dos conhecimentos e saberes necessários nas diferentes regiões do país, foi aprovado, em dezembro de 2017, um documento norteador do currículo da educação básica brasileira. Você já teve contato com esse documento? Portanto, você, como futuro professor das séries iniciais da educação básica, compreende qual a utilidade desse documento na educação brasi- leira? Como o ensino da matemática está contemplado nele? Como ensinar a matemática a partir desse documento? Bons estudos! Não pode faltar Desde as publicações da atual Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), tem sido recorrente no Brasil a ideia de se estabelecer um documento normativo como referencial 35 curricular para orientar os processos de ensino e aprendizagem no país e delimitar as aprendizagens consideradas essenciais da educação básica. A primeira tentativa de orientar uma base comum curricular foi após a publicação da Constituição de 1998 e da LDB 9.394/1996 através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Os Parâmetros foram publicados entre 1997 e 2000, iniciando com as quatro primeiras séries do ensino fundamental, seguindo para as quatro séries finais do ensino fundamental e, por fim, passando para a elaboração dos documentos para o ensino médio. Além das áreas tradicionais do conhecimento, houve também a publicação dos temas transversais. Compreendamos um pouco sobre os Parâmetros para a área de matemá- tica. Nesse documento, constam como as principais reflexões do professor: • identificar as principais características dessa ciência, de seus métodos, de suas ramificações e aplicações; • conhecer a história de vida dos alunos, sua vivência de aprendizagens fundamentais, seus conhecimentos informais sobre um dado assunto, suas condições sociológicas, psicológicas e culturais; • ter clareza de suas próprias concepções sobre a Matemática, uma vez que a prática em sala de aula, as escolhas pedagógicas, a definição de objetivos e conte- údos de ensino e as formas de avaliação estão intimamente ligadas a essas concepções. (BRASIL, 1997, p. 29) Ainda, de acordo com o documento, a matemática tem papel funda- mental para a cidadania, ajudando em muitos problemas do dia a dia, em situações de trabalho e, também, na construção de conhecimentos relativos a outras áreas curriculares. o ensino de matemática prestará sua contribuição à medida que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumen- tação, o espírito crítico e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios. (BRASIL, 1997, p. 26) Portanto, a seleção dos conteúdos matemáticos para os anos iniciais do ensino fundamental foi planejada de modo a considerar não somente 36 conceitos, mas também atitudes e valores que possam contribuir para um processo de ensino e de aprendizagem significativo (BRASIL, 1997). Entre 2012 e 2014, a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação elaborou os primeiros estudos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e, em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) contemplou em seu texto o cumprimento da definição da BNCC nas metas 1, 2, 3 e 7. Entre as consultas públicas e a aprovação da BNCC foram mais três anos e, em dezembro de 2017, foi aprovada a BNCC para a educação infantil e para o ensino fundamental (BRASIL, 2017). Nesse sentido, podemos nos questionar: quais as diferenças entre os PCNs e a BNCC? Para responder a essa pergunta, devemos compreender que a elabo- ração da BNCC deu continuidade às orientações que já constavam nos PCNs. Entretanto, na BNCC, os conteúdos estão contemplados de forma mais específica, deixando claro os objetos de aprendizagem e as competências a serem desenvol- vidas em cada ano escolar. Isso corrobora uma verticalização dos conteúdos que possibilite o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. A BNCC contempla as aprendizagens necessárias dentro de cada unidade temática, sem perder a relação entre os diferentes campos da matemática. Portanto, a maior diferença entre eles é que a BNCC é mais detalhada com relação aos conteúdos, além de contemplar as competências, gerais e específicas, os objetos de conheci- mento e as habilidades que devem ser trabalhados nas aulas. Ainda, a BNCC define cinco unidades temáticas para o ensino de matemática, conforme apresentado no quadro a seguir. Quadro 1.1 | As unidades temáticas do ensino de matemática segundo a BNCC Unidades Temáticas Definição Números A expectativa em relação a essa temática é que os alunos resolvam problemas com números naturais e números racionais cuja representação decimal é finita, envolvendo diferentes significados das operações, argumentem e justifiquem os procedimentos utilizados para a resolução e avaliem a plausibilidade dos resultados encontrados. No tocante aos cálculos, espera-se que os alunos de- senvolvam diferentes estratégias para a obtenção dos resultados, sobretudo por estimativa e cálculo mental, além de algoritmos e uso de calculadoras. Álgebra É imprescindível que algumas dimensões do trabalho com a álgebra es- tejam presentes nos processos de ensino e aprendizagem desde o Ensino Fundamental – Anos Iniciais, como as ideias de regularidade, generaliza- ção de padrões e propriedades da igualdade. No entanto, nessa fase, não se propõe o uso de letras para expressar regularidades, por mais simples que sejam. A relação dessa unidade temática com a de Números é bastante evidente no trabalho com sequências (recursivas e repetitivas), seja na ação de completar uma sequência com elementos ausentes, seja na construção de sequências segundo uma determinada regra de formação. A relação de equivalência pode ter seu início com atividades simples, envolvendo a igualdade, como reconhecer que se 2 + 3 = 5 e 5 = 4 + 1, então 2 + 3 = 4 + 1. 37 Geometria Espera-se que os alunos identifiquem e estabeleçam pontos de referência para a localização e o deslocamento de objetos, construam representações de espaços conhecidos e estimem distâncias, usando, como suporte, mapas (em papel, tablets ou smartphones), croquis e outras representações. Em relação às formas, espera-se que os alunos indiquem características das formas geométricas tridimensionais e bidimensionais, associem figuras es- paciais a suas planificações e vice-versa. Espera-se, também, que nomeiem e comparem polígonos, por meio de propriedades relativas aos lados, vér- tices e ângulos. O estudo das simetrias deve ser iniciado por meio da mani- pulação de representações de figuras geométricas planas em quadriculados ou no plano cartesiano, e com recurso de softwares de geometria dinâmica. Grandezas e Medidas A expectativa é que os alunos reconheçam que medir é comparar uma gran- deza com uma unidade e expressar o resultado da comparação por meio de um número.Além disso, devem resolver problemas oriundos de situações cotidianas que envolvem grandezas como comprimento, massa, tempo, tem- peratura, área (de triângulos e retângulos) e capacidade e volume (de sólidos formados por blocos retangulares), sem uso de fórmulas, recorrendo, quan- do necessário, a transformações entre unidades de medida padronizadas mais usuais. Espera-se, também, que resolvam problemas sobre situações de compra e venda e desenvolvam, por exemplo, atitudes éticas e responsáveis em relação ao consumo. Sugere-se que esse processo seja iniciado utilizando, preferencialmente, unidades não convencionais para fazer as comparações e medições, o que dá sentido à ação de medir, evitando a ênfase em procedi- mentos de transformação de unidades convencionais. Probabilidade e Estatística O objetivo dessa unidade temática é promover a compreensão de que nem todos os fenômenos são determinísticos. Para isso, o início da proposta de trabalho com probabilidade está centrado no desenvolvimento da noção de aleatoriedade, de modo que os alunos compreendam que há eventos certos, eventos impossíveis e eventos prováveis. É muito comum que pes- soas julguem impossíveis eventos que nunca viram acontecer. Nessa fase, é importante que os alunos verbalizem, em eventos que envolvem o acaso, os resultados que poderiam ter acontecido em oposição ao que realmente aconteceu, iniciando a construção do espaço amostral. Fonte: adaptado de Brasil (2017, p. 266-271). Uma constatação importante a ser feita é que na BNCC os conceitos de probabilidade e estatística receberam destaque, noções de álgebra devem ser apresentadas já no primeiro ciclo do ensino fundamental e enfatiza-se a necessidade de trabalhar a matemática financeira. Nesse sentido, o professor deve sempre aproveitar as situações em que ele pode utilizar dados da realidade do aluno para explorar a estatística e a probabilidade, como a quantidade de habitantes da cidade em que moram ou como essa quantidade foi alterada ao longo dos anos. É também neces- sário dar início à construção do pensamento algébrico dos alunos, propondo situações em que variáveis matemáticas, apesar de não levarem esse nome, estejam presentes. Uma sugestão é propor um problema em que uma pessoa comprou certa quantidade de caderno e pagou uma quantia em reais, 38 questionando os alunos a respeito da quantidade comprada. Desse modo, o aluno tem seus primeiros contatos com o pensamento abstrato. Além disso, com relação à educação financeira, o professor sempre deve explorar os diversos problemas que tratam do sistema monetário nos livros didáticos e levar os alunos a refletir sobre situações que abordem esses problemas, como economizar dinheiro para comprar um produto à vista em vez de comprar a prazo e pagar juros, entre outros. Os educadores devem levar em consideração a importância de o aluno desenvolver uma aprendizagem significativa, assegurando que ele entenda que os conhecimentos matemáticos são importantes para a compreensão do mundo e, assim, torne-o capaz de desenvolver um raciocínio crítico e lógico. Dessa forma, entende-se que para um processo de ensino-aprendizagem eficaz é preciso que os alunos construam reflexões a respeito dos conteúdos estudados. Portanto, não deve haver apenas repetições de procedimentos e disseminação de informações por meio dos conteúdos, ou seja, o ensino não pode se basear na exposição de conteúdos, mas, sim, colocar o aluno como “protagonista de sua própria aprendizagem” (BRASIL, 1997, p. 40). Exemplificando Nas aulas de matemática, é preciso que o aluno veja relação entre o que está estudando e os conteúdos do seu cotidiano. Um exemplo que o professor pode utilizar, considerando os conteúdos relacionados à geometria, por exemplo, é levar para a sala de aula objetos que lembram as figuras geométricas espaciais e pedir aos alunos que identifiquem neles elementos como os vértices, arestas e faces. Para complementar esse trabalho, leve materiais que tenham as figuras geométricas, de modo a levar os alunos a sistematizar o aprendizado com relação a esse conteúdo. Dessa maneira, o aluno consegue associar as figuras geométricas espaciais aos objetos de maneira significativa, já que são tridimensio- nais, enquanto, nos livros, estão ilustradas no plano. O ensino, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), exercido pelo professor, deve possibilitar a organização, o planejamento e a possibilidade de situações de aprendizagem nas aulas. E a aprendizagem deve ter relação com a compreensão e com a assimilação dos conhecimentos matemáticos. Dessa forma, “o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques e numa rígida sucessão linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e destacadas” (BRASIL, 1997, p. 19-20). 39 Para que os alunos sejam capazes de desenvolver certas habilidades necessárias para a vida em sociedade, o planejamento da aprendizagem matemática deve levar em consideração situações do dia a dia do aluno. O uso de matemática para compreender os fenômenos das ciências naturais e das ciências sociais, utilizando as linguagens escrita e gráfica para comuni- cação, com base em notícias reais, por exemplo, é estimulado. Reflita Que situações do cotidiano você aproveitaria em sala de aula para tornar os conteúdos matemáticos mais atrativos para os alunos? Como proposta fundamental, a BNCC destaca que a prioridade da educação básica é a “formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017). A BNCC está estruturada em dez competências gerais. Com base nelas, para o ensino fundamental, cada área do conhecimento apresenta compe- tências específicas de área e de componentes curriculares. Esses elementos são articulados de modo a se constituírem em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades. O Quadro 1.2, a seguir, apresenta as competên- cias específicas da matemática propostas pela BNCC. Quadro 1.2 | Competências específicas da matemática de acordo com a BNCC Nº da Competência específica Conteúdo abordado 1 Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em dife- rentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contri- bui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho. 2 Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a capacidade de produzir argumentos convincentes, recor- rendo aos conhecimentos matemáticos para compreender e atuar no mundo. 3 Compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes campos da Matemática (Aritmética, Álgebra, Geo- metria, Estatística e Probabilidade) e de outras áreas do conhe- cimento, sentindo segurança quanto à própria capacidade de construir e aplicar conhecimentos matemáticos, desenvolven- do a autoestima e a perseverança na busca de soluções. 4 Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos presentes nas práticas sociais e culturais, de modo a investigar, organizar, representar e comunicar informações relevantes, para interpretá-las e avaliá-las crítica e eticamente, produzindo argumentos convincentes. 40 5 Utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecno- logias digitais disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhecimento, validan- do estratégias e resultados. 6 Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluin- do-se situações imaginadas, não diretamente relacionadas com o aspecto prático-utilitário, expressar suas respostas e sinte- tizar conclusões, utilizando diferentes registros e linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de texto escrito na língua materna e outras linguagens para descrever algoritmos, como fluxogramas, e dados). 7 Desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo,
Compartilhar