Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autora: Profa. Janaina Pinheiro Vece Colaboradoras: Profa. Silmara Machado Profa. Christiane Mazur Doi Conteúdos de Matemática para o Ensino Fundamental I Professora conteudista: Janaina Pinheiro Vece É mestre (2010) e doutora (2020) em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul. Possui licenciatura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário São Camilo (2005). É professora adjunta na Universidade Paulista, atuando na educação a distância e no ensino presencial. Tem experiência como docente e tutora em cursos de graduação e pós-graduação. É autora de livros e artigos científicos sobre a formação inicial e continuada de professores na área de matemática e de materiais didáticos voltados ao público da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Fez parte da equipe de colaboradores no processo de construção e revisão do currículo da Cidade de Matemática e compôs o time de autores da Revista Nova Escola, elaborando planos de aula de matemática de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. É pesquisadora em educação matemática com foco na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V399c Vece, Janaina Pinheiro. Conteúdos de Matemática para o Ensino Fundamental I / Janaina Pinheiro Vece. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Matemática. 2. Unidade temática. 3. Aprendizagem. I. Título. CDU 51:37 U515.25 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Vitor Andrade Sumário Conteúdos de Matemática para o Ensino Fundamental I APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 A ÁREA DE MATEMÁTICA ............................................................................................................................. 11 1.1 Caracterização da área de matemática ....................................................................................... 12 1.2 A formação do pedagogo e o conhecimento matemático ................................................. 16 2 DOCUMENTOS CURRICULARES OFICIAIS .............................................................................................. 21 2.1 Base Nacional Comum Curricular ................................................................................................. 24 2.1.1 A matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental ....................................................... 27 2.2 Unidades temáticas ............................................................................................................................. 31 3 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ............................................................................................................ 38 3.1 Aprendizagem matemática .............................................................................................................. 38 4 UNIDADE TEMÁTICA: ÁLGEBRA ................................................................................................................. 42 4.1 Raciocínio algébrico: padrões e sequências .............................................................................. 44 Unidade II 5 UNIDADE TEMÁTICA: NÚMEROS .............................................................................................................. 54 5.1 Números ................................................................................................................................................... 55 5.1.1 Características do sistema de numeração decimal ................................................................... 57 5.1.2 Significados e usos dos números naturais ................................................................................... 63 5.1.3 Operações com números naturais ................................................................................................... 65 5.1.4 Significados, usos e representações dos números racionais ...............................................107 6 UNIDADE TEMÁTICA: PROBABILIDADE E ESTATÍSTICA ...................................................................111 6.1 Ideias probabilísticas .........................................................................................................................111 6.2 Coleta, organização, representação e interpretação de dados estatísticos ................113 Unidade III 7 UNIDADE TEMÁTICA: GEOMETRIA ..........................................................................................................130 7.1 Figuras espaciais (corpos redondos e poliedros) ....................................................................132 7.2 Figuras planas (polígonos) ..............................................................................................................137 7.3 Localização, movimentação e representação espacial ........................................................143 8 UNIDADE TEMÁTICA: GRANDEZAS E MEDIDAS ................................................................................146 8.1 Grandezas contínuas e conceito de medida ...........................................................................149 8.1.1 Sistema métrico decimal .................................................................................................................. 153 8.1.2 Unidades de medida de tempo .......................................................................................................161 8.1.3 Sistema monetário .............................................................................................................................. 164 7 APRESENTAÇÃO Olá, futuro(a) pedagogo(a)! Este livro-texto é um componente curricular imprescindível para a formação dos graduandos do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Para tanto, é de suma importância conhecer os objetivos gerais e específicos desta disciplina. Como objetivos gerais, prezando a formação inicial do(a) pedagogo(a) em relação aos conteúdos matemáticos essenciais a serem ensinados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, espera-se que, ao final da disciplina, o graduando possa: • Resgatar e aprofundar os principais conteúdos e ideias fundamentais da matemática que servem de base para a formação dos estudantes ao longo da Educação Básica. • Compreender as relações entre os conteúdos matemáticos, suas implicações e intersecções no processo de aprendizagem de diferentes unidades temáticas da área, sendo elas: Números, Álgebra, Geometria, Grandezas eMedidas, e Probabilidade e Estatística. • Reconstruir a relação pessoal com a matemática, considerando a importância do conhecimento acerca de seus conteúdos, conceitos e ideias fundamentais para sua formação. Além dos objetivos gerais, ao cursar a disciplina espera-se que o estudante desenvolva as seguintes habilidades específicas: • Identificar quais são os conteúdos e as ideias fundamentais da matemática recomendados pela Base Nacional Comum Curricular para os anos iniciais do Ensino Fundamental. • Aprimorar o raciocínio lógico-matemático e o espírito investigativo do futuro pedagogo a partir do reconhecimento da importância da matemática como ciência e como produto cultural da humidade que contribui para solucionar problemas de diferentes naturezas. • Implementar conteúdos matemáticos em situações cotidianas e didáticas. Sendo assim, no atendimento aos objetivos gerais e específicos, nossa disciplina se sustenta a partir de uma perspectiva que prevê na formação do futuro profissional da área a necessidade de solidificar e, portanto, retomar e revisar conhecimentos, conceitos e conteúdos matemáticos para o pleno exercício da profissão docente. Esse processo de revisão e retomada tem como intuito contribuir para a democratização do conhecimento matemático e para a constituição de um ensino de boa qualidade. As unidades deste livro-texto estão organizadas em três momentos de estudo. Embora esses momentos sejam apresentados separadamente, é possível estabelecer relações entre eles. 8 Na unidade I, abordamos a caracterização da área de matemática e discorremos acerca dos conhecimentos necessários para o ensino de seus conteúdos sob a perspectiva da formação inicial do pedagogo. Nessa discussão, apresentamos os aspectos essenciais que envolvem o conhecimento didático e curricular e também acerca do conteúdo matemático para um ensino consistente e contemporâneo. É importante destacar que a primeira parte do livro-texto é eminentemente teórica, uma vez que possibilita a compreensão geral sobre a matemática e a sua articulação com a formação docente e documentos curriculares brasileiros, em especial a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Ainda na primeira parte do livro-texto, introduzimos a discussão sobre a unidade temática Álgebra. No que se refere a esse importante conteúdo matemático, aprofundamos os conceitos e as ideias presentes no raciocínio algébrico, como a generalização, bem como a definição e a identificação de padrões e sequências figurais e numéricas previstas para o ensino de Álgebra nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A unidade II destina-se às especificidades dos conteúdos matemáticos essenciais a serem ensinados nas unidades temáticas Números e Probabilidade e Estatística. Sobre Números, são abordados definições, características, representações, usos e funções acerca dos números naturais, sistema de numeração decimal, números racionais e operações. Acerca do eixo Probabilidade e Estatística, discorremos sobre as ideias envolvidas no raciocínio probabilístico e apresentamos os principais conceitos presentes no processo de coleta, organização e representação de dados estatísticos. Por fim, a unidade III dedica-se aos conceitos e conteúdos de duas unidades temáticas, sendo elas: Geometria e Grandezas e Medidas. Considerando que a Geometria envolve não somente as relações sobre as formas e figuras, mas também sobre o espaço, nesta parte do livro-texto são retomadas as características das figuras espaciais e planas e o processo de localização, movimentação e representação do espaço. Sobre a unidade temática Grandezas e Medidas, a partir do conceito de grandezas contínuas, aprofundamos a compreensão sobre este importante e complexo eixo matemático, compreendendo os diferentes sistemas de medidas, entre eles o sistema métrico decimal, o sistema monetário brasileiro e as unidades de medida de tempo. As unidades de estudo deste livro-texto foram produzidas com base em fundamentos teóricos e curriculares de tendências atuais de pesquisas e estudos da educação matemática, uma vez que estamos lidando com uma ciência que se desenvolve a partir de constantes transformações que interferem diretamente nos currículos escolares. Esperamos que esta disciplina contribua significativamente para a formação docente e que, como decorrência desse trabalho, o(a) futuro(a) pedagogo(a) possa se apropriar dos conteúdos matemáticos fundamentais e se sentir seguro quanto a eles. 9 INTRODUÇÃO Para a introdução da disciplina, vamos refletir primeiramente acerca de algumas afirmações comumente identificadas na formação do pedagogo em relação à matemática. No Brasil e também em outros países, pesquisadores têm se dedicado ao estudo sobre a formação matemática do pedagogo. Muitos desses estudos afirmam que existem fragilidades nesse processo associadas tanto à característica generalista do curso de Pedagogia, que tem como desafio formar professores polivalentes capazes de dominar e ensinar diversas áreas de conhecimento, quanto às relações pessoais do pedagogo com a matemática. O curso de Licenciatura Plena em Pedagogia se insere, portanto, no seguinte cenário: se por um lado a formação do pedagogo é ampla e diversa, por outro a matemática requer atenção às suas especificidades, principalmente por se tratar de uma área de conhecimento que culturalmente causa medos, inseguranças, dilemas e frustrações. Nesse sentido, reflita sobre as seguintes afirmações: • Ensinar matemática para as crianças é algo simples e não requer aprofundamento sobre o assunto. • Se a matemática é uma ciência exata, logo, os conceitos e conteúdos ensinados no passado são os mesmos de hoje. • Considerando que o público do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental são crianças de 6 a 10 anos, conhecimentos matemáticos básicos, não muito complexos, são suficientes. Sendo assim, a formação específica e técnica da matemática é de responsabilidade do professor especialista do 6º ano. • O fato de o professor não gostar da matemática e de ter medo e frustrações em relação a ela não influencia o processo de ensino e aprendizagem dessa área de conhecimento. Você concorda com todas essas afirmações? Para você: • O pedagogo realmente precisa “saber” matemática para lecionar? • Os conhecimentos adquiridos ao longo da escolarização básica do pedagogo são suficientes para ensinar matemática? • O que é preciso saber para ensinar matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental? • A relação pessoal do pedagogo com a matemática pode influenciar ou não a formação de seus estudantes? Essas e outras questões serão respondidas em nossa disciplina. Esperamos que você não só encontre respostas para os questionamentos propostos, mas que também formule outros no processo de revisão, construção e solidificação de seus conhecimentos matemáticos. 11 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Unidade I 1 A ÁREA DE MATEMÁTICA Para darmos início à discussão sobre a área de matemática, primeiramente faz-se necessário levantar os conhecimentos prévios que você, graduando(a), dispõe sobre ela. Registre como preferir suas respostas pessoais para as questões apresentadas a seguir, usando caneta, papel, caderno de registro ou até mesmo notas de comentários em seu computador ou celular. • Para você, o que é matemática, para que serve e qual a sua importância para a formação do cidadão? • Como se constitui um professor de matemática? O que é necessário na formação do pedagogo para ensinar matemática? • Que matemática deve ser ensinada nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Figura 1 – Reflexão sobre a área de matemática Disponível em: https://cutt.ly/lDJAhwq. Acesso em: 11 mar. 2022. Exemplo de aplicação Neste momento, procure refletir e registrar com as suas palavras, não sendo necessário consultar fontes de pesquisa. A proposta é que ao final desta primeira unidade de estudo você possa perceber a ampliação do seu repertório de conhecimentosobre o assunto. 12 Unidade I Ao longo da escolarização básica, tivemos contato com a matemática enquanto estudantes. Íamos para a escola, aprendíamos, assimilávamos ou “decorávamos” os conteúdos matemáticos, mas não tínhamos a responsabilidade, preocupação ou compromisso em definir a matemática e compreender a sua importância para a formação dos cidadãos. Enquanto pedagogos, essa perspectiva precisa ser ampliada, pois para ensinar matemática é extremamente necessário aprofundar o entendimento sobre a área e reconstruir a visão que temos sobre os seus conteúdos fundamentais como estudantes da Educação Básica. Para tanto, apresentaremos, ainda nesta unidade, conteúdos teóricos voltados à caracterização da área de matemática; à formação do pedagogo; ao conhecimento matemático; à matemática nos documentos curriculares oficiais; e, por fim, ao processo de aprendizagem matemática. Exemplo de aplicação Registre as palavras que aparecerem com frequência neste livro-texto e cujos significados sejam desconhecidos por você e faça um glossário pessoal. Isso será importante para a ampliação do seu vocabulário e repertório científico. Pronto para reconstruir o significado dessa área de conhecimento imprescindível para as nossas vidas? 1.1 Caracterização da área de matemática O senso comum pode nos levar a reduzir a Matemática a uma disciplina que existe apenas no interior da escola. No entanto, ela está presente por toda parte e nos mais diversos contextos possíveis do nosso cotidiano, sejam eles sociais, profissionais, econômicos, políticos, midiáticos, científicos, tecnológicos etc. A matemática teve origem na história da humanidade em atendimento às necessidades da vida cotidiana. Desde a Antiguidade, tem se tornado uma ciência imprescindível que serve de vigoroso instrumento para se conhecer o mundo e o domínio da natureza. Enquanto Ciência, a Matemática “[...] estuda todas as possíveis relações e interdependências quantitativas entre grandezas, comportando um vasto campo de teorias, modelos e procedimentos de análise, metodologias próprias de pesquisa, formas de coletar e interpretar dados” (BRASIL, 1997, p. 24). De acordo com Caraça (2003), há várias maneiras de encarar uma ciência. Uma delas se refere àquela que procura acompanhar o seu desenvolvimento progressivo, descobrindo suas hesitações, dúvidas e contradições “para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições” (CARAÇA, 2003, p. 23). Esta perspectiva, segundo o autor, leva em consideração as influências que o contexto social exerce sobre a criação da própria ciência. Para ele, mesmo que a matemática seja concebida como uma ciência que possui problemas próprios, os “seus fundamentos mergulham tanto como os de outro qualquer ramo da ciência, na vida real” (CARAÇA, 2003, p. 23). 13 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Podemos afirmar, portanto, com base na teoria, que a matemática é uma ciência viva, inacabada e imprecisa que lida constantemente com pressuposições e descobertas provisórias. Trata-se de “um organismo vivo impregnado de condição humana, com as suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes necessidades do homem [...]; aparece-nos, enfim, como um grande capítulo da vida humana social” (CARAÇA, 2003, p. 23). Observação Se considerarmos o sentido estrito da palavra “exata”, podemos questionar a afirmação de que a matemática seja uma ciência exata. Embora existam cálculos matemáticos que nos forneçam precisão, a exatidão não se faz presente em todas as suas áreas de estudo. Um exemplo são as ideias probabilísticas que envolvem a relação de ocorrência de eventos favoráveis e desfavoráveis ou possíveis e impossíveis de acontecer. De acordo com o Dicionário On-line de Português, a palavra “exato” significa ausência de erros. Assim, a frase “A matemática é uma ciência exata” pode induzir à crença equivocada de que ela é livre de erros e que se desenvolve substancialmente com rigor e precisão. Figura 2 – Ciência matemática Disponível em: https://cutt.ly/CDJNx7b. Acesso em: 11 mar. 2022. A matemática é, portanto, uma ciência humana, um patrimônio histórico cultural da humanidade composto de um sistema de representação simbólico próprio conhecido mundialmente, o que a torna uma linguagem universal. Trata-se de um aspecto extraordinário que permite que sujeitos de 14 Unidade I diferentes nações, países, territórios e culturas usem uma única linguagem no atendimento de suas necessidades voltadas a problemas relacionados a quantidades, espaços, formas, medidas, probabilidades, estatísticas etc. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, a matemática é uma: [...] ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 267). Enquanto ciência viva, a matemática não é um produto acabado. Seus axiomas e postulados – ou seja, seus fundamentos gerais e específicos – estão em constante transformação. Isso acontece porque o seu desenvolvimento é baseado no raciocínio hipotético-dedutivo e heurístico, ou seja, se dá por meio de deduções, hipóteses e descobertas. Além de se constituir enquanto ciência humana e linguagem universal, a matemática ocupa um papel importante no desenvolvimento e na compreensão de outras ciências, como biologia, física e química, áreas profissionais, como engenharia, gastronomia, medicina e economia, e no avanço da própria tecnologia. Essa discussão inicial evidencia a amplitude e relevância histórico-social, política, econômica, cultural e tecnológica que a matemática exerce em nossas vidas. Saiba mais Assista à entrevista realizada pelo saudoso professor doutor Ubiratan D’Ambrósio, conhecido como o pai da educação matemática brasileira, com Paulo Freire, ícone da pedagogia no Brasil e no mundo. Durante a entrevista, você poderá refletir sobre a importância de nos reconhecermos enquanto parte da matemática, como corpos “matematicizados” no mundo. Para assistir à entrevista, acesse: PAULO Freire e Ubiratan D’Ambrosio. Brasil: Pactuando UEMG, 2014. 29 min. Disponível em: https://bit.ly/3LcniNG. Acesso em: 1º abr. 2022. A caracterização da matemática apresentada ao longo do texto, somada ao conteúdo da entrevista de Freire ao professor D’Ambrosio, evidencia a sua relevância para a formação do cidadão para o pleno exercício da cidadania e permanência no mundo do trabalho. Isso porque o domínio dos conhecimentos matemáticos permite ao adulto e ao idoso, assim como à criança e ao adolescente, executar inúmeras 15 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I atividades cotidianas que vão desde as mais simples, como ajustar as horas de um relógio ou acompanhar a chamada de uma senha numérica num painel eletrônico, até o acompanhamento e o pagamento de suas contas mensais ou planejamento financeiro para a aquisição de um bem. Saber que desde a mais remota antiguidade a necessidade de resolver problemas é inerente a inúmeras atividades humanas faz da matemática um elemento essencial, indispensável para a nossa sobrevivência coletiva e individual. Assim, uma pessoa pode até afirmar que não gosta ou não tem uma relação amistosa com a matemática, mas sem dúvida alguma são os conhecimentos matemáticos essenciais que lhes conferem autonomia suficiente para estar e se manter no mundo. Dada a sua indispensabilidade para o exercício da cidadania, a Matemática também ocupa o papel de componente curricular no sistema educacional, formando a grade de disciplinas a serem ensinadas ao longo da Educação Básica, no ensino profissionalizante e na Educação Superior. Perceba o quão reducionista é a visão que restringe a matemática ao contexto escolar, tendo em vista todos os aspectos discutidos anteriormente. A Matemáticacomo um componente curricular é parte de um todo, maior e complexo, de uma ciência que possui suas particularidades e contribuições sociais. Lembrete Afinal, o que é matemática, para que serve e qual é a sua importância para a formação do cidadão? Até esta parte do livro-texto, vimos que a matemática é uma ciência humana que está em constante evolução. Além de resolver problemas específicos da área, os seus fundamentos foram desenvolvidos e se desenvolvem a partir de problemas da vida cotidiana. Pode ser caracterizada como linguagem universal, pois o seu sistema simbólico de representação é conhecido mundialmente. Configura-se como importante ferramenta para o desenvolvimento e compreensão de outras ciências, tecnologias e as mais diversas áreas de conhecimento. Por fim, por toda a sua relevância e amplitude também ocupa o papel de componente curricular no sistema educacional, indispensável para a formação cidadã, acadêmica e profissional dos estudantes nas mais diversas etapas da Educação Básica e modalidades de ensino, sejam elas em nível técnico, sejam elas em nível superior. Exemplo de aplicação Resgate em sua história momentos do seu período de escolarização em que você teve a vivência com um bom professor de Matemática. Procure refletir sobre as características desse professor no que se refere à didática e ao domínio do conteúdo e também a relação que fazia desse mesmo conteúdo com situações cotidianas. 16 Unidade I Se porventura ao longo de sua história você não teve a oportunidade de conhecer ou desenvolver afinidade com esse profissional, reflita sobre as características ideais que para você todo bom professor de Matemática deveria ter. Anote os seus conhecimentos prévios sobre o assunto, depois compare-os e identifique-os no texto a seguir. 1.2 A formação do pedagogo e o conhecimento matemático Com o intuito de refletir sobre o processo de ensino da matemática, vamos começar analisando alguns questionamentos comumente feitos por estudantes da Educação Básica quando encontram dificuldades para aprender matemática com os seus professores: • O professor de Matemática domina plenamente os conteúdos, porém não consegue ensiná-los aos estudantes. Por que isso acontece? • E se o professor procurasse ensinar os conteúdos matemáticos utilizando outros recursos, diferentes de giz e lousa? Será que os estudantes compreenderiam melhor suas explicações? • Ouvi dizer que as aulas de Matemática desse professor nunca mudam, ele permanece com o mesmo planejamento há anos. Será que é por isso que os estudantes não conseguem identificar e utilizar os conteúdos matemáticos na prática social? • Será que esse professor de Matemática não tem o “dom” de ensinar? Você já ouviu ou fez algum desses questionamentos? Para você, ensinar matemática é um “dom” ou uma habilidade que se aprimora conforme o desenvolvimento profissional do professor? Para ensinar matemática, basta o domínio dos conteúdos? A natureza da área de conhecimento, por si só, pode decidir o dinamismo e a postura do professor em sala de aula ou é uma questão de didática? Certamente você já se fez algumas dessas perguntas ao avaliar a prática de algum(a) professor(a) de Matemática que fez parte da sua história de escolarização. Por outro lado, evidentemente, você deve ter avaliado a partir de uma concepção generalista, do senso comum, sem muito aprofundamento. Certo? Para fundamentar teoricamente a formação do pedagogo e o conhecimento matemático, recorremos aos estudos do psicólogo e pedagogo americano Lee Shulman (1992). O pesquisador destaca o conhecimento do professor como foco de formação a partir da especificidade de cada área de conhecimento, prezando pela necessidade de estudar os conhecimentos dos professores tendo em vista “o que” ou “aquilo” que 17 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I ele leciona. Para tanto, definiu uma tríade do conhecimento que serve de base para o exercício da função docente, sendo ela: • conhecimento do conteúdo; • conhecimento didático do conteúdo; • conhecimento curricular do conteúdo. Conhecimento curricular Conhecimento didático Conhecimento do conteúdo Figura 3 – Conhecimentos necessários à prática docente, de acordo com Lee Shulman Esses três conhecimentos estão intimamente imbricados e funcionam como uma engrenagem para mobilizar as habilidades essenciais para o desenvolvimento da prática docente, conforme o esquema de representação da figura que acabamos de apresentar. Mas, afinal, qual a relação e as implicações do conhecimento do conteúdo, didático e curricular para ensinar matemática? Para Shulman (1992), o conhecimento do conteúdo se refere ao domínio dos conceitos, das propriedades e dos procedimentos a serem ensinados. Portanto, segundo essa perspectiva teórica, ensinar matemática implica a compreensão de sua natureza e dos significados de seus conteúdos, seu desenvolvimento histórico e as diferentes formas de compreendê-lo e organizá-lo. 18 Unidade I Observação Para ensinar matemática, é preciso que o(a) professor(a) tenha conhecimento do conteúdo matemático. Portanto, mesmo que ele seja destinado aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, saberes superficiais não são suficientes. Para isso, é indispensável que o pedagogo, por meio da autoformação permanente, adote uma postura investigativa e pesquisadora, com intuito de resgatar, aperfeiçoar, aprofundar e ampliar os conhecimentos que dispõem sobre os conteúdos matemáticos que serão de sua responsabilidade para ensinar aos estudantes. Lembre-se de que o primeiro contato com a matemática que os estudantes terão na Educação Básica e a solidificação da construção de conceitos fundamentais que eles terão sobre essa área de conhecimento serão de sua responsabilidade. Portanto, requer consciência das fragilidades e lacunas dos conteúdos matemáticos na própria formação e também do compromisso profissional de superá-las e preenchê-las. Figura 4 – Conhecimento sobre o conteúdo matemático Disponível em: https://cutt.ly/OD49jDX. Acesso em: 11 mar. 2022. De acordo com Shulman (1992), além de dominar o conteúdo, para ensinar, faz-se necessário que o(a) professor(a) saiba ensiná-lo. O autor nomeia esse saber como conhecimento didático do conteúdo. Ele se refere à combinação entre o conhecimento do conceito e o conhecimento de como ensiná-lo, ou seja, torná-lo compreensível ao estudante. Você se lembra dos dois primeiros questionamentos apresentados no início deste item? • O professor de Matemática domina plenamente os conteúdos, porém não consegue ensiná-los aos estudantes. Por que isso acontece? 19 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I • E se o professor procurasse ensinar os conteúdos matemáticos utilizando outros recursos, diferentes de giz e lousa? Será que os estudantes compreenderiam melhor suas explicações? A ausência da articulação entre o conhecimento do conteúdo e didático sobre ele, ou seja, “o que” e “como” ensinar, justifica o fato de que muitos professores, apesar de dominarem plenamente o conteúdo matemático, não conseguem ou encontram dificuldades para explicá-lo. Isso ocorre devido à insuficiência de conhecimentos didáticos, o que envolve o domínio de metodologias, estratégias e recursos que auxiliam no processo de aprendizagem. Sendo assim, as perspectivas atuais para o ensino da matemática recomendam a superação de práticas tradicionais mecanizadas pautadas na reprodução, memorização e repetição de exercícios que pouco contribuem para a aprendizagem matemática, como também a restrição do uso de recursos como giz, lousa e cópia de livros didáticos que não dialogam com a realidade dos estudantes e não despertam o interesse para a aprendizagem matemática. Lembrete Dominar o conteúdo matemático não basta para ensiná-lo. Ensinar matemática requer também o conhecimento didático do conteúdo, ou seja, um repertório significativo e consciente do(a) professor(a) sobre osmelhores recursos, metodologias e estratégias, como jogos, brincadeiras, tecnologias, resolução de problemas, histórias, situações e investigações que possam contribuir efetivamente para o ensino de determinado conceito ou conteúdo matemático. Portanto, combinar “o que” e “como” ensinar é fundamental para o processo de ensino da matemática. Figura 5 – Conhecimento didático do conteúdo matemático Disponível em: https://cutt.ly/oD48EDx. Acesso em: 11 mar. 2022. 20 Unidade I Além de saber “o que” e “como” ensinar, para que o docente possa cumprir a sua função, também é necessário compreender “para que” ensinar, ou seja, qual é a implicação do conteúdo na formação do estudante. Shulman (1992) define esse saber como conhecimento curricular do conteúdo. Isso envolve a compreensão dos documentos curriculares em vigor, “por que” o conteúdo será ensinado e quais são os seus diferentes usos, funções e relevância social. Além disso, esse conhecimento está atrelado à ação contínua de planejar e replanejar, processo inerente à prática docente do professor. O conhecimento curricular do conteúdo reflete a seguinte situação: quando o professor, baseando-se em currículos obsoletos e ultrapassados, aprendidos no tempo de sua escolarização, apresenta aos estudantes conteúdos matemáticos desnecessários, desvinculados da vida real e/ou retrógrados quanto ao uso social. Esse tipo de conhecimento contribui para a reflexão do terceiro questionamento apresentado no início deste item: • Ouvi dizer que as aulas de Matemática desse professor nunca mudam, ele permanece com o mesmo planejamento há anos. Será que é por isso que os estudantes não conseguem identificar e utilizar os conteúdos matemáticos na prática social? É de suma importância que, ao ensinar matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental ou em qualquer outra etapa da Educação Básica, o(a) pedagogo(a) tenha acesso aos documentos curriculares oficiais vigentes, tendo em vista que a matemática é uma ciência que vive em permanente evolução e que os currículos escolares procuram acompanhar essas transformações, passando por atualizações constantemente. Um exemplo dessa situação se refere aos conjuntos numéricos: antigamente eles eram ensinados desde o primeiro ano de ingresso no Ensino Fundamental, mas atualmente caíram em desuso para esse público, sendo substituídos pela abordagem da função social dos números naturais na vida dos estudantes. Figura 6 – Conhecimento curricular do conteúdo matemático Disponível em: https://cutt.ly/DD47wvl. Acesso em: 11 mar. 2022. 21 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Os estudos de Shulman (1992) corroboram para a articulação entre “o que ensinar”, “como ensinar” e “para que ensinar” matemática. Evidenciam, portanto, que o ensino da matemática não é “dom” inato ao sujeito. Muito pelo contrário, é uma habilidade que faz parte do processo de desenvolvimento profissional do professor, o que requer atenção e formação permanente. Mesmo nos colocando no papel de estudantes, é possível identificar a importância da articulação entre os conhecimentos necessários à didática docente. Quando o professor é questionado sobre praticidade, usos e funções de um determinado conteúdo a respeito de sua metodologia e recursos que utiliza durante a aula, bem como acerca da vigência e efetividade do seu planejamento, é para esses conhecimentos que deve direcionar a sua reflexão, ou seja, “o que”, “como” e “para que” estou ensinando. Portanto, a crença de que o domínio do conteúdo é suficiente para ensinar ou de que uma abordagem didática generalista garante o processo de aprendizagem matemática não se aplica à concepção aqui proposta. Em nossa disciplina, a ressignificação da prática docente requer, indispensavelmente, a articulação entre esses três conhecimentos. Partindo da premissa de Shulman (1992) acerca da tríade dos conhecimentos necessários para a prática docente, este livro-texto contemplará com aprofundamento dois deles: o conhecimento curricular do conteúdo e o conhecimento do conteúdo. O primeiro, o conhecimento curricular do conteúdo, será abordado ainda nesta primeira unidade de estudo, sendo o conhecimento do conteúdo contemplado nas unidades II e III. Exemplo de aplicação Assista à aula de Matemática apresentada no vídeo a seguir, a qual foi desenvolvida com uma turma de 2º ano (antiga 1ª série do Ensino Fundamental). Durante a apreciação da aula, identifique os seguintes conhecimentos: “o que” foi ensinado pela professora (que conteúdo matemático); “como” esse conteúdo foi ensinado (quais recursos didáticos e metodologias foram utilizadas durante a aula); e, por fim, “por que” o conteúdo está sendo ensinado às crianças (qual é a sua relevância para a vida desses estudantes). MATEMÁTICA é D+! - Analisando o quadro numérico. Brasil: Nova Escola, 2008. 6 min. Disponível em: https://bit.ly/3MilxzW. Acesso em: 1º abr. 2022. 2 DOCUMENTOS CURRICULARES OFICIAIS No item anterior, abordamos o conhecimento curricular do conteúdo, ressaltando a importância de o professor se manter atualizado no que se refere aos documentos curriculares oficiais vigentes que indicam temas, conteúdos, conceitos e objetivos de aprendizagem a serem ensinados ao longo da Educação Básica. Esses documentos curriculares oferecem indicativos à escola e aos professores sobre o que deverá ser ensinado em cada ano de escolarização. Antes de avançarmos à discussão acerca da matemática nos documentos curriculares oficiais brasileiros, faz-se necessário esclarecer o que é currículo considerando o contexto educacional. 22 Unidade I Diferentemente do que muitos imaginam, o currículo não se resume a um documento fechado e burocrático. O currículo é um processo, e não um compilado de orientações, por isso envolve desde a sua produção até a sua execução prática em sala de aula. Nessa perspectiva, todas as etapas implicadas no processo de ensino e aprendizagem escolar fazem parte do currículo, como os documentos oficiais, o planejamento coletivo e individual do professor, os materiais didáticos e as formas como o professor utiliza cada um deles, e até mesmo a avaliação do processo de aprendizagem. Todos esses elementos constituem a dinâmica do currículo escolar. Essa perspectiva é fundamentada nos estudos de Sacristán (2020), autor que concebe o currículo como uma prática que se realiza em diferentes dimensões, com a participação de diversos profissionais da educação. São elas: • currículo prescrito; • currículo apresentado; • currículo moldado pelos professores; • currículo em ação; • currículo realizado; • currículo avaliado. Considerando as especificidades do assunto abordado neste item do livro-texto, iremos nos ater à compreensão da primeira dimensão curricular, denominada currículo prescrito. Saiba mais Conheça as especificidades das demais dimensões curriculares no livro a seguir: SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2020. Sacristán (2020, p. 103) discorre a respeito do currículo prescrito: Em todo sistema educativo, como consequência das regulações inexoráveis às quais está submetido, levando em conta sua significação social, existe algum tipo de prescrição ou orientação do que deve ser seu conteúdo, principalmente em relação à escolaridade obrigatória. São aspectos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular, servem de ponto de partida para a elaboração de materiais, controle do sistema etc. 23 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I A história de cada sistema e a política em cada momento dão lugar a esquemas variáveis de intervenção, que mudam de um país para outro. Por indicar diretrizes para a educação e a escola, conteúdos e objetivos de ensino de diferentes áreas de conhecimento em função das aprendizagens dos estudantes, o currículo prescrito é um documento de referência para as outras instâncias curriculares. Por isso, Sacristán (2020) o considera comoinstrumento de política curricular. Nesse sentido, além de currículo prescrito, recebe outras denominações no contexto educacional, como currículo formal ou oficial. Para Sacristán (2020) em todo sistema educativo existe algum tipo de prescrição. São os aspectos gerais que atuam como referência na ordenação do sistema curricular, servindo como ponto de partida para a elaboração de materiais, controle de sistema etc. [...] a prescrição de mínimos e de diretrizes curriculares para um sistema educativo ou para um de seus níveis supõe um projeto de cultura comum para os membros de uma determinada comunidade, na medida em que afeta a escolaridade obrigatória pela qual passam todos os cidadãos. A ideia do currículo comum na educação obrigatória é inerente a um projeto unificado de educação nacional (SACRISTÁN, 2020, p. 111). No Brasil, em 22 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução CNE/CP n. 2, instituiu e orientou a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em sua versão final no ano de 2018. Desde a sua homologação, esse documento de referência nacional intensificou discussões sobre o processo de elaboração e reelaboração de propostas curriculares de Secretariais Municipais e Estaduais de Educação no cenário educacional brasileiro para as diferentes etapas da Educação Básica e áreas de conhecimento. Atualmente, no Brasil, a BNCC (2018) é o principal documento oficial de referência para a elaboração de propostas curriculares em âmbito nacional. Enquanto diretriz balizadora para a elaboração dos currículos das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, a BNCC (BRASIL, 2018) não pode ser considerada um currículo. Afinal, os currículos propriamente ditos são produzidos a partir dela. Entretanto, devido a sua amplitude, entendemos que na prática a dimensão prescrita do currículo no Brasil tem duas subcategorias, sendo a primeira concentrada numa dimensão macro, atendendo ao âmbito nacional – no caso, a BNCC (BRASIL, 2018) –, e a segunda ocupando uma dimensão intermediária para os currículos elaborados pelos estados e municípios que serão colocados em prática nas escolas. Cu rr íc ul o pr es cr ito BNCC (2018) Documento de referência para elaboração de currículos oficias Âmbito nacional Currículos oficiais elaborados por Secretarias de Educação a partir da BNCC (2018) Âmbitos estudais e municipais Figura 7 – Hierarquia da dimensão prescrita do currículo no Brasil 24 Unidade I Conforme disposto na Resolução CNE/CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017, em seu capítulo V, artigo 15, a adequação dos currículos à BNCC deveria ter sido realizada imediatamente ou efetivada preferencialmente até 2019 ou, no máximo, no início do ano letivo de 2020 (BRASIL, 2017). Sendo assim, na atual conjuntura, certamente, todos os currículos oficiais em vigor no território brasileiro estão organizados a partir das orientações prescritas na BNCC (BRASIL, 2018). Munidos dessa informação, é de suma importância que o(a) futuro(a) pedagogo(a) compreenda a estrutura geral desse documento, tendo em vista que em breve, ao lecionar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, será necessário dominar o repertório das nomenclaturas utilizadas, bem como entender a sua estruturação, especialmente no que se refere à área de matemática. Exemplo de aplicação Acesse a Base Nacional Comum Curricular na íntegra no link a seguir: BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum do Ensino Básico. Brasília, 2018. Disponível em: https://cutt.ly/xD7PKqG. Acesso em: 4 abr. 2022. Faça uma leitura prévia do documento e registre suas primeiras impressões pessoais sobre ele. Atenção! Não se faz necessário ler todo o documento na íntegra, basta realizar uma leitura dinâmica como forma de familiarização com o conteúdo, considerando aspectos gerais como linguagem, organização, estrutura, elementos gráficos etc. 2.1 Base Nacional Comum Curricular Com o intuito de servir como documento de referência nacional para a elaboração dos currículos, a BNCC (BRASIL, 2018) teve origem em diferentes movimentos, sendo as suas prescrições pautadas em leis, diretrizes, programas, documentos e propostas curriculares anteriores e vigentes no país. Mas, afinal, o que é a BNCC e quais são os seus objetivos? A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional da Educação (PNE) (BRASIL, 2018, p. 7). Com o desafio de estreitar as políticas educacionais do país, a partir de um regime de colaboração entre as três esferas (federal, estadual e municipal), a BNCC (BRASIL, 2018) precede interesses mais amplos derivados dos âmbitos políticos, econômicos, sociais, culturais e administrativos, assumindo um caráter normativo, ou seja, que tem o mesmo efeito de lei. 25 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I A BNCC dispõe aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas em todos os níveis de ensino da Educação Básica, servindo de documento balizador para nortear a produção e revisão dos currículos dos sistemas e redes de ensino das unidades federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio no território brasileiro. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei n. 9.394/96) são os principais alicerces legas da BNCC (BRASIL, 2018). Entretanto, ao longo do documento, outras leis, diretrizes e documentos nacionais e internacionais também são referenciados. Os conteúdos mínimos e as aprendizagens essenciais são nomeados no documento, respectivamente, como objetos de conhecimento e habilidades. Esses elementos curriculares estão atrelados aos conceitos de competência e de educação integral. As competências e habilidades estão relacionadas ao tratamento utilitário dos conteúdos de ensino, ou seja, a construção de saberes para o seu uso prático e social. Essa perspectiva, no que lhe diz respeito, tem prevalecido há décadas no Brasil e outros países do mundo na elaboração de currículos escolares. A justificativa à aderência a esse modelo é apresentada no documento da seguinte maneira. Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao longo deste início do século XX, o foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos estados e municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol) (BRASIL, 2018, p. 13). Além disso, a BNCC (BRASIL, 2018) também se refere à aderência de competências e habilidades na organização de suas proposições em referências associadas às avaliações em larga escala. Com o objetivo maior de garantir a formação plena dos estudantes no decorrer das três etapas da Educação Básica – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio –, reduzindo indícios de ruptura nesse processo, a educação integral é ancorada nas aprendizagens essenciais e nas competências. Nessa organização curricular, “O Ensino Fundamental, com nove anos de duração, é a etapa mais longa da Educação Básica, atendendo estudantes entre 6 e 14 anos” (BRASIL, 2018, p. 57), sendo dividido em duas fases: anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano).26 Unidade I Observação No Ensino Fundamental, o pedagogo, profissional polivalente, é responsável por lecionar nos anos iniciais, ou seja, em turmas do 1º ao 5º ano. Do 6º ano em diante, as disciplinas são assumidas por professores especialistas nas áreas de conhecimento, como Geografia, História, Matemática, Ciências etc. Assim, partindo das competências gerais da Educação Básica, a BNCC (BRASIL, 2018) apresenta a organização a seguir para os elementos curriculares no Ensino Fundamental: Educação Básica Competências gerais da Educação Básica Ensino Fundamental Áreas do conhecimento Componentes curriculares Anos iniciais (1º ao 5º ano) Anos finais (6º ao 9º ano) Língua Portuguesa Arte Educação Física Língua Inglesa Linguagens Matemática Ciências da natureza Ensino religioso Ciências humanas Matemática Ciências Ensino religioso Geografia História Educação Básica Competências gerais da Educação Básica Ensino Fundamental Áreas do conhecimento Competências específicas de área Componentes curriculares Competências específicas de componente Anos iniciais Anos finais Unidades temáticas Objetos de conhecimento Habilidades Figura 8 – Organização curricular do Ensino Fundamental Fonte: Brasil (2018, p. 27-28). 27 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Exemplo de aplicação Inicialmente, procure interpretar à sua maneira os conceitos apresentados nesse esquema, considerando os seus conhecimentos prévios acerca dos termos componentes, áreas de conhecimento, componentes curriculares, unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades. Depois, leia os significados desses conceitos no glossário apresentado na sequência e faça a leitura novamente, dessa vez aplicando a compreensão de cada termo. Glossário Competências: mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8). Áreas do conhecimento: ciências que favorecem a comunicação entre os conhecimentos e saberes dos diferentes componentes curriculares. Elas se intersectam na formação dos alunos, embora se preservem as especificidades e os saberes próprios construídos e sistematizados nos diversos componentes (BRASIL, 2018, p. 27). Componentes curriculares: se referem às disciplinas relacionadas em cada uma das áreas de conhecimento. Unidades temáticas: agrupamento e organização de conteúdos, conceitos e processos por temas. Objetos de conhecimento: entendidos como conteúdos, conceitos e processos (BRASIL, 2018, p. 28). Habilidades: expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares (BRASIL, 2018, p. 29). Uma vez compreendida a organização da BNCC (BRASIL, 2018), passamos para o nosso tema focal: a matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 2.1.1 A matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental Inicialmente, convém ressaltar que para a BNCC (BRASIL, 2018), a área de conhecimento favorece a comunicação entre os diferentes componentes curriculares. Dessa maneira, a ciência matemática, em sua amplitude, contribui para a abordagem da disciplina de Matemática no contexto escolar. 28 Unidade I Observação No início do livro-texto, no item 1.1 (“Caracterização da área de matemática”), discutimos acerca da matemática enquanto ciência e da matemática escolar. Observe que a BNCC (BRASIL, 2018) considera essa distinção na organização curricular, sem perder de vista a articulação e as imbricações entre elas. Diante do exposto, a BNCC (BRASIL, 2018) apresenta inicialmente a área de matemática para posteriormente propor a organização de seus componentes curriculares. De acordo com o documento, para a compreensão dessa importante área de conhecimento, faz-se necessário: Reconhecer que a matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 267). Na perspectiva da BNCC (BRASIL, 2018), a área de matemática é composta de cinco campos: aritmética, álgebra, geometria, probabilidade e estatística. Para delimitação dos componentes curriculares da matemática, esses campos são organizados em cinco unidades temáticas, sendo elas: Números, Álgebra, Geometria, Grandezas e Medidas, e Probabilidade e Estatística. Observação No próximo item iremos aprofundar a compreensão de cada uma dessas unidades temáticas previstas a serem ensinadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Após a apresentação da área de matemática e da organização do componente curricular em unidades temáticas, o documento indica alguns compromissos que devem ser desenvolvidos ao longo do processo de aprendizagem matemática: ideias fundamentais da matemática, letramento matemático e processos matemáticos. Somente após a abordagem desses aspectos essenciais é que o documento delimita as competências específicas para o Ensino Fundamental. Inicialmente, o documento reúne um conjunto de ideias fundamentais presentes nas cinco unidades temáticas, sendo elas: equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. 29 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Como um documento de referência macro, em respeito à sua natureza, a BNCC (BRASIL, 2018) não apresenta minúcias sobre cada uma das ideias fundamentais, cabendo às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação aprofundá-las na construção de seus respectivos currículos, transformando-as em objetos de conhecimento, ou seja, em conteúdos, conceitos e processos. A seguir, apresentamos um glossário para abordar o significado de cada ideia fundamental, seguido de exemplos de conteúdos em que a ideia se faz presente. Glossário Equivalência: relação de igualdade lógica naquilo que vale entre duas proposições; características de grandezas que possuem o mesmo valor, da força, do peso etc. Por exemplo: medidas culinárias (uma xícara de chá é igual a 240 ml). Ordem: se refere a uma organização sequencial. Por exemplo: função ordinal dos números naturais (1º, 2º, 3º e 4º). Proporcionalidade: igualdade entre duas razões; que está em proporção ou na mesma relação que outra coisa em intensidade, grandeza, grau etc. Exemplo: um inteiro é proporcional a dois meios (1 = 1/2 + 1/2 = 2/2). Interdependência: estado ou qualidade de duas coisas ligadas entre si por uma recíproca dependência. Exemplo: relação lógica da sentença “se a, então, b”. A própria proporcionalidade dá origem à ideia de interdependência: “se um inteiro é igual a dois meios, então, dois meios são iguais a um inteiro”. Representação: se refere às diferentes linguagens para representar números, espaços, formas, dados etc. Por exemplo: medidas, gráficos, desenhos, escrita etc. Variação: trata-se das mudanças que um fenômeno apresenta no curso do seu desenvolvimento, num determinado intervalo de tempo; ato ou efeito de variar. Por exemplo: temperatura no decorrer de um dia. Aproximação: relacionada à proximidade. Por exemplo: estimativas, cálculo mental, médias etc. Essas ideias fundamentais estão presentes em todas as unidades temáticas, perpassando e se relacionando entre elas a partir dos conteúdos, conceitos e processos matemáticos ensinados ao longo do Ensino Fundamental. 30 Unidade I Além dessas ideias fundamentais, baseando-se na definição apresentada na Matriz do Pisa (2012), a BNCC (BRASIL, 2018) faz referência ao importante compromisso com o letramento matemático, definindo-o como: [...] capacidade individual de formular, empregar e interpretar a matemática em uma variedade de contextos. Isso inclui raciocinar matematicamentee utilizar conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas para descrever, explicar e predizer fenômenos. Isso auxilia os indivíduos a reconhecer o papel que a matemática exerce no mundo e para que cidadãos construtivos, engajados e reflexivos possam fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as decisões necessárias (OECD, 2012, p. 1). As prescrições seguem apresentando a resolução de problemas, a investigação e o desenvolvimento de projetos e modelagem como processos matemáticos. O documento atribui duas definições para o termo, referenciando-o como atividades matemáticas privilegiadas e estratégicas para a aprendizagem. Destaca-se, ainda, a potencialidade desses processos para o desenvolvimento das competências gerais e específicas da área de matemática. Agora, observe o esquema a seguir, que representa a organização da Matemática na BNCC (BRASIL, 2018), discutida neste item, como procedimento de revisão e sistematização dos conceitos abordados: Ciência Campos Componente curricular Unidades temáticas Compromisso de desenvolvimento Ideias fundamentais Letramento matemático Processos matemáticos Aritmética Números Álgebra Álgebra Área de matemática Geometria Matemática escolar Geometria Probabilidade Grandezas e Medidas Estatística Probabilidade e Estatística Figura 9 – Organização geral da área de conhecimento e do componente curricular de Matemática apresentado pela BNCC (BRASIL, 2018) para o Ensino Fundamental 31 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I 2.2 Unidades temáticas Neste item, iremos apresentar as especificidades de cada unidade temática do componente curricular Matemática. É importante ressaltar que essas unidades temáticas se referem a temais gerais, no sentido mais amplo, do que deve ser ensinado nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Somente então, a partir da compreensão sobre cada unidade, é que passaremos a analisar competências, objetos de conhecimento e habilidades previstos para o 1º ao 5º do Ensino Fundamental. Observação Além de expressar os temas a serem aprendidos pelos estudantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental, essas unidades temáticas correspondem ao conhecimento basal do conteúdo que o(a) futuro(a) pedagogo(a) deverá dominar e com o qual deverá se familiarizar e para ensinar matemática. Nessa direção, conforme já mencionado, a BNCC (BRASIL, 2018, p. 268) “propõe cinco unidades temáticas, correlacionadas, que orientam a formação de habilidades a ser desenvolvidas ao longo do Ensino Fundamental. Cada uma delas pode receber ênfase diferente, a depender do ano de escolarização”. A unidade temática Números é destinada ao desenvolvimento do pensamento numérico pelos estudantes. Esse pensamento implica, em linhas gerais, conhecimentos relacionados aos diferentes processos de quantificação e de julgamentos e interpretações argumentativas baseadas em quantidades. Nesse processo de construção da noção numérica, espera-se que os estudantes desenvolvam, entre outras, algumas ideias fundamentais da matemática, como: aproximação, proporcionalidade, equivalência e ordem. Pretende-se que essa construção seja promovida por meio de situações de aprendizagens significativas e sucessivas ampliações e aprofundamentos dos diferentes campos numéricos (naturais, inteiros, racionais, irracionais e reais). No que se refere ao estudo desses campos numéricos, faz-se necessário enfatizar os registros, usos, significados e também as operações. Observação Na organização da BNCC (BRASIL, 2018), as operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) estão concentradas na unidade temática Números. Portanto, não existe neste documento uma unidade temática destinada exclusivamente às operações, assim como era apresentado antigamente no documento curricular denominado Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1997). Entretanto, isso não significa que o ensino da adição, subtração, multiplicação e divisão não deva acontecer; muito pelo contrário, pelo fato de essas operações expressarem matematicamente as mais diversas relações interpretativas e argumentativas sobre quantidades, elas envolvem a compreensão e o domínio de ideias e relações numéricas, o que justifica a concentração do conteúdo operações na unidade temática Números. 32 Unidade I Especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no que se refere à unidade temática Números, espera-se que os estudantes sejam capazes de resolver problemas com números naturais e números racionais, desde que a sua representação decimal seja finita, a partir de situações que englobam os diferentes significados das operações. A expectativa também é que os estudantes desenvolvam habilidades argumentativas para justificar os procedimentos utilizados para a resolução dos problemas, além de avaliar a plausibilidade dos resultados aos quais chegaram. A unidade temática Números também é destinada aos diferentes tipos de cálculos (mental, escrito, aproximado etc.). Sobre o domínio de cálculo, “espera-se que os estudantes desenvolvam diferentes estratégias para a obtenção dos resultados, sobretudo por estimativa e cálculo mental, além de algoritmos e uso de calculadoras” (BRASIL, 2018, p. 268). Nos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, objetiva-se também o desenvolvimento de habilidades relacionadas aos processos de leitura, escrita e ordenação de números naturais e racionais tendo como base a compreensão das características e regularidades do sistema de numeração decimal, principalmente no que se refere ao valor posicional dos algarismos nos números. Para o aprofundamento da noção de número, a BNCC (BRASIL 2018) propõe que o trabalho pedagógico seja desenvolvido a partir de situações-problemas em que os estudantes percebam que os números naturais não são suficientes para resolvê-las, conduzindo-os à necessidade do uso dos números racionais tanto na representação decimal quanto na fracionária. Observação Adiante você irá visualizar em quais turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental devem ser introduzidas as ideias de números racionais, bem como o aprofundamento do conceito de números naturais e racionais em cada ano especificamente. Figura 10 – Exemplo de conteúdo apresentado na unidade temática Números nos anos iniciais do Ensino Fundamental Disponível em: https://cutt.ly/zF7tp7n. Acesso em: 11 mar. 2022. 33 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I A unidade temática Álgebra foi uma das principais novidades apresentadas na BNCC (BRASIL, 2018), pois a proposta é que, desde o primeiro ano do Ensino Fundamental, sejam oferecidas ao estudante condições para que ele desenvolva um tipo especial de pensamento, denominado pensamento algébrico. Raciocinar algebricamente é indispensável no uso de modelos matemáticos e na compreensão, representação e análise de relações quantitativas de grandezas, assim como de situações e estruturas matemáticas, por meio do uso de letras, símbolos e números. Para o desenvolvimento desse tipo de pensamento, é necessário identificar regularidades e padrões de sequências numéricas e não numéricas, estabelecer leis matemáticas que expressem a relação de interpendência entre grandezas em diferentes contextos e também construir, interpretar e transitar entre as diversas representações gráficas e simbólicas no processo de resolução de problemas. Em resumo, a unidade temática Álgebra deve favorecer o desenvolvimento de uma linguagem matemática específica a partir de raciocínios que envolvem generalizações, a análise de interdependência de grandezas e a resolução de problemas. De acordo com a BNCC (BRASIL, 2018), a introdução ao pensamento algébrico nos anos iniciais do Ensino Fundamental deve ser pautada nas ideias de regularidade, generalização de padrões e propriedades de igualdade. Observação “Nessa fase, não se propõe o uso de letras para expressar regularidades, por mais simples que sejam” (BRASIL, 2018). Asideias algébricas nos anos iniciais do Ensino Fundamental deverão ser desenvolvidas principalmente por meio de representações numéricas (números naturais) e figurais (desenhos e formas). Para melhor compreensão sobre a abordagem dos conteúdos algébricos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, vejamos alguns exemplos apresentados na BNCC (BRASIL, 2018, p. 270): A relação dessa unidade temática com a de Números é bastante evidente no trabalho com sequências (recursivas e repetitivas), seja na ação de completar uma sequência com elementos ausentes, seja na construção de sequências segundo uma determinada regra de formação. A relação de equivalência pode ter seu início com atividades simples, envolvendo a igualdade, como reconhecer que se 2 + 3 = 5 e 5 = 4 + 1, então 2 + 3 = 4 + 1. Atividades como essa contribuem para a compreensão de que o sinal de igualdade não é apenas a indicação de uma operação a ser feita. A noção intuitiva de função pode ser explorada por meio da resolução de problemas envolvendo a variação proporcional direta entre duas grandezas (sem utilizar a regra de três), como: “Se com duas medidas de suco concentrado eu obtenho três litros de refresco, quantas medidas desse suco concentrado eu preciso para ter doze litros de refresco?”. 34 Unidade I A seguir, um exemplo de sequência figural que expressa a introdução ao raciocínio algébrico nos anos iniciais do Ensino Fundamental: De acordo com o padrão da sequência, qual é a próxima flor? Desenhe e pinte no quadro indicado. Figura 11 – Exemplo de sequência figural que envolve o desenvolvimento do pensamento algébrico nos anos iniciais do Ensino Fundamental Adaptada de: https://cutt.ly/CF7tVcz. Acesso em: 11 mar. 2022. No tocante à unidade temática Geometria, a proposta é que ao longo do Ensino Fundamental os estudantes adquiram um amplo conjunto de conceitos e procedimentos essenciais para a resolução de problemas do mundo físico. Abrangendo conceitos relacionados às formas e ao espaço, esse importante tema envolve o estudo sobre posição e deslocamento espacial, formas e relações entre elementos de figuras planas (bidimensionais) e espaciais (tridimensionais) que contribuem para o desenvolvimento do pensamento e raciocínio algébrico. De acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p. 272), “as ideias fundamentais associadas a essa temática são, principalmente, construção, interpretação e interdependência”. A expectativa é que nos anos iniciais do Ensino Fundamental os estudantes desenvolvam habilidades acerca de identificação e estabelecimento de pontos de referência para localização e o deslocamento de objetos no espaço; façam construções para representar espaços conhecidos; e estimem medidas espaciais e distâncias, por meio de diferentes suportes como mapas, croquis e outras representações, incluindo lápis e papel e também o uso de tecnologias (tablets ou smartphones). No que se refere ao estudo das formas, os estudantes do 1º ao 5º ano devem ter a oportunidade de identificar características gerais e específicas de formas geométricas tridimensionais e bidimensionais, assim como associar figuras espaciais às suas respectivas planificações mutuamente. Além disso, poderão nomear e comparar polígonos, considerando características relacionadas aos lados, vértices e ângulos, e também iniciar o estudo das simetrias a partir de manipulações de representações de figuras geométricas planas em diferentes suportes, como malhas quadriculadas, plano cartesiano e recursos tecnológicos como softwares de geometria dinâmica. 35 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Figura 12 – Exemplo de conteúdo apresentado na unidade temática Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental Disponível em: https://cutt.ly/JF7t95N. Acesso em: 11 mar. 2022. Outra importante unidade temática a ser ensinada nos anos iniciais do Ensino Fundamental se refere às Grandezas e Medidas. Para a BNCC (BRASIL, 2018, p. 273), “as medidas quantificam grandezas do mundo físico e são fundamentais para a compreensão da realidade”, isso porque o conceito de medida é construído a partir da relação entre quantidade e qualidade dos objetos, pessoas e fenômenos (VECE, 2020). Assim, segundo essa perspectiva, a medida se refere à quantidade de uma determinada grandeza contínua, ou seja, de uma qualidade (comprimento, massa, capacidade, tempo, valor, temperatura etc.). É importante ressaltar que a unidade temática Grandezas e Medidas, ao propor o estudo das medidas e das relações entre elas, apresenta características peculiares a serem consideradas em sua compreensão, sendo elas: intradisciplinar, interdisciplinar e utilitária. Intradisciplinar, pois contribui para a consolidação e ampliação de conceitos de outros temas matemáticos, como noções numéricas, geométricas e algébricas; interdisciplinar, por integrar a matemática a outras áreas de conhecimento; e, por fim, utilitária, devido à relevância de seus conceitos e conteúdos em diferentes usos e funções sociais (VECE, 2020). Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, espera-se que os estudantes aprendam que medir é comparar grandezas de mesma natureza, por meio de uma unidade de medida cujo resultado da comparação pode ser representado a partir de um número. Nesse sentido, a resolução de problemas do cotidiano é importante para a familiarização de grandezas de diferentes naturezas, como comprimento, massa, tempo, temperatura e capacidade. Além disso, favorece a transição no processo de uso de medidas não convencionais e convencionais. Ainda nessa mesma unidade temática, são abordadas questões relacionadas a valores monetários, a partir de situações de compra e venda, priorizando o desenvolvimento de habilidades e atitudes éticas e responsáveis quanto ao consumo. 36 Unidade I Por sua característica prática e utilitária, a BNCC (BRASIL, 2018) destaca que na abordagem das Grandezas e Medidas “[...] é preciso considerar o contexto em que a escola se encontra: em escolas de regiões agrícolas, por exemplo, as medidas agrárias podem merecer maior atenção em sala de aula” (BRASIL, 2018, p. 273). Figura 13 – Exemplo de conteúdo apresentado na unidade temática Grandezas e Medidas nos anos iniciais do Ensino Fundamental Disponível em: https://cutt.ly/SF7yyq8. Acesso em: 11 mar. 2022. Por fim, a unidade temática Probabilidade e Estatística agrega dois temas relevantes, a incerteza e o tratamento dos dados. Em relação às noções de probabilidade, a intenção é que nos anos iniciais do Ensino Fundamental os estudantes compreendam que nem todos os fenômenos são determinísticos; para isso, a introdução ao pensamento probabilístico deve se dar a partir da construção de ideias de aleatoriedade, de maneira que os estudantes possam vivenciar e identificar eventos certos, impossíveis e prováveis de acontecer. Nesse momento da escolarização, é fundamental que os estudantes possam verbalizar, argumentando sobre os eventos que envolvem o acaso e também os possíveis resultados que poderiam ter acontecido em oposição ao que aconteceu na realidade. No que se refere às noções estatísticas, recomenda-se a apresentação de situações que envolvam a coleta e a organização de dados de uma pesquisa, a partir do foco de interesse dos estudantes. Para isso, o planejamento de como fazer uma pesquisa pode auxiliar na compreensão do papel da estatística nas práticas cotidianas. Dessa maneira, a leitura, a interpretação e a construção de tabelas e de gráficos devem permear todo o trabalho docente, uma vez que possuem papel fundamental na produção e interpretação de textos para a comunicação de dados. 37 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Por fim, é importante ressaltar que a unidade temática Probabilidade e Estatística [...] propõe a abordagem de conceitos, fatos e acontecimento presentes em muitas situações – problema da vida cotidiana, das ciências e da tecnologia. Assim, todos os cidadãos precisam desenvolver habilidades para coletar, organizar,representar, interpretar e analisar dados em uma variedade de contextos, de maneira a fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as decisões adequadas. Isso incluir raciocinar e utilizar conceitos, representações e índices estatísticos para descrever, explicar e predizer fenômenos (BRASIL, 2018, p. 274). Figura 14 – Exemplo de conteúdo apresentado na unidade temática Probabilidade e Estatística nos anos iniciais do Ensino Fundamental Disponível em: https://cutt.ly/MF7ykbN. Acesso em: 11 mar. 2022. Exemplo de aplicação Agora que você conhece todas as unidades temáticas que devem ser ensinadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, faça a leitura da BNCC (BRASIL, 2018) na íntegra, dos objetos de conhecimento (conteúdos) e das habilidades (aprendizagens essenciais) previstos para cada tema do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Durante a leitura, procure observar a descrição dos conteúdos e das habilidades, ou seja, como eles são apresentados e também como se dá a progressão de um ano para o outro. Faça a leitura das páginas 278 a 297 do arquivo disponível em: BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum do Ensino Básico. Brasília, 2018. Disponível em: https://cutt.ly/xD7PKqG. Acesso em: 4 abr. 2022. 38 Unidade I 3 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM Para você, como ocorre o processo de aprendizagem? Como aprendemos os conteúdos e conceitos matemáticos? Em sua opinião, a aprendizagem se desenvolve por memorização, repetição e exercícios de fixação ou existem outras formas de aprender? Essas e outras questões serão abordadas a seguir com o enfoque na aprendizagem matemática. Você verá que o entendimento do que vem a ser a aprendizagem está associado a perspectivas, enfoques e concepções adotadas pelo próprio professor. A clareza dessas ideias, bem como acerca das imbricações que elas podem causar na formação dos estudantes, é vital na formação docente, uma vez que são elas as principais responsáveis pelas tomadas de decisões do professor. Exemplo de aplicação Durante a leitura, procure identificar trechos e aspectos semelhantes à maneira como você aprendeu matemática no período de escolarização. Recorrendo a uma reflexão crítica, procure pensar em alternativas de propostas de atividades que favoreçam o processo de aprendizagem significativa. 3.1 Aprendizagem matemática Ao longo da história, por muito tempo, o ensino de matemática na escola foi conduzido por ideias equivocadas sobre o papel que o estudante e o professor desempenhavam no processo de ensino e aprendizagem e a sua relação com os conceitos e conteúdos matemáticos. Assim, a seguir, primeiramente iremos identificar as características de algumas dessas concepções, para depois compreendermos a perspectiva atual recomendada e fundamentada por meio de estudos da educação matemática. Sobre o ensino de matemática, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, existe um enfoque persistente na prática docente que reflete a maneira em que o professor compreende como se dá o processo de aprendizagem matemática. Entre as crenças arraigadas nessa concepção, acredita-se que os conteúdos matemáticos devem ser ensinados aos poucos, um a um, seguindo uma ordem hierárquica do mais simples ao mais complexo. Assim, conforme esse enfoque, não se pode, por exemplo, ensinar subtração enquanto não se tenha ensinado a operação de adição; não se pode prosseguir com a multiplicação até que as noções de adição e subtração não tenham sido plenamente consolidadas, e assim sucessivamente. Exemplo de aplicação Você já parou para pensar como aprendemos matemática no dia a dia? Reflita: existe essa hierarquização ou o processo se dá de maneira integrada e articulada entre os mais variados conceitos e conteúdos matemáticos? 39 CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I Ainda de acordo com essa mesma perspectiva, a repetição, memorização e atividades mecânicas que envolvem a coordenação motora são colocadas como essenciais e indispensáveis para a aprendizagem. Por exemplo: “[...] escrever linhas inteiras do mesmo número, desenhá-los, cortá-los, pintá-los etc. são atividades consideradas fundamentais para a aquisição da escrita numérica. Uma das ideias principais é que o conhecimento entra pelos olhos, imitando, copiando, observando” (MORENO, 2006, p. 43-44). Até aqui, explicitamos algumas das características da concepção de ensino tradicional. Esta ainda persiste no contexto escolar, apesar de os significativos avanços de pesquisas e estudos em educação matemática indicarem o seu aspecto linear e restritivo. Mas, afinal, o que significa assumir uma postura tradicional para ensinar matemática? Adotar uma postura tradicional significa conceber a aprendizagem como um processo cumulativo e linear, como o agrupamento de pequenas “porções” de conhecimento adquiridas paulatinamente. De acordo com a concepção tradicionalista, o papel do professor se limita a seguir e aplicar uma progressão sistemática de definições e exercícios, apresentando aos estudantes os conteúdos passo a passo. Nessa mesma perspectiva, a aprendizagem matemática é entendida como um processo que se dá aos poucos, como se fossem doses “homeopáticas” da aquisição de conteúdos considerados mais fáceis para os mais difíceis. Isso evidencia ainda a ideia de um estudante desprovido de conhecimentos prévios e de capacidade intelectual e alienado em relação ao contexto sociocultural exterior aos muros da escola. Assim, considera-se que o conhecimento matemático é construído por meio de um processo exaustivo de repetição e memorização. É como se o sujeito fosse considerado uma tábula rasa, ou seja, alguém que não dispõe de conhecimento algum acerca dos conteúdos a serem ensinados. Na postura de ensino tradicional, identificamos uma abordagem excessivamente hierarquizada para ensinar matemática. Ela se refere a uma organização do ensino dominada pela ideia de pré-requisito e que desconsidera, em boa parte, as possibilidades de aprendizagem dos estudantes. Entretanto, apesar de sabermos que alguns conhecimentos precedem outros, sendo necessário tomar decisões para a organização desse percurso, não existem, por outro lado, amarras tão fortes como algumas que podem ser identificadas comumente na prática de ensino da matemática. Exemplo de aplicação Você já vivenciou, enquanto estudante da escolarização básica, práticas tradicionais do ensino de matemática como essas apresentadas anteriormente? Quais? Outra perspectiva que se faz presente no discurso pedagógico está relacionada à ideia de que para ensinar matemática é necessário partir do concreto. Esse enfoque recebe o nome de empírico-ativista. Enquanto no ensino tradicional compreende-se que a aprendizagem se dá por repetição e memorização, no enfoque empírico-ativista considera-se que a aprendizagem acontece a partir de relações lógicas que o estudante estabelece com objetos e elementos do mundo físico. Assim, enquanto a vertente tradicionalista de ensino concebe o estudante como uma tábula rasa, a empírico-ativista 40 Unidade I o adota como um sujeito autodidata dotado de estruturas cognitivas. Sendo assim, na perspectiva empírico-ativista, a aprendizagem é um processo que se dá pela experimentação e manipulação de materiais concretos, independentemente do professor, considerado como aquele que não assume, claramente, uma intencionalidade didática. Afinal, o estudante é capaz de aprender sozinho, sem intervenções, a partir do princípio de que se aprende a fazer fazendo. Um bom exemplo da postura empírico-ativista na prática do ensino de matemática se refere ao uso de jogos e recursos didáticos variados, como material dourado, ábaco, blocos lógicos etc., de maneira espontânea e exploratória por parte dos estudantes, com a crença de que sozinhos poderão atribuir os sentidos e os significados matemáticos essenciais para a aprendizagem de conceitos e conteúdos. Exemplo de aplicação Você já ouviu de algum professor a afirmação de
Compartilhar