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TENDÊNCIAS ATUAIS DO ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Gislaine Donizeti Fagnani da Costa 1ª Edição Indaial – 2019 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2019 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: C837t Costa, Gislaine Donizeti Fagnani da Tendências atuais do ensino e aprendizagem de matemática. / Gislaine Donizeti Fagnani da Costa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 138 p.; il. ISBN 978-85-7141-360-3 ISBN Digital 978-85-7141-361-0 1. Matemática - Ensino e aprendizagem. - Brasil. II. Centro Univer- sitário Leonardo Da Vinci. CDD 511.8 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática .......................................... 7 CAPÍTULO 2 Tendências Metodológicas de Ensino-Aprendizagem em Educação Matemática ............................................................ 49 CAPÍTULO 3 O Uso das Mídias Tecnológicas e o Uso de Jogos no Ensino de Matemática .......................................................... 101 APRESENTAÇÃO A Matemática é uma ciência que estuda relações. É também uma maneira de pensar. Ao longo da história, a Matemática desenvolveu sistemas de representação e modelos de análise que nos permitem pensar sobre os eventos e fenômenos, fazendo análises que não seriam possíveis sem esses sistemas de representação. Por essa ótica, o ensino da Matemática não interessa apenas aos matemáticos ou aos futuros matemáticos, mas a todos. A interpretação de gráficos, a análise de relações, a mensuração, a modelação de fenômenos são técnicas comuns da Matemática utilizadas nos mais diversos contextos. Nas ciências e na tecnologia a Matemática tem um papel fundamental como instrumento de análise e previsão. Na vida quotidiana pode ser necessário compreender o que significam percentagens, proporções, frações, constantes e variáveis em uma situação, ou que impacto têm as diferentes fórmulas para o cálculo da inflação sobre o salário. No entanto, nem sempre os alunos dominam facilmente os sistemas de representação e as maneiras de pensar desenvolvidos pela Matemática. Dessa forma, a Educação Matemática é uma parte essencial da educação, tão essencial como a leitura e a escrita, mesmo para aqueles alunos que não pretendem avançar em Matemática como uma ciência. A Educação Matemática é parte de uma constelação de fatores que caracterizam uma sociedade. No entanto, a escola tem certo grau de autonomia, que a torna um dos desencadeadores de um processo mais amplo de mudança, que visa à justiça social, no âmbito do país para que a Educação Matemática possa desempenhar esse papel, no entanto, parece necessário repensar a própria educação. Nessa perspectiva, a abordagem da Educação Matemática, abordada aqui, consiste em sugerir maior flexibilidade quanto às formas de representação utilizadas na escola, porém tentando simultaneamente promover a adoção de formas de representação mais poderosas. Tal análise psicológica de aspectos da Educação Matemática deve repercutir no desenvolvimento de novos caminhos para a sala de aula, tais como o relacionamento professor-aluno, resultando em uma nova forma de compreender as relações em sala de aula voltada para a representação social e suas consequências para a interação. No primeiro capítulo, será apresentado uma breve compreensão do contexto histórico que influenciou o ensino da Matemática, bem como, as mudanças sociais e seus reflexos no ensino-aprendizagem da Matemática, relacionando a história da Matemática, as mudanças sociais e seus reflexos no ensino-aprendizagem da Matemática, destacando os aspectos negativos, bem como, os aspectos positivos provocados por essa influência. No segundo capítulo, será abordada a evolução das tendências metodológicas em Educação Matemática, apresentando um panorama das tendências metodológicas atuais no ensino e aprendizagem de Matemática, bem como a busca da compreensão da evolução das tendências metodológicas da Educação Matemática e explanando a aplicação e adequação dos procedimentos metodológicos como estratégia e método de ensino as situações reais no ensino- aprendizagem da Matemática. Já no terceiro capítulo, será delineada a metodologia dos jogos como estratégia e meta de ensino, destacando que o uso das novas tecnologias contribui para a aprendizagem da matemática, ou seja, saber usar as novas tecnologias, bem como, os jogos como estratégias e métodos que facilitem o ensino-aprendizagem da Matemática permite analisar de forma crítica e dialética o currículo de Matemática. Considerando a análise das realidades criada pela evolução das tendências no ensino-aprendizagem da matemática essencial à formação crítica do aluno. Apontamos aqui o papel da Educação Matemática nas sociedades contemporâneas, algumas concepções da Educação Matemática e o novo papel do professor frente ao mundo atual. Esperamos que análise do contexto histórico no qual evoluiu a Educação Matemática, bem como, o papel da Educação Matemática nas sociedades contemporâneas, algumas concepções da Educação Matemática e o novo papel do professor frente ao mundo atual, possam estimular o debate, auxiliando os professores a compreender alguns fenômenos do ensino e aprendizagem da Matemática, permitindo que a pesquisa e o uso das metodologias que possam promover o ensino de Matemática possam ser adaptados à realidade da sala de aula. CAPÍTULO 1 O Enfoque da História da Matemática no Ensino- Aprendizagem da Matemática A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender o contexto histórico que influenciou o ensino da matemática, bem como, as mudanças sociais e seus reflexos no ensino-aprendizagem da Matemática. • Relacionar a história da matemática, as mudanças sociais e seus reflexos no ensino-aprendizagem da Matemática, destacando os aspectos negativos, bem como, os aspectos positivos provocados por essa influência. 8 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática 9 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Nas últimas décadas o ensino da Matemática sofreu muitas mudanças significativas. Nas décadas de 1940 e 1950 do século passado, o ensino da Matemática caracterizou-se pela memorização e mecanização, também conhecido como “ensino tradicional”. Com isso, se exigia do aluno que decorasse demonstrações de teoremas (memorização) e praticasse listas com enorme quantidade de exercícios (mecanização). Todavia, os resultados desta metodologia de ensino não foram significantes (PONTE, 2004). Nos anos 1960 os currículos de Matemática passaram por uma reformulação acentuada, como reflexo do movimento internacional da “Matemática Moderna”. Com uma nova abordagem, foi introduzida uma nova linguagem caracterizada pelo simbolismo da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. Na década de 1970 foram evidenciados o abstrato e o formal, sem objetivar as aplicações, como resultado de novos programas elaborados no espírito da Matemática Moderna. Nos anos 80, buscou-se valorizar, na aprendizagem da Matemática, a compreensão da relevânciade aspectos sociais, antropológicos, linguísticos, além dos cognitivos (BRASIL, 1998). Esta valorização surgiu como resposta aos fracos resultados da aprendizagem da Matemática nas décadas anteriores. Nos anos 90, surgiu o que ficou conhecido como “ensino renovado”, em face de se ter verificado que não era nas tarefas de cálculo que os alunos tinham os piores resultados, mas sim nas tarefas de ordem mais complexa, que exigiam algum raciocínio, flexibilidade e espírito crítico (PONTE, 2004). Apesar dos esforços no sentido de propor mudanças no ensino da Matemática nos últimos anos, esta disciplina continua sendo considerada a grande vilã dentre as áreas do conhecimento, responsável pelos altos índices de reprovação dos alunos. Os problemas que se levantam em relação ao ensino da Matemática em todos os níveis não são novos e se apresentam de forma variada e com graus de complexidade distintos, quase sempre difíceis de resolver. Pretendemos refletir sobre alguns dos aspectos que normalmente dificultam a aprendizagem da Matemática, tais como: conceito de que a Matemática é difícil, formação inadequada dos professores, uso da metodologia tradicional, pouco incentivo à utilização de novos recursos pedagógicos, falta de contextualização e dificuldades no uso da linguagem matemática. Alguns desses problemas poderão não ter respostas claras ou simples, mas poderão servir como discussão e como aspecto facilitador para que o professor que pretenda ensinar esta disciplina, pois, conhecer o problema é essencial para buscar solução. 10 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática 2 A MATEMÁTICA E O ENSINO DA MATEMÁTICA A Matemática é vista como uma disciplina obrigatória nos currículos escolares. Em face da importância da matemática, os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos dessa disciplina no Ensino Médio, possibilitar ao aluno: • compreender os conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas que permitam a ele desenvolver estudos posteriores e adquirir uma formação científica geral; aplicar seus conhecimentos matemáticos a situações diversas, utilizando-os na interpretação da ciência, na atividade tecnológica e nas atividades cotidianas; • analisar e valorizar informações provenientes de diferentes fontes, utilizado ferramentas matemáticas para formar uma opinião própria que lhe permita expressar-se criticamente sobre problemas da matemática, das outras áreas do conhecimento e da atualidade; • desenvolver as capacidades de raciocínio e resolução de problemas, de comunicação, bem como o espírito crítico e criativo; • utilizar com confiança procedimentos de resolução de problemas para desenvolver a compreensão dos conceitos matemáticos; • expressar-se oral, escrita e graficamente em situações matemáticas e valorizar a precisão da linguagem e as demonstrações em matemática; • estabelecer conexões entre diferentes temas matemáticos e entre esses temas e o conhecimento de outras áreas do currículo; • reconhecer representações equivalentes de um mesmo conceito, relacionando procedimentos associados às diferentes representações; • promover a realização pessoal mediante o sentimento de segurança em relação às suas capacidades matemáticas, o desenvolvimento de atitudes de autonomia e cooperação (BRASIL, 1999). Para atender a esses objetivos, a Matemática escolar deve possuir uma 11 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 linguagem que busque dar conta de aspectos concretos do cotidiano dos alunos, sem deixar de ser um instrumento formal de expressão e comunicação para diversas ciências. Os principais objetivos são desenvolver o raciocínio lógico, a capacidade de abstrair, generalizar, projetar etc. Devido a todas estas capacidades que a escola precisa ou necessita desenvolver nos seus alunos é que se atribui tanto valor à matemática, inclusive como elemento selecionador para escolas e concursos públicos. Considerando que a reprovação em número significativo na disciplina de Matemática é aceita com insatisfação pela comunidade escolar, é importante fazermos algumas reflexões sobre o fracasso do aluno na disciplina, levando em conta a justificativa de que "matemática é difícil". Apesar da importância associada à Matemática, ela ainda é considerada uma disciplina de difícil aprendizagem. Silveira (2002), explica que existe um sentido pré-constituído evidenciado na fala dos alunos de que a matemática é difícil. A autora realizou um levantamento junto a professores de Matemática, no qual verificou que para estes essa disciplina precisa tornar-se fácil, o que pressupõe que ela seja difícil. Foram identificados na voz do aluno a disciplina é considerada chata e misteriosa, que assusta e causa pavor, e por consequência, o aluno sente medo da sua dificuldade e vergonha por não aprender. O resultado de tantos sentimentos ruins que esta disciplina proporciona ao aluno, somado ao bloqueio em não dominar sua linguagem e não ter acesso ao seu conhecimento vem o sentimento de ódio pela matemática. Segundo Silveira (2002), os professores de matemática do ensino médio manifestaram o sentido de jogar a culpa do fracasso dos alunos nas professoras de séries iniciais, pelo fato de estarem despreparadas e por optarem pelo Curso de Magistério por não gostar de matemática e para fugir dela. Ao empurrar a culpa para longe de si, o professor faz emergir o sentido de que ensinar matemática também é para poucos, pois ensinar uma disciplina considerada difícil dá status, e que o professor de matemática procura manter. O sentido da fuga toma sentido, pois “se o caminho é sem saída e cheio de bichos maus”, a única alternativa é desviar da disciplina (SILVEIRA, 2002). A autora citada anteriormente, as opiniões dos alunos, quando falavam da disciplina, revelaram sentidos repetidos de outras vozes, como ecos de ressonância de dizeres que já foram ditos e analisados nas vozes: do professor, das sociedades a que estes professores se filiam e da mídia. A leitura da matemática, feita pelo aluno, mostra que traz subjacente, em sua fala, outro discurso que faz parte da sua memória, revela as alterações de sentidos que produz na sua interpretação como sujeito enquanto aprende. A insatisfação dos alunos é expressa por “Matemática é chata”, que é uma derivação de “não gosto de matemática”, como efeito de sentido do pré-construído “matemática é 12 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática difícil”. “Matemática é difícil”, no sentido de que é “complicado”, foi reconhecido não apenas pelos alunos, como também no contexto histórico da disciplina, bem como, identificado nas atitudes de profissionais de educação que “Para despertar o prazer de aprender Matemática” propõem “a Matemática des-com-pli-ca-da”. Assim, através de seus programas querem despertar um prazer que reconhecem como inexistente com a finalidade de descomplicar o que é complicado. Esta “fama” que deu voz a professores e alunos demonstra a forma naturalizada e inquestionável que o saber matemático está constituído na escola: a matemática é tradicionalmente a disciplina que apresenta maior dificuldade. Assim, podemos perceber o discurso que fala da dificuldade da matemática, como um discurso pré-construído (SILVEIRA, 2002). O aluno, que é um sujeito atravessado por estes saberes que estão aí circulando, se filia a este discurso, mas cria sentidos seus, pois ao movimentar-se nestes sentidos que foram dados à matemática, ao longo do tempo, desloca alguns e produz outros, como: importante, chata, idiota, útil, complicada, exige muita atenção e que não gosta. A matemática da sala de aula perde sua beleza, para alguns estudantes, pois não conseguem assimilá-la. Quando têm dificuldades em entendê-la, a disciplina transforma-se num “bicho de sete cabeças”. O professor, por sua vez, também se vê impossibilitado de seduzir o aluno,já que este, muitas vezes, comprova na escola que já conhecia antes de nela entrar, o mito da dificuldade da disciplina. Torna-se importante também compreender que a matemática na sala de aula, ao mesmo tempo em que fecha as possibilidades de outros sentidos, nas leituras e interpretações de seus textos, também permite muitos caminhos para chegar a um resultado, e neste contexto, dá liberdade ao estudante de criar, durante a resolução. Conhecer onde a disciplina restringe e onde amplia a capacidade especulativa dos alunos facilita o trabalho do professor que, através do diálogo, entra em entendimento com estes. Relativizar estes sentidos dados à Matemática deveria ser papel do educador, pois é na escola que estes sentidos se manifestam, prejudicando a relação de ensinar e aprender a disciplina. Desta forma, a escola é o lugar para que a desconstrução deste sentido de dificuldade se viabilize, pois é preciso desmanchar esta relação que é significativa entre os efeitos deste discurso pré- construído e a aprendizagem. Desse modo, importa que valorizemos as situações de prática de ensino/aprendizagem de Matemática na escola, situações concretas em que atuam os sujeitos, produzindo sentidos. As dificuldades encontradas pelos estudantes na aprendizagem da Matemática passam pela capacitação inadequada dos professores. A maioria dos 13 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 professores de Matemática vem sendo formada sem conhecer o conteúdo do que deve lecionar. A questão salarial e a desvalorização da profissão de professor fazem com que a Matemática não consiga atrair um grande contingente de alunos. As consequências da má formação de professores se fazem sentir no dia a dia do ensino da matemática (CAMARGO, 2003). Em primeiro lugar, o desconhecimento de certos tópicos tem levado professores a os ensinar. É o que ocorre, por exemplo, no Ensino Médio, com a Geometria e a Trigonometria. A carência de visão sólida da matemática e de suas aplicações conduz à estranhas tentativas de contextualização de situações que para tanto não se prestam. Por outro lado, tópicos que não admitem contextualização, como a álgebra, fundamentais na resolução de problemas, por exemplo, fatorações de polinômios estão sendo omitidos do ensino. O desconhecimento, por parte do professor, de métodos e processos para acelerar a aprendizagem e eliminar bloqueios, acaba gerando medo, pânico e frustração nos alunos. A falta de preparação dos professores se deve, também, ao pouco tempo que dispõem para dedicar-se aos seus alunos e aos cursos de aprimoramento, uma vez que trabalham, em média, de 8 a 10 horas por dia (CAMARGO, 2003). Aprender matemática requer atitudes especiais e disciplina. Ao professor também não basta ser um exímio conhecedor da matéria. É necessário que ele seja altamente criativo e cooperador. O professor precisa reunir habilidades para motivar o aluno, ensinando-o a pensar e a se tornar autônomo. O despreparo dos professores pode gerar dificuldades relacionadas às adoções de posturas teórico-metodológicas ou insuficientes, seja porque a organização desses não está bem sequenciada, ou não se proporcionam elementos de motivação suficientes; seja porque os conteúdos não se ajustam às necessidades e ao nível de desenvolvimento do aluno, ou não estão adequados ao nível de abstração, ou não se treinam as habilidades prévias; seja porque a metodologia é muito pouco motivadora e muito pouco eficaz (SANCHES, 2004). O ensino da Matemática está dividido, basicamente, em três componentes, segundo Carvalho, 2005. O primeiro refere-se à conceituação, na qual, por meio de “aulas teóricas”, o professor apresenta definições, proposições, fórmulas (possivelmente deduzidas), e relaciona os novos conceitos com os já conhecidos pelos alunos. A seguir, tem-se o momento da Manipulação, caracterizado pelos “exercícios de fixação”, onde é oportunizado aos alunos aplicarem os conceitos das “aulas teóricas”. 14 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática Finalmente, tem-se o terceiro componente, a Aplicação, na qual objetiva- se relacionar o conhecimento teórico com a solução de situações concretas. Como reflexo das aulas dadas pelos professores, grande parte dos livros-textos brasileiros adota esta estrutura. Entretanto, a adoção dessa metodologia não tem apresentado bons resultados. Isso se deve ao fato de o material teórico ser memorizado pelos alunos, por meio de exercícios repetitivos, ser apresentado como simples lista de fatos e fórmulas. Além disso, as aplicações, em grande maioria, não são relacionadas à realidade dos alunos. Assim, os alunos aplicam mecanicamente os procedimentos rotineiros, o que exige do mesmo pouco raciocínio (CARVALHO, 2005). Neste modelo de ensino, o aluno limita-se a ouvir o professor, deixando de lado a capacidade de análise crítica de determinada situação. Assim, um sério problema que se coloca relativamente ao ensino da Matemática é a prevalência da ideia segundo a qual, o essencial é os cálculos e os procedimentos de rotina. É claro que o cálculo faz parte desta área do conhecimento, mas a Matemática não se reduz ao cálculo. Para calcular, hoje em dia, existem as máquinas, fato que não exime que a importância do raciocínio, a capacidade de resolver problemas e de usar as ideias matemáticas para explorar as situações mais diversas. A essência da aprendizagem na matemática, não se resume a apenas efetuar cálculos, mas sim saber o que fazer com eles. A crença de que o essencial na Matemática é o cálculo leva a assumir que o ensino desta disciplina tem de começar por eles, e que nada mais se pode fazer enquanto os alunos não conseguirem fazer todo o tipo de cálculos. A insistência exagerada no cálculo, como se mais nada contasse, impede muitos alunos de adquirirem outras competências e desenvolverem habilidades. 3 MATEMÁTICA X DIFICULDADES Apesar da ênfase no cálculo, muitos alunos continuam a mostrar dificuldade neste campo. A solução não é erradicar o cálculo que tem, naturalmente, o seu papel. O mal está em reduzir toda a aprendizagem da Matemática à aquisição de técnicas de cálculo. Um dos problemas reside na forma desinteressante e pouco reflexiva em que se dão as atividades de ensino. A dificuldade pode estar no fato de se passar uma imagem de que a Matemática é, por excelência, o lugar das abstrações, enfatizando-se seus pontos formais e distanciando-a da realidade, tanto para quem aprende como para quem ensina. Outro fator que dificulta é a baixa frequência de textos de Matemática oferecidos aos alunos. Existem diversos materiais à disposição, como livros paradidáticos, artigos de jornal, revistas especializadas que trazem material sobre 15 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 os grandes desafios matemáticos. Estes recursos permitem que o aluno adquira uma percepção mais abrangente da Matemática, saindo um pouco do esquema tradicional apresentado em sala de aula. A Matemática é uma ciência que denota aspectos tradicionais em virtude dos conhecimentos adquiridos ao longo dos tempos, ou seja, uma gama de conhecimento que aos olhos dos estudantes estão prontos e concluídos nos livros apostilas. No entanto, uma abordagem dinâmica e realista da matemática pode levar o educando a desenvolver uma postura ativa e crítica dentro da sociedade. Nesse sentido, o professor deve abandonar, tanto quanto possível, o método expositivo tradicional, em que o papel dos alunos é quase cem por cento passivos, e procurar, pelo contrário, seguir o método ativo, estabelecendo diálogo com os alunos e estimulando a imaginação destes, de modo a conduzi-los, sempre que possível, à redescoberta (CORREA, 1999). O professor, consciente de que não consegue alcançar resultados satisfatórios junto a seus alunos e tendo dificuldades de, por si só,repensar satisfatoriamente seu fazer pedagógico procura novos elementos - muitas vezes, meras receitas de como ensinar determinados conteúdos - que, acredita, possam melhorar este quadro. Existe uma crença de que a fórmula mágica para os problemas que enfrentam no dia a dia da sala de aula parece ser aplicação de jogos e materiais. O professor nem sempre tem clareza das razões fundamentais pelas quais os materiais ou jogos são importantes para o ensino-aprendizagem da matemática e, normalmente são necessários, e em que momentos devem ser usados. Geralmente costuma-se justificar a importância desses elementos apenas pelo caráter “motivador” ou pelo fato de se ter “ouvido falar” que o ensino da matemática tem de partir do concreto ou, ainda, porque através deles as aulas ficam mais alegres e os alunos passam a gostar da matemática. Entretanto, nem sempre se pode afirmar que o material concreto ou jogos pedagógicos são indispensáveis para que ocorra uma efetiva aprendizagem da matemática. Não se necessita de objetos na sala de aula, mas de situações em que a resolução de um problema implique a utilização dos princípios lógico- matemáticos a serem ensinados (CARRAHER, 1995). Na verdade, por trás de cada material, se esconde uma visão de educação, de matemática, do homem e de mundo; ou seja, existe subjacente ao material, uma proposta pedagógica que o justifica. Portanto, antes de optar por um material ou um jogo, o professor deve pensar sobre o tipo de aluno que quer formar, ou que acredita ser importante para ele. Dessa forma, não cabe ao professor subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido 16 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática por si só. A simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não garante uma melhor aprendizagem desta disciplina. Ao aluno deve ser dado o direito de aprender, ‘’não um “aprender” mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. Muito menos um “aprender” que se esvazia em brincadeiras. No entanto, um aprender significativo do qual o aluno participe raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realidade. O material ou o jogo pode ser fundamental para que isto ocorra. Neste sentido, o material mais adequado, nem sempre, será o visualmente mais bonito e nem o já construído. Muitas vezes, durante a construção de um material o aluno tem a oportunidade de aprender matemática de forma mais efetiva. O mais importante não é o material, mas sim, a discussão e resolução de uma situação problema ligada ao contexto do aluno, ou ainda, à discussão e utilização de um raciocínio mais abstrato. A excessiva ênfase nas motivações, em tornar atrativo o objeto do estudo, leva a um descuido do ensino da matemática em si, das estruturas gerais e suas relações. A Matemática dissociada da realidade é uma ciência isolada, sem sentido. Dessa forma ela carece de estímulos para o seu aprendizado. Uma das grandes preocupações de todo professor de Matemática deve ser com relação à escolha dos conteúdos a serem ministrados, proporcionando uma prioridade para o seu aluno dentro do vasto currículo de Matemática, e como torná-los significativos. Uma alternativa que tem se mostrado bastante interessante e que tem despertado a curiosidade do aluno é a da contextualização, onde os conteúdos da Matemática aparecem vinculados a outras áreas de conhecimento e a situações do cotidiano dos alunos. Esta possibilidade de trabalho contextualizado permite estabelecer objetivos mais amplos para alguns estudos matemáticos e não simplesmente o de resolver alguns exercícios. É fundamental ressaltar a importância de se conhecer bem os conteúdos matemáticos para que este trabalho seja completo. A contextualização é necessária uma vez que o aluno possa ser motivado por outros elementos tais como: meio de comunicação, a cultura, problemas sociais e econômicos, dentre outros; e ainda, tudo misturado, muitas vezes. Para cumprir adequadamente sua função, o docente deveria saber como esses aspectos refletem no estudante. A defasagem entre o que o docente tem para transmitir e o que o estudante espera receber gera um desinteresse que interfere no aprendizado. As regras e técnicas matemáticas, bem como os aspectos simbólicos da Matemática, terão de ser sempre contemplados, de uma forma ou de outra, no 17 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 ensino dessa disciplina. Não são, no entanto, os únicos nem, certamente, os mais importantes. O desenvolvimento da tecnologia, em particular, a existência dos computadores e das calculadoras, permite proporcionar mais e melhores meios para que a ênfase no ensino incida nos aspectos mais conceituais da Matemática associados à realidade em detrimento dos seus aspectos mais mecânicos. Também os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999) propõem “a aprendizagem de concepções científicas atualizadas do mundo físico e natural e o desenvolvimento de estratégias de trabalho centradas na solução de problemas é finalidade do ensino, de forma a aproximar o educando do trabalho de investigação científica e tecnológica, como atividades institucionalizadas de produção de conhecimentos, bens e serviços. Os estudos devem considerar que a Matemática é uma linguagem que busca dar conta de aspectos do real e que é instrumento formal de expressão e comunicação para diversas ciências” (BRASIL, 1999). A memorização de uma nomenclatura diferente e muito precisa introduz componentes que não são usadas na vida diária, tal fato é um dos principais motivos que podem dificultar à aprendizagem da Matemática. Portanto, o aprendizado da Matemática, que depende muito de símbolos próprios e específicos, a disciplina mais inacessível (MARKARIAN, 1998). A linguagem e a terminologia utilizadas, que são precisas, exigem uma capacitação (nem sempre alcançada por certos alunos), não só do significado como da ordem e da estrutura em que se desenvolvem (SANCHES, 2004). Os signos matemáticos que adquirem vida própria na sua estrutura, e que para os alunos são “abstratos e sem sentido”, são diferentes das palavras da linguagem usual, que são dotadas de diferentes sentidos e que são bem mais sedutoras na perspectiva do aluno (SILVEIRA 2002). As dificuldades inerentes à linguagem e ao simbolismo matemático obrigam a tomar o devido cuidado na utilização de tais instrumentos no ensino. A linguagem em si não motiva. Entretanto, os professores tendem a insistir numa abordagem formal da matemática que só afasta ainda mais os alunos da disciplina. Nenhum aluno pode interessar-se por algo em que não veja algum elemento que satisfaça ou desperte sua curiosidade. É importante introduzirmos linguagens e simbolismos por necessidades práticas quando são necessários para auxiliar o aprendizado de coisas verdadeiramente relevantes. A linguagem, os símbolos os padrões matemáticos bem assimilados e utilizados sistematicamente em outras áreas do conhecimento são ferramentas de comunicação e sistematização fundamentais, enriquecem a capacidade de transmissão, simplificam modos de pensar, ajudam a chegar diretamente ao 18 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática centro dos problemas. Mais ainda, o bom manejo desses elementos na linguagem oral esclarece a apresentação de ideias complicadas e evita rodeios na descrição de situações. Não podemos analisar a dificuldade de aprendizagem da Matemática sem nos perguntarmos, ao mesmo tempo, o que é em que consiste e para que sirva fazer matemática. A presença da Matemática na escola é uma consequência de sua presença na sociedade e, portanto, as necessidades matemáticas que surgem na escola deveriam estar subordinadas às necessidades matemáticasda vida em sociedade. As dificuldades encontradas pelos estudantes quanto à aprendizagem da Matemática não são motivadas exclusivamente pelas características da disciplina. Essas dificuldades são reflexos, também, da capacitação deficitária dos professores, da busca inadequada de novos recursos pedagógicos e da falta de contextualização. A busca de solução para essa problemática passa, necessariamente, por uma renovação da escola. É preciso que essa escola se torne um espaço capaz de promovera motivação para o trabalho e para o crescimento pessoal e social. Existe uma necessidade de mudança nos mais diversos níveis, incluindo as práticas pedagógicas, o currículo, o sistema educativo e a própria sociedade em geral. No caso do ensino da Matemática, as possibilidades de mudança devem ser resultado de uma constante reflexão do professor sobre sua prática, buscando sempre novas maneiras de trabalhar com os problemas encontrados no dia a dia. A modernização do ensino da Matemática terá de ser feita não só quanto a programas, mas também quanto a métodos de ensino. Na verdade, a ênfase da Matemática escolar não está na aquisição de conhecimentos isolados e no domínio de regras e técnicas, mas sim na utilização da Matemática para resolver problemas, para raciocinar e para comunicar, o que implica a confiança e a motivação pessoal para fazê-lo. A tarefa do ensino é estabelecer uma ligação viva entre a Matemática e o aluno, tarefa em que um papel-chave cabe ao professor. A Matemática ensinada de forma contextualizada favorece uma ligação entre o conhecimento obtido em sala de aula com a realidade do estudante. Numa sociedade em permanente mudança como a nossa, os currículos têm de ser revistos com frequência, adaptando-se às novas necessidades dos estudantes. Os desenvolvimentos das novas tecnologias, em particular da Internet, e a grande quantidade de software e materiais para o ensino da Matemática oferecem um grande número de possibilidades de desenvolvimento curricular que deve ser aproveitado. A Matemática pode e deve contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos, 19 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 capacitando-os para uma plena participação na vida social. A Matemática tem mais a oferecer aos estudantes, além dos dogmas e das proibições, do certo e do errado, das humilhações e dos castigos, deve possibilitar que os alunos façam relações, conexões, intuições e descobertas. No entanto, ensinar Matemática sem explicitar a origem e as finalidades dos conceitos é contribuir para o aumento das dificuldades de aprendizagem dela. Nesse sentido, destaca-se a necessidade um ensino da disciplina associado à História da Matemática. Todavia, não se muda o ensino da Matemática de um dia para o outro, é necessário um planejamento a médio e longo prazo, com a participação de todas as pessoas que têm relação direta ou indireta com o ensino da Matemática. A Matemática está presente nas diversas situações do cotidiano, voltando- se ao estudo, à compreensão, à sistematização de fenômenos modelados por números, às expressões, aos algoritmos e às formas geométricas. Ao longo dos anos, o homem utilizou a Matemática como ferramenta para facilitar a organização e a estruturação de processos, desde o ato banal de contar ovelhas em um campo ao ato de calcular o diâmetro do planeta Terra. Não há uma data exata para a origem da Matemática, pois essa ciência foi concebida ao longo de vários anos. Suas descobertas foram motivadas por necessidades da humanidade ao longo da história, como o controle do tempo e o entendimento dos ciclos da lua e da frequência das marés, entre muitos outros fatos que foram vitais para o progresso da sociedade. Na sociedade contemporânea entender a matemática como algo implícito ou explícito em diversos contextos torna o indivíduo capaz de planejar e organizar situações diversas. Dessa forma, a Matemática insere-se no grupo das ciências exatas e o ensino da matemática possui os seguintes objetivos: • Fazer com o que o indivíduo transforme o mundo à sua volta; • Desenvolver a capacidade de solucionar problemas; • Estimular o interesse e a curiosidade; • Desenvolver as habilidades qualitativas e quantitativas, estabelecendo as devidas relações; • Identificar e organizar as situações para emitir uma opinião crítica; • Estabelecer a comunicação matemática por meio dos instrumentos que essa ciência utiliza. Pesquisas nacionais e internacionais passam e perpassam pela matemática pura, computacional, escolar, entre outras. No caso da matemática escolar, tem- se, especialmente, evoluído bastante, se antes os conteúdos eram secos, sem qualquer relação interdisciplinar, hoje essa realidade toma nova forma, vista a grande evolução do que se entende por ensino e aprendizagem matemática. 20 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática Nessa perspectiva, podemos dizer que o ensino da matemática não pode aceitar uma matemática desvinculada da vida prática e da relação com as diversas áreas do conhecimento humano. O ensino dessa disciplina tem que estar revestido de aplicabilidades, de conceitos históricos, de localizações geográficas, de arte, de compreensão textual, da boa escrita, das diversas ciências, sejam físicas, biológicas ou humanas. Diante de um cenário de carência de reforma do ensino da matemática e do melhoramento da aprendizagem discente, aponta a percepção da necessidade de se quebrar o paradigma vigente da matemática, onde se esbanjava rigorosidade, foco exclusivo em memorização de fórmulas, cálculos descontextualizados e da punição para os discentes nas avaliações, surgiu a Educação Matemática. A Educação Matemática, que tem como patrono o pesquisador e educador Matemático Ubiratan D’Ambrósio, nasceu para corrigir as mazelas matemáticas advindas de métodos de ensino ultrapassados, mais conhecidos como tradicionalistas. A ótica dessa metodologia, que aos poucos foi ganhando o título de ciência, é voltada para um ensino robusto da matemática, embasado em práticas que fortalecem e efetivam o aprendizado do discente, alicerçadas nas teorias da aprendizagem, no conhecimento multicultural, na inter e na transdisciplinaridade. No modelo tradicionalista de educação escolar, o aluno era ator passivo dos processos de ensino e apenas receptivo do que se entendia por aprendizagem. Desta forma, a matemática era centrada no professor, sujeito que detinha todo o conhecimento, livre de falhas e inquestionável. O aluno era uma caixa vazia, na qual o professor depositava conhecimentos prontos. A avaliação era – ou ainda é? – baseada em mentalizações de fórmulas e resolução de exercícios meramente mecânicos, sendo pregado um caminho único que levaria a solução das questões. Com o nascimento da Educação Matemática, esses modelos foram modificados e adaptados às necessidades do aluno moderno. O aluno passa a ser ativo, sujeito que participa integralmente da construção da aprendizagem, protagonista, reflexivo, crítico. O professor, apesar de não mais ser exclusivo sabedor de todas as coisas, é sujeito importante na organização e direcionamento da aprendizagem. Este teve que se adaptar a esse novo cenário educacional, revendo práxis de ensino, reavaliando a sua condição docente, dando continuidade a sua formação e seguindo uma nova linha teórica sobre o processo ensino-aprendizagem. 21 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 4 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO Conhecer a origem e evolução dos assuntos dos quais se gosta é uma curiosidade natural, inerente ao ser humano. Na escola, aprende-se e há interesse por muitos temas, em todas as disciplinas. No entanto, principalmente no que se refere aos conhecimentos matemáticos, parece que não há mais nada a ser “descoberto” ou “inventado”. Além disso, o modo como esses conteúdossão trabalhados passa a ideia de que sempre tiveram a mesma forma, abstrata e sem contextualização, do jeito que muitas vezes se trabalha na escola. A partir das experiências como docente nos níveis fundamental, Médio e Superior e do desenvolvimento de pesquisas na área, foi possível identificar a configuração atual da disciplina de matemática no currículo escolar: na maioria das vezes os conteúdos matemáticos são apresentados sem relação com os demais saberes que envolvem a escola e a própria vida dos estudantes. Todavia, entende-se que os conhecimentos matemáticos não surgiram sistematizados, com algoritmos prontos que podem ser aplicados em situações com ou sem significado real, mas são construções humanas originadas na necessidade de resolver uma situação concreta ou foram desenvolvidos a partir de curiosidades de pessoas interessadas no tema. O conhecimento e desenvolvimento dos conhecimentos Matemáticos ao longo do tempo podem facilitar sua compreensão e significação dentro do espaço escolar, consolidando-se como área de conhecimento e investigação em Educação Matemática. Pesquisas desenvolvidas na área mostram que o saber matemático está intimamente ligado à motivação e interesse dos alunos por essa ciência. Já como metodologia de ensino, acredita-se que a História da Matemática pode tornar as aulas mais dinâmicas e interessantes. Afinal, ao perceber a fundamentação histórica da matemática, o professor tem em suas mãos ferramentas para mostrar o porquê de estudar determinados conteúdos, fugindo das repetições mecânicas de algoritmos. O resgate da história dos saberes matemáticos ensinados no espaço escolar traz a construção de um olhar crítico sobre o assunto em questão, proporcionando reflexões acerca das relações entre a história cultural e as tecnologias. Segundo Miguel e Miorim (2011), a abordagem histórica dos conteúdos facilitaria a significação e desmistificação da Matemática. Para esses autores, a forma lógica e natural como essa ciência é apresentada aos estudantes não 22 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática reflete a forma como ela foi criada, a partir de tentativas e erros, recebendo a colaboração de diferentes povos em épocas distintas. Além disso, D’Ambrósio (2012) destaca o papel motivador da história nas aulas de matemática, desfazendo a ideia de uma ciência cristalizada. Entretanto, Vianna (1995) aponta que histórias fantasiosas que apresentam objetos matemáticos como criação de um único indivíduo contribuem para que a matemática seja discriminadora, como um conhecimento destinado a poucos escolhidos. Nessa perspectiva, acredita-se que a presença da História da Matemática em sala de aula constitui um recurso pedagógico ao qual o professor pode recorrer para auxiliar os estudantes na construção do significado do que se está trabalhando. É possível também que o professor recorra a processos históricos como facilitadores ou condutores do processo de aprendizagem, sem que a História da Matemática seja explicitamente citada. A constituição dos saberes matemáticos está intimamente ligada à cultura, pois, assim como o homem, a matemática não se desenvolveu sozinha e isolada ao longo do tempo. Mostrar as relações entre a matemática e o desenvolvimento, tanto social quanto econômico, é um caminho para se obtenha um pano de fundo que facilite a compreensão dos conhecimentos matemáticos atuais, bem como sua origem. Segundo Santos (2009, p. 19), “é importante olhar para o passado para estudar matemática, pois perceber as evoluções das ideias matemáticas observando somente o estado atual dessa ciência não nos dá toda a dimensão das mudanças”. Ao conhecer a História da Matemática, o aluno a percebe como uma ciência desenvolvida pela humanidade, passível de erros e construída a partir de muitas tentativas em solucionar problemas cotidianos. Nessa perspectiva, Ferreira (apud Santos 2009, p. 20) diz que a História da Matemática dá ao aluno a noção exata dessa ciência, como uma ciência em construção, com erros e acertos e sem verdades universais. Contrariando a ideia positivista de uma ciência universal e com verdades absolutas, a História da Matemática tem este grande valor de poder também contextualizar este saber, mostrar que seus conceitos são frutos de uma época histórica, dentro de um contexto social e político. Ainda nesse sentido, Miguel e Miorim (2011) destacam a importância da história no processo de ensino-aprendizagem de matemática como um estímulo a não alienação do seu ensino. Para eles “a forma lógica e emplumada através da qual o conteúdo matemático é normalmente exposto ao aluno, não reflete o 23 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 modo como esse conhecimento foi historicamente produzido” (p. 52), levando os estudantes a perceberem essa ciência como uma coleção arbitrária de objetos sem conexão e sentido. A partir de discussões envolvendo História da Matemática com um grupo de professores de um curso de Licenciatura em Matemática, Cury e Motta (2008) afirmam que muitos dos docentes envolvidos nessa proposta nunca haviam participado de debates em relação aos conteúdos matemáticos, “para eles, as definições matemáticas, uma vez estabelecidas, passam a serem verdades absolutas e não lhes é permitido questioná-las” (p. 78). Percebe-se nesse ponto que o status de ciência inquestionável da matemática, muitas vezes, está presente nos níveis mais altos de educação, nas pessoas que formam os professores que irão atuar na Educação Básica. Dar-se conta de que a construção de um conceito pode exigir outros recursos metodológicos além do simples enunciado da definição formal – a qual é, em si, um objeto histórico variável, formalizado de acordo com o desejo de busca vivido pelo meio e conduzido pelo contexto ao qual se incorporará o objeto matemático definido – é algo que desestabiliza as concepções dos docentes e lhes faz refletir sobre sua prática’’ (CURY; MOTTA, 2008, p. 79). Com o passar dos anos e após algumas transformações, os conhecimentos matemáticos ensinados na escola aparecem descontextualizados e sem funcionalidade. Conforme D’Ambrósio (2012, p. 29), “do ponto de vista de motivação contextualizada, a matemática que se ensina hoje nas escolas é morta”. Desta maneira, os alunos pensam que todos os assuntos tratados em sala de aula estão em sua forma mais acabada, mais pronta e, além disso, não é permitido questionar tal perfeição. D’Ambrósio (2012) destaca também que a história está se consolidando como um elemento motivador para o ensino de matemática, desfazendo a ideia de uma ciência cristalizada. Um equívoco frequente ocorre ao utilizar-se a História da Matemática apenas como ilustração, presa a fatos isolados, nomes famosos e datas. Neste aspecto, Vianna (1995) diz não concordar com a didática empregada para abordar a origem de conhecimentos matemáticos como descobertas do indivíduo A ou B, pois são histórias fantasiosas que acabam, erroneamente, salientando que o saber matemático está destinado a poucos escolhidos. Proporcionar aos alunos o contato com alguns fatos do passado é uma dinâmica interessante para introduzir um novo objeto matemático em sala de aula. Segundo D’Ambrósio (1999), as raízes da matemática se confundem com a História da Humanidade. “Portanto, é praticamente impossível discutir a educação 24 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática sem recorrer a esses [fundamentos históricos] e a interpretações deles. Isso é igualmente verdade ao se fazer o ensino das várias disciplinas” (p. 97). Além disso, segundo o mesmo autor, desvincular a matemática das outras atividades humanas é um dos maiores erros que se pratica particularmente na educação da Matemática. Em toda a evolução da humanidade, as ideias matemáticas vêm definindo estratégia de ação para lidar com o ambiente, criando e desenhandoinstrumento para esse fim e buscando explicações sobre os fatos e fenômenos da natureza e para própria existência (D’AMBRÓSIO, 1999, p. 97). Como recurso em sala de aula, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) afirmam que a História da Matemática contribui para a construção de um olhar mais crítico aos objetos de conhecimento (BRASIL, 1999). Mostrar a Matemática como uma ciência desenvolvida pela humanidade ao longo do tempo auxilia na desmistificação dessa ciência, gerando atitudes e valores mais favoráveis do aluno frente aos saberes matemáticos. Além disso, conceitos abordados em conexão com sua história constituem-se veículos de informação cultural, sociológica e antropológica de grande valor formativo. A História da Matemática é, nesse sentido, um instrumento de resgate da própria identidade cultural (BRASIL, 1999, p. 34). Um detalhe importante é que, “para os autores dos Parâmetros Curriculares Nacionais, [...] a História da Matemática, se tratada como um assunto específico ou conteúdo seria insuficiente para contribuir para o processo de ensino-aprendizagem da Matemática” (MIGUEL; MIORIM, 2011, p.16). Assim, a articulação entre os conteúdos matemáticos ensinados e a sua história é considerada como a melhor estratégia em sala de aula. Segundo Miguel e Miorim (2011, p. 53), a abordagem histórica dos conteúdos matemáticos serve como apoio para se atingir objetivos pedagógicos que levem os alunos a perceber, por exemplo: (1) a Matemática como uma criação humana; (2) as razões pelas quais as pessoas fazem Matemática; (3) as necessidades práticas, sociais, econômicas e físicas que servem de estímulo ao desenvolvimento das ideias Matemáticas; (4) as conexões existentes entre Matemática e filosofia, Matemática e religião, matemática e lógica etc.; (5) a curiosidade estritamente intelectual que pode levar à generalização e extensão de ideias e teorias; (6) as percepções que os matemáticos têm do próprio objeto da Matemática, as quais mudam e se desenvolvem ao longo do tempo; 25 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 (7) a natureza de uma estrutura, de um postulado e uma prova. No momento em que os alunos percebem o surgimento da Matemática a partir da busca por resolução de problemas cotidianos, conhecem também as preocupações de vários povos em diferentes momentos históricos. Isto proporcionará estabelecer comparações entre os processos matemáticos do passado e do presente, bem como compreender que os saberes ensinados na escola não se originaram sem um propósito, sem um por que. A palavra metodologia significa “percorrer um caminho”. A abordagem histórica dos conteúdos matemáticos é um dos caminhos que o professor pode escolher para mediar a construção do conhecimento. Segundo Brolezzi (1991), a História da Matemática como recurso pedagógico em sala de aula apresenta, a priori, três ganhos: I. A História da Matemática e a lógica Matemática em construção: uma ciência em fase de constituição admite certa metodologia, denominada lógica natural, a qual é distinta da lógica que essa ciência apresentará depois de sistematizada. II. História da Matemática e significado: a motivação para o aprendizado, bem como o próprio, depende da interpretação da linguagem simbólica da matemática. III. História da Matemática e visão da totalidade: dentro do currículo, os conteúdos aparecem isolados, de modo que por si mesmos não conseguem transmitir uma ideia clara do conjunto estudado. Compreender a “evolução dos significados ao longo da História é fundamental para a elaboração de ensino com significado, pois permite que se construam novamente os significados junto com os alunos” (BROLEZZI, 1991, p. 52). O estudo da evolução da matemática como um todo fornece, portanto, a cada tópico do currículo, uma razão de ser, uma utilidade que transcende a sua possível aplicação prática imediata (BROLEZZI, 1991). Além disso, Miguel e Miorim (2011) destacam diferentes argumentos a favor da História da Matemática em sala de aula. Segundo eles, a abordagem histórica dos conteúdos matemáticos é fonte de seleção e constituição de métodos para a elaboração de sequências adequadas aos diferentes tópicos de ensino da Matemática escolar. A escolha de problemas ou episódios considerados motivadores da aprendizagem também constitui um caminho que pode ser escolhido pelo professor para abordar a História da Matemática em suas aulas. 26 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática A presença da história nas aulas de matemática fornece uma visão ampla dessa ciência, contrariando a de uma coleção arbitrária de informações as pessoas agem por uma razão, e tipicamente constroem seu trabalho sobre outros anteriores em uma vasta rede de colaboração entre as gerações (BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008 p. 3). Ainda conforme esses autores, a História da Matemática auxilia, muitas vezes, fornecendo um contexto. Dessa forma, saber mais sobre a origem e evolução dos conhecimentos matemáticos contribui para entender como essa ciência está interligada às demais atividades humanas. A ideia de que os números teriam surgido para permitir que governos acompanhassem dados como a produção de alimentos, pode não nos ajudar a aprender aritmética, porém insere a aritmética desde o início em um contexto significativo (BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 3). Cury e Motta (2008) apontam possíveis abordagens em termos da História da Matemática para o ensino em sala de aula como, por exemplo, a busca de novas soluções para problemas já resolvidos; a tentativa de solucionar problemas não resolvidos com recursos atuais mais potentes; a busca, em livros antigos ou filmes, de conhecimentos sobre o ensino de determinados conteúdos e compará- los com a forma como é trabalhado atualmente; ou ainda a apresentação de problemas clássicos através de animações computacionais. Outro fator positivo acerca da abordagem histórica dos conteúdos matemáticos, segundo Silva e Ferreira (2011), é permitir ao docente a previsão dos possíveis erros dos alunos. De acordo com Berlinghoff e Gouvêa (2008): Entender que muitas pessoas tinham dificuldades em lidar com certos assuntos matemáticos, mesmo depois de um tempo da divulgação de suas ideias básicas nos ajuda a compreender (e a simpatizar com) as dificuldades que os estudantes possam ter, saber como foram superadas essas dificuldades historicamente também pode indicar um modo de ajudar os estudantes a superarem tais obstáculos (p. 3). Assim, estratégias e questionamentos podem ser preparados antecipadamente pelo professor, promovendo sua postura como mediador entre o saber e o aluno. Apesar das vantagens que a História da Matemática como metodologia de ensino traz para as aulas de matemática, deve-se cuidar para que não se tenha uma visão ingênua acerca de sua aplicação. A História da Matemática sozinha, sem o auxílio de outros recursos didáticos, não é suficiente para resolver todos os problemas pedagógicos que permeiam uma sala de aula, pois devemos mesclar várias metodologias com o objetivo de contemplar todos os alunos (SILVA; FERREIRA, 2011, p. 1-2). 27 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 Cury e Motta (2008) nos remetem a fugir de uma postura linear, considerando a existência de várias formas possíveis de se realizar reconstituições históricas, também se espera que os professores percebam as potencialidades da História da Matemática em sala aula com o objetivo de auxiliar os estudantes da Educação Básica na construção de significados para os conteúdos trabalhados. Por essa ótica, a História da Matemática nos permite compreender a origem das ideias e dos fatos matemáticos, possibilitando enxergar as circunstâncias nas quais se desenvolveram. Ao conhecer a história conseguimos perceber que o que hoje é aceito como verdadeiro surgiude grandes esforços e discussões entre os matemáticos daquela época. 5 AS MUDANÇAS SOCIAIS E O ENSINO DA MATEMÁTICA Com o domínio da Grécia e do oriente pelos romanos, estas regiões tornaram- se colônias governadas por administradores romanos. A estrutura econômica do império romano permanecia baseada na agricultura. Com o declínio do mercado de escravos a economia entrou em decadência e existiam poucos homens a fomentar uma ciência, mesmo medíocre. Podemos, então, determinar uma relação entre a crise da matemática e a crise do sistema social, pois a queda de Atenas significou o fim do império da democracia escravagista. Esta crise social influenciou a crise nas ciências que culminou com o fechamento da escola de Atenas, marcando com isto o fim da matemática grega clássica. As descobertas matemáticas estão relacionadas com os avanços obtidos pela sociedade, tanto intelectuais como comerciais. Se no princípio a matemática era essencialmente prática, visto que as sociedades eram rudimentares, com o desenvolvimento destas sociedades a matemática também evoluiu, passando de uma simples ferramenta que auxiliava aos problemas práticos para uma ciência que serviu como chave para analisar o mundo e a natureza em que vivemos. Todas as descobertas matemáticas realizadas pelos povos pré-históricos, egípcios e babilônicos serviram como subsídio para a matemática desenvolvida pelos gregos. Esta matemática grega foi, e continua sendo, a base de nossa matemática. Todo o desenvolvimento tecnológico obtido em nossos dias tem como ponto de partida a matemática grega. 28 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática Assim, sem os postulados desenvolvidos pelos gregos, não haveria o desenvolvimento da matemática abstrata e dos conceitos, postulados, definições e axiomas tão necessários à nossa matemática. Da matemática da antiguidade, fundamental a nós hoje, podemos citar: processos de contagem, numeração, trigonometria, astronomia, geometria plana e volumes de corpos sólidos, sistema sexagesimal, equações quadráticas e bi quadráticas, relações métricas nos triângulos retângulos, seções cônicas e o método de exaustão, que foi o germe do cálculo integral. As ideias de que a ciência e a tecnologia estão vinculadas às ciências naturais e que o refletir nas relações sociais como produto das interações humanas é domínio para as ciências humanas estão fortemente impregnadas nas escolas. Alunos internalizam atitudes de segregação entre a capacidade de produzir tecnologia e a capacidade de analisar o processo numa perspectiva da tomada de decisão. Assistimos a uma supervalorização da técnica nas ciências naturais em detrimento da análise crítica atribuída às ciências sociais. Ao debatermos em sala de aula questões sociais relacionadas à ciência e a tecnologia com ênfase nas ciências naturais poderemos provocar um reforço na separação existente entre a resolução de problemas que envolvem decisões técnicas e as relações sociais (AULER, 2007). Notadamente, há uma resistência no campo das ciências naturais para investigar situações relacionadas à tomada de decisão numa perspectiva de construções sociais. No caso da matemática em particular, observamos um pensamento ainda arraigado no princípio tecnológico, em que os algoritmos produzidos a partir de modelos matemáticos são responsáveis pela representação de situações-problema e que são autossuficientes para “desenvolver uma atitude crítica em relação à aplicação da matemática” (SKOVSMOSE, 2013, p.41). Dessa forma, a educação matemática tem apenas possibilitado a inserção de alunos na sociedade altamente tecnológica. Skovsmose (2013) adverte para um estreitamento de laços entre a educação matemática e a educação crítica, para não se tirar daquela o potencial de crítica diante de uma sociedade altamente influenciada pela tecnologia. Por outro lado, destaca que a educação crítica deve dialogar com a matemática para evitar um cooptação pela tecnologia e que se transforme numa teoria acrítica (SKOVSMOSE, 2013). Skovsmose (2013) faz um levantamento de elementos indispensáveis na elaboração de problemas matemáticos dentro de uma perspectiva crítica, ou seja, que os alunos se reconheçam dentro do contexto das suas formulações. É necessário que os enunciados sejam transportados para além da mera hipotetização, que estejam imersos na realidade concreta do aluno e não apenas no plano da ficção, ou seja, em alguma dimensão e profundidade que o aluno se 29 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 torne solidário com as circunstâncias sociais. No entanto, um cuidado especial deve ser tomado quando na elaboração de problemas: o pragmatismo. Em educação matemática esse termo se refere às aplicações de modelos matemáticos, ou seja, a representação de uma situação, hipotética ou real, pela linguagem matemática e seu aprimoramento pela sequência de repetições. Eles desempenham a “função de formatar a sociedade” (SKOVSMOSE, 2013, p. 40) uma vez que estão intrinsecamente ligados ao desenvolvimento da sociedade com padrões cada vez mais influenciados pela tecnologia. Porém, a elevação da capacidade de criar modelos pelos alunos não implica em atitudes de investigação dos pressupostos envolvidos na elaboração desses modelos. Não é suficiente entender o raciocínio matemático utilizado no modelo, é indispensável formar um aluno capaz de ver para além do modelo. Se as intenções são explícitas ou implícitas, se induzem para a paralisação do pensamento crítico ou se instigam a busca da sua relação com o poder e a tomada de decisão. Neste contexto, podemos ressaltar que a matemática apresenta importante papel no processo de democratização. Arraigada no cerne do desenvolvimento da tecnologia e imbuída de codificar os passos que ela deve seguir através da aplicação de modelos, ela pode sugerir uma inesgotável investigação de como se processam os mecanismos de desenvolvimento das relações sociais. Ao considerarmos a etimologia da palavra temos que democracia, segundo o Dicionário Aurélio (2014) é o governo do povo (demo=povo e Kratein=governo). O conceito de democracia numa perspectiva sócio-política, pode ser considerado como uma maneira de buscar a igualdade e a liberdade dentro de um contexto de desigualdades. Isto possibilita o surgimento de novos sujeitos políticos reconhecidos de sua existência de direito pela sociedade (CHAUÍ, 2008). No entanto, essa apropriação do direito se dá no momento em que o cidadão é capaz de refletir, criticar, e compreender o processo de construção dos modelos que determinam as relações sociais e de poder, ou seja, quando é introduzido dentro de um processo de alfabetização. É o que Skovsmose denomina “empowerment, uma vez que pode ser um meio de organizar e reorganizar interpretações das instituições sociais, das tradições e das propostas de reforma política” (SKOVSMOSE, 2013, p. 66). É necessário fornecer condições para que o processo de construção dos modelos leve em consideração elementos qualitativos que só podem ser percebidos dentro de contextos sociais a partir das interações e relações existentes na divisão do poder. Logo, podemos dizer que os caminhos da democracia e da educação matemática convergem para um ponto comum, ou 30 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática seja, ambas devem despertar a criticidade e o empoderamento do cidadão. Destacamos a importância do modelo matemático na representação de situações cotidianas, uma vez que a tecnologia se constrói a partir de modelos matemáticos e os modelos matemáticos se constituem a partir da tecnologia, porém ratificamos a necessidade da não racionalização pragmática dos modelos. 6 QUESTÕES RELACIONADAS À HISTÒRIA DA MATEMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA A Matemática sempre foi tida como uma ciência difícil, reservada a poucos que ousassem compreendê-la.Desde o momento em que a Matemática começou a tomar forma como uma área de conhecimento, ainda na era platônica e pitagórica, já estava associada a uma classe privilegiada sendo considerada uma ciência nobre, desligada dos ofícios e das atividades manuais. Recebeu status de nobreza e ainda hoje ela é tratada como tal. Por outro lado o ensino dessa disciplina sempre foi rodeado por muitas dificuldades e obstáculos quase intransponíveis. Percorrendo pelo trajeto histórico seguido pelo ensino de Matemática no Brasil, no século XX, através de uma análise documental, encontramos professores despreparados para o trabalho didático, reformas feitas, na década de 1930, a contra gosto de muitos professores, baseadas em programa experimental de um colégio, onde as mudanças eram para acontecer de forma gradual e paulatina, tiveram de ser absorvidas e praticadas a nível nacional. Na década de 1960, outra reforma assolou o país. Foi a tão conhecida Matemática Moderna que se justificava pela importância que Jean Piaget dava as noções de conjunto, elaborada pela criança como base do pensamento operatório. Mas, na prática em sala de aula, o construtivismo piagetiano, foi substituído pelo ensino de teorias dos conjuntos nas primeiras séries do 1º grau, sem se preocupar com o conhecimento construído pelo aluno e a lógica subjacente às suas ações, que era a principal preocupação de Piaget. Movimentos contrários se manifestaram em favor de uma Matemática que fizesse sentido ao aluno e valorizasse sua cultura e seus conhecimentos prévios. Surge, então, a Educação matemática com a visão voltada para o novo século. 31 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 Vislumbrando uma Matemática capaz de colaborar na educação de crianças, jovens e adultos numa sociedade que se torna cada vez mais complexa. Encontramos hoje nas escolas a preocupação, por parte dos professores, com que tipo de Matemática ensinar e como ensinar. Será melhor o conhecimento da ciência Matemática, a Matemática pura pela sua beleza e grau de contestação ou uma Matemática prática que se aplique aos problemas cotidianos? A história do ensino dessa ciência nos conta que essa preocupação já se encontra entre os séculos VI e IV A.C. A Matemática que surgiu das necessidades de resolver problemas cotidianos principalmente ligados ao comércio, às construções e às medidas de terras, foi sendo considerada como de 2ª categoria, julgando que esta não engrandecia o espírito e não desenvolvia o pensamento humano. Passou então a existir duas Matemáticas: uma intelectual e a outra manual. Profundas mudanças trouxeram, como consequências, a priorização dos estudos teóricos e a desvalorização das aplicações práticas e que vieram a influenciar todo o desenvolvimento futuro da Matemática e de se seu ensino. O Brasil não fez, e não faz, a sua história sozinha, e, acompanhando as tendências mundiais, se mostrava preocupado com a modernização do ensino da Matemática que tinha por base a Matemática euclidiana considerada arcaica, frente aos novos avanços dessa ciência, com os modernos métodos do cálculo infinitesimal, protagonizados por Newton, Leibniz e Lagrange. A identificação da Educação Matemática como uma área prioritária na educação ocorre na transição do século XIX para o século XX e nessa época, segundo D’Ambrósio (1999), educação Matemática era sinônimo da boa didática, cumprimento dos programas e verificação da aprendizagem de conteúdos através de exames rigorosos. Todavia, preocupações com o ensino da matemática vêm desde a época de Platão e somente na Idade Média, no Renascimento e nos primeiros tempos da Idade Moderna que essas preocupações são melhores focalizadas. Segundo D’ Ambrósio, a partir das três grandes revoluções da modernidade, a Revolução Industrial (1767), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789), as preocupações com a Educação Matemática da juventude começam a tomar um rumo próprio. À medida que a ciência moderna avançava e a tecnologia gerava máquinas, tornava-se inevitável discutir a educação dessa nova classe de trabalhadores. A ampliação do ensino às classes trabalhadoras, ou seja, a universalização da educação e a relação educação-trabalho passariam a serem, a partir desse 32 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática momento, os grandes temas das discussões educacionais. Vale destacar, ainda, que o ensino brasileiro foi, durante mais de duzentos anos, dominado quase que exclusivamente pelos padres da Companhia de Jesus, que destinavam pouquíssimo tempo às matemáticas, a nível mundial gerava um clima de mudanças em torno da educação e os métodos utilizados no ensino. Segundo Miorim, Rosseau (1712-1778) provocou uma verdadeira revolução na pedagogia ao exigir do processo educativo uma preocupação com o estudo da criança e a valorizar a educação como um processo que partia dos objetos sensíveis aos objetos intelectuais contribuindo para uma mudança pedagógica no que diz respeito às finalidades e aos métodos educativos, forneceu os germes da moderna educação, ao propor um ensino não repressivo voltado ao desenvolvimento da criança, com base na curiosidade e interesse, que caminhasse do concreto ao abstrato, da intuição ao conceito, que substituísse a tradição pela experimentação. Influenciando nomes importantes como Johann Pestalozzi (1746-1827), entre os fins dos séculos XVIII e começo do XIX que passou a dar grande importância à psicologia na formação de professores. No Brasil, a partir de 1920, as discussões sobre as reformas educacionais ganharam amplitude jamais vista no país, onde estavam, em pleno fervor, de um lado as ideias pedagógicas da Escola Nova, que dava grande valor à psicologia, e de outro, os católicos a favor da manutenção da Pedagogia Tradicional. Apesar de ter nascido nos movimentos da burguesia e da classe média, as propostas de mudanças educacionais da Escola Nova era um grande avanço: propunham 5 “métodos ativos” de ensino aprendizagem, deu importância à liberdade da criança e ao interesse do educando, adotou métodos de trabalho em grupo e incentivou a prática de trabalhos manuais nas escolas, valorizou os estudos de psicologia experimental e procurou colocar a criança, e não mais o professor, no centro do processo educacional. Especificamente ao ensino da Matemática, Anísio Teixeira, na década de 1930, propôs ao Distrito Federal, reformas onde se preocupava com a orientação dada com relação à questão dos problemas aritméticos, dizia que: “As condições dos problemas devem ser as mesmas da vida real”. Os problemas devem ser propostos de acordo com ocupações e interesse da classe, de modo que os alunos, sentindo a necessidade de resolvê-los, se apliquem à solução, movidos por verdadeiro interesse. Assim as contas que a criança faz para casa, no mercado, na feira, nas lojas, no armazém; os trabalhos escolares; movimento de cooperativas, jogos, esportes, excursões; a saúde da criança e de pessoas da família, as condições de saúde do bairro, incluindo serviços de 33 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 saúde pública, despesas com receitas, dietas, remédios etc., fatos diversos que a criança presencia - tudo isso constitui assunto para problemas. (MIORIM, 1999, p. 90). A vislumbrada modernização para a Matemática, pelos matemáticos de todo o mundo, onde a preocupação não era com o ensino elementar, mas sim com o secundário e superior, se baseava na introdução do conceito de função, elemento unificador dos vários ramos da Matemática. No entanto, já representava uma tentativa de adequação do ensino aos estudos mais recentes no campo da Matemática, que tinham como uma de suas características o rompimento da bar- reira existente entre os campos matemáticos: Aritmética, Álgebra e a Geometria. Nesse sentido, essemovimento estava de certa forma preparando terreno para o Movimento da Matemática Moderna que viria acontecer décadas mais tarde. A participação do Brasil nos principais movimentos internacionais voltados para a modernização do ensino da Matemática Sempre esteve presente no mundo todo um Movimento voltado para a melhoria e relevância do ensino de Matemática. Entre o término do século XIX e início do século XX, em diversos países europeus e também nos Estados Unidos, ocorreram reformas no ensino de Matemática. O alemão Felix Klein foi o grande iniciador de um movimento bastante amplo de professores para a modernização não apenas dos programas, mas de todos os métodos de ensino de Matemática. Tais iniciativas de mudanças puderam ser discutidas internacionalmente a partir de 1908, em Roma, por ocasião do IV Congresso Internacional de Matemática onde foi constituída a CIEM (Commission Internationale de l’ Enseignement Mathématique), que foi primeiro denominado IMUK (Internationele Mathematische Unterrachskommission) pelos alemães. As propostas internacionais tiveram repercussão importante na Educação Matemática no Brasil. Em 1914 tem-se o Primeiro Movimento Internacional para a “Modernização” do Ensino de Matemática - iniciada em 1908 - e tinha como um de seus objetivos a diminuição do descompasso existente entre os estudos científicos e tecnológicos e o ensino de Matemática desenvolvido nas escolas secundárias, as únicas que davam acesso à universidade. Os países que faziam parte desta comissão pertenciam a dois grupos: aos dos países participantes e aos dos países associados. A distinção entre os dois grupos se deveu a um critério estabelecido para participação nas atividades do IMUK. Os países que houvessem enviado ao menos dois matemáticos a pelo menos dois dos encontros internacionais, seriam representados por um membro 34 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática votante. Se o número de participantes fosse dez ou mais, o número de votantes seria dois ou três. Dessa forma se definiram os “países participantes”. Entretanto, pelo fato desse critério não ter contemplado países considerados “relevantes”, os organizadores decidiram convidar alguns países, chamados “países associados”, que poderiam participar das atividades sem o direito a voto – foi dessa maneira que se deu a participação brasileira. A primeira e única participação do Brasil, nas atividades da comissão como “país convidado”, foi em 1912, em uma reunião realizada em Cambridge no V Congresso Internacional da Matemática. Esse intercâmbio aconteceu de maneira muito superficial, sem consequências na prática do ensino de matemática brasileiro. Nesta reunião o professor Eugênio de Barros Raja Gabaglia, que fora nomeado pelo governo brasileiro, apresenta a adesão brasileira, ficando a apresentação do relato da situação do ensino de matemática em cada um dos países participantes, com relação ao Brasil para a próxima reunião. De acordo com Miorim (1999), este relato não chegou a ser apresentado, devido à eclosão da primeira guerra mundial, e os trabalhos da Comissão Internacional foram interrompidos, comprometendo a continuidade da participação brasileira. Esse movimento representou a primeira tentativa organizada envolvendo vários países, de reformular um ensino de Matemática existente havia séculos. As mudanças ocorridas não chegaram a produzir efeitos. O ensino de Matemática no Brasil, segundo Werneck (2003), o professor Euclides Roxo do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, imbuído pelas propostas mundiais de modernização da Matemática, foi o responsável direto pela reforma que originou o primeiro o programa de Matemática brasileiro para o ensino secundário (a 1ª série do ensino secundário, da época, equivale à 5ª série de hoje e assim sucessivamente totalizando sete anos divididos em dois ciclos: o 1º de 4 anos e o 2º de 3 anos). Em 1927, Euclides Roxo propôs à Congregação do Colégio Pedro II, a unificação dos ramos da Matemática (somente a partir de 1925 que se passa a usar a denominação de Matemática para as três grandes áreas que eram separadas em Aritmética, Álgebra e Geometria), onde fez referência ao movimento internacional de reforma orientado por Felix Klein. Segundo Miranda (2003), a unificação da Matemática, no Brasil, sofreu influência direta dos Estados Unidos onde Ernest Breslich desponta como o maior defensor da proposta unificadora e, na figura deste matemático, encontra-se a base para uma boa parte das propostas de Euclides Roxo. 35 O Enfoque da História da Matemática no Ensino-Aprendizagem da Matemática Capítulo 1 Antes da unificação, conforme Miranda, para ingressar no curso secundário, era obrigatória a realização do exame de admissão. Uma vez aprovado, o aluno estudaria as matemáticas nos quatro primeiros anos sendo: Aritmética, nos dois primeiros; Álgebra no segundo; Geometria e Trigonometria no quarto ano. Cada disciplina tinha características próprias, sem interferência das outras. O Colégio Pedro II recebeu do DNE (Departamento Nacional de Ensino) e da ABE (Associação Brasileira de Educação) manifestos favoráveis às modificações no ensino de Matemática, aprovando e apoiando a iniciativa de Euclides Roxo. O ofício do DNE forneceu aval necessário para a implantação dos novos programas no referido colégio. O Decreto 18 564 de 15 de janeiro de 1929 oficializou o aceite da proposta modernizadora encabeçada por Roxo. O novo ensino para Aritmética, Álgebra e Geometria seria feito a partir da criação de uma nova disciplina escolar, resultado da fusão das três áreas ministradas em separado. Conforme Werneck, essa proposta criada para o Colégio Pedro II era para ser gradualmente implantada e as transformações no ensino irem acontecendo paulatinamente, porém os acontecimentos se precipitaram com o decreto 19 890 de 18 de abril de 1931, que passou a ser conhecido como Reforma Francisco Campos, que criou um programa nacional para o ensino de Matemática, de forma autoritária, pois o ministro acatou todas as ideias de Euclides Roxo mostrando que “um homem sozinho consegue fazer uma reforma desde que ocupe um cargo que lhe dê autoridade para tanto” (WERNECK, 2003, p. 81). O próprio Euclides Roxo no APER (Arquivo Pessoal Euclides Roxo e fonte de busca da gênese do 1º programa de Matemática brasileiro) – ER.T.1.007, declara que elaborou o programa de Matemática da reforma (WERNECK, 2003, p. 47). Segundo Werneck (2003), entre os 624 documentos do APER, encontram- se alguns programas estrangeiros, podendo indicar pistas de que a reforma veio de alguns desses programas ou da mescla de todos eles, mas num estudo comparativo o programa brasileiro foi de longe, mais extenso. O programa de Euclides Roxo recebeu severas críticas, como por exemplo, de ser antipedagógica, tanto de progressistas como de conservadores, estes últimos, a favor da manutenção da Matemática tradicional. Na década de 1940 com a Reforma Capanema, que se apresentou como uma reação à Reforma Campos, o programa de Matemática tem um recuo à Matemática Tradicional defendida por alguns professores. No entanto, Euclides conseguiu manter as orientações metodológicas para os programas do curso ginasial. A Matemática Moderna: O contexto em que surgiram as mudanças e os reflexos do Movimento no Ensino de Matemática brasileiro. 36 Tendências Atuais do Ensino e Aprendizagem de Matemática Durante os primeiros anos da década de 50 vários projetos começaram a ser desenvolvidos, tendo em vista a melhoria do ensino secundário, especialmente por meio da adequação à realidade da universidade e aos avanços tecnológicos. Foi um fato não ligado diretamente à situação escolar dos Estados Unidos, que acabou acelerando as propostas pedagógicas americanas desencadeando um movimento internacional de modernização que ficou conhecido como Movimento da matemática Moderna. O lançamento, em 1957, do primeiro
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