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139 A CAMINHO DA AURA Sueli Zutim1 César Donizetti Pereira Leite2 EUGÈNE ATGET. Caminho a Versalhes, 1922. Técnica de impressão em albumina a partir de um negativo de colódio seco. Coleção do Museu de Arte de Worcester (Massachusetts, EUA) – Fundo Stoddard de Aquisição. Walter Benjamin nos alertou, em 1931, por meio de seus escritos, que viveríamos uma época em que a imagem seria, das linguagens, a mais presente em nossas comunicações. O referido autor já destacava a importância de 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp/ Rio Claro, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas “Linguagens, Experiência e Formação” – Departamento de Educação/ IB – Rio Claro. 2 Professor Orientador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp/ Rio Claro, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas “Linguagens, Experiência e Formação” – Departamento de Educação/ IB – Rio Claro. 140 compreender essa linguagem, bem como, perceber o discurso inserido atrás de cada uma delas e de que maneira estas poderiam nos educar. Nós vivemos este tempo agora. Somos submetidos diariamente a diversas imagens, sejam pelas revistas, jornais, anúncios de propagandas, televisão, cinema, teatro, internet, etc. Para Bosi (1998, p. 65) “O homem de hoje é um ser predominantemente visual, por isso a imagem é considerada o meio mais eficaz de informação”. O que estas imagens nos dizem? Imagens, imagens e imagens passam por mim, estou mergulhada nelas, mas nenhuma delas me toca, me chama, me faz suspirar. Encontro-as em todos os lugares, carregadas de brilhos e cores, porém parecem-me todas iguais e vazias. Será que meu olhar está tão insensível assim? A imagem utilizada pelo ser humano como meio de linguagem é algo muito antigo. Benjamim nos leva aos desenhos das paredes das cavernas deixados pelo homem paleolítico, e nos lembra que estes nos revelam a imagem com um sentido de valorização ao culto: A produção artística começa com imagens a serviço da magia. O que importa, nessas imagens, é que elas existem, e não que sejam vistas. O alce, copiado pelo homem paleolítico nas paredes de sua caverna, é um instrumento de magia, só ocasionalmente exposto aos olhos dos outros homens: no máximo, ele deve ser visto pelos espíritos. (BENJAMIN, 1994, p. 173). Nossos ancestrais registraram não somente imagens, mas também sensibilização e observação. Souberam aproveitar o relevo das rochas para criar a sensação de volume em suas pinturas – relevo saliente para os peitos dos animais e plano para as pernas. Será preciso voltar às cavernas? Com a Revolução Industrial, temos o aparecimento das imagens fotográficas, o que resulta em uma mudança de sua valorização: das cavernas, onde serviam à magia, as imagens são expostas porque precisam ser vistas. Surgem então os retratos e o culto à saudade: Com a fotografia, o valor de culto começa a recuar, em todas as frentes, diante do valor de exposição. Mas o valor de culto não se 141 entrega sem oferecer resistência. Sua última trincheira é o rosto humano. Não é por acaso que o retrato era o principal tema das primeiras fotografias. O refúgio derradeiro do valor de culto foi o culto da saudade, consagrada aos amores ausentes ou defuntos. (BENJAMIN, 1994, p. 174). Neste período, “[...] por volta de 1840 a maioria dos pintores de miniaturas se transformaram em fotógrafos, a princípio de forma esporádica, e pouco depois exclusivamente” (BENJAMIN, 1994, p. 97), devido ao processo da reprodutividade técnica da imagem: Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral. (BENJAMIN, 1994, p. 167). “No entanto o decisivo na fotografia continua sendo a relação entre o fotógrafo e sua técnica” (BENJAMIN, 1994, p. 100). Sendo assim, o autor destaca as fotografias de Eugène Atget, por este obter imagens expressivas, não convencionais, mesmo com os limites impostos pelo mecanismo da câmera fotográfica: Ele buscava as coisas perdidas e transviadas, e, por isso, tais imagens se voltam contra a ressonância exótica, majestosa, romântica, dos nomes de cidades; elas sugam a aura da realidade como uma bomba suga a água de um navio que afunda. (BENJAMIN, 1994, p. 101). Mas quem foi Eugène Atget? Nascido em 12 de fevereiro de 1857, na França, Eugène Atget perdeu seus pais ainda criança e foi educado por um tio. Se tornou marinheiro, viajando por rotas americanas; posteriormente optou pela carreira de ator. Atget era um fotógrafo dedicado a documentar as artes, a arquitetura e os monumentos da cidade de Paris. Suas fotografias formam um roteiro quase pedagógico de como apurar a precisão da percepção visual. Em 1889 se dedicou à pintura e acabou desenvolvendo sua capacidade observatória. Tornou-se fotógrafo para sobreviver. Especializou-se em postais e vistas cotidianas de Paris. Em 1926 participou da Review la Revolution Surrealiste. [...] Entre 1898 e 1910, Atget trabalhou também para arquitetos, decoradores e editores. [...] morreu, em 1927, Atget era conhecido apenas pelos amigos e por um grupo seleto de artistas de vanguarda, entre eles o fotógrafo surrealista Man Ray. (MELO, 2007). 142 Benjamin nos diz que enquanto os contemporâneos de Eugène Atget eram especialistas em retratos, este [...] começa a libertar o objeto de sua aura. (BENJAMIN, 1994, p. 101), mas o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, até que o instante ou a hora participem de sua manifestação, significa respirar a aura dessa montanha, desse galho. (BENJAMIN, 1994, p. 101). Vou à busca de um caminho que me leve a respirar esta aura. Vou à busca das imagens de Eugène Atget, a busca de imagens que possam me tocar, provocar algum sentido. Encontro inúmeras delas por meio do site de busca do google (http://www.google.com.br). Imagens em branco e preto, compostas por luzes e sombras. Imagens de uma cidade vazia, imagens de objetos sem donos. Raramente encontro imagens de homens, mulheres e crianças. Finalmente, me sinto tocada - os sentidos começam a ser libertados. Sinto o sopro do ar (do latim “aura”), respiro a aura, meus olhos se umedecem... [...] O Olho é um teatro por dentro. E às vezes, sejam atores, sejam cenas, e às vezes, sejam imagem, sejam ausências, formam, no Olho, lágrimas. (Cecília Meireles) A principio, entre tantas imagens seleciono cinqüenta delas, depois vinte e finalmente chego a cinco. Destas cinco, quadro delas aludem a uma direção, a um caminho. A primeira, uma estátua de costas entre as sombras de árvores, com o olhar direcionado para o lago, para o espaço mais iluminado da paisagem; a segunda, aparentemente um parque, um caminho percorrido entre bancos vazios e copas de árvores sem folhas que não se encontram, não se tocam. A terceira imagem é uma escadaria, em suas laterais uma cerca construída de madeira, no meio do caminho um poste de luz - nosso olhar é levado até um 143 vilarejo. A quarta imagem é composta por várias prateleiras, expostas todas na rua - nelas estão depositados diversos pares de sapatos – acessórios necessários para a caminhada. Enfim, a imagem selecionada: Caminho a Versalhes, 1922. Técnica de impressão em albumina (clara de ovo) a partir de umnegativo de colódio seco (fluído viscoso e transparente usado como meio ligante dos sais de prata em vários processos fotográficos), pertencente à Coleção do Museu de Arte de Worcester (Massachusetts, EUA) – Fundo Stoddard de Aquisição. Caminho enfileirado por árvores sem folhas, onde os galhos se encontram apenas nas alturas. Caminho de luz e sombra. Caminho que pode nos libertar e nos levar a algum lugar, ou ao encontro de alguém, ou ao nosso próprio encontro, ou ainda, a outros caminhos. Caminho que possui como testemunha apenas o olhar atento, silencioso e imóvel de uma estátua. Pode existir um caminho, uma direção e/ ou muitos caminhos, muitas direções, mas de nada adiantará se permanecermos estáticos. As imagens de Eugène Atget, aqui selecionadas e comentadas, apresentam espaços aparentemente vazios, não há a presença humana, apenas indícios dela em todos os lugares. Para Benjamin, o mérito deste fotógrafo consiste justamente nisso, na ausência radical do ser humano nas fotografias, pois “[...] quando o homem se retira da fotografia, o valor de exposição supera pela primeira vez o valor de culto” (BENJAMIN, 1994, p.174). As imagens deste fotógrafo negligenciam os lugares e objetos comuns e exalta os detalhes, os pormenores, aproximando-os de nós; libertam a aura de seu objeto, libertando uma totalidade de sentidos. Neste momento, com o auxílio da luz ele nos faz perceber as sombras... seja das árvores, da estátua e conseqüentemente de nós mesmos. O mesmo acontece com as imagens que nos cercam hoje? Referências Bibliográficas ATGET, Eugène. Caminho a Versalhes, 1922. Técnica de impressão em albumina a partir de um negativo de colódio seco. Coleção do Museu de Arte de Worcester (Massachusetts, EUA) – Fundo Stoddard de Aquisição. Disponível em http://www.phxart.org/exhibitions/keepingshadows.asp 144 Acesso em: 17 nov. 2007. BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 91-107. ______. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 165 - 196. BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar. In: Novaes, Adauto (org.). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 65 - 87. MEIRELES, Cecília. Mapa de anatomia: o olho. Disponível: http://www.revista.agulha.nom.br/ceciliameireles04.html Acesso: 17 nov. 2007. MELO, Laura Ferraz de. O grande Eugène Atget. Disponível: http://artigos.com/artigos/artes-e-literatura/o-grande-eugene-atget-1141/artigo/ Acesso: 04 nov. 2007.
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