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Maçonaria e Simbologia Uma análise do preconceito através da História e da Psicologia G RU P O M U LT I F O C O Rio de Janeiro, 2020 Maçonaria e Simbologia Uma análise do preconceito através da História e da Psicologia 2° E D I Ç ÃO M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Copyright © 2020 Marcel Henrique Rodrigues. direção editorial Grupo Multifoco edição Dayana Xavier revisão Victor Veríssimo projeto gráfico Caroline da Silva capa Leonardo G. Filho impressão Gráfica Multifoco direitos re s erva d os a G RUPO M U LTIFO CO Av. Mem de Sá, 126 - Centro 20230-152 / Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2222-3034 contato@editoramultifoco.com.br www.editoramultifoco.com.br to d os os direitos re s erva d os . Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores e autores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP). R696m Rodrigues, Marcel Henrique . Maçonaria e simbologia: uma análise do preconceito através da História e da Psicologia/ Marcel Henrique Rodrigues. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Multifoco, 2020. 172 p. ; 21 cm. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8273-874-0 1. Maçonaria. 2. Simbologia. I. Título. CDD: 366 “Os pesquisadores de todos os tempos conheciam verdades que chegavam ao homem por meio do símbolo. Os rituais iniciáticos de todas as culturas o têm utilizado em suas cerimônias. Desde o princípio, chegou-se a diferenciar aquilo que o símbolo manifesta em sua parte visível e acessível ao profano, qualificando-o de exotérico. No entanto, essa outra dimensão, a esotérica (interna), que vai além das aparências, é a que permite entrar em contato com as forças que realmente movem o mundo, situando no âmbito do sagrado.” Musquera, 2010 “Os signos e símbolos governam o mundo, não as palavras e as leis.” Confúcio, 551 a.C – 479 a.C “O símbolo não reflete a realidade objetiva, mas busca revelar o profundo, escondido misterioso, ausente. Preocupa-se em desvelar as raízes ocultas da realidade, os pilares do universo.” Mardones, 2006 7 Agradecimentos Os agradecimentos passam a ser uma di culdade adicional, de- vido à quantidade de pessoas que, direta ou indiretamente, estão interligadas a esta pesquisa. Primeiramente, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por proporcionar a oportu- nidade de realizar este projeto de pesquisa, juntamente com um intercâmbio realizado no exterior. Agradeço aos pareceristas e assessores da Fundação, pela presteza em analisar minha pesquisa e apontar as necessidades de melhorias. Mais gratidão ao CEHR – Centro de Estudos de História Religiosa – integrado à Universidade Católica Portuguesa, que aceitou com boa acolhida o meu projeto de pesquisa. Sou pro- fundamente grato aos professores Al edo Teixeira e Matos Fer- reira, que me orientaram nos quatro meses de investigação em Lisboa, juntamente com o secretário José António por sua gran- de disponibilidade e pro ssionalismo acadêmico. Mais agradecimentos aos meus orientadores e amigos Luis Antonio Groppo, e Sueli Caro (in memoriam), por me acompa- nharem durante a pesquisa. Também não posso me esquecer dos pro ssionais portugueses que me auxiliaram, como os funcioná- rios do Arquivo Nacional Português, Torre do Tombo, que me disponibilizaram antigos e raros documentos históricos. Agra- deço a todos os especialistas que se dispuseram a discutir sobre minha investigação. Deixo os meus mais apaixonados agradecimentos a minha es- timada família, sobretudo minha mãe e meu pai, Márcia e Tony, que além de me proporcionarem a vida, sempre me apoiaram em todos os momentos. Esse livro é dedicado aos meus amigos e cole- gas. E por m, um especial agradecimento a Deus, que me propor- cionou todos esses momentos de muita re exão e aprendizagem. 9 Sumário Prefácio da primeira edição.................................................. 11 Prefácio da segunda edição .................................................. 14 Introdução ........................................................................... 19 1. Algumas considerações sobre a Antropologia dos símbolos religiosos .............................................................................. 24 ⒈ 1 Os primeiros vestígios de sociedades secretas ................ 30 ⒈ 2 Rituais de “morte-renascimento” e a formação de socieda- des secretas da Antiguidade pagã ........................................ 40 2. Investigação sobre o misticismo ocidental. Percursos para a formação de sociedades secretas e a Maçonaria ................... 49 ⒉ 1 O advento do Cristianismo e a mudança no paradigma cul- tural, social e religioso no mundo ocidental ........................ 54 ⒉ 2 A Idade Média: os Cavaleiros Templários e os antigos construtores de catedrais .................................................... 61 ⒉ 3 A Era Moderna: o surgimento da Maçonaria Especulativa e seus embates com as igrejas ............................................. 80 ⒉ 4 A Era Contemporânea: o golpe de Léo Taxil, sua contri- buição para a “queda do simbólico” e o preconceito contra a Maçonaria ......................................................................... 99 3. A “queda do simbólico”: um estudo histórico e psicológico para a compreensão do preconceito contra símbolos religiosos e a Maçonaria .................................................................... 105 ⒊ 1 A “queda do simbólico” da visão histórica para uma visão psicológica ....................................................................... 112 ⒊ 2 A interpretação dos símbolos: uma hermenêutica de alguns símbolos maçônicos ......................................................... 125 Considerações fi nais .......................................................... 150 Referências ........................................................................ 164 11 Prefácio da primeira edição Convido o leitor a conhecer este livro, que é uto de instigantes investigações do psicólogo, então em formação, Marcel Henri- que Rodrigues. A respeito do livro, penso que esse, mais do que uma obra acadêmica sobre a Maçonaria, é uma pesquisa e re e- xão muito bem fundamentada sobre a importância do simbólico para o ser humano. Assim argumenta Marcel: é o ser humano um ser simbólico. Mas em seus processos históricos, quando o humano se realiza, por vezes o humano também se nega. E a história do “mundo ocidental” pode ser lida como a queda e a negação do simbólico. Este é o grande mote das pesquisas de Marcel, as quais tive a honra de orientar, inclusive o início da que deu origem a este li- vro – orientação que foi completada pela minha estimada colega Profa. Dra. Sueli Caro (in memoriam). Marcel foi discente, e a profa. Sueli é docente, do curso de Psicologia do UNISAL (Cen- tro Universitário Salesiano de São Paulo), Unidade Americana, instituição onde tive a alegria de trabalhar por 15 anos. Em parte destes anos, ensinei e aprendi com futuros psicó- logos. Entre eles, Marcel, que logo demonstrou grande interesse em seguir a carreira de pesquisador. Procurou-me, pedindo ajuda para de nir caminhos e temas de pesquisa. Justo a mim, apenas sociólogo, simpatizante da Psicanálise de Freud e das pro- vocativas ideias de Reich… Fico feliz que Marcel tenha insistido, consigo e comigo, e encontrado seus temas e caminhos. Fico feliz 1 2 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A porque, creio eu, ainda que um pouco, ajudei-o a se encontrar como pesquisador de Psicologia, ainda que eu mesmo não seja um psicólogo. Este livro é uto do amadurecimento de Marcel como investigador, de seus mergulhos no simbólico do humano, de suas trilhas por entre o humano simbólico. Neste livro, seu autor demonstra grande competência na bus- ca de fontes bibliográ cas para fundamentar sua reconstituição histórica e, principalmente, analisar símbolosrelacionados à Ma- çonaria. A obra, em sua maior parte, desenvolve com qualidade a interpretação de material colhido em pesquisa bibliográ ca, trazendo interessante discussão histórica sobre os símbolos reli- giosos e a formação de sociedades secretas. Na referência teórica, destaca-se a Antropologia de Campbell, bem como a perspectiva psicológica inspirada em Jung. O livro apresenta três capítulos. O primeiro capítulo discu- te a dimensão simbólica do ser humano, destacando rituais da Pré-História, em especial os rituais de “morte e renascimento”, e as primeiras sociedades secretas. No segundo, o misticismo no mundo antigo e o embate do Cristianismo com esse. Em segui- da, sobre sociedades iniciáticas, em destaque os Templários, e a origem da Maçonaria. No terceiro capítulo ainda são discutidos temas históricos, já na modernidade, como a origem da Maçonaria Filosó ca e o agravamento dos embates entre Maçonaria e as igrejas cristãs, sobretudo a Católica. Também é narrada a oposição à Maçonaria por alguns Estados europeus na modernidade. O terceiro capítulo, entretanto, destaca-se pelo esforço de análise, na busca da resposta ao que foi proposto como objetivo da obra: as causas da rejeição e da descon ança da cultura Con- temporânea em relação à Maçonaria. A explicação reside, so- bretudo, no que Marcel discutiu em suas primeiras pesquisas, divulgadas em artigos acadêmicos, a saber, a queda do simbólico na contemporaneidade. 13 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Para o seu coroamento, o autor traz ainda no capítulo três uma fundamentada interpretação de símbolos usados pela Maço- naria (como o pentagrama, o compasso e o esquadro), ou de um símbolo erradamente atribuído a essa (o bode). Faz isto com base na Antropologia e na psicologia de Jung, cotejando esta interpre- tação cientí ca com a da própria Maçonaria e a de alguns textos ditos antimaçônicos. Convido o leitor a ler, conhecer e debater este importante livro sobre a nossa própria di culdade em compreender a dimen- são simbólica da existência humana, di culdade que está na ori- gem de incompreensões, preconceitos e desvarios, e não apenas contra a Maçonaria, tema desta obra. Diante do vislumbre desta importante dimensão cultural, a simbólica, pode o leitor se por- tar com o mesmo deslumbramento com que o autor, por vezes, incorre diante de algo tão grandioso. O texto se empenha em de- nir e transmitir ao leitor o magní co do mundo dos símbolos, ainda que seja preciso reconhecer os limites da palavra diante de algo muito portentoso que precisa se expressar. Ao mesmo tempo, Marcel pouco esconde a decepção com os homens e mulheres reais de nosso tempo, tão pequenos ao negar valor ao que nos é tão valioso. Ao negar o simbólico, o huma- no se apequena, acende fogueiras, institui inquisições, fomenta perseguições, mutila a si próprio, negando o caminho de sua própria individuação, da sua autenticidade. Que o livro nos ajude a reencontrarmo-nos e a dissipar estes e outros preconceitos. Luís Antonio Groppo Professor da Unifal-MG (Universidade Federal de Alfenas). Pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen- to Cientí co e Tecnológico). Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). 14 Prefácio da segunda edição Faz pouco mais de cinco anos que ousei em lançar esse peque- no estudo que realizei durante minha graduação em Psicologia (2010-2014). Digo que “ousei” pois só uma pequena quantidade de estudantes decide publicar um trabalho de iniciação cientí ca, justamente por tratar-se de uma “iniciação” à escrita e à pesquisa acadêmica. Desse modo, o trabalho de iniciação cientí ca per- manece suscetível a vários “enganos” sendo que, de fato, esses “enganos” ocorreram comigo também. Por isso, e por um bom tempo, pensei em deixar esse estudo de lado e produzir artigos que seriam publicados em revistas acadêmicas, de modo que eu pudesse realocar e reconsiderar alguns apontamentos um tan- to “obscuros” desse texto. Mas minha opinião mudou depois de constatar que, passados esses anos, tendo mantido meus estudos em torna da temática dos símbolos – mas não propriamente dito a Maçonaria – entendi que uma segunda edição deste trabalho poderia surgir. Fiquei entusiasmado quando li o prefácio do livro “Estu- dos de Iconologia: temas humanísticos na arte do Renascimen- to” de Erwin Panofsky em que o autor revela que passou pelos mesmos dilemas que hoje tenho passado. No prefácio para uma nova edição do referido livro, Panofsky comenta que era muito di ícil a tarefa de voltar para sua obra que já havia sido publicada há vários anos – para ele sua vontade era a de reescrever todo o livro, intento este que seria impossível. Algo muito semelhante 15 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S ocorre comigo nesse momento. Tenho me desenvolvido na es- crita acadêmica e em novas leituras, e como todo ser em evo- lução, tenho tentado me aprimorar na pesquisa cientí ca. Por isso, voltar a um texto, uto de uma iniciação cientí ca, é uma tarefa e tanto. Mas longe de desprezar esse trabalho meu desejo é de valorizá-lo, já que se trata de uma pesquisa honesta uto de muita aprendizagem. Tendo esse desejo em vista, resolvi lançar essa segunda edição1. O leitor não encontrará modi cações estruturais e nem con- ceituais no livro. Essa nova edição foca apenas no acerto de al- guns erros tipográ cos e ortográ cos. No entanto, acredito que me seja permitido nesse novo prefácio indicar algumas falhas do meu texto. Primeiro, percebo no meu trabalho que não me apro- fundei – confesso que por falta de tempo – na análise de muitos termos utilizados como, por exemplo, “misticismo” e “esote- rismo”. No caso, o termo “esoterismo” seria o mais apropriado para ser utilizado em todo o texto, em contraposição ao termo “misticismo”. Isso é justi cável pois o misticismo é muito mais difundido entre as “religiões tradicionais” como no Cristianismo, em que encontramos a chamada “mística cristã”, do que o “eso- terismo”, propriamente dito, que se enquadraria melhor para se referir, por exemplo, aos símbolos maçônicos – embora não seja errado dizer que exista o “misticismo maçônico”. Outro ponto consiste em um erro interpretativo que z no capítulo três com a ideia de Mircea Eliade, em que argumentei que este estudioso postulou a não existência de relação entre os símbolos e o homem contemporâneo‥ Isso de fato é um en- gano, o que iria na contramão do meu próprio estudo. O que este estudioso das religiões propõe é justamente a existência da relação entre o indivíduo contemporâneo e os símbolos, porém, ⒈ Devo agradecer profundamente ao prof. Victor Veríssimo pela leitura pacienciosa deste trabalho, bem como suas preciosas dicas e o incentivo que me deu para publicar essa segunda edição. 16 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A o que há é um “afastamento” ou não compreensão dos símbolos pelo homem da atualidade. O argumento de Eliade é justamente o que desejei demonstrar no que denominei como a “queda do simbólico”, ou seja, a não compreensão da “linguagem” dos sím- bolos, o que gera, no meu ponto de vista, a intolerância religiosa, por exemplo. Ou mesmo questões de cunho psíquico que Carl Gustav Jung tanto enfatizou ao apontar, entre outras coisas, que o homem mergulhado na cultura tecnológica, nas informações instantâneas, ou mesmo na própria sociedade de consumo, deixa de lado, ou reprime para o inconsciente, questões subjetivas de sua existência, muitas vezes expressas em formas de símbolos; o resultado dessa “repressão”, ou falta de expressividade simbóli- coafetiva, é facilmente percebido pelos inúmeros distúrbios psi- cológicos que crescem na população mundial. É claro que esse trabalho visou mostrar o preconceito em torno da Maçonaria e, consequentemente, em torno dos símbo- los e sua linguagem, isso não indica que aqueles que combatem a Ordem maçônica possuam desordens de cunho psicológico. Nossatese utilizou-se da teoria junguiana justamente porque seus estudos não abrangem somente questões de psicopatolo- gia, mas, também, se abrem para a análise de outras temáticas, como da religião. Embora, é claro, que a religião, a intolerância e o fanatismo religiosos e os distúrbios psicológicos podem estar intrinsecamente interligados, e que o que denominei – ou ao menos tentei denominar – de “queda do simbólico” pode ser uma explicação para essa temática que não foi demasiadamente apro- fundada nessa pesquisa. O próprio termo “queda do simbólico ou do símbolo” apresenta suas falhas e ao fazer essa revisão, acre- dito que tal termo poderia ser substituído por “esvaziamento do símbolo ou do simbólico” que, para mim, soa melhor do que o termo anterior, ao entender que o homem contemporâneo – ape- sar de nunca ter deixado de utilizar-se de símbolos – mostra-se 17 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S cada vez mais distante – cada vez mais “vazio” – dessa antiquíssi- ma “linguagem” conhecida como “símbolos”. Do mesmo modo deve o leitor também se atentar para o uso do termo “cristão-protestante” ou simplesmente “protestantes”. Esse termo foi utilizado sobretudo para abordar as “novas” de- nominações cristãs que surgiram após a Reforma Protestante. Grosso modo, em nosso cenário brasileiro o termo “protestante” passou a ser substituído por “evangélico”. Na época da escrita deste trabalho decidi por evitar usar esse último termo por seus diversos signi cados, o que foge bastante do “senso comum” que utiliza o termo simplesmente para designar os cristãos que não são católicos. Preferi utilizar o termo “protestantes” para de- signar os não católicos, embora isso possa causar uma espécie de confusão entre os estudiosos dos movimentos pentecostais e neopentecostais. Mencionei a existência de uma espécie de “iconoclastia” – embora não use o termo – dentro das denominações “cristãs- protestantes”. Fui in uenciado, confesso, pela leitura de Jung e sua crítica a essas denominações que, para ele, se “despojaram” dos símbolos em seus templos. Isso não é totalmente correto se pensarmos nas “Escrituras Sagradas” como um livro carregado de material simbólico; deste modo os ditos “protestantes” não estão desprovidos de símbolos. O que importa seria a maneira pela qual esses símbolos bíblicos foram ou são interpretados: se de maneira realmente simbólica ou literal. Por m considero que diversos “pontos” questionáveis po- dem ter cado para trás. Isso ocorreu, justamente, por não haver tempo hábil para reformular todo o texto, sendo que essa ideia também não foi a pretensão inicial para essa segunda edição. Espero que os assuntos abordados nesse pequeno trabalho pos- sam ser utos de inspiração para outras investigações cientí - cas no meio acadêmico ou fora dele, e que tenham por regra o 18 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A afastamento dos ditos “achismos” e que possam trazer à luz a fascinante temática do estudo dos símbolos contribuindo para quebrar “tabus” e estigmas religiosos e culturais. Marcel Henrique Rodrigues Novembro de 2019 19 Introdução A presente obra tem como objetivo investigar o preconceito social e religioso existente na história, sobretudo na contemporaneida- de, contra a Fraternidade maçônica, mediante pesquisa bibliográ- ca e documental, descartando qualquer tipo de apologia religiosa ou losó ca. O texto é originalmente um relatório cientí co, u- to de uma bolsa de Iniciação Cientí ca concedida pela Funda- ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Por milhares de anos, a religião, com seus símbolos, ligada à loso a, foi a única forma de pensamento que levou à re exão acerca do ser humano e sua existência, buscando compreender a essência da humanidade. Na atualidade, a religiosidade permanece, mas os símbolos religiosos passaram a ser, em geral, meros ornamentos sem ne- nhum signi cado. As religiões, de certa forma, tendem a me- nosprezar os símbolos, não reconhecendo neles nenhum valor histórico e/ou losó co. A Maçonaria, segundo Benimeli (2010), mostrou-se, assim como as religiões, detentora de uma in nidade de símbolos que, de modo geral, expressam uma linguagem arcaica e de raiz universal. Essa sociedade losó ca, que congrega homens de todas as clas- ses sociais, que se reúnem em templos denominados “Lojas”, en- enta o preconceito social e religioso de modo geral. São poucos, entre esses grupos preconceituosos, os que de nem de maneira correta a Maçonaria. 20 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Algumas perguntas surgem a priori, tais como: o que é a Maçonaria? Por que existe preconceito em relação a essa? Por que é tão importante o uso de símbolos em seus rituais? Quais são as críticas ou preconceitos existentes em torno dela? Mansur Neto (2009) admite que, por de nição, a Maçona- ria é uma Fraternidade losó ca discreta que congrega homens, de diversas camadas sociais, que buscam um melhor desenvolvi- mento de sua personalidade, bem como da sociedade em geral. A Maçonaria se utiliza de símbolos religiosos para o desenvolvi- mento, aprendizado e identi cação entre seus membros. O seu caráter discreto – ou, para muitos, secreto – e o uso de símbolos místicos como linguagem e ritualísticas, já trazem para a Fraternidade questões polêmicas e distorções por parte dos não membros e, principalmente, por grupos religiosos que denominam a Maçonaria como “uma sociedade secreta satânica”. Porém, de certa forma, esse preconceito é justi cável ente à incapacidade de entendimento e familiarização com os símbolos que a humanidade vem en entando. É a partir desse pressupos- to, e com a ajuda da Psicologia e de uma revisão histórica, que este trabalho procurará investigar de maneira cientí ca a pro- blemática da denominada “queda do simbólico” na contempo- raneidade, bem como o preconceito religioso e social em torno da Maçonaria. Como introdução, apresentaremos sucintamente do que se trata cada parte desta pesquisa. No primeiro capítulo será discu- tida a dimensão simbólica do ser humano, mediante a construção e perpetuação de símbolos, sobretudo nas religiões. A elaboração de ritos sagrados fez com que, ainda na Pré-História, surgissem as primeiras “sociedades secretas”, como atestado pelas pesqui- sas de Campbell (2008b). No mesmo capítulo serão apresen- tadas algumas sociedades secretas da Antiguidade Clássica que in uenciaram a cultura de seu tempo e as culturas posteriores. 21 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S É veri cado que muitos rituais dessas sociedades secretas e de muitas religiões pautam-se na simbólica da “morte e renasci- mento” dos indivíduos, o que não deixa de conferir um caráter psicológico a tais ritos. Esta simbólica “morte e renascimento” servia, e ainda serve, para produzir no indivíduo a sensação de nascimento para uma vida nova, sendo que esse estilo de rito, juntamente com os ritos de passagem, ainda é marca expressiva na simbólica das atuais religiões e de sociedades losó cas como a Maçonaria. O segundo capítulo, por sua vez, trataremos dos percursos do misticismo no Ocidente. Nesta etapa, estudaremos um pouco da Antiguidade e o advento do Cristianismo que, como posterior religião dominadora, oprimiu todo tipo de religiosidade e mis- ticismo que não era compatível com a teologia cristã. A menção deste fato histórico torna-se importante para compreender a re- pressão e o preconceito contra doutrinas, ritos e símbolos que destoam da religião hegemônica. Os antigos conhecimentos e ritos da religiosidade dita “pagã” por pouco não se perderam com a ascensão do Cristianismo. Em continuidade, analisaremos algumas sociedades iniciá- ticas como a dos Templários, que, mesmo no seio da religião cristã, so eram perseguições por parte da Inquisição. Esta Or- dem, como analisam especialistas, tornou-se fonte de inspiração para a formação de futuras sociedades secretas nas eras Moderna e Contemporânea.E, por m, entraremos na história maçôni- ca, que se inicia com os construtores de catedrais medievais. Embora essa origem seja um campo controvertido e digno de poucas certezas, podemos supor que esses construtores tenham permeado antigos conhecimentos místicos nas próprias catedrais que erigiram. A análise da Idade Moderna e Contemporânea é outro pon- to histórico importante que se somará às divergências ocorridas 22 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A entre Maçonaria e religião/Estado. Pudemos veri car que este momento é muito importante como ponto chave na história do preconceito contra a Maçonaria e outras sociedades losó cas. Estes pontos históricos também são importantes para compre- endermos o caráter psicológico da questão, visto que todos os acontecimentos históricos formaram uma maneira de pensar e agir dos sujeitos em sua coletividade. É na contemporaneidade que encontramos a gura de Léo Taxil, responsável por disseminar ideias e teorias que apontavam que, de fato, a Maçonaria seria uma seita diabólica. A gura de Taxil foi primordial para a formação da concepção atual do ima- ginário coletivo ocidental, que apontou a Maçonaria como luci- feriana e adoradora do “famoso” bode maçônico. Embora Taxil tenha se retratado e admitido a falsidade de suas histórias, essas mesmas são ainda muito utilizadas para a “comprovação” de que tal Ordem é herdeira de um antigo culto ao mal. O terceiro capítulo envolve a temática central deste projeto, reportando-se à “queda do simbólico na contemporaneidade”. Esse capítulo traça os motivos que levaram o homem contempo- râneo a estranhar os motivos simbólicos, sobretudo aqueles que estão relacionados à Maçonaria, uma instituição não religiosa, mas que se utiliza de símbolos religiosos em seus rituais, e que está permeada de segredos e mistérios. Esse capítulo faz, a todo momento, menção à parte histórica investigada anteriormente nesta obra. É muito válido lembrar que a presente obra, em momento algum, fez ou fará apologias ou críticas a qualquer segmento re- ligioso ou losó co, e também não se interessa pela investigação da existência de divindades ou forças ocultas. Neste capítulo voltamos a explanar sobre a natureza do sim- bólico, e que as religiões, do ponto de vista histórico, se forma- ram mediante rituais e sacralização de diversos símbolos. 23 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Também serão explanados conceitos como Inconsciente Cole- tivo e arquétipos, que ajudarão a compreender o caráter inato dos símbolos na cultura humana. O objetivo dessa conceitualização é explanar, através de meios cientí cos, os motivos pelos quais os símbolos têm sido conside- rados por algumas denominações religiosas, como fonte de atos de blas êmia, idolatria e de poderes oculto-satânicos. Por isso, utilizaremos argumentos de cientistas como Campbell (2002) e Eliade (2011), buscando compreender por que termos como “simbologia”, “rituais”, “ocultismo”, “paganismo” são considera- dos sinônimos de Satanismo. A pesquisa contou ainda com uma Bolsa de Estágio em Pes- quisa no Exterior, BEPE, que teve vigência de 01/03 de 2013 a 30/06 de 2013, o que possibilitou uma maior abertura acadêmica para a pesquisa que se desenvolveu no Brasil. Tal bolsa nos per- mitiu entrar em contato com documentos históricos originais e antigos que comprovam, no decorrer do tempo, a condenação maçônica por diversos meios sociais, como a política e a religião. Em suma, o trabalho não deseja fazer qualquer tipo de apologia religiosa, doutrinária ou esotérica. Pelo contrário, utilizamo-nos de aparato cientí co para compreender que a “queda do simbólico na vida contemporânea” é uto de um longo processo históri- co, que abarca as noções da própria psique coletiva do homem. E, por m, desejamos explorar que toda a distorção em torno da Maçonaria versa sobre uma “questão simbólica”, questão essa que vem permeando a cultura e a história da civilização por todo o sempre. 24 1. Algumas considerações sobre a Antropologia dos símbolos religiosos Antes de iniciarmos o tema da investigação, devemos fazer uma análise, mesmo que não tão detalhada, sobre a utilização de sím- bolos pelas grandes civilizações e religiões mundiais. A Antropologia atual, impulsionada pelas investigações da Arqueologia e da História, tem se voltado e dado cada vez mais ênfase ao estudo e à análise da chamada “linguagem dos símbo- los”. Esses estudos foram impulsionados sobretudo por Cam- pbell (2008a), Eliade (2002), Frazer (1978), entre outros teóricos, que dedicaram suas vidas à exploração da temática do simbólico, que, de certo modo, tornou-se a primeira forma de manifestação linguística, cultural e mesmo religiosa de nossos ancestrais. Sabiamente dissertaram Santos (1959) e Campbell (2008b) em seus numerosos trabalhos sobre a dimensão simbólica do ho- mem. Esses pesquisadores não estudaram apenas os símbolos religiosos em imagens concretas, como, por exemplo, o símbolo da cruz, mas estenderam suas investigações ao simbolismo dos mitos, das metáforas e parábolas de diversas religiões e cultu- ras. Assim, buscaram comprovar, pelo viés da Antropologia, que o homem é, em sua essência, simbólico, e que desde tempos imemoriais construiu e adaptou símbolos para ns de comuni- cação e, como atesta Campbell (2010b), para rituais religiosos e expressão de temas subjetivos como deuses, morte e alma. 25 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Esses citados autores vão longe e analisam possíveis símbo- los dos primórdios da humanidade, como as imagens rupestres do sudoeste ancês, na caverna de Lascaux, onde pinturas que foram datadas de mais de quinze mil anos atrás, poderiam ser símbolos religiosos, como defende Campbell (2010b), que deno- minou o lugar como “Capela Sistina da Pré-História”. Por esses fatores, é defendido que o homem, por si só, e desde tempos muito remotos, utilizava a linguagem dos símbolos para se co- municar e para prestar cultos religiosos. Defensores da tese de que o homem é, antropologicamente motivado por ideias religiosas e por crenças na possibilidade de intervir no ambiente em que vive utilizando-se da magia, por exemplo, vem ao encontro da necessidade do uso da simbologia. Entre os partidários destas teorias estão estudiosos como Eliade (2002), Frazer (1978) e Bettencourt (1997), que defendem que o homem é, por si só, religioso. Nunca se encontrou uma civiliza- ção ateia, ou sem a utilização de símbolos ou ornamentos que co- notassem alguma espécie de culto ao sagrado. Bettencourt (1997) é categórico ao ressaltar que a Antropologia e a Arqueologia nos levam a a rmar que o homem é intrinsecamente religioso. Fazendo-se uma analogia ou uma metáfora, o homem seria, en- tão, segundo estes especialistas, “geneticamente” moldado para criar culturas em que persistissem valores religiosos e motivos simbólicos, sobretudo por meio de imagens. A compreensão dessa valorização dos antigos pelos símbolos religiosos é de extrema importância para o assunto a respeito do qual se discorrerá nesta obra. Frazer (1978), importante antropó- logo inglês no início do século XX, escreveu sobre os costumes dos antigos povos. Seu livro, “O ramo de ouro”, versa sobre a importância da simbologia entre os antigos, e é nessa obra que o autor enfatiza que os rituais, sobretudo os de magia2, foram as ⒉ O autor cita a magia como forma de interagir e manipular a natureza. Os primitivos 26 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A primeiras maneiras de o homem interagir com a natureza, o que, segundo o autor, foi uma forma de ciência primordial, em que o homem sentia-se capaz de manipular a natureza e até mesmo o seu próprio destino. Se persistíssemos na ideia da Antropologia dos símbolos, sem dúvida, teríamos também uma dissertação da “psicologia das crenças religiosas” ou Psicologia da religião, que igualmente tem como postulado que o homem é, desde suas raízes, um ser simbólico e religioso.No caso em questão, falamos da antiga utilização de simbologia com caráter religioso, que trazia a neces- sidade dos nossos ancestrais de se “ligarem” com o transcendente. Assim, havia a crença de que, por meio dos símbolos, fosse possí- vel expressar aquilo que era inexpressável, revelando desse modo os primeiros sinais de subjetividade. Este inexpressável é bem postulado por Jung (2008a), que muito pesquisou sobre a “psi- cologia das crenças religiosas”. Esse autor a rma que o simbólico é resultado expressivo da mais pura subjetividade humana, sendo que a arte de criar símbolos foi amplamente difundida e cultuada nos quatro cantos do mundo. Mas o que seria essa subjetividade que levou o homem a criar símbolos religiosos? Na concepção de Jung (2008b), essa subjetividade tem cará- ter religioso e é universal. Com efeito, para este teórico, a noção de pertencer ao universo, ou de encontrar explicações básicas so- bre os motivos da existência da vida e da morte, levou o homem primitivo a criar símbolos como forma de expressão de conceitos mais abstratos, como “vida”, “morte” e “divindade”. Jung, em seu livro “O homem e seus símbolos”, trata dessa necessidade simbólica e religiosa do homem primitivo: utilizavam-se da magia ora para ns bené cos, ora para ns malé cos. Todos esses rituais eram envolvidos por símbolos. Frazer (1978) também acredita que a evolução da humani- dade se dera por três fases de conhecimento: a magia, a religião e a ciência. 27 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S O papel dos símbolos religiosos é dar signi cação à vida do homem. Os índios pueblos acreditam que são lhos do Pai Sol, e essa crença dá a suas vidas uma perspectiva (e um objetivo) que ultrapassa a sua limitada existência; abre-lhes espaço para um maior desdobramento das suas personalidades e permite-lhes uma vida plena como se- res humanos. Esses índios encontram-se em condições bem mais favoráveis do que o homem da nossa civilização atual, que sabe que é, e permanecerá sendo, nada mais que um pobre diabo, cuja vida não tem nenhum sentido interior (JUNG, 2008a, p. 111). Como temos dito, o que Jung (2008a) deseja apontar é que o homem é essencialmente simbólico. Ou seja, desde tempos mais remotos o homem primitivo cria símbolos, ora para comunica- ção, ora para externalizar conceitos subjetivos, como o motivo da vida e as angústias provocadas pela morte, o que levou à criação de símbolos culturais, formando-se assim um conceito, mesmo que rudimentar, de religiosidade. Não é possível estabelecer uma data para o surgimento dos primeiros vestígios de religiosidade, e nem para o surgimento de símbolos religiosos, porém, Bettencourt (1997) defende a ideia de que desde todo o sempre o homem apresentou características de religiosidade, mesmo nos tempos mais remotos da Pré-Histó- ria, quando estava no início de sua evolução corporal e intelectu- al. Nesse tempo, o homem já possuía indícios de cultos religiosos e possíveis rituais, que o integrava a uma espécie de ligação com a natureza que o cercava. A própria Antropologia é cautelosa em relação aos possíveis aspectos simbólicos de religiosidade e de ritualística do homem primitivo, porém, esse ramo da ciência é categórico ao a rmar que a religiosidade, como um fenômeno, é uma das mais antigas manifestações da cultura do homem. 28 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A É necessário fazer um adendo a essa temática sobre religião e Antropologia, pois, como Jung (2008a), que esteve longe de inferir a rmações meta ísicas em seus estudos, o que conotaria corroborar a existência da divindade, essa obra seguirá semelhan- te linha. Não se postulará, em momento algum, a existência ou inexistência divina, pois tal assunto não é da alçada desta investi- gação. Pelo contrário, esta pesquisa tem como objetivo, ao menos em sua parte introdutória, demonstrar que a criação de símbolos e cultos religiosos é muito antiga, e é por parte de Jung (2008b), que foi feita a a rmação de que, na Antiguidade, o surgimento de símbolos religiosos, e seus respectivos cultos, aponta para os vestígios de integração psíquica do homem para com seu meio. A própria palavra religião, em uma de suas etimologias, como explica Paiva (2000), reporta a necessidade da humanidade de orientar-se em sentidos sagrados. Com efeito, o termo religião vem do latim religare, que simboliza o ato de “ligar” o homem a um plano transcendente. O autor ressalta que o termo religião só apareceu milhares de anos depois de sua prática, e que, nos primórdios, os rituais ou os conceitos religiosos eram tidos como habituais ou da natureza da horda. Portanto, para os autores, a natureza da religião caracteriza a humanidade por milhares de anos, chegando-se a supor que não tenham existido civilizações ou hordas primitivas sem algum conj unto de símbolos ou rituais que conotassem sua religiosidade. Campbell (2008b) ressalta que a religare está intimamente liga- da à psique humana. Os mitos (religiosos) têm a função de integrar o homem a uma verdade psicológica muito arcaica e inconsciente. Por base geral, temos as considerações de que os símbolos religiosos têm, além da função religiosa, uma base psicológica, a rmação essa relacionada ao fato de que o simbólico, de certa forma, permite ao homem a sensação de pertencimento ao uni- verso, ao cosmos, ou à ordem que a sociedade exige. 29 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Santos (1959) chega à conclusão de que é impossível, em termos antropológicos, postular a não conexão entre símbolo e religião. Campbell (2010b) amplia o conceito de Santos (1959), relatando que uma das primeiras formas de manifestação linguís- tica também ocorreu por meio de imagens simbólicas e que po- dem ser encontradas, por exemplo, nas cavernas com inscrições humanas pré-históricas. Todo esse sistema simbólico foi sendo substituído por sinais mais objetivos, conforme atesta a evolução da escrita, e os símbolos passaram a ter exclusivamente uma co- notação religiosa e mística. O valor de sacralidade dos símbolos esteve presente desde o período pré-histórico. Lurker (2003) explicita uma outra função do simbólico, ad- mitindo que os símbolos religiosos existem para expressar em imagens aquilo que é inexpressável, ou seja, a própria “ gura” da divindade. Portanto, necessariamente, todas as religiões usam símbolos, linguísticos ou imagéticos, em seus preceitos. Campbell (2008a) e, sobretudo, Jung (2008b) revelam que o ponto máximo ao qual a ciência pode chegar, do ponto de vista empírico, sobre a religiosidade da humanidade, está no campo da Psicologia e de seus símbolos. Todos os autores até aqui ci- tados não se preocuparam em provar a existência de Deus ou a concretude dos fenômenos da ordem do sagrado, pois isto é algo que não compete à ciência, mas preocuparam-se em estudar a religião como uma manifestação social, universal e psicológica. Eliade (2002), em seus numerosos escritos sobre religiões e símbolos, aceita a ideia de que os símbolos religiosos vêm a ser uma das maneiras de estudar a psique na Antiguidade, pois congregam uma forte carga de signi cados e crenças, expres- sam uma linguagem que se apresenta como universal e possuem uma forte dimensão histórica. Portanto, Eliade (2002), como os autores já citados, concorda que estudar o fenômeno religioso com um olhar cientí co é voltar-se para a Antropologia, para a História e, sobretudo, para a Psicologia. 30 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A 1.1 Os primeiros vestígios de sociedades secretas Vários estudiosos, entre eles Campbell (2010b), apontaram pos- síveis vestígios de sociedades secretas, existentes mesmo na pró- pria Pré-História. Entretanto, devemos ser muito cautelosos ao julgar ou mesmo a rmar acontecimentos e costumes que ocorre- ram há milhares de anos. Como sabemos, apesar de numerosos, os estudos sobre a Pré-História trazem ainda dúvidas e incertezas acerca de como viviam nossos ancestrais.Os melhores indícios para apontar alguns dos principais costumes daquela época ad- vêm dos materiais arqueológicos encontrados em diversos sítios espalhados pelo mundo todo. Campbell (2010b) analisa, por meio do senso lógico, que o homem primitivo, dotado de consciência, percebeu o sentido cronológico das etapas ou fases da vida. Sendo assim, nossos an- cestrais observaram que a vida segue um uxo e, por entre esse uxo, existem diversas passagens de um estágio para o outro, principalmente quando se analisa as etapas da existência: nasci- mento, in ância, juventude, maturidade, velhice e morte. Dessa maneira, os primitivos percebiam que a vida era dotada de perío- dos passageiros. Campbell (2010b) supõe que nossos ancestrais, ao se depararem com estas naturais passagens de um período de existência para outro, deveriam ritualizá-las por meio de cerimô- nias que conclamariam a passagem daquele indivíduo para um estágio seguinte. Por exemplo: muitas tribos de sociedades a ica- nas realizavam, e ainda realizam, os ritos de passagem de meninos adolescentes que ingressam na vida adulta. Para Campbell (2010a), todos estes ritos ganharam conotação mística e religiosa e, a partir da evolução do homem, os mitos que os originaram foram ganhando mais abrangência, a ritualização parecia marcar uma espécie de união entre o sujeito e o divino. Cada um desses ritos primitivos de passagem tinha como sig- ni cado o renascimento do indivíduo para uma nova etapa de sua 31 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S vida até que ele atingisse a etapa nal, que é a morte. Para tanto, segundo alguns estudiosos, como Frazer (1978), as cavernas pré- históricas, famosas por suas pinturas rupestres, serviam como “santuários” para esses ritos de passagem, também conhecidos como ritos de iniciação. É o que atesta Campbell, que enfatiza que tais ritos se fundamentavam na simbólica do retorno ao útero materno, de nascer novamente, para uma nova etapa da vida: É também um sinal notório nas entradas silenciosas e cor- redores escuros do antigo túmulo real irlandês de New Grange. Esses fatos sugerem que uma constelação de ima- gens simbolizando a imersão e dissolução da consciência nas trevas do não-ser deve ter sido empregada intencio- nalmente, desde os tempos remotos, a m de representar a analogia dos ritos de passagem com o mistério da entrada da criança no útero para nascer. Essa sugestão é reforçada por mais um fato: as cavernas paleolíticas do sul da França e no norte da Espanha – datadas pela maioria dos espe- cialistas em 30.000- 000 anos a.C – foram certamente santuários, não apenas da magia de caça, mas também dos ritos da puberdade masculina. Uma terrível sensação de claustrofobia e, simultaneamente, de libertação de qual- quer contexto do mundo lá fora, assalta a mente encerrada naqueles escuros abismos onde a escuridão não é mais uma ausência de luz, mas uma força experimentada. E quando, naquelas cavernas, é lançada uma luz para revelar as belas pinturas de touros e mamutes, rebanhos de renas, cava- los em corrida, rinocerontes lanosos e xamãs dançando, as imagens assaltam a mente com marcas indeléveis. É óbvio que a idéia de morte-e-renascimento – renascimento atra- vés do ritual e com uma reorganização dos estímulos sinais profundamente estampados – é antiqüíssima na história da cultura (CAMPBELL, 2010b, p. 65). 32 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A O que o autor explanou é exatamente a existência da ne- cessidade de iniciação, de contemplar certas passagens da vida por meio de rituais sagrados que, com uma função simbólica, produzem no indivíduo a sensação de morte e renascimento para uma nova etapa da vida. O mesmo conceito é atestado por Eliade (2010) que, com um amplo estudo embasado na Arqueologia, trouxe à luz diversos ritos de iniciação que ocorriam em várias localidades da Ásia e partes da Europa. Eliade (2010) chegou ao mesmo resultado de Campbell (2010b), no que se refere às grutas rupestres como santuários de iniciação mística, e argumenta que essas iniciações eram, sobre- tudo, voltadas para os adolescentes do sexo masculino, ou seja, existe uma hipótese de que as mulheres estavam excluídas destes rituais. Tal hipótese é veri cada pela Arqueologia, que encontrou diversos artefatos de uso masculino nestas cavernas, além de os desenhos rupestres representarem simbolicamente uma espécie de culto masculino. Este chamado “culto masculino” da Pré-História tem uma fundamentação clássica, que foi amplamente estudada por ar- queólogos e historiadores. Campbell (2010b) estudou o período das cavernas paleolíticas e chegou à conclusão de que o siste- ma patriarcal, ou seja, aquele em que o homem era o detentor dos poderes religiosos e da sociedade, não era universalmente conhecido e muito menos universalmente praticado. Esse autor avalia que em algumas sociedades primitivas da América do Sul e da Á ica ocidental, entre outras regiões, predominou por muito tempo o estilo social e religioso com o poder no matriarcado. Campbell (2008a) observa que esse sistema pode ser comprovado em diferentes períodos históricos, por resquícios arqueológicos em que são encontrados somente vestígios de culto feminino e da divindade da Mãe Terra. Campbell (2008a), assim como Frazer (1978), a rma que, em diversas culturas pré-históricas da Á ica, Oriente e Américas, 3 3 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S houve uma época em que predominou o sistema matriarcal, ou seja, a mulher possuía o maior poder decisório na sociedade. A Arqueologia nos mostra evidências de que o culto feminino, por volta de 4500 a.C., se sobrepunha ao culto masculino. Histo- riadores acreditam que o homem, ao se relacionar com a terra e com o desenvolvimento da agricultura, percebeu a analogia entre a capacidade de gerar a vida, que uma mulher possui, com a fertili- dade da terra, que produzia alimento para toda a horda. Portanto, as mulheres ganharam maior notoriedade, assumindo um sistema matriarcal, no qual a posição do homem era secundária. Grande parte destas a rmações se encontra em Campbell (2008a), que analisou que as grandes construções religiosas do antigo Iraque possuíam formas vaginais, criando uma similaridade com o culto da fertilidade da terra. Esse simbolismo demonstra uma posição social mais destacada das mulheres, visto que grande parte das relíquias religiosas destes períodos é, por sua vez, em parte muito mais relevante no que se refere ao culto do feminino. Eis como Campbell observa o papel do homem nestas sociedades: Os homens, em sociedades desse terceiro tipo eram quase supér uos e se, como a rmam algumas autoridades, eles não tinham nenhum conhecimento da relação entre o ato sexual e a gravidez e parto, podemos muito bem imaginar a dimensão de seu complexo de inferioridade. Não é de surpreender, portanto, que, como reação, sua imagina- ção vingativa tenha criado asas e desenvolvido con arias e sociedades secretas, cujos mistérios e terrores foram fun- damentalmente voltados contra as mulheres! Segundo a visão do Padre Schmidt, os cerimoniais dessas con arias secretas devem ser radicalmente distinguidos das inicia- ções nas tribos de caçadores, sendo sua função psicoló- gica diferente, como também sua história. A admissão dá-se através de seleção e é geralmente limitada: elas não 34 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A são para todos. “Além do mais, tendem a ser proselitis- tas, ultrapassando os limites da tribo local, procurando aliados e membros entre tribos estranhas e, com isso, ocorreu, por exemplo, que tanto na Á ica Ocidental quanto na Melanésia, sedes de certas “con arias” possam ser encontradas entre tribos grandemente diferenciadas. Como já notamos, nessas sociedades secretas masculi- nas dá-se uma ênfase especial ao culto da caveira, que é equentemente associado com a caça à cabeça. Cani- balismo ritual e pederastia são praticados comumente e há um uso muito sosticado de tambores e máscaras simbólicos. Ironicamente (mas nem por isso ilógico), as divindades mais importantes dessas con arias são com eqüência femininas: até o próprio Ser Supremo é ima- ginado como a Grande Mãe, e na mitologia e na tradição ritual dessa deusa, é desenvolvida uma imagética lunar (CAMPBELL, 2010b, p. 263). Essas pesquisas, desenvolvidas por diversos historiadores e arqueólogos, vêm ao encontro da temática que esta investigação propõe. É di ícil propor datas exatas para esses acontecimentos pré-históricos, assim como estabelecer a certeza de que essas “so- ciedades secretas” de fato tenham existido, já que há limitação de informações e comprovações históricas e arqueológicas. De toda forma, o que se sabe é que o mundo se tornou patriarcal, ou seja, o masculino tornou-se o polo dominador das relações sociais. A gura feminina assumiu uma posição de subordinação perante à masculina, algo que, ao menos em parte, permanece até os dias atuais. Outro enigma é se essas ditas “con arias” masculinas tiveram alguma in uência na suposta transição do matriarcado para o patriarcado. Porém, como esclarece Campbell (2010b), observa-se, em determinado período pré-histórico, um grande 35 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S movimento iconoclasta, em que estátuas ou ornamentos de culto ao feminino foram totalmente destruídos, e o culto ao feminino foi amenizado em contraposição ao novo culto, o culto à força e à virilidade masculina. Não nos devemos ater a essa temática. Entretanto, o que é preciso observar é a possibilidade da existência de “sociedades secretas” desde tempos imemoriais, além dos ritos de passagem promovidos em praticamente todos os períodos históricos, nos mais diversos povos. Eliade (2010) também explorou a temática dos ritos de ini- ciação e de possíveis sociedades secretas na Pré-História. Esse autor investigou, sobretudo, assim como Campbell (2010b), as cavernas pré-históricas do continente europeu, com foco nas ca- vernas do sudoeste ancês, e chegou à conclusão de que essas cavernas funcionavam para a prática de rituais de cunho religio- so, pois as interpretações das imagens que se encontram, dentro delas, fornecem margem para deduzir que aqueles locais ser- viam para ritos de iniciação. Frazer (1978), em seu célebre livro, “O ramo de ouro”, nos diz que os ritos de iniciação na Pré-Histó- ria, análogos aos ritos de passagem, faziam parte do cotidiano do homem arcaico, podendo-se veri car nos mais diversos continen- tes, ou seja, esses ritos eram mundialmente difundidos. Cremos que seja necessário nos aprofundarmos na temática sobre esses ritos de iniciação e de passagem. Para isso recorre- mos a Carvalho, que expõe o conceito de iniciação dentro da esfera religiosa: Iniciação – Esta palavra, que vem do latim initiatio, de initiare, designava, entre os romanos, a admissão nos mis- térios de seus ritos secretos… . A Iniciação é a ação ou efeito de iniciar ou de iniciar-se, ação ou efeito de dar ou receber a noção ou conhecimento de coisas desconhecidas. 36 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Numa passagem de Tertuliano, o termo é sinônimo de batismo. Muitas religiões antigas, sobretudo no Orien- te, tiveram os seus Mistérios e, conseqüentemente, a sua Iniciação. Os ritos iniciáticos não são, todavia, peculiares à antiguidade. Durante muito tempo, a Igreja cristã dos primeiros séculos deu ao batismo o caráter de uma ver- dadeira iniciação e, entre os judeus, a iniciação religiosa corresponde à primeira comunhão. Muitas seitas e socie- dades secretas conservaram, até os nossos dias, o costu- me da Iniciação, inclusive a Maçonaria (CARVALHO, 2000, p. 15). Como observamos, já nas sociedades arcaicas, o homem per- cebeu que a vida ocorria em ciclos, tanto para as plantas e ani- mais, como para a própria comunidade, ou seja, chegou à cons- ciência do homem que ele, como tudo a sua volta, passa por diferentes etapas de existência. Para exempli car e resumir, essas passagens consistem nas etapas de nascimento, amadurecimento, envelhecimento e morte. Sendo assim, tudo é um processo que se inicia com o nascimento e termina com a morte. Lurker (2003), baseado neste conceito de ciclos existenciais, observou que o homem da Pré-História já tinha a necessidade psicológica de se adaptar a estas etapas da existência, bem como de sentir-se parte deste sistema cíclico. Para tanto foram criadas as chamadas “iniciações” e as festas dos ritos de passagem que estavam intrinsecamente relacionadas à religiosidade daquele determinado povo. Geralmente os ritos de iniciação antecediam os ritos de passagem. Entretanto, isso não é uma generalização, ainda que fosse o sistema mais difundido. Também é válido lembrar que, como a rmam Frazer (1978), Lurker (2003) e Eliade (2010), esses ritos, sobretudo os ritos iniciáticos, que continham caráter religioso, eram exclusivos para os homens, 37 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S pois faziam parte de sociedades de culto à caça, das quais as mulheres não faziam parte. As solenidades de iniciação das mu- lheres davam-se pelos ritos de passagem, cerimônias mais raras, porém de caráter público. A elevação do patriarcado, em detrimento do matriarcado, fez com que as sociedades arcaicas modi cassem seus ritos e cul- tos, de acordo com a nova sociedade “falocêntrica”. Eliade nos mostra que a diferenciação sexual e a consequente divisão de pa- péis e posições que passariam a ser exercidos pelo homem e pela mulher, culminou na intensi cação da criação de sociedades e ritos secretos dos quais as mulheres eram totalmente excluídas: Para evocar outro exemplo, a separação dos sexos permi- te-nos supor a existência de ritos secretos reservados aos homens e celebrados antes das expiações de caça. Ritos semelhantes constituem o apanágio dos grupos de adul- tos, análogos às “sociedades de homens”; os “segredos” são revelados aos adolescentes por intermédio dos ritos iniciatórios. Certos autores acreditam ter encontrado a prova desse tipo de iniciação na gruta de Montespan, mas a interpretação foi contestada. Entretanto, o arcaísmo dos ritos iniciatórios é indubitável. As analogias entre várias cerimônias atestadas nas extremidades do ecúmeno (Aus- trália, América do Sul e do Norte) testemunham uma tradição comum desenvolvida já no paleolítico (ELIADE, 2010, p. 36). É explícito o desejo do homem de criar sociedades perme- adas por certos segredos, reservados apenas aos iniciados. Tam- bém, desde tempos remotos, como a Arqueologia e a Etnologia nos apontam, tais sociedades secretas praticaram a discriminação feminina. Quanto aos ritos de passagem, que também estavam 38 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A incutidos dentro destas con arias reservadas aos homens, os mesmos ritos eram celebrados em ambiente público, momento único em que a mulher poderia e deveria participar deles. Tais ritos de passagem universalmente difundidos3 são, em sua maioria, comemorações de entrada no novo ciclo existencial. Como relata Lurker (2003), os ritos de passagem são comemo- rados desde o nascimento dos indivíduos, passando por sua ado- lescência, casamento, velhice e morte. Para nalizar o presen- te subtítulo, é interessante mencionar a apresentação que Jung nos fornece sobre a temática do segredo, que foi inculcada nas sociedades secretas, como analisamos, desde tempos em que os homens viviam nas cavernas. Para tanto, o psiquiatra suíço sa- lienta que a temática do segredo vem a ser uma necessidade vital, favorável ao desenvolvimento psicológico do ser humano. Assim, resume a temática dentro de uma perspectiva psicológica, mar- geando por um viés histórico, pois, se tal necessidade é natural da psique humana, essa necessidade passa a ser então justi cada pela criação de “sociedades secretas”, permeadas por “segredos”, no decorrer da história da humanidade: A melhor maneira do indivíduo se proteger do risco de confundir-secom os outros é a posse de um segredo que queira ou deva guardar. Todo o início da formação de sociedades implica na necessidade de uma organiza- ção secreta. Quando não há motivos su cientemente imperiosos para a manutenção do segredo, inventam-se ou “arranj am-se” segredos que só são “conhecidos” ou “compreendidos” pelos que têm o privilégio da iniciação (JUNG, 2006, p. 393). ⒊ Este termo “universalmente difundido” é peculiar a Jung (2008) que será explanado mais à ente. 39 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Desejamos incutir aqui as bases antropológicas das “socieda- des secretas”, para, assim, nos certi carmos de que o que tratare- mos à ente no decorrer desta investigação, não é algo moderno ou criação da sociedade Contemporânea, mas, do contrário, estes ritos de passagem e iniciações, em certas sociedades ditas secretas, sempre existiram e, provavelmente, sempre continuarão a existir. A imagem I remete ao complexo da “Quinta da Regaleira” em Lisboa, Portugal, que é um local bastante simbólico. Seu autor tinha o intuito de construir um local para re exão perme- ada de espiritualidade. Toda a Quinta é decorada com símbolos, das mais diversas religiões e loso as. Assim, como nas antigas cavernas do Paleolítico, o autor da Quinta desejou expressar a necessidade de renascimento do homem, uma forma de inicia- ção, pela escuridão das grutas e cavernas, até chegarmos ao ca- minho da luz, após uma caminhada pela escuridão das grutas. (Rodrigues, 2014). Imagem I: uma das simbólicas grutas da “Quinta da Regaleira”, em Lisboa. Fonte: acervo do autor. 40 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A 1.2 Rituais de “morte-renascimento” e a formação de sociedades secretas da Antiguidade pagã Discorremos até o momento sobre algumas considerações pri- mordiais acerca da simbologia na Antiguidade relatando, sobre- tudo, as características antropológicas da criação e experienciação do simbólico, destacando os ritos de passagem e as iniciações nas supostas sociedades secretas da Pré-História. Ademais, será interessante uma investigação a respeito de dois dos rituais mais difundidos na cultura antiga, os rituais simbólicos de morte e renascimento, cujos símbolos, de certo modo, foram preservados pelas tradições religiosas, chegando até nós de forma praticamen- te intacta. Estas análises são de máxima importância para a inves- tigação, certi cando-nos de que os símbolos, ritos e sociedades secretas não são criações recentes da sociedade, pelo contrário, possuem um longo passado histórico e estão intimamente arrai- gados na cultura e nos costumes dos mais variados povos. A evolução do pensamento religioso, como aponta Campbell (1994), ocorreu de modo gradual e, conforme o ser humano ex- plorava a natureza, seus conceitos religiosos também mudavam. Não abordaremos a evolução do pensamento religioso- losó co da humanidade, mas devemos ter consciência de que, com a pas- sagem do tempo e o surgimento de grandes civilizações como os babilônios, gregos e romanos, foram fomentadas algumas das principais bases religiosas da humanidade e que perduram até os dias de hoje. Uma característica que permaneceu nas culturas religiosas, sobretudo entre os gregos e romanos, foi o sentimento psicológico de pertença ao universo religioso e do domínio das forças da natureza. Para tanto, as religiões organizaram rituais em que o indivíduo era simbolicamente morto e ressuscitado, ou seja, o sujeito morria simbolicamente para renascer para uma nova jornada. 41 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Ao entender o contexto religioso das antigas civilizações, pas- samos a compreender o que signi ca essa morte simbólica. Dolto (2011) utilizou-se da Psicanálise para explicar que, continuamen- te, nossa vida é perpetuada por mortes e nascimentos, de forma inconsciente. A autora destaca que, por exemplo, as etapas da existência, como a passagem da adolescência para a vida adulta, são marcadas inconscientemente por uma morte psicológica, o que quer dizer que estamos constantemente “morrendo e renas- cendo”. Esse processo inconsciente deve permear a vida do sujeito não somente em etapas de mudança cronológica, como a já citada passagem da adolescência para a vida adulta, mas também em nosso dia a dia, pois é visível atualmente a luta do homem contra as adversidades da vida, como a violência, o falecimento de um ente querido ou o desentendimento familiar, ou seja, centenas de acontecimentos desgastantes que, de certa forma, “convidam” a pessoa a recomeçar sua vida de uma outra maneira, que lhe possibilite ultrapassar as barreiras di íceis. Esse recomeço exige sua morte simbólica, a morte do antigo estilo de vida, para que seja possível o renascimento para um novo caminho da existên- cia, na tentativa de construir uma vivência mais saudável. É possível fazer um cotejo entre as palavras da mencionada psicanalista e os antigos rituais de iniciação citados anteriormen- te. O presente trabalho segue uma linha psicológica das religiões e dos rituais que são tidos como fenômenos da cultura. O obje- tivo é analisar essas crenças por um viés psicológico e histórico, algo já tentado no item anterior, quando explanamos alguns con- ceitos referentes aos rituais de passagem e de iniciação entre os povos pré-históricos e citamos há pouco, com Dolto (2011), uma possível explicação psicológica para tais rituais. Ao voltarmos a lente para o estudo dos rituais simbólicos de morte e renascimento, encontramos essa temática em diver- sos povos antigos, sejam eles uma pequena tribo da América do 42 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Norte ou da Grécia e da Roma antigas, como atestaram Campbell (2010a), Eliade (2010) e Frazer (1978), entre muitos outros que comprovaram a existência destes rituais nas mais distintas civi- lizações. Veremos que grande parte destes rituais era reservada a poucas pessoas, ou seja, temos mais uma vez o surgimento de sociedades secretas, pois o acesso a esses grupos só se dava por meio de uma iniciação destinada a poucos. É interessante a observação de que, o conceito simbólico de morte e renascimento também evoluiu de acordo com a mudança da mentalidade do homem. Até chegarmos a esse conceito, mui- tos povos da Antiguidade, em seus rituais, promoviam a morte de centenas de seres humanos em nome de diversos deuses e na espe- rança de que, sacri cando-os, renascessem para uma vida melhor. Encontramos em Campbell (2009) e Eliade (2011) excelentes exemplos disso. Campbell veri cou que a crença na morte e no renascimento da alma, em uma vida melhor, é mundialmente difundida. Os primitivos, entretanto, tomavam essa crença em um sentido literal e de necessidade imediata. Para tanto, muitos homens e mulheres se ofereciam em sacri ício aos deuses para renascer em uma vida muito melhor e renovada, em um rito de passagem extremamente literal e “cruel”. Quanto aos Maias, em seus jogos de bola, o capitão do time vencedor era literalmente “agraciado” com a morte ritual, ou seja, era morto em honra aos deuses, porém recebia a certeza de um renascimento para uma vida melhor. Campbell (2010 a/b) estudou profundamente o ritual do sacri ício voluntário e o encontrou centenas de vezes nas mais distintas culturas, sobretudo na forma do regicídio, ou seja, a morte de um rei. Campbell conta que, em certas regiões da Su- méria, o rei reinava por sete anos e, transcorrido esse período, era literalmente morto durante um ritual para que, assim, o reino como um todo pudesse renascer sob a regência de um novo líder. 43 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S Eliade (2011) nos mostra que esses sangrentos rituais eram prati- cados em quase todas as culturas religiosas, pois, psicologicamen- te, os sujeitos desejavam manter uma harmonia com os deuses, mesmo que isso custasse a vida de centenas de pessoas que, em sua grande maioria, ofereciam-se para serem sacri cadas. Outro considerável estudioso doassunto é Frazer (1978), que analisa rituais de sacri ícios humanos em diversos povos. Para não prolongarmos esse assunto, ainda que seja um tema muito importante como fundamento antropológico dessa inves- tigação, faremos um rápido estudo de como os literais rituais de sacri ício humano passaram aos simbólicos ritos de morte e renas- cimento, o que impulsionou a formação de antigas sociedades se- cretas que oresceram, por exemplo, na Roma e na Grécia antigas. Campbell (2008 a/b) estudou um dos rituais simbólicos mais antigos já registrados. Tal ritual ocorria no Egito Antigo, sendo um exemplo perfeito de como os rituais de sacri ícios humanos passaram a ser simbolicamente representados. O faraó, após trin- ta anos de seu governo, deveria morrer para renovar o império e, com sua morte, agraciar os deuses, que abençoariam o Egito com prosperidade e riquezas, em um ritual conhecido como festival Sed. Entretanto, depois de serem realizados muitos rituais em que o rei egípcio era literalmente morto, e com o processo de evolução religiosa, os sacerdotes perceberam que tal morte não necessariamente precisava ser literal, mas sim simbólica. Em ou- tras palavras, o rei morria, porém, sua morte era simbólica, para, assim, renascer juntamente com o seu império, em um ritual em que não se derramava sequer uma gota de sangue. Dessa forma, o faraó ressurgia perante a plateia, que assistia a todo o ritual, com uma nova vestimenta, representando a pura renovação ou um renascimento, tanto de sua pessoa, como de seu governo. O ritual de Sed egípcio é somente um exemplo, como outros rituais similares que ocorriam em diversos povos. É interessante 4 4 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A observar a evolução do pensamento e da dimensão simbólica do homem, pois esse percebeu que a morte, para a renovação das forças da vida, não tinha a necessidade de ser literalmente con- sumada, mas sim deveria ser substituída por um ritual de caráter psicológico-simbólico, pois o sujeito que renascia sentiria em vida a sensação psicológica e mística deste renascimento espiritu- al. É válido lembrar que esse ritual é também uma iniciação, pois o sujeito renasce e, portanto, inicia uma nova e simbólica etapa de sua existência. Como mencionado, esses rituais são milenares, iniciaram-se com literalidade e, aos poucos, passaram a ser simbólicos, embora muitas culturas, como a hindu, tenham mantido alguns ritu- ais com sacri ícios humanos por longos séculos, conforme atesta Campbell (2008a). É amplamente conhecida e difundida também a temática da morte e renascimento (ressurreição) de divindades, dos mais variados e distintos panteões da civilização. Como observa Lurker (2003), é di ícil estabelecer uma cronologia exata, para que se saiba se foram os rituais de morte e renascimento que deram origem à mitologia dos deuses que nascem, morrem e renascem, ou se o processo ocorreu de forma contrária, sendo o ritual in uenciado pela mitologia. Porém, como os especialistas, sobretudo Campbell (1994) e Eliade (2011), não propõem dis- tinções cronológicas para tal, trabalharemos com a suposição de que a mitologia dos deuses que morrem e renascem e os rituais que celebram este feito tenham se in uenciado reciprocamente e, nalmente, conduzido as sociedades em que se inseriram à criação, nas antigas civilizações, de associações religiosas secretas. Jung (2011) e Campbell (2007) estabeleceram que, em di- versas culturas, houve a crença em uma divindade que morre e renasce. Tal característica de mito foi tão difundida nas mais distintas culturas, que Jung (2011) a caracterizou como um mito 45 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S arquetípico4, ou seja, um mito que, de certa forma, é veri cado em praticamente todas as culturas. É interessante notar que mitos como os de Osíris, Mitra, Átis, Adônis, Dionísio, entre outros, enquadram-se perfeitamente no mesmo mitologema do deus que nasce, morre e renasce. É muito provável que, sob inspiração nesses deuses, tenham sido criadas certas sociedades secretas em que o candidato, assim como esses deuses, morria e renascia sim- bolicamente. Os citados autores admitem que certas sociedades secretas da Antiguidade, sobretudo na Roma e na Grécia Antiga, traziam em seus rituais a temática da morte e do renascimento do neó to, baseada na mitologia dos deuses. Carpenter (2008) articula que é muito di ícil catalogar a quantidade de deuses, entre as mais distintas culturas, que morrem e renascem. Mas o autor é propenso a acreditar que, na Antiguidade, nas mais famosas civilizações, o mito de morte e renascimento divino foi o fator mais importante para a formação de sociedades secretas. Não é nosso intuito explicar a mitologia das dezenas de deuses que participam deste processo de nascimento-morte-re- nascimento, porém, podemos citar alguns, mesmo que de uma forma rápida. É bem difundido, por exemplo, o mito egípcio de Osíris que, morto e esquartejado por Seth, tem seu corpo reconsti- tuído e ressuscitado. O famoso Dionísio grego, após ser morto pelos Titãs, acaba ressuscitado para uma nova vida. Encontra- mos outros exemplos, nas mais diversas culturas, como Mitra, Adônis e Tammuz, que também se enquadram dentro da citada temática mitológica. Campbell (2007), em seu livro “O herói de mil faces”, explica que a jornada desses deuses que morrem e renascem contribui para sua personi cação em grandes heróis ⒋ Lurker (2003, p. 448) explica que o termo arquétipo é comum principalmente na psicologia de Jung. Arquétipo refere-se a comportamentos psíquicos típicos, inatos ao ser humano. Os arquétipos se manifestam principalmente em sonhos, símbolos e mitos. 46 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A mitológicos. Com efeito, o autor relata que, na mitologia, esses deuses se sacri caram pelo bem do homem ou prestaram algum tipo de bene ício ao ser humano, como no caso de Prometeu, que, após roubar o fogo sagrado, foi condenado pelos deuses a ser acorrentado para sempre. Assim, o homem teve a necessidade de “imitar” os deuses, ou ao menos de representá-los em rituais simbólicos que zessem menção a sua morte, portanto, foram sendo criadas sociedades religiosas que, em memória desses deu- ses, promoviam a iniciação de homens nos segredos ou mistérios daquela determinada comunidade. Eliade (2010) analisou diversas sociedades religiosas que, per- meadas por segredos, faziam menção, em especial, a um ou mais deuses que, de certa forma, completavam a jornada de morte e renascimento. Entre estas mencionadas sociedades encontramos os chamados mistérios gregos de Elêusis. São “mistérios”, pois os segredos da sociedade só eram passados àqueles que fossem iniciados. O mito de Elêusis se dá em torno de duas divindades femininas: Deméter e sua lha Perséfone, que representavam o culto da natureza, do sagrado feminino da terra e da fertilidade. O mito tinha seu ápice quando a bela e jovem Perséfone era raptada pelo deus Hades, o dominador e guardião dos infernos. Segundo o mito, Hades raptou a lha de Deméter, Per- séfone, levando-a ao mundo ctônio; Deméter recolheu-se em luto e impediu o crescimento de qualquer semeadu- ra; nalmente, chegou-se a um acordo por intermediação do pai dos deuses, segundo o qual Perséfone permane- ceria um terço do ano com Hades e o resto do tempo no Olimpo. A mudança anual do local de residência da lha de Deméter simboliza a periodicidade do orescimento e morte da natureza; na qualidade de Core, ela é a me- nina dos grãos, como Perséfone (romano: Prosérpina), 47 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S a deusa do mundo ctônio. Os mistérios celebrados em homenagem a Deméter em Elêusis ocorriam em local de culto acessível somente aos iniciados. O arcanum, severa- mente resguardado, somente permite conhecer algumas particularidades. Sabe-se com certeza, apenas, que os ritos e símbolos (não se sabe o que havia no santuário de De- méter: espiga, falo ou colo materno)se referiam à descida e ao retorno do mundo ctônio, e que os iniciados esperavam, com a ajuda de Deméter, renascer para uma nova vida atra- vés da passagem pela morte (LURKER, 2003, p. 189-190). O mito e a ritualística do culto de Elêusis acabam por ser uma compilação de tudo o que foi discutido até aqui. É visí- vel que os símbolos dos arcaicos ritos de morte e renascimento permaneceram intactos na mentalidade da Antiguidade Clássica. Eliade (2010) atesta que, apesar de tais ritos de Elêusis terem sido celebrados por cerca de dois mil anos, pouco sabemos sobre sua ritualística e segredos. No entanto, o que mais importa em termos de investigação é contemplar que, desde a mais remota época e também no desenvolvimento das clássicas civilizações, o homem possuía a necessidade da religiosidade, porém, havia a necessidade adicional de enquadrar-se em sociedades secretas para compartilhar de um segredo inviolável, segredo esse que, se- guindo a linha da simbólica do nascimento-morte-renascimento, tinha como função inculcar nele a necessidade de, na vida, mor- rer e renascer diversas vezes de uma forma simbólica. Plutarco (apud Eliade, 2010) revela a função psicológica dos segredos que essas sociedades secretas só forneciam a seus adeptos. Para esse lósofo, a detenção de um “segredo”, por si só, aumenta o valor daquilo que se aprende, pois o sujeito tende a tornar-se portador de algo que nem todos possuem, garantin- do-lhe, subjetivamente, uma sensação de “superioridade”. 48 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Para nalizar, é importante salientar que citamos os mistérios de Elêusis por essa ser uma das sociedades da Antiguidade que mais persistiu no transcurso da história, em quase dois mil anos de existência. Tal sociedade pode servir de alicerce histórico e an- tropológico para o que será investigado no decorrer deste traba- lho. Entretanto, embora não mencionadas aqui, a Grécia Antiga foi palco da formação de diversas sociedades secretas, como as dos neoplatônicos, dos pitagóricos e dos or stas, dentre muitas outras, todas com a mesma igualdade de iniciação e garantia de um segredo inviolável para aqueles que se tornassem seus adeptos ou neó tos, que, em tradução literal, signi ca “o mais novo pro- sélito”, ou “aquele que nasce pela segunda vez”. (Lurker, 2003). 49 2. Investigação sobre o misticismo ocidental. Percursos para a formação de sociedades secretas e a Maçonaria O primeiro capítulo tratou, antropologicamente, de questões re- lativas às sociedades secretas, rituais de iniciação e de passagem na Antiguidade pré-histórica e Clássica. É interessante apontar que, embora verse sobre os alicerces antropológicos da temática proposta, tal capítulo será essencial para que se compreenda, por meio do viés histórico, porque na atualidade os símbolos reli- giosos e sociedades como a Maçonaria têm causado desconforto, medo e incompreensão. Veremos, também, como a Maçonaria possivelmente herdou dessas antigas tradições os moldes de so- ciedade secreta. Antes de iniciar um rápido panorama sobre a história da Maçonaria, é importante uma análise do cenário histórico que precedeu o surgimento do Cristianismo e a ascensão dessa reli- gião que, de certa maneira, se sobrepôs aos antigos mistérios, aos antigos símbolos pagãos e às antigas sociedades secretas. Edinger (1999) aponta para os costumes religiosos dos povos pré-cristãos, principalmente na Roma e na Grécia antigas, que possuíam diversas divindades, diversas sociedades de mistérios e segredos, como a de Elêusis na Grécia, mencionada no capítulo anterior. Estes serão elementos fundamentais que perfazem o pano de fundo religioso da época em que surgiu o Cristianismo. 50 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Kinney (2006), especialista no esoterismo ocidental, argu- menta que os povos pré-cristãos, intitulados de “pagãos”, pos- suíam uma rica bagagem cultural, religiosa e histórica que, por pouco, não se perdeu com o surgimento e o estabelecimento do Cristianismo. É bem sabido que a religiosidade pagã ocidental era caracterizada por um forte enlace entre o culto ao ser huma- no e à natureza, ou seja, havia uma difundida crença de que a natureza e o humano faziam parte da divindade5. Também havia a crença de que o destino do ser humano e da humanidade, de modo geral, pudesse ser conhecido antecipadamente com a uti- lização do Horóscopo e da Astrologia6, que tiveram sua difusão entre os imperadores romanos e com o Helenismo. Esses ditos elementos místicos perfaziam grande parte das religiões mundiais, espalhadas pelas mais diversas civilizações e, como lembra Lurker (2003), eram classi cadas em mistérios exotéricos e mistérios esotéricos. Os mistérios exotéricos se re- feriam ao conhecimento básico divulgado ao público leigo. Já os mistérios esotéricos se referiam ao conhecimento aprofundado, enigmático, e que somente era transmitido aos membros de de- terminada religião ou escola losó ca; para tanto, era preciso submeter-se a uma iniciação na qual o iniciado recebia todas as orientações sobre os segredos esotéricos que lhe seriam revela- dos, sendo que, a partir daquele momento, o iniciado renasceria para uma nova vida, pois possuiria segredos que nenhum outro sujeito que não fosse iniciado teria acesso. Carpenter (2008) fornece uma extensa lista de aternidades iniciáticas nascidas na religiosidade pagã. Dentre elas, as mais ⒌ Tal doutrina que identi ca o homem e a natureza como parte da divindade é chamada de panteísmo. A Astrologia, como atesta Carvalho (2000), é tão antiga quanto a história da civili- zação. Os sumérios e babilônios foram os primeiros a observar os astros e a incluí-los no campo da religiosidade. Podemos considerar que a Astrologia foi uma das primeiras formas de religiosidade moldadas pela humanidade. 51 M A R C E L H E N R I Q U E R O D R I G U E S famosas são: os mistérios de Mitra, os de Osíris, Hórus e Ísis, os mistérios de Elêusis, os pitagóricos etc. E não podemos pensar que somente os politeístas possuíam seus mistérios e ritos iniciáticos. Pelo contrário, o Judaísmo tam- bém estava envolvido esporadicamente em rituais de iniciação e esoterismo, tal como a Cabala que, apesar de ter se difundido com maior profundidade na Idade Média, tem sua origem no Ju- daísmo da Antiguidade, segundo alguns especialistas como Grad (1978). Essa pode ser uma boa explicação, visto que, atualmente, têm sido feitas importantes descobertas a respeito da comunidade de Qumran. Em termos gerais, segundo Bettencourt (s/d b), a comuni- dade de Qumran, ou comunidade dos Essênios, localizada no noroeste do Mar Morto, era uma comunidade de judeus que se retiravam para viver uma vida completamente ascética, mas, para isso, passavam por rituais de iniciação semelhantes aos desenvol- vidos nas grandes civilizações da época. Esta análise torna-se importante, pois traça todo o pano- rama de como a Antiguidade estava permeada por sociedades iniciáticas que tencionavam a promoção do conhecimento se- creto, ou uma vida supostamente mais plena e feliz, a partir de um segredo conquistado e guardado. Portanto, a rápida análise destas antigas aternidades, que têm suas origens nos tempos mais remotos, indica-nos que a humanidade sempre conviveu ou teve a necessidade de experimentar aquilo que, seja o que for, tem caráter secreto, a que poucas pessoas têm acesso ou de que têm conhecimento, algo que não é revelado à grande parte da comunidade. Como expõe Keightley, as sociedades secretas, com seus segredos transmitidos a poucos, tiveram, e ainda têm, um caráter fortemente social e psicológico; o primeiro porque o sujeito, geralmente, ganha destaque social por fazer parte de algo que normalmente é desconhecido pelos demais, criando-se um ambiente de curiosidade por parte dos não iniciados: 52 M A Ç O N A R I A E S I M B O L O G I A Não é, portanto, de se admirar, que esses cultivadores tentassem guardar e preservar o conhecimento
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