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RESUMO SOBRE DELIRIUM DEFINICÃO: Delirium é uma síndrome clínica caracterizada por distúrbio de consciência e da cognição, caracterizado por desatenção e pensamento desorganizado. É uma alteração aguda, que se desenvolve em horas ou dias, e de caráter flutuante ao longo do dia. Representa uma disfunção cerebral, sendo comum em pacientes idosos e hospitalizados (princip. em UTI), estando associado a um pior prognóstico em curto e em longo prazo. Sua prevalência varia de 20 a 50%, dependendo do perfil do paciente. Na UTI, a incidência pode chegar a 80%. FATORES DE RISCO: eles podem ser descritos como inerentes ao paciente, associados à doença ou iatrogênicos. Fatores relacionados ao ambiente da unidade de terapia intensiva (UTI) que estão relacionados à ocorrência de delirium: isolamento, ausência de visitas, o uso de restrição física e a ausência de luz do dia. Sedação profunda aumenta a incidência em até 3x, os benzodiazepínicos, em infusão contínua, estão intimamente relacionados a sua ocorrência. Já os opioides em doses analgésicas parecem reduzir a incidência de delirium. FISIOPATOLOGIA: não é bem conhecida, mas parece ser multifatorial. Quatro fatores parecem estar associados: Alterações de neurotransmissores: Aumento da atividade dopaminérgica (dopamina é um neurotransmissor (NT) responsável por maior excitabilidade neuronal, isso mostra porque os antagonistas de receptores dopaminérgicos, são eficazes no controle do delirium) e deficiência colinérgica (acetilcolina, um NT que causa uma menor excitabilidade neuronal). Inflamação: quadros de resposta inflamatória sistêmica interferem no cérebro, pois citocinas como o TNF-α, atravessam a BHE e associam-se a alterações eletroencefalográficas encontradas no delirium, além de interferir na neurotransmissão. Além disso, podem causar uma redução do fluxo cerebral pela geração de microtrombos e pela vasoconstrição que podem causar. Resposta aguda ao estresse: o cortisol liberado frente a uma resposta comum do organismo em situações de estresse (sepse, trauma, cirurgia) esta correlacionado com comprometimento cognitivo. Lesão neuronal: Pode ocorrer por insultos metabólicos, como hipoglicemia e hipoxemia, e por insultos isquêmicos decorrentes das alterações de perfusão. QUADRO CLÍNICO: o delirium cursa com uma alteração aguda do nível e do conteúdo da consciência e de caráter flutuante. Clinicamente, pode-se dividi-lo em hipoativo e hiperativo. Delirium hipoativo: é mais comum e apresenta-se com letargia, desatenção e redução da mobilidade. Tipicamente, o paciente encontra-se calmo, porém com um “olhar perdido”, mas que ao ser abordado mostra-se desatento e com o pensamento desorganizado. A forma hipoativa é comumente despercebida e não valorizada, porém associa-se a maior mortalidade do que a forma hiperativa. Delirium hiperativo: manifesta-se com agitação, desatenção e combatividade. O paciente muitas vezes é verborrágico, porém diz frases desconexas ou sem sentido, move-se muito no leito, tentando descer ou retirar dispositivos como sondas e cateteres. Por conta desse comportamento, pode representar um risco para si ou para a equipe e precisa ser imediatamente tratado. O uso de restrição física faz-se necessário muitas vezes até que o paciente esteja calmo. Seu uso indiscriminado deve ser desencorajado, uma vez que se associa a aumento da incidência de delirium, criando um círculo vicioso. DIAGNÓSTICO: é clínico. No entanto, a simples observação clínica parece subdiagnosticar a real dimensão do problema. A pesquisa do delirium baseia-se, então, em ferramentas especialmente desenvolvidas para esse fim. Inicialmente, deve-se avaliar o nível de consciência do paciente pelas escalas SAS ou RASS: Ferramentas validadas para a pesquisa de delirium: O Confusion assessment method for the intensive care unit (CAM-ICU) e o Intensive care delirium screening checklist (ICDSC) são os métodos mais estudados. Ambos são validados em português, simples, de fácil aprendizado e execução após treinamento, e apresentam uma ótima concordância interobservador. Ambos parecem ter sensibilidade semelhante (75-80%), mas o CAM-ICU apresenta especificidade maior (95% vs. 75%). CAM-ICU (Confusion assessment method for the intensive care unit) Início agudo ou curso flutuante ■ Há uma mudança aguda no status mental de base? ■ O status mental do paciente “flutuou” nas últimas 24 h, conforme evidenciado por uma “flutuação” em uma escala de sedação? ■ A característica é presente se a resposta é “sim” para qualquer uma dessas duas questões __________________________________________________________________________________________________ Desatenção ■ O paciente faz 8 ou menos pontos no exame de rastreamento de atenção? Observação: Pode ser realizado tanto o teste auditivo quanto o visual O teste auditivo consiste em solicitar ao paciente que aperte a mão do examinador cada vez que ouvir a letra “A”. Então, são soletradas pausadamente as seguintes letras: SAVEAHAART. Considera-se um acerto quando o paciente aperta a mão de maneira correta na letra “A” e não aperta nas demais. O teste visual consiste em mostrar 5 figuras para o paciente e solicitar que ele as memorize. Em seguida, mostram-se 10 figuras, incluindo as 5 iniciais, e solicita-se a ele que diga quais foram as 5 figuras mostradas inicialmente __________________________________________________________________________________________________ Pensamento desorganizado ■ O paciente acerta 3 ou menos respostas das 4 perguntas formuladas e é incapaz de seguir os comandos? Questões ■ Deve-se escolher uma questão de cada um dos 4 pares e perguntá-la ao paciente: 1. As pedras flutuam na água? As folhas flutuam na água? 2. Existem peixes no mar? Existem elefantes no mar? 3. Um quilograma pesa mais que dois quilogramas? Dois quilogramas pesam mais que um quilograma? 4. Pode-se utilizar um martelo para bater um prego? Pode-se utilizar um martelo para cortar madeira? Comandos ■ O examinador mostra dois dedos de uma mão ao paciente e pede que faça o mesmo. Em seguida, sem deixar de mostrar os dedos, solicita ao paciente que faça o mesmo com a outra mão. O paciente é considerado incapaz de seguir o comando se errar em qualquer uma das duas solicitações. __________________________________________________________________________________________________ Nível de consciência alterado ■ O paciente encontra-se letárgico e/ou agitado (RASS ≠ 0 ou SAS ≠ 4) __________________________________________________________________________________________________ Observação: antes de iniciar a avaliação, deve-se proceder à avaliação do nível de consciência. Pacientes em coma (RASS < –4 ou SAS < 2) não podem ser avaliados. Considera-se um teste positivo quando o paciente tem presente as características I (início agudo ou curso flutuante) e II (desatenção), associadas às características III (pensamento desorganizado) e/ou IV (nível de consciência alterado). Embora, tradicionalmente, recomende-se que o paciente apresente um RASS > –3 para proceder-se à avaliação do delirium, pacientes com RASS de –2 ou –3 podem estar sob efeito de sedação residual e apresentar CAM-ICU ou ICDSC falsamente positivos. ICDSC (Intensive care delirium screening checklist) 1. Alteração do nível de consciência* ■ Resposta exagerada aos estímulos (SAS ≥ 5): 1 ponto ■ Despertar normal (SAS = 4): 0 ponto ■ Resposta leve/moderada aos estímulos (SAS = 3): 1 ponto ■ Resposta somente a estímulos intensos/repetidos (SAS = 2): não avaliar ■ Ausência de resposta aos estímulos (SAS =1): não avaliar 2. Desatenção: 1 ponto ■ Dificuldade em seguir comandos ou ■ Facilmente distraído por estímulos externos ou ■ Mudança de foco 3. Desorientação: 1 ponto ■ Confusão espacial, temporal ou pessoal: 1 ponto 4. Delírio ou alucinação: 1 ponto ■ Percepção de algo que não está presente sem estímulo ou 1 ponto ■ Falsa crença fixa/imutável 5. Agitação ou lentificação psicomotora: 1 ponto ■ Hiperatividade com necessidade de sedação/restrição ou 1 ponto ■ Lentificação motora 6. Fala ou humor inapropriado: 1ponto ■ Discurso inapropriado, incoerente ou desorganizado ou 1 ponto ■ Humor inapropriado ao evento/situação 7. Distúrbio do ciclo sono-vigília: 1 ponto ■ Sono menor que 4 h por noite ou ■ Despertar frequente à noite ou ■ Sono maior que 4 h de dia 8. Flutuação dos sintomas ■ Alteração de qualquer item (1-7) ao longo de 24 h *Se houver uma resposta débil ou não houver resposta aos estímulos (SAS 1-2), a avaliação é suspensa e considera-se que o paciente está em coma. Considera-se positivo para delirium quando a pontuação é ≥ a 4. Uma vez diagnosticado, os exames laboratoriais devem ser pedidos de acordo com a suspeita da causa ou dos fatores relacionados com delirium. Excluir infecção: culturas, urinálise, raio X de tórax e líquor devem ser realizados de acordo com a suspeita clínica. Provas inflamatórias como a PCR e a procalcitonina podem ser de grande valia, desde que inseridas no contexto clínico. Avaliação metabólica: glicemia capilar, eletrólitos, função renal e hepática. Hemograma para a exclusão de anemia. Exames de neuroimagem: os achados do exame não são suficientemente acurados para diagnosticar delirium. Eles devem ser pedidos para descartar diagnósticos diferenciais ou avaliar a presença de complicações. São obrigatórios em casos de alterações agudas de consciência e sinais focais. Alterações encontradas na TC e RMN de encéfalo que são sugestivas de delirium: presença de atrofia dos córtices pré-frontal e temporoparietal, do tálamo e dos gânglios basais. Alterações da substância branca e dilatação ventricular também são frequentes. No entanto, todas essas alterações também aparecem em pacientes com demência. Eletroencefalograma: mostra um alentecimento difuso de ondas, comum em encefalopatias metabólicas, mas suficiente para ajudar na exclusão de crises epilépticas não convulsivas. Algoritmo para a abordagem do delirium: COMPLICAÇÕES: Na UTI a agitação psicomotora do delirium hiperativo pode causar dissincronia com o ventilador, aumento do consumo de oxigênio e o risco de extubação acidental e remoção de cateteres. Além disso, associa-se a maior incidência de falha de extubação, maior tempo de ventilação mecânica, de internação e maior custo. Outros: risco aumentado de quedas, úlceras de pressão, infecções nosocomiais e desnutrição. Aumento de mortalidade, declínio funcional e cognitivo. PREVENÇÃO: Obter conhecimento dos fatores de risco inerentes ao paciente, ao ambiente e ao tratamento permite que se planejem estratégias que podem ter impacto na redução da prevalência de delirium e em sua morbimortalidade. Intervenções não farmacológicas associam-se à redução de delirium em ambiente hospitalar. Exemplos: - Orientação: crachá com o nome dos membros da equipe multidisciplinar de saúde e seu horário na escala – manhã, tarde ou noite – e comunicação para reorientar sobre o ambiente, e atividades dirigidas para estimular a cognição (discussão de eventos recentes, jogos de palavras). - Redução da privação do sono: bebida quente (leite ou chá) à noite, antes do horário de dormir, música e massagem para relaxar, redução do barulho e ajuste do horário das medicações para evitar despertares. - Mobilização precoce: deambulação ou exercícios ativos três vezes ao dia, redução do uso de dispositivos que limitam a mobilidade, como restrições e sondas vesicais. - Redução do comprometimento visual: uso de óculos ou lentes de aumento e equipamento adaptado (teclados do telefone maiores e iluminados, livros com letras maiores, fita fluorescente na campainha). - Redução do comprometimento auditivo: aparelhos auditivos, retirada de cerume e técnicas de comunicação especiais. - Reconhecimento precoce e tratamento da desidratação. - Tratamento efetivo da dor e diminuição do uso de benzodiazepínicos. O bundle ABCDEF foi desenvolvido com o objetivo de tratar melhor a dor dos pacientes, reduzir a sedação desnecessária e reduzir o delirium. Quanto maior a adesão ao bundle, menor a ocorrência de delirium (estudo americano). A completa adesão ao bundle associou-se a uma redução de 40% nas chances de os pacientes desenvolverem delirium. Assess, prevent and manage pain (“Avaliar, prevenir e tratar a dor”) Both spontaneous awakening and breathing trials (“Despertar da sedação e teste de respiração espontânea”) Choice of analgesia and sedation (“Escolha de sedativos e analgésicos”) Delirium assessment, prevention and management (“Avaliação, prevenção e tratamento do delirium”) Early mobility and exercise (“Mobilização precoce”) Family engagement and empowerment (“Engajamento e empoderamento dos familiares”) TRATAMENTO: Avaliar e tratar a causa do delirium. Manter o paciente bem hidratado, sem dor, com oxigenação adequada e com os distúrbios eletrolíticos corrigidos. Causas infecciosas devem ser sempre as primeiras a serem lembradas e sua exclusão ou tratamento é fundamental. Na medida do possível, deve-se sempre tentar manter o ambiente calmo e confortável; fatores de orientação, como a presença de familiares, relógio e calendário, evitar mudanças desnecessárias de leito e da equipe assistente, coordenar os horários das medicações e intervenções para tentar manter um período ininterrupto de sono noturno e manter estímulos durante o dia, como a mobilização física e atividades intelectuais. Tratamento farmacológico: indicado somente em casos de delirium hiperativo, embora isso seja controverso na literatura. Os antipsicóticos são comumente usados no tratamento do delirium. Porém, seu uso deve ser limitado para controle de agitação, uma vez que essa classe de fármacos não reduz a ocorrência e nem a duração do delirium. Pode-se optar pelo haloperidol ou pelos antipsicóticos atípicos (quetiapina, olanzapina, ziprasidona, risperidona). Os antipsicóticos atípicos atuam bloqueando os receptores dopaminérgicos (como o haloperidol) e também os receptores de serotonina, histamina e α-adrenérgicos. Contudo, tem como desvantagem a sua via de administração, oral ou enteral. Apenas a ziprasidona apresenta uma formulação intramuscular, que também não é adequada à maioria dos pacientes em UTI. Em relação aos efeitos colaterais, todos os antipsicóticos apresentam risco de reações extrapiramidais, síndrome neuroléptica maligna, prolongamento do intervalo QT e, consequentemente, torsades des pointes. Assim, a monitoração do quadro neurológico, eletrocardiográfica e do nível sérico de eletrólitos, em especial o magnésio, deve ser rotina em pacientes recebendo antipsicóticos. O haloperidol EV deve ser administrado em bolus de 2 a 10 mg a cada 15 minutos até o controle da agitação. Posteriormente, deve-se manter 25% dessa dose a cada 6 horas. Um grande problema é que o tempo de ação do haloperidol pode não ser suficientemente rápido em pacientes com agitação grave (SAS 7/RASS +4). Nesses casos, para controle agudo da agitação, pode-se usar benzodiazepínicos, como o midazolam (3-10 mg), ou o propofol (5-10 mg) e, depois, iniciar um antipsicótico. De forma geral, o uso de benzodiazepínicos deve ser reservado aos quadros de abstinência a álcool e a benzodiazepínicos, pois está intimamente relacionado à piora do delirium. O uso da dexmedetomidina no controle do delirium tem sido descrito mais recentemente. Existem relatos do seu uso no tratamento da abstinência alcoólica e de drogas. De maneira mais importante, dois estudos já mostraram que o uso da dexmedetomidina para o controle de agitação associou-se a um aumento do tempo livre de ventilação mecânica. Dexmedetomidina: é um agonista alfa2-adrenérgico. Apresenta rápido início de ação sendo metabolizado no fígado e excretado principalmente pela urina. Destacam-se como qualidades principais da droga um rápido início de ação e a capacidade de permitir rápida titulação, podendo deste modo variar a profundidade da sedação e da analgesia. Além disso, oferece sinergismo com as demais drogas anestésicas comumente utilizadas, apresentando baixa incidência de efeitos colaterais e mínima depressão respiratória. A administração de dexmedetomidina à noite, em baixas doses, em adultos gravementedoentes, reduz a incidência de delirium durante a permanência na UTI. No total, 100 doentes críticos foram randomizados para receber dexmedetomidina à noite (entre 21h30 e 6h15) por via intravenosa (0,2 μg/kg/h, titulada por 0,1 μg/kg/h a cada 15 minutos até uma meta na escala RASS de -1 ou taxa máxima de 0,7 μg/kg/h) ou placebo até a alta da UTI. Durante as infusões do estudo, todos os sedativos foram reduzidos pela metade. Referências: AZEVEDO, Luciano César P de; TANIGUCHI, Leandro U.; LADEIRA, José P.; e outros Medicina intensiva: abordagem prática; Editora Manole, 2022. https://pebmed.com.br/dexmedetomedina-em-dose-baixa-previne-delirium-na-uti