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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 1 Gravidez e Desenvolvimento Fetal SP 1.1: POSITIVO, E AGORA? 1. DESCREVER OS MECANISMOS DOS AGENTES FÍSICOS, QUÍMICOS E BIOLÓGICOS NA MÁ FORMAÇÃO CONGÊNITA. O guia de referência usado com mais frequência para classificar os defeitos congênitos é a Classificação Internacional de Doenças, mas nenhuma classificação isolada é aceita universalmente. Cada uma é limitada pelo fato de ter sido desenvolvida para uma finalidade específica. As tentativas de classificar os defeitos congênitos humanos, especialmente aqueles que resultam de erros da morfogênese (desenvolvimento da forma), revelam a frustração e as dificuldades óbvias na formulação de propostas concretas para uso na prática médica. Um sistema de classificação prático para os defeitos congênitos que leva em consideração o momento de início da lesão, a possível causa e a patogênese é amplamente aceito entre os profissionais da área da saúde atualmente. Teratologia é o ramo da embriologia e da patologia envolvido com a produção, a anatomia do desenvolvimento e a classificação de embriões e fetos malformados. As causas dos defeitos congênitos são divididas em três categorias amplas: • Fatores genéticos, como anormalidades cromossômicas. • Fatores ambientais, como fármacos/drogas e vírus. • Herança multifatorial (fatores genéticos e ambientais agindo em conjunto). Numericamente, os fatores genéticos constituem as causas mais importantes de defeitos congênitos. Os genes mutantes causam aproximadamente um terço de todos os defeitos. Qualquer mecanismo tão complexo quanto a mitose ou a meiose, ocasionalmente pode apresentar mau funcionamento. Dois tipos de alterações ocorrem nos complementos cromossômicos: numéricas e estruturais. As alterações podem afetar os cromossomos sexuais ou os autossomos (os outros cromossomos além dos cromossomos sexuais). Em alguns casos, os dois tipos de cromossomos são afetados. Pessoas com aberrações cromossômicas geralmente apresentam fenótipos característicos (características morfológicas), tais como as características físicas das crianças com síndrome de Down. As alterações do número de cromossomos resultam em aneuploidia ou poliploidia. Aneuploidia é qualquer desvio do número diploide de 46 cromossomos. Em seres humanos, esse distúrbio é o mais comum e clinicamente importante entre as anormalidades cromossômicas numéricas. A maioria das anormalidades cromossômicas estruturais resulta de uma ruptura do cromossomo, seguida por reconstituição em uma combinação anormal. A ruptura pode ser induzida por fatores ambientais como radiação ionizante, infecções virais, drogas e compostos químicos. O tipo de anormalidade estrutural depende do que acontece aos pedaços do cromossomo rompido. Entre 7% e 8% dos defeitos congênitos são causados por defeitos gênicos. Uma mutação, geralmente envolvendo perda ou alteração da função de um gene, é qualquer alteração permanente e capaz de ser herdada na sequência do DNA genômico. Uma vez que uma alteração aleatória tem pouca probabilidade de provocar melhora no desenvolvimento, a maioria das mutações é prejudicial e algumas são letais. A taxa de mutação pode ser aumentada por vários agentes ambientais, como altas doses de radiação ionizante. Embora o embrião humano esteja bem protegido no útero, muitos agentes ambientais (teratógenos) podem causar alterações do desenvolvimento após a exposição materna a eles. Um teratógeno é qualquer agente que possa produzir um defeito congênito (anomalia congênita) ou aumentar a incidência de um defeito na população. Fatores ambientais (p. ex., infecções, drogas) podem simular condições genéticas, como quando dois ou mais filhos de pais normais são afetados. Um princípio importante é que nem tudo que é familiar é genético. Teratógenos não parecem causar defeitos até que a diferenciação celular tenha começado; contudo, suas ações iniciais (p. ex., durante as duas primeiras semanas) podem causar morte do embrião. Os mecanismos exatos pelos quais drogas, compostos químicos e outros fatores ambientais perturbam o desenvolvimento embrionário e induzem anormalidades ainda é obscuro. Mesmo os mecanismos de ação da talidomida no embrião são um mistério e mais de 20 hipóteses foram postuladas para explicar como esse agente hipnótico perturba o desenvolvimento embrionário. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 2 O conhecimento de que alguns agentes podem perturbar o desenvolvimento pré-natal oferece a oportunidade de prevenir alguns defeitos congênitos. Por exemplo, se as mulheres conhecerem os efeitos nocivos de drogas como álcool, compostos químicos ambientais (p. ex., bifenilas policloradas) e alguns vírus, a maioria não irá expor seus embriões a esses agentes teratogênicos. A teratogenicidade de fármacos varia consideravelmente. Alguns teratógenos (p. ex., talidomida) causam comprometimento grave do desenvolvimento se administrados durante o período de organogênese da quarta a oitava semanas. Outros teratógenos causam deficiência mental, restrição do crescimento e outros defeitos se usados em excesso durante todo o desenvolvimento. No caso do álcool, não existe uma quantidade segura durante a gravidez. Todos os anticoagulantes com exceção da heparina atravessam a membrana placentária e podem causar hemorragia no embrião ou no feto. Aspirina (ácido acetilsalicílico [AAS]) e paracet (acetaminofeno) costumam ser usados durante a gravidez para o alívio da febre ou da dor. Estudos clínicos sugerem que altas doses de analgésicos são possivelmente lesivas para o embrião ou feto. Embora os estudos epidemiológicos indiquem que a aspirina não é um agente teratogênico, altas doses devem ser evitadas, especialmente durante o primeiro trimestre. Uma grande pesquisa em mulheres que consumiram paracet no início da gravidez mostrou uma maior incidência de problemas comportamentais, incluindo o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), entre seus filhos. O lítio é a medicamento de escolha para a manutenção em longo prazo de pacientes com transtorno bipolar. Contudo, o lítio causa defeitos congênitos, principalmente no coração e grandes vasos, em lactentes cujas mães receberam o medicamento no início da gravidez. Embora o carbonato de lítio seja um teratógeno humano conhecido, a Food and Drug Administration dos EUA, declarou que o agente pode ser usado durante a gravidez se, “na opinião do médico, os possíveis benefícios superarem os possíveis riscos”. Benzodiazepínicos como diazepam e oxazepam costumam ser prescritos para gestantes. Esses medicamentos atravessam rapidamente a membrana placentária e seu uso durante o primeiro trimestre de gravidez está associado a anomalias craniofaciais em recém-nascidos. A cocaína é a droga ilícita mais amplamente usada entre as mulheres em idade fértil. Relatos que lidam com os efeitos pré-natais da cocaína incluem descolamento da placenta, aborto espontâneo, prematuridade, RCIU, microcefalia, infarto cerebral, anomalias urogenitais, perturbações neurocomportamentais e anormalidades neurológicas. Durante toda a vida pré-natal, os embriões e fetos correm perigo devido a uma variedade de micro-organismos. Na maioria dos casos, há resistência à agressão, mas em alguns casos, ocorrem abortos espontâneos ou natimortos. Se sobreviverem, os fetos nascem com RCIU, defeitos congênitos ou doenças neonatais. Uma alta incidência de defeitos congênitos em fetos é resultante da infecção materna pelo vírus da rubéola durante o primeiro trimestre. O feto adquire a infecção por via transplacentária; o vírus atravessa a membrana da placenta e infecta o embrião ou feto. As características clínicas da síndrome da rubéola congênita são catarata, defeitos cardíacose surdez. Contudo, outras anormalidades são observadas ocasionalmente: deficiência mental, coriorretinite (inflamação da retina que se estende para a coroide), glaucoma, microftalmia e defeitos dentários. Traços multifatoriais geralmente são defeitos maiores únicos, como fenda labial, fenda palatina isolada, defeitos do tubo neural (p. ex., meroencefalia, espinha bífida cística), estenose pilórica e luxação congênita dos quadris. Alguns desses defeitos também podem ocorrer como parte do fenótipo em síndromes determinadas por herança de genes isolados, uma anormalidade cromossômica ou um teratógeno ambiental. 2. DETALHAR AS PRINCIPAIS CAUSAS DA PREMATURIDADE NO ADULTO E NO ADOLESCENTE (CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS PARA O CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO INFANTIL). Denomina-se parto pré-termo aquele ocorrido antes de 37 semanas de gestação (259 dias) [Organização Mundial de Saúde (OMS), 2006]. Concomitantemente, considera-se recém-nascido (RN) de baixo peso aquele com peso inferior a 2.500 g. O parto pré-termo é um problema de saúde pública e representa a causa principal de morbidade e de mortalidade neonatal precoce e tardia, em face do risco aumentado de complicações no neurodesenvolvimento, respiratórias e gastrintestinais, como síndrome de angústia respiratória (SAR), doença pulmonar crônica, enterocolite necrosante, hemorragia intraventricular e paralisia cerebral. A prematuridade superou os defeitos congênitos como a principal causa de mortalidade neonatal. O prognóstico tardio dos RN de baixo peso é comprometido pelo risco elevado de doença cardiovascular (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial), diabetes melito do tipo 2 e, possivelmente, câncer. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 3 Para a mãe, o parto pré-termo aumenta o risco de nova interrupção em gravidez subsequente. • Pré-termo extremo: < 28 semanas • Muito pré-termo: 28 a 30 +6 semanas • Pré-termo precoce: 31 a 33 +6 semanas • Pré-termo tardio: 34 a 36 +6 semanas Etiologicamente, os partos pré-termo podem ser inicialmente classificados em 2 grupos: o 1º está constituído pelo parto pré-termo espontâneo, associado (25%) ou não à ruptura prematura das membranas pré-termo (RPMP) (45%); o 2º grupo está representado pelo parto pré-termo indicado (30%), decorrente da interrupção provocada da gravidez ditada por complicações maternas ou fetais. A RPMP é definida como a amniorrexe espontânea ocorrida antes de 37 semanas, precedendo, no mínimo, em 1 h o início das contrações. As causas mais comuns associadas ao parto prétermo indicado são os distúrbios hipertensivos, hemorragia e sofrimento fetal (CIR). O fator de risco mais importante para o pré-termo tardio é a história pregressa de parto pré-termo. Outros fatores arrolados são: fatores demográficos (baixo nível socioeconômico e educacional, etnia, idade materna < 18 ou > 35 anos), hábitos de vida (tabagismo, uso de drogas ilícitas, estresse, abuso físico), assistência pré-natal deficiente, baixo peso pré-gravídico e ganho de peso inadequado na gestação. Os processos patológicos implicados no parto pré-termo incluem infecção intrauterina, isquemia uterina, sobredistensão uterina, reação anormal ao aloenxerto, fenômeno alérgico, distúrbios do colo uterino e doenças endócrinas. ➜ Vaginose bacteriana: Condição clínica caraterizada por corrimento vaginal de odor fétido, pH vaginal > 4,5 e alteração na flora vaginal normal lactobacilo-dominante para outra compredomínio de Gardnerella vaginalis, Prevotella sp. e Atopobium sp. A vaginose bacteriana assintomática (rastreada no pré-natal com 16 semanas) é considerada causa de parto pré-termo, abortamento e infecção materna. ➜ Infecções não genitais: Diversas infecções maternas não genitais, como pielonefrite, pneumonia, apendicite e doença periodontal, podem estar associadas ao parto pré-termo. ➜ Infecção intrauterina: A corioamnionite é responsável por > 30% de todos os partos pré-termo. A cavidade amniótica normalmente é estéril. Na infecção intrauterina ou corioamnionite são encontrados microrganismos no líquido amniótico. Os microrganismos mais encontrados são Mycoplasma spp. genitais e, particularmente, Ureaplasma urealyticum, mas muitos outros podem ser identificados. Esses microrganismos são tipicamente de baixa virulência, o que explica provavelmente a cronicidade da infecção intrauterina e a ausência frequente de sinais clínicos de infecção no parto pré-termo tardio. ➜ Citocinas pró-inflamatórias: A inflamação e seus mediadores, quimiocinas tais como a IL-8, citocinas pró- inflamatórias (IL-1, IL-6 e TNF-α) e outros [fator ativador de plaquetas (PAF), prostaglandinas] estão implicados no parto pré-termo infeccioso. ➜ Sobredistensão uterina: Ocorre em casos de malformações uterinas, polidrâmnia e gravidez gemelar, sendo dependente da exacerbação da contratilidade uterina, do amadurecimento do colo do útero e da ruptura das membranas. ➜ Gravidez gemelar: O mecanismo do parto pré-termo é a sobredistensão uterina, muito embora o parto pré-termo indicado também seja um fator. Apesar de representar em apenas 2 a 3% das gestações, a gravidez gemelar é responsável por 13 a 20% de todos os partos pré-termo. Aproximadamente 60% dos gêmeos nascem pré-termo e nas gestações múltiplas (3 ou mais), quase todos. ➜ Sangramento vaginal: O sangramento vaginal, especialmente o decorrente da placenta prévia ou do descolamento prematuro da placenta (DPP), está associado a risco muito alto de parto pré-termo. ➜ Isquemia uteroplacentária: As características mais comuns na placenta de pacientes com parto pré-termo (< 28 semanas), mas sem alterações inflamatórias, são as lesões vasculares que incluem remodelação defeituosa das arteríolas espiraladas, aterose aguda e trombose dessas artérias (vasculopatia decidual), diminuição da quantidade e trombose das arteríolas nas vilosidades coriônicas. Essas alterações vasculares também são típicas da pré-eclâmpsia e do CIR e representam o substrato anatomopatológico das grandes síndromes obstétricas. ➜ Doenças e cirurgias maternas: Doença da tireoide, asma, diabetes melito e hipertensão arterial crônica estão associadas a taxas aumentadas de parto pré-termo, muitos dos quais3 indicados por razões maternas. Por outro lado, cirurgias maternas abdominais no 2º e no 3º trimestres podem estimular as contrações uterinas, culminando no parto pré-termo. ➜ Doenças cervicais: A insuficiência cervical, causada por cirurgia, trauma ou fraqueza congênita do colo do útero determinante de abortamento tardio, tem sido implicada também como causa de parto pré-termo. A doença cervical pode resultar de alteração congênita (hipoplasia, exposição ao dietilestilbestrol in utero, útero septado), assim como de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 4 lesão traumática da estrutura cervical (conização, dilatações cervicais repetidas ou rudes para interrupção da gravidez). ➜ Distúrbios hormonais: A progesterona é o hormônio central para a manutenção da gravidez. Especificamente, a progesterona promove a quiescência uterina (bloqueio miometrial progesterônico), sub-regula a formação de junções comunicantes, inibe o amadurecimento do colo e diminui a produção de quimiocinas pelas membranas ovulares (corioâmnio), o que é importante para a não ativação membrana/decidual. Acredita-se que a deficiência da fase lútea seja causa de infertilidade e de abortamento habitual. A sobrevida dos RN pré-termo, que nascem após 32 semanas de gravidez, é similar à de RN a termo. Todavia, esses prematuros também não estejam isentos de complicações. A maioria dos problemas graves está associada àqueles que nascem antes de 32 semanas (1 a 2% do total de partos), principalmente àqueles nascidos antes de 28 semanas(0,4% do total de partos). O atendimento moderno perinatal (corticoide, surfactante, centros terciários) foi importante para melhorar o prognóstico do prematuro. Todavia, o prognóstico permanece desalentador para aqueles pré-viáveis nascidos entre 22 e 25 semanas. A despeito de documentada a maturidade pulmonar, quando comparados àqueles nascidos com 39 semanas ou mais, os pré-termo tardio e a termo precoce apresentam morbidade neonatal mais elevada. Por isso, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG, 2011) recomenda: a gestação não deve ser eletivamente interrompida antes de 39 semanas. O grande fator de risco para o parto pré-termo é a história pregressa de parto pré-termo. Assim, após um parto pré- termo, o risco de repeti-lo chega a 20%; após dois partos pré- termos anteriores, o risco passa para 35 a 40%. Existem três grandes marcadores de parto pré-termo: vaginose bacteriana, ultrassonografia do colo e fibronectina fetal. Pacientes em trabalho de parto pré-termo têm maior probabilidade de apresentarem fetos emapresentação pélvica do que aquelas a termo. Os RN pré-termo, especialmente com menos de 32 semanas, estão mais sujeitos a lesões traumáticas e asfíxicas no parto pélvico. Faz parte da boa prática indicar a cesariana para todos os casos de parto prétermo em apresentação pélvica. Por outro lado, os RN pré-termo em apresentação cefálica devem ser submetidos à cesariana pelas mesmas indicações daqueles a termo. Na verdade, no pré-termo entre 24 e 34 semanas emapresentação cefálica, a cesariana aumenta o risco de SAR e de baixo índice de Apgar, quando comparada ao parto vaginal. É fundamental a presença de pediatra experiente na sala de parto à ocasião do nascimento. Exige-se delicadeza na manipulação do pré-termo e suavidade nas manobras de reanimação emface da fragilidade desses RN, que devem ser cuidados em unidades terciárias. Síndrome de angústia respiratória: A SAR é a principal causa de morte no RN prétermo, e deve-se à deficiência de surfactante (lecitina) nos alvéolos pulmonares. Se não for tratada, cerca de 25 a 30% dos RN com SAR antes de 28 semanas morrem nos 28 dias seguintes ao parto e outros 25% desenvolvem doença crônica do pulmão, como displasia broncopulmonar. Deficiência de surfactante pulmonar está envolvida na fisiopatogenia da SAR, mas outros fatores como a imaturidade do parênquima pulmonar também são importantes. O uso do corticoide está consagrado em obstetrícia. Foram trabalhos pioneiros os de Liggins (1969) em ovelhas, logo transpostos para a espécie humana (Liggins & Howie, 1972). O corticoide estimula a síntese e a liberação de material surfactante no alvéolo pulmonar. A betametasona e a dexametasona atravessam a barreira placentária e, por via intramuscular, são os corticoides preferidos para a corticoterapia antenatal. O corticoide é capaz não só de reduzir a incidência de SAR como também de outras complicações no bebê, tais como hemorragia intraventricular, leucomalacia periventricular, retinopatia da prematuridade, enterocolite necrosante, persistência do canal arterial e, o que é mais importante, a taxa de mortalidade neonatal. A administração do corticoide está associada à redução de 50% na incidência de SAR, e sua eficácia fica mais evidente quando o parto ocorre após 24 h e dentro de 7 dias de sua utilização. 3. COMPREENDER A SÍNDROME ALCOÓLICA FETAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS. O consumo de bebidas alcoólicas pela gestante pode levar a abortamento, natimortalidade e à prematuridade. O álcool consumido durante a gestação também pode resultar em danos ao embrião/feto, agrupados no termo espectro de desordens fetais alcoólicas (FASD – fetal alcohol spectrum disorders). Esses danos incluem alterações físicas, mentais, comportamentais e/ou de aprendizado, que podem ser irreversíveis e levar à dependência de álcool e de outras Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 5 drogas, problemas mentais, dificuldades escolares e no trabalho, comportamento sexual inapropriado e problemas com a justiça. A síndrome alcoólica fetal (SAF), os defeitos congênitos relacionados ao álcool (ARBD – alcohol-related birth defects) e as desordens de neurodesenvolvimento relacionadas ao álcool (ARND – alcohol-related neurodevelopmental disorders) são abrangidos pelo FASD, sendo o mais grave representado pela primeira. Os FASD representam o maior problema de Saúde Pública de todos os países do mundo. O alcoolismo é subdiagnosticado na gravidez pelo despreparo dos profissionais de Saúde em investigá-lo adequadamente e pelo maior preconceito social na gestação, levando a grávida a encobri-lo. Fatores como a baixa idade, menor escolaridade, baixa renda mensal não coabitação com o companheiro, coabitação com consumidores de álcool, tabagismo, uso de drogas ilícitas, gravidez não-planejada início tardio do pré- natal e menor número de consultas no pré-natal associam- se ao consumo de álcool pelas gestantes. As mulheres têm uma biodisponibilidade ao álcool maior que os homens, pela maior absorção dessa droga, menor quantidade de água e maior proporção de gordura corpórea, atingindo alcoolemia maior. São menos tolerantes ao álcool do que os homens, com maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de complicações clínicas e risco de mortalidade. O etanol atravessa bidirecionalmente a placenta por gradiente de concentração sem sofrer qualquer alteração, resultando em um nível fetal equivalente ao materno. Porém, a imaturidade e baixos níveis das enzimas fetais torna o metabolismo e eliminação do álcool mais lentos, levando à exposição maior do feto. O líquido amniótico é considerado reservatório do etanol e do acetaldeído expondo, ainda mais, o feto aos seus efeitos. Quando a gestante ingere bebidas alcoólicas, seu filho também o faz. Durante a gestação, qualquer dose de álcool consumido poderá levar a alterações do desenvolvimento. A probabilidade de acometimento do recém-nascido (RN) e a gravidade da síndrome dependerão da dose de álcool consumida pela gestante, seu padrão de consumo, metabolismo e da alcoolemia materna e fetal, saúde materna, período gestacional de exposição fetal e suscetibilidade genética fetal. O álcool age direta ou indiretamente sobre o feto, interferindo em seu crescimento. Prejudica o transporte placentário de nutrientes essenciais ao desenvolvimento fetal e propicia a má nutrição materna. Por vasoconstrição da placenta e dos vasos umbilicais, leva à hipoxia. Não existem marcadores capazes de determinar a ação específica do álcool sobre o feto, nem a influência da dose sobre o mecanismo de desenvolvimento da síndrome. Provavelmente um único mecanismo não explique todos os seus efeitos nocivos sobre o feto. O álcool atravessa facilmente a barreira entre o sangue e o cérebro, levando a efeitos complexos no desenvolvimento cerebral.Em certos grupos de células cerebrais, pode levar à morte e, em outros, interfere em suas funções. Em qualquer período gestacional, o álcool pode causar efeitos no sistema nervoso central (SNC) fetal, sendo esses mais graves nas primeiras cinco semanas.Ocorre microcefalia e/ou microencefalia consequentes à diminuição do crescimento cerebral. Alterações funcionais relacionadas ao corpo caloso, cerebelo e gânglios basais são consistentemente observadas. A agenesia do corpo caloso é uma das anomalias mais frequentes. Podem existir alterações estruturais do SNC, compatíveis com a SAF, sem déficits funcionais detectáveis. Nem todas as crianças de mães que consomem álcool durante a gravidez desenvolvem os seus efeitos deletérios, desconhecendo-se o nível seguro de consumo de álcool durante a gestação. A SAF apresenta um padrão típico de alterações faciais, restrição de crescimento pré e/ou pós-natal e evidênciasde alterações estruturais e/ou funcionais do SNC coligados à exposição intrauterina ao álcool. Na abrangência dos FASD, a dismorfia facial muitas vezes está ausente, tendo pouca importância quando comparada com o impacto que a exposição pré-natal ao álcool pode provocar na função cerebral. No entanto, o fenótipo facial – alteração da linha média – é o marcador mais sensível e específico para o dano cerebral relacionado ao álcool. A retirada abrupta do RN de um ambiente uterino alterado pelo álcool poderá levar à síndrome de abstinência alcoólica manifestada por irritabilidade, hiperexcitabilidade, hipersensibilidade, hipotonia, tremores, tensão muscular com opistótomo, alterações do padrão do sono, estado de alerta frequente, sudorese, apneia, taquipneia, recusa alimentar e dificuldade de vínculo. Sendo o metabolismo do álcool lento no neonato, o aparecimento da síndrome de abstinência pode ser tardio, surgindo, em média, no segundo dia de vida. Apesar dos efeitos do álcool no concepto serem conhecidos, as crianças que os sofrem muitas vezes não são diagnosticadas, pela ausência de uniformidade de critérios para esse fim. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 6 Duas publicações definem os critérios diagnósticos das crianças expostas ao álcool intra-útero: os critérios do IOM, de 1996, e os critérios de Washington, de 2000(1). Cientistas reunidos pelo CDC, de 2002-2004, determinaram os critérios de diagnóstico da SAF. Em 1996, o IOM delineou cinco categorias para a SAF/ EAF. Estas são vagas e confusas, pois não definem o fenótipo facial, o grau de restrição de crescimento nem as alterações neurocomportamentais e cognitivas dessas doenças. Os critérios de Washington (Quadro 5) refletem a magnitude da expressão das quatro características chave da SAF: restrição do crescimento, fenótipo facial da SAF, alteração ou disfunção do SNC e exposição intra-útero ao álcool. O grau de expressão de cada característica é independentemente classificado em escala de 1 a 4, em que 1 representa a normalidade e 4, a sua extrema expressividade. Para as crianças, o diagnóstico e a intervenção precoces diminuem o risco de incapacidades futuras. Para as famílias, permite esclarecimentos sobre os problemas do paciente, levando à elucidação e expectativas mais apropriadas sobre a criança, aumento do acesso a serviços sociais e de educação e ao possível subsídio do governo. No nível da Saúde Pública, o diagnóstico pode aumentar o registro da incidência e da prevalência, permitindo estudos e o planejamento de serviços de Saúde, sociais e educacionais. O diagnóstico da SAF é mais fácil dos 2 aos 11 anos, quando as dismorfias faciais são mais evidentes e as disfunções típicas do SNC surgem clinicamente. O diagnóstico neonatal depende das características faciais, da restrição de crescimento intrauterino em relação ao peso, perímetro cefálico e comprimento associados à exposição intrauterina ao álcool. A associação de malformações congênitas e restrição de crescimento obrigam a investigação da exposição intrauterina ao álcool. Não existe nenhuma terapia específica para a SAF/EAF, obrigando a criança afetada e toda a família a suportarem, por toda a vida, as consequências dos danos causados pela exposição intra-útero ao álcool. Os problemas apresentados pela criança devem ser tratados e/ou seguidos por serviços especializados com suporte e recursos preventivos para o paciente e sua família. A chave da prevenção dos FASD é a promoção de programas que aumentem a consciência dos perigos da exposição pré- natal ao álcool pelo consumo de bebidas alcoólicas pela grávida. 4. DESTACAR AS PRINCIPAIS CAUSAS DO RCI U (RESTRIÇÃO DO CRESCIMENTO INTRAUTERINO). O crescimento intrauterino restrito (CIR) é uma importante entidade mórbida em obstetrícia, haja vista que a mortalidade perinatal em fetos incluídos nessa categoria é 10 vezes maior do que em conceptos normais. Os fetos que sobrevivem estão propensos a maior morbidade neonatal imediata – hipoxia, síndrome de aspiração de mecônio, hipoglicemia –, assim como a complicações tardias, como retardo no neurodesenvolvimento, paralisia cerebral e, muito provavelmente, diabetes tipo 2 e hipertensão na vida adulta (programação fetal). Fetos com CIR representam um grupo heterogêneo, e grande parte deles corresponde a conceptos constitucionalmente pequenos, mas saudáveis (CIR constitucional). CIR está relacionado com o feto que não conseguiu atingir o seu potencial genético de crescimento. Pequeno para a idade gestacional (PIG) corresponde ao recém-nascido com peso abaixo do 10 o porcentil para a idade gestacional. Cerca de 50 a 70% dos PIG são constitucionais, com crescimento adequado à sua herança familiar e racial. Recém-nascido de baixo peso é aquele que nasce com peso inferior a 2.500 g, mas que não necessariamente é PIG. Campbell & Thoms, em 1977, foram os primeiros a dividir o CIR em 2 grupos: simétrico e assimétrico, classificação importante do ponto de vista clínico. O padrão simétrico é caracterizado por pequenas dimensões de cabeça e abdome e indica insulto intrínseco, precoce, comprometendo o crescimento fetal, sendo determinado por anomalias estruturais e cromossomiais, infecções, drogas ilícitas e álcool. O crescimento é simétrico porque Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 7 ocorreu no momento em que o feto se desenvolvia por divisão celular O CIR assimétrico, por sua vez, é consequente a fatores extrínsecos, frequentemente à disponibilidade inadequada de substratos para o metabolismo fetal. Nesse padrão, a cabeça temdimensões preservadas, mas o abdome está reduzido pelo menor tamanho do fígado e pela escassez de tecido adiposo abdominal. Mais comumente, o distúrbio que limita a disponibilidade de substratos para o feto é a insuficiência placentária, doença vascular materna responsável pela perfusão uteroplacentária deficiente. O CIR assimétrico geralmente ocorre mais tarde na gravidez, após 32 semanas, quando o feto cresce especialmente por hipertrofia e não mais pelo aumento do número de células. Até o início do 3º trimestre, a cabeça fetal é relativamente grande em relação à circunferência abdominal (CA). Após 28 semanas, a CA acelera-se à medida que o feto acumula glicogênio hepático e tecido adiposo no abdome. No CIR simétrico, a circunferência cefálica (CC), a CA e o comprimento do fêmur (CF) estão todos reduzidos. No CIR assimétrico, a CC continua a crescer apropriadamente para a idade gestacional, enquanto a CA e o CF não a acompanham. Essa assimetria torna-se pronunciada após 28 semanas. Em gestações bem datadas, o melhor critério para o diagnóstico do CIR, de ambos os tipos, é a medida da CA ou a determinação do peso fetal estimado (PFE) inferior ao 10º porcentil. Em razão de as condutas clínica e prognóstica serem altamente dependentes da etiologia, é importante encontrar a causa específica do CIR. O CIR pode ser dividido em fetal, placentário e materno. Fetal: ➡ Anormalidades estruturais e cromossomiais fetais: O CIR é mais comum na trissomia 18 e na triploidia, mas também ocorre nas trissomias 13 e 21. O CIR pode decorrer de anomalia de replicação celular, bem como de defeitos metabólicos e vasculares da placenta aneuplóidica. Fetos com malformações estruturais e cariótipo normal também podem exibir CIR. Anomalias comumente associadas são: defeitos cardíacos, agenesia renal, gastrosquise, displasia esquelética, anencefalia. É relevante a associação entre intestino hiperecogênico e CIR, presente em 15% dos casos. No total, os distúrbios cromossomiais e as anomalias estruturais são responsáveis por, aproximadamente, 5 a 10% dos fetos com CIR. Via de regra, o CIR é precoce (antes de 20 a 24 semanas) e simétrico. ➡ Infecções congênitas: Quandoatingem o concepto de até 16 a 20 semanas, as infecções congênitas determinam CIR simétrico. As infecções habitualmente associadas ao CIR são citomegalovírus (CMV), toxoplasmose, sífilis e malária [Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG), 2013]. ➡ Gravidez gemelar: A gravidez gemelar está associada não apenas ao parto pré-termo como também ao CIR. Pelo geral, a taxa de crescimento de gêmeos é igual à de fetos de gravidez única até 32 semanas; após essa data, o crescimento fetal em gemelares difere de maneira significativa, provavelmente em virtude da insuficiência relativa da placenta. Placentário: ➡ Insuficiência placentária: O CIR está incluído nas grandes síndromes obstétricas, caracterizadas por remodelação placentária defeituosa das artérias espiraladas; há placentação defeituosa, mas a grávida não desenvolve disfunção endotelial como na toxemia. ➡ Anormalidades estruturais: A associação da placenta ao CIR é primária, predispondo as anormalidades estruturais à implantação defeituosa, que reduz o fluxo umbilical ou diminui a superfície de trocas. As alterações estruturais placentárias mais importantes são: placenta pequena (mau desenvolvimento viloso terminal), placenta prévia, placenta circunvalada, inserção velamentosa do cordão, corioangioma e artéria umbilical única. Materno: ➡ Má nutrição: Se for muito grave pode determinar CIR. Estudos do cerco de Leningrado, na Segunda Guerra Mundial, e da fome na Holanda, no mesmo período, sugerem que a ingesta calórica deve ser menor que 1.500 kcal/dia para tornar evidente o baixo peso fetal. ➡ Doença vascular: Está associada à diminuição da perfusão uteroplacentária e representa 20 a 30% de todos os fetos com CIR. As afecções mais frequentes são pré-eclâmpsia grave precoce, hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada, doença renal crônica e doença vascular do colágeno. ➡ Trombofilias: Especialmente a síndrome antifosfolipídio (SAF), que está associada a diversas complicações na gravidez, como trombose vascular, perda fetal, abortamento, préeclâmpsia, parto prétermo, assim como também ao CIR. ➡ Abuso de substâncias e estilo de vida: O tabagismo materno pode diminuir o peso fetal em 135 a 300 g. Consumo de cafeína ≥ 300 mg/dia no 3 o trimestre, drogas como cocaína, heroína e álcool (síndrome alcoólica fetal), e fármacos como anticonvulsivantes (trimetadiona, fenitoína) e varfarina também podem determinar CIR. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 8 5. ESTUDAR OS RISCOS DO TABAGISMO NA GESTAÇÃO. Levando-se em consideração as possíveis complicações durante a gravidez, o tabagismo é um dos poucos malefícios que podem ser evitados no período. Seu uso está associado à gravidez ectópica, ao parto prematuro, ao descolamento placentário, à placenta prévia, ao aborto espontâneo, ao risco de fissuras orofaciais e à mortalidade perinatal. Seja qual for a forma utilizada para o consumo do tabaco (charuto, cachimbo, cigarro), seu uso é prejudicial e deve ser desestimulado. Acredita-se que a exposição do tabaco no útero aumenta a quantidade de receptores nicotínicos no feto. Tal fato pode vir a contribuir para o aumento de incidências de uma iniciação precoce do tabagismo na adolescência. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o uso de tabaco na gestação contribui com, aproximadamente, 800 mil mortes prematuras por ano, sendo ele a décima terceira causa de mortalidade em todo o mundo. Em lares onde parceiros ou familiares fumam, certas mudanças de comportamento fazem-se necessárias para estimular a gestante a cessar o hábito de fumar. Os efeitos adversos do tabagismo vão além da vida intrauterina. Pode-se inferir que os mencionados efeitos também causam danos à saúde futura da criança, problemas envolvendo distúrbios neuromotores, asma, sobrepeso e obesidade. Em animais, por exemplo, a exposição do feto ao tabagismo leva a alterações no metabolismo da glicose, o que induz a associar o tabagismo à Diabetes Mellitus Gestacional e fortes evidências de que o indivíduo, na vida adulta, possa desenvolver essa doença, a qual tem grande impacto na saúde pública. O tabaco, em sua composição, tem mais de 4 mil metabólitos, sendo a nicotina a principal responsável pela dependência química. Quando inalada, atravessa os pulmões e atinge o cérebro em torno de dez segundos. Ela promove efeitos ionotrópicos e cronotrópicos positivos no miocárdio, atravessa a barreira placentária facilmente e promove taquicardia, vasoconstrição periférica e diminuição do fluxo sanguíneo placentário. A nicotina pode, também, diminuir a produção de leite. Além da nicotina, existem outras substâncias como a amônia, a benzina, o tiocianato, o alcatrão, a cotidina e gases como óxido de nitrogênio, acetaldeído, metanol e o monóxido de carbono (CO) que fazem parte da composição do cigarro e de produtos similares. Como mencionado, o monóxido de carbono é o segundo maior responsável pelos malefícios analisados no presente artigo. O CO difunde-se lentamente pela placenta, e o nível de carboxi-hemoglobina fetal é de 10 a 15% mais elevado que o materno. Esse aumento está associado à diminuição do oxigênio no sangue, podendo provocar hipóxia fetal. O CO compete com o oxigênio (O2) pela hemoglobina, a qual tem maior afinidade pelo CO do que pelo O2 , resultando na diminuição do oxigênio nos tecidos. O hábito de fumar na gravidez é associado a alguns tipos de malformações congênitas, alterações no sistema cardiovascular, respiratório, digestivo e fissuras orais (quadro 1). As substâncias contidas no cigarro podem ocasionar efeitos diretamente no feto e/ou podem provocar alterações microscópicas na placenta, resultando em casos de aborto. Para o transporte de nutrientes da placenta para o feto é necessário ATP, insulina e fatores de crescimento como o IGF-1. O uso de cigarro na gravidez causa a perda de funcionabilidade mitocondrial, causando a diminuição da energia em células, prejudicando, dessa forma, o transporte dos nutrientes, ocasionando crescimento fetal diminuído e baixo peso ao nascer. Desestimular o hábito de fumar é necessário em qualquer fase da vida, em especial na gestação. Abolir o tabagismo é a forma mais eficaz de se evitar possíveis complicações para o feto e a gestante. Existe a necessidade de políticas públicas de combate ao tabagismo, voltadas especificamente para as gestantes, na tentativa de conscientizar a todos que o hábito de fumar pode contribuir para algumas malformações, principalmente na região da cabeça e do pescoço. Portanto, a redução e cessação do tabagismo na gravidez requerem esforços do próprio indivíduo, da sociedade, da família e dos profissionais envolvidos. 6. ELUCIDAR AS QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS QUE IMPACTAM NAS DOENÇAS PERINATAIS (DA GÊNESE À RECORRÊNCIA DO ASPECTO SOCIOAMBIENTAL). O período perinatal compreende um intervalo que começa por volta da 20ª semana de vida intrauterina e se estende até o 28º dia pós-neonatal. Nesse período, a criança passa por profundas modificações em seu organismo, principalmente no momento do parto, devido à grande alteração do meio ambiente em que passará a viver. Isso se reflete nos diversos tipos de entidades nosológicas que devem ser consideradas nesse período de desenvolvimento, especialmente no que se refere ao binômio mãe-filho e às enfermidades que podem advir de uma interação inadequada entre ambos. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 9 DOENÇA HEMORRÁGICA DO RECÉM-NASCIDO: A presença de sangramento no recém-nascido (RN) pode estar associada a quadros graves de infecção, doenças hematológicas ou deficiência de vitamina K. Para o tratamento correto, é necessário que se obtenha o diagnóstico preciso. Todo RN que apresentar sangramento significativonecessita de investigação de seus mecanismos hemostáticos. A investigação inicial de um RN com sangramento deve ressaltar os seguintes pontos: história familiar de sangramento, história das gestações anteriores, história de doenças de coagulação na família, doenças maternas (principalmente infecções), drogas usadas na mãe e no neonato, certeza da administração da vitamina K no RN. Os RN com mau estado geral são suspeitos de quadros infecciosos ou de Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD). O RN em bom estado geral que apresenta sangramento tem diagnóstico provável de doença hemorrágica do RN, alterações plaquetárias ou deficiência dos fatores de coagulação. Quadros de hepatoesplenomegalia e icterícia sugerem quadro infeccioso e Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD). Doença hemorrágica do recém-nascido por deficiência de vitamina K: A deficiência de vitamina K no RN deve ser vista como um problema de saúde pública e é fato que o uso profilático da vitamina K reduziu drasticamente o número de crianças com doença hemorrágica do RN. Como a capacidade de armazenagem da vitamina K é baixa e a meia-vida dos fatores dependentes da vitamina K é curta, ocorre deficiência desses fatores rapidamente quando a ingesta é insuficiente. Na natureza, são encontrados dois tipos de vitamina K: a vitamina K1, encontrada em verduras e no leite, e a vitamina K2, sintetizada na flora bacteriana intestinal, onde é absorvida em pequenas quantidades. Como o intestino do feto é estéril, a produção e a absorção da vitamina K2 não ocorre. Portanto, nos primeiros dias de vida, a única fonte de vitamina K para o RN provém da alimentação. DISPLASIA DO DESENVOLVIMENTO DO QUADRIL: A displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ) – uma condição na qual existe uma relação anormal entre a cabeça femoral e a cavidade acetabular – inclui um amplo espectro de situações clínicas que vão desde a instabilidade clínica da articulação coxofemoral, passando pela persistente inclinação do teto acetabular, até a perda parcial do contato (subluxação), que progride até a perda total, conhecida como luxação articular completa. A incidência da DDQ varia com relação à raça, à área geográfica e aos métodos de estudo, sendo rara em negros e sua etiologia á desconhecida. São considerados fatores de risco: ➡ O sexo feminino; ➡ A história de DDQ ou osteartrose precoce; ➡ A apresentação pélvica e o oligoidrâmnio; ➡ A posição fetal, que pode predispor a articulação ao estresse mecânico pelas contrações do músculo uterino; ➡ Frouxidão (hiperelasticidade capsular e ligamentar), que cria um terreno facilitador. Entre os fatores pós-natais, está a forma de posicionamento, já que, em algumas culturas, os bebês são envoltos em mantas, com os membros inferiores estendidos e aduzidos, predispondo, assim, à displasia. A presença do torcicolo congênito e as deformidades do pé calcâneo valgo ou metatarso aduto ou varo também estão associadas à DDQ. 7. ELUCIDAR AS ORIENTAÇÕES PARA A GESTANTE NO PRÉ - NATAL. 8. DISCUTIR A IMPORTÂNCIA DO PRÉ -NATAL NA PREVENÇÃO DE MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA (CARACTERIZAR OS EXAMES DE TRIAGEM E DIAGNÓSTICO PRECOCE NO PRÉ -NATAL). 9. COMPREENDER A INFLUÊNCIA DO ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL NA SAÚDE MATERNO -FETAL. O principal objetivo da assistência pré-natal é assegurar o nascimento de uma criança saudável com risco mínimo para a mãe. Vários são os componentes envolvidos para o alcance desse objetivo: • Avaliação precoce e precisa da idade gestacional • Estratificação do risco gestacional • Avaliação contínua do bem-estar materno fetal • Identificação de problemas e intervenção, se possível, para prevenir ou minimizar morbidades • Educação da paciente, aprimorando o cuidado e a qualidade de vida das pessoas envolvidas: mãe, filho e familiares. Idealmente, o início do processo se daria na consulta pré- concepcional, e se estenderia por todo o período anteparto. Mesmo que essas ideias sejam abrangidas na consulta de planejamento familiar disponibilizada no Brasil, as consultas pré-concepcional não são comuns no acompanhamento da maior parte das gravidezes brasileiras. A efetividade dos pré-natais tem sido questionada em países desenvolvidos pela falta de evidências que demonstrem melhores resultados na mortalidade perinatal, nos índices de prematuridade e baixo peso ao nascimento nas populações de mulheres que tiveram acesso à assistência pré-natal. Apesar de que a gravidez é um processo fisiológico e a grávida considerada normal pode não se beneficiar da utilização de tecnologias mais avançadas durante a evolução da gravidez, estudo vem comprovando a eficácia do pré- natal especialmente no número de mortes neonatais. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 10 Em um estudo de base populacional da Carolina do Norte (EUA), Harper e colaboradores (2003) observaram que o risco de morte materna relacionada com a gravidez foi reduzido em 5 vezes entre as que recebiam cuidados pré- natais. Há outros trabalhos atestando a eficácia do cuidado pré-natal. Herbst e colaboradores (2003) concluíram que a ausência de cuidado pré-natal estava associada a aumento em 2 vezes do risco de nascimento prematuro. O cuidado pré-natal deverá se iniciar assim que haja razoável probabilidade de gravidez. Os principais objetivos são: 1. Definir o estado de saúde da mãe e do feto 2. Estimar a idade gestacional 3. Iniciar um plano para proporcionar atenção obstétrica contínua A primeira consulta deve ser no início da gravidez (antes de 12 semanas); e, em virtude da grande quantidade de informações, pode ser necessária uma segunda consulta inicial. A primeira consulta pré-natal segue os preceitos habituais recomendados em uma avaliação clínica: anamnese, exame físico geral e especializado. A avaliação deve ser feita com rigor acadêmico e cuidadosamente repetida em consultas subsequentes, sempre que a situação exigir. É com a propedêutica clínica que o obstetra tem a oportunidade de identificar os fatores que caracterizam a gestação de alto risco. Em cada consulta, deve-se reavaliar o risco obstétrico e perinatal. FATORES DE RISCO PARA A GRAVIDEZ ATUAL 1. Características individuais e condições sociodemográficas desfavoráveis: • Idade menor que 15 e maior que 35 anos; • Ocupação: esforço físico excessivo, carga horária extensa, rotatividade de horário, exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, estresse; • Situação familiar insegura e não aceitação da gravidez, principalmente em se tratando de adolescente; • Situação conjugal insegura; • Baixa escolaridade (menor que cinco anos de estudo regular); • Condições ambientais desfavoráveis; • Altura menor que 1,45m; • Peso menor que 45kg e maior que 75kg; • Dependência de drogas lícitas ou ilícitas. 2. História reprodutiva anterior: • Morte perinatal explicada ou inexplicada; • Recém-nascido com restrição de crescimento, pré-termo ou malformado; • Abortamento habitual; • Esterilidade/infertilidade; • Intervalo interpartal menor que dois anos ou maior que cinco anos; • Nuliparidade e multiparidade; • Síndromes hemorrágicas; • Pré-eclâmpsia/eclâmpsia; • Cirurgia uterina anterior; • Macrossomia fetal. 3. Intercorrências clínicas crônicas: • Cardiopatias; • Pneumopatias; • Nefropatias; • Endocrinopatias (especialmente diabetes mellitus); • Hemopatias; • Hipertensão arterial moderada ou grave e/ou em uso de anti-hipertensivo; • Epilepsia; • Infecção urinária; • Portadoras de doenças infecciosas (hepatites, toxoplasmose, infecção pelo HIV, sífilis e outras DST); • Doenças auto-imunes (lupus eritematoso sistêmico, outras colagenoses); • Ginecopatias (malformação uterina, miomatose, tumores anexiais e outras). 4. Doença obstétrica na gravidezatual: • Desvio quanto ao crescimento uterino, número de fetos e volume de líquido amniótico; • Trabalho de parto prematuro e gravidez prolongada; • Ganho ponderal inadequado; • Pré-eclâmpsia/eclâmpsia; • Amniorrexe prematura; • Hemorragias da gestação; • Isoimunização/aloimunização; • Óbito fetal. Todos os elementos da anamnese deverão ser registrados em um cartão para a gestante, aconselhando-a sempre portá-lo, pois em emergências será fundamental a equipe de saúde ter acesso às informações prévias acerca da paciente e sua gravidez. O número mínimo de consultas é 6 conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do Ministério da Saúde, devendo ser realizada 1 no 1º trimestre, 2 no 2º trimestre e 3 no 3º trimestre. Já a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) recomenda realizar consultas mensais até as 28 semanas, quinzenais entre 28 e 36 semanas e semanais até o termo. A cada consulta, serão avaliados: peso, PA, batimentos cardiofetais (bcf) e fundo do útero. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 11 A rotina de exames complementares necessários ao acompanhamento pré-natal varia desde triagem mínima até avaliações complexas, de acordo com a prevalência dos problemas locais e com as características do serviço que presta a assistência. O Ministério da Saúde indica que na primeira consulta deve- se solicitar: • dosagem de hemoglobina e hematócrito (Hb/Ht); • grupo sangüíneo e fator Rh; • sorologia para sífilis (VDRL): repetir próximo à 30ª semana; • glicemia em jejum: repetir próximo à 30ª semana; • exame sumário de urina (Tipo I): repetir próxima à 30ª semana; • sorologia anti-HIV, com o consentimento da mulher após o “aconselhamento pré-teste” (ver item IV); • sorologia para hepatite B (HBsAg, de preferência próximo à 30ª semana de gestação); • sorologia para toxoplasmose (IgM para todas as gestantes e IgG, quando houver disponibilidade para realização). Outros exames podem ser acrescidos a esta rotina mínima em algumas situações especiais (de acordo protocolo MS): • protoparasitológico: solicitado na primeira consulta, sobretudo para mulheres de baixa renda; • colpocitologia oncótica (papanicolau), se a mulher não a tiver realizado nos últimos três anos ou se houver indicação; • bacterioscopia da secreção vaginal: em torno da 30ª semana de gestação, particularmente nas mulheres com antecedente de prematuridade; • sorologia para rubéola; • urocultura para o diagnóstico de bacteriúria assintomática, em que exista disponibilidade para esse exame; • ultra-sonografia obstétrica realizada precocemente durante a gestação nas unidades já estruturadas para isso, com o exame disponível. Literaturas como Rezende trazem que o ultrassom e a dopplerfluxometria precoces (11 a 13 semanas) são exames de rotina no pré-natal, pois possibilitam certificar a idade gestacional, diagnosticar gravidez múltipla, avaliar anatomia fetal e diagnosticar cerca da metade das malformações diagnosticáveis no pré-natal, rastrear a síndrome de Down, a pré-eclampsia e o Crescimento Intrauterino Restrito. No segundo trimestre, por volta de 20 semanas, o ultrassom morfológico clássico avalia estruturas do concepto. No terceiro trismestre, repete-se o exame ultrassonográfico quando necessário visando à reavaliação da inserção placentária, à estimativa do peso fetal e sua apresentação e à avaliação do volume do líquido amniótico. A cartilha do Ministério da Saúde traz que a não realização de ultrassonografia de rotina durante a gestação não constitui como omissão, nem diminui a qualidade do pré- natal, já que não existem estudos que comprovem benefícios que impactem na morbimortalidade da realização de exames ultrassonográficos. Situação distinta quando há indicação do exame mais tardiamente por especificidade orientada por suspeita clínica. A cada retorno a gestante tem seu peso e pressão arterial aferidos e será submetida a anamnese sucinta, quando terá oportunidade de expor suas dúvidas, queixas e angústias. Os resultados dos exames realizados deverão ser anotados em prontuário e cartão, e deverão ser esclarecidos à gestante. O exame físico geral será repetido quando necessário. O exame obstétrico geral é obrigatório, palpando-se o abdome e medindo-se a altura uterina e as partes fetais a partir do início do terceiro trimestre. Procede-se à ausculta dos batimentos cardiofetais, com o sonar Doppler. O exame especular será repetido na vigência de sintomatologia vaginal. O toque vaginal será realizado a partir da 36ª semana, para avaliação das modificações próprias do período pré-parto. No acompanhamento pré-natal obstétrico deve-se haver o processo de estímulo e educação para a lactação. A gestante deve ser orientada dos benefícios que o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses pode trazer ao bebê, também deve ser informada sobre eventuais dificuldades no processo de aleitamento, sempre tendo espaço para tirar suas dúvidas com o objetivo de desmistificar crenças e tabus contrários à amamentação. No pré-natal a gestante deve ser aconselhada acerca de: • Cuidados de higiene • Desenvolvimento da gestação – modificações corporais e emocionais • Atividade sexual, incluindo a prevenção das ISTs • Evitar o uso de medicação e de medidas que se tornem prejudiciais para o feto (anomalias congênitas) • Orientações para as queixas mais frequentes e para os sinais de alerta (sangramento vaginal, cefaleia, transtornos visuais, dor abdominal, febre e perdas vaginais) • Preparo para o parto, sinais e sintomas • Orientações e incentivo para o parto normal e aleitamento materno • Cuidados pós-parto e estímulo para o retorno à consulta puerperal • Importância do planejamento familiar • Violência doméstica e sexual • Direitos da gestante e da puérpera • Cuidados com o recém-nascido Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 12 Exercícios físicos: os mais aconselhados são os de menor risco para a gestante e seu filho, sendo que o exercício moderado e regular é seguro e benéfico para a maioria das gestantes, desde que aprovado pelo médico assistente e orientado por profissional competente na área de Educação Física. Trabalho: Gestantes saudáveis podem trabalhar até o parto desde que a atividade não apresente riscos maiores do que os encontrados no cotidiano. Atividade sexual: A gestação por si só não impede a prática sexual, na ausência de impedimentos de ordem médica, cabe ao casal decidir sobre a questão. Consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação: O etanol é um potente teratógeno que pode causar a síndrome alcoólica fetal, caracterizada por restrição ao crescimento, anomalias faciais e disfunção do sistema nervoso central. As mulheres grávidas ou que pretendam engravidar devem se abster de qualquer bebida alcoólica. Consumo de drogas ilícitas: O uso crônico de grandes quantidades é prejudicial ao feto. São sequelas comprovadas: sofrimento fetal, baixo peso ao nascer e síndrome de abstinência logo após o nascimento. As mulheres que consomem estas drogas geralmente não procuram atendimento pré-natal ou, se o fazem, não admitem que utilizam tais substâncias. Tabagismo: O tabagismo causa efeitos adversos inequívocos para a gestante e o feto. Diversos eventos adversos foram associados ao tabagismo durante a gravidez. Há possíveis efeitos teratogênicos. O risco é 2 vezes maior de haver placenta anterior, descolamento de placenta e ruptura prematura de membranas em comparação com as não fumantes. Além disso, estudos apontam que os bebês nascidos de mães fumantes possuem aproximadamente 30% mais chances de nascerem prematuros, seu peso é, em média, 500 g menor e têm probabilidadeaté 3 vezes maior de morrer de síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) do que as crianças nascidas de mães não fumantes. Além disso há recomendações realizadas pela OMS cujos benefícios já foram comprovados clinicamente. Exemplo: • É recomendado um suplemento oral diário de ferro e ácido fólico, com 30 mg a 60 mg de ferro elementar2 e 400 µg (0,4 mg) de ácido fólico3 para as mulheres grávidas, a fim de evitar anemia das mães, infecção puerperal, baixo peso à nascença e parto prematuro. • Recomenda-se uma ecografia antes das 24 semanas de gestação (ecografia precoce) nas mulheres grávidas, para estimar a idade gestacional, melhorar a detecção de anomalias fetais e gravidezes múltiplas, reduzir a indução do trabalho de parto para gestações pós-termo e melhorar a experiência da mulher na gravidez. • Gengibre, camomila, vitamina B6 e/ou acupunctura são recomendados para aliviar as náuseas no início da gravidez, com base nas preferências da mulher e nas opções disponíveis. • Recomenda-se aconselhamento sobre dieta e estilo de vida para evitar e aliviar a azia na gravidez. Podem ser oferecidos preparados antiácidos às mulheres com sintomas incómodos que não possam ser aliviados pela mudança de estilo de vida. • Pode usar-se magnésio, cálcio ou opções de tratamento não farmacológico para alivio das cãibras nas pernas na gravidez, com base nas preferências da mulher e nas opções disponíveis. • Recomenda-se exercício regular durante toda a gravidez, para evitar as dores lombares e pélvicas. Existem várias opções de tratamento que podem ser usadas, como a fisioterapia, cintas de suporte e acupuntura, com base nas preferências da mulher e nas opções disponíveis. • Opções não farmacêuticas, como meias de descanso, elevação das pernas e imersão em água podem ser usadas para o tratamento das veias varicosas e edemas na gravidez, com base nas preferências da mulher e nas opções disponíveis. Há quem considere que o diagnóstico das malformações congênitas fetais também faça parte do pré-natal. Os testes utilizados no diagnóstico pré-natal são de rastreamento ou de diagnóstico. Um teste de rastreamento é utilizado universalmente, para toda a população; é simples, não invasivo e de boa sensibilidade. O teste diagnóstico é mais específico, custoso e invasivo; em geral, é precedido por teste de rastreamento que selecionou o paciente de risco. Grupo de alto risco: • Pacientes com translocações. Um dos pais tem translocação balanceada cromossomial. • Pacientes com anomalias recessivas ligadas ao sexo. Este grupo inclui doenças como hemofilia, distrofia muscular de Duchenne, certos tipos de hidrocefalia etc. No feto do sexo masculino, o risco de anomalia é de 50%. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 13 • Erros inatos do metabolismo. Doenças bioquímicas familiares decorrentes de anomalias recessivas autossômicas, sendo necessário que ambos os pais sejam portadores para que a criança seja afetada (risco de 1:4). Grupo de moderado risco: • Idade. Grávidas com ≥ 35 anos. O risco de síndrome de Down é maior de 1%. Outras anomalias cromossomiais têm, igualmente, as probabilidades acrescidas Rastreamento da síndrome de Down: A idade materna é o rastreamento inicial para identificar os casos com risco de síndrome de Down (e outras trissomias – 18, 13), visto que o risco de trissomia 21 se eleva com a idade. A priori, o risco para uma mulher de 35 anos de ter feto com Down, durante o segundo trimestre, é de 1/270. No entanto, 80% das trissomias 21 ocorrem em recém-nascidos de mulheres com menos de 35 anos, de tal maneira que o rastreamento, apenas pela idade materna, identificaria somente 30% dessa aneuploidia. Assim, surgiram outros procedimentos para rastrear toda a população obstétrica: translucência nucal, teste combinado e teste quádruplo. A translucência nucal (TN) isolada é capaz de detectar 70% das trissomias, com 5% de falso-positivo. A translucência nucal é o exame genético feito durante a ultrassonografia. Nele, é analisado o acúmulo de líquido sob a pele atrás do pescoço fetal, sendo possível identificar possíveis complicações, como Síndrome de Down, Síndrome de Patau, Síndrome de Edwards, entre outras. Pacientes com TN ≥ 3,5 mm, apesar do resultado negativo no rastreamento e/ou teste invasivo normal, serão submetidas à ultrassonografia morfológica, aliás, obrigatória, e à ecocardiografia fetal, visto que esses fetos têm risco aumentado de outras anomalias, incluindo defeitos cardíacos, defeitos da parede abdominal, hérnia diafragmática congênita, displasias esqueléticas e síndromes genéticas. Outros marcadores biofísicos de primeiro trimestre: Os de maior importância são o osso nasal e o ducto venoso. O osso nasal entre 11 e 13 semanas não é visível em 70% dos fetos com síndrome de Down e em apenas 2% dos fetos euploides. As alterações de padrão de fluxo no ducto venoso, onda a negativa ou reversa, são observadas em 80% dos fetos com Down e em 5% dos fetos normais. Existem também marcadores biofísicos para as síndromes de Edwards (trissomia 18), Patau (trissomia 13) e Turner (X0). Além da idade materna, o teste combinado avalia a TN e dois marcadores bioquímicos: proteína plasmática associada à gravidez-A (PAPP-A) e hCG-β-livre. O teste combinado, realizado entre 11 e 13 semanas, tem taxa de detecção de 90% para trissomias 21, 18 e 13, com falso-positivo de 5%. Com a incorporação do índice de pulsatilidade (PI) do ducto venoso (avaliado por Doppler), a taxa de detecção se eleva para 95%, com redução do falso-positivo para 2%. O ideal é que as dosagens hormonais sejam realizadas 1 a 2 semanas antes da ultrassonografia, de tal modo que, na ocasião da TN, o resultado saia completo. Teste pré-natal não invasivo: Realizado a partir de 9 semanas de gestação, o cell-free fetal DNA (cffDNA) no sangue materno tem o objetivo de estabelecer: Sexagem fetal, Rh fetal (mãe Rh – e pai Rh + ), Diagnóstico de trissomias 21, 18, 13, monossomia X0 (Turner), XXY (Klinefelter). O teste pré- natal não invasivo (NIPT) mostra notável potencial para o rastreamento das aneuploidias fetais (ACOG, 2012). Existem diversos marcadores sonográficos de trissomia identificados na ultrassonografia de segundo trimestre, na ocasião do exame morfológico: ventriculomegalia leve (diâmetro do ventrículo lateral ≥ 10 mm e < 15 mm) (Figura 60.8), cisto do plexo coroide (Figura 60.9), prega cutânea occiptal (PCO) espessada (≥ 6 mm) (Figura 60.10), foco ecogênico intracardíaco, intestino hiperecogênico (Figura 60.11), hidronefrose leve ou pieloectasia (diâmetro anteroposterior da pelve renal ≥ 5 mm e < 10 mm) (Figura 60.12), fêmur ou úmero curto, osso nasal ausente/hipoplásico. Em geral, os procedimentos diagnósticos invasivos estão indicados quando os testes de rastreamento apontam risco elevado ou se a idade materna for ≥ 35 anos. As técnicas invasivas utilizadas no diagnóstico pré-natal são a amniocentese (16 semanas), a biopsia de vilo corial (BVC) (12 semanas) e, excepcionalmente, a cordocentese (após 20 semanas). Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 14 10. CONHECER A HISTÓRIA NATURAL DA ZIKA, RUBÉOLA E SÍFILIS (CICLO DE TRANSMISSÃO SILVESTRE E URBANO): AGENTE, VETOR, TRANSMISSÃO, PERÍODO DE INCUBAÇÃO, SINAIS E SINTOMAS, PREVENÇÃO, TRATAMENTO, ABORDAGEM CLÍNICA, RISCO TERATOGÊNICO, LETALIDADE. ➜ Sífilis É uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) curável e exclusiva do ser humano, causada pela bactéria espiroqueta Treponema pallidum. Enfermidade sistêmica caracterizada por disseminação sistêmica. A sífilis pode ser transmitida por relação sexual sem camisinha com uma pessoa infectada, ou ser transmitida para a criança durante a gestação ou parto (transmissão vertical).Pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios (sífilis primária, secundária, latente e terciária). Nos estágios primário e secundário da infecção, a possibilidade de transmissão é maior. A partir de 2010 a Sífilis é uma doença de notificação compulsória no Brasil. *Sinais e sintomas: Sífilis primária • Ferida, geralmente única, no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais da pele), que aparece entre 10 e 90 dias após o contágio. Essa lesão é rica em bactérias e é chamada de “cancro duro”. • Normalmente, ela não dói, não coça, não arde e não tem pus, podendo estar acompanhada de ínguas (caroços) na virilha. • Essa ferida desaparece sozinha, independentemente de tratamento. Sífilis secundária • Os sinais e sintomas aparecem entre seis semanas e seis meses do aparecimento e cicatrização da ferida inicial. • Podem surgir manchas no corpo (rash cutâneo), que geralmente não coçam, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés. Essas lesões são ricas em bactérias. • Pode ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça, ínguas pelo corpo. • As manchas desaparecem em algumas semanas, independentemente de tratamento, trazendo a falsa impressão de cura. Sífilis latente – fase assintomática • Não aparecem sinais ou sintomas. • É dividida em: latente recente (até um ano de infecção) e latente tardia (mais de um ano de infecção). • A duração dessa fase é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária. Sífilis terciária • Pode surgir entre 1 e 40 anos após o início da infecção. • Costuma apresentar sinais e sintomas, principalmente lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte. *Diagnóstico: O teste rápido (TR) de sífilis está disponível nos serviços de saúde do SUS, sendo prático e de fácil execução, com leitura do resultado em, no máximo, 30 minutos, sem a necessidade de estrutura laboratorial. O TR de sífilis é distribuído pelo Departamento de Condições Crônicas Infecciosas/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde (DCCI/SVS/MS), como parte da estratégia para ampliar a cobertura diagnóstica. Nos casos de TR positivos (reagentes), uma amostra de sangue deverá ser coletada e encaminhada para realização de um teste laboratorial (não treponêmico) para confirmação do diagnóstico. Testes não treponêmicos: VDRL, RPR e TRUST. ELISA/TPHA/FTA-ABS VDRL/PRP INTERPRETAÇÃO - - Ausência de infecção ou período de incubação. + + Sífilis recente ou prévia + - Sífilis primária ou latente sem sintomas. Previamente tratada ou não. - + Falso positivo Em caso de gestante, devido ao risco de transmissão ao feto, o tratamento deve ser iniciado com apenas um teste positivo (reagente), sem precisar aguardar o resultado do segundo teste. CLAREAMENTO MENINGITE SINTOMÁTICA Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 15 O tratamento da sífilis é realizado com a penicilina benzatina, antibiótico que está disponível nos serviços de saúde do SUS. A dose de penicilina que deve ser utilizada vai depender do estágio clínico da sífilis. A penicilina é o tratamento de escolha para sífilis, outros antibióticos devem ser avaliados para casos específicos de acordo com a avaliação criteriosa do profissional de saúde. Após o tratamento completo, é importante continuar o seguimento com coleta de testes não treponêmicos para ter certeza da cura. Todas as parcerias sexuais dos últimos 3 meses devem ser testadas e tratadas para quebrar a cadeia de transmissão. Devido à grande quantidade de casos surgindo no país, a recomendação de tratamento imediato antes do resultado do segundo exame se estendeu para outros casos: vítimas de violência sexual; pessoas com sintomas de sífilis primária ou secundária; pessoas sem diagnóstico prévio de sífilis e pessoas com grande chance de não retornar ao serviço de saúde para verificar o resultado do segundo teste. *Tratamento da sífilis adquirida: 1. Sífilis primária (cancro duro): Penicilina G Benzatina - 2.400.000 UI/IM. 2. Sífilis secundária ou latente recente (menos de 1 ano de evolução): Penicilina G Benzatina - 2.400.000 UI/IM, repetindo a mesma dose uma semana depois. Dose total: 4.800.000 UI. 3. Sífilis terciária, sífilis com mais de 1 ano de evolução, ou com duração ignorada: Penicilina G Benzatina 2.400.000 UI/IM, em 3 aplicações, com intervalo de 1 semana entre cada aplicação. Dose total: 7.200.000 UI. 4. Alternativo devido a alergia a Penicilina: Eritromicina (estearato ou estolato) 500 mg 6/6 h; ou Tetraciclina 500mg 6/ 6h; ou Doxiciclina 100mg 12/12h, por 15 dias (sífilis recente) ou 30 dias (sífilis tardia). Testes alérgicos padronizados e dessenssibilização são opcionais. Importante: as aplicações de penicilina serão de 1.2 milhão de unidades em cada glúteo; orientar para que os pacientes evitem relações sexuais até que o seu tratamento (e o do parceiro com a doença) se complete; realizar controle de cura trimestral através do VDRL; tratar novamente em caso de interrupção do tratamento ou da quadruplicação dos títulos (ex.: de 1:2 para 1:8). *Prevenção: O uso correto e regular da camisinha feminina ou masculina é uma medida importante de prevenção da sífilis. O acompanhamento das gestantes e parcerias sexuais durante o pré-natal de qualidade contribui para o controle da sífilis congênita. Importante destacar que a sífilis não confere imunidade permanente, ou seja, mesmo após o tratamento adequado, cada vez que entrar em contato com o agente etiológico (T. pallidum) a pessoa pode ter a doença novamente. *Sífilis congênita: Quando a sífilis é detectada na gestante, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível, com a penicilina benzatina. Esse é o único medicamento capaz de prevenir a transmissão vertical (passagem da sífilis da mãe para o bebê). A parceria sexual também deverá ser testada e tratada para evitar a reinfecção da gestante que foi tratada. São critérios de tratamento adequado da gestante: • Administração de penicilina benzatina. • Início do tratamento até 30 dias antes do parto. • Esquema terapêutico de acordo com o estágio clínico da sífilis. • Respeito ao intervalo recomendado das doses (a cada 7 dias, de acordo com o esquema terapêutico). Importante que toda gestante diagnosticada com sífilis, após o tratamento, realize o seguimento mensal, com teste não treponêmico, para controle terapêutico. Recomenda-se que a gestante seja testada pelo menos em três momentos: • Primeiro trimestre de gestação; • Terceiro trimestre de gestação; • Momento do parto ou em casos de aborto. A incidência de sífilis congênita vem aumentando nos últimos anos. O Treponema pallidum, o pequeno micro- organismo espiral que causa a sífilis, atravessa rapidamente a membrana placentária com 6 a 8 semanas de desenvolvimento. O feto pode ser infectado durante qualquer estágio da doença ou qualquer estágio da gravidez. Infecções maternas primárias (adquiridas durante a gravidez) geralmente causam infecção fetal séria e defeitos congênitos. Contudo, o tratamento adequado da mãe extermina os micro-organismos, impedindo que atravessem a membrana placentária e infectem o feto. Infecções maternas secundárias (adquiridas antes da gravidez) raramente causam doença fetal e defeitos congênitos. Se a mãe não for tratada, natimortos ocorrem em aproximadamente um quarto dos casos. Apenas 20% das gestantes não tratadas terão um feto normal. As manifestações fetais iniciais da sífilis materna não tratada são surdez congênita, dentes e ossos anormais, hidrocefalia (acúmulo excessivo de LCE) e deficiência mental. As manifestações fetais tardias da sífilis congênita não tratada são lesões destrutivas do palato e septo nasal,anormalidades dentárias (incisivos centrais superiores em Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 16 forma de pino, com um sulco central e muito espaçados [dentes de Hutchinson]) e defeitos faciais (saliência frontal, incluindo protuberância ou tumefação, nariz em sela e maxila pouco desenvolvida). O tratamento da sífilis congênita é realizado (no neonato) com penicilina cristalina ou procaína, durante 10 dias. ➜ Rubéola A rubéola é uma doença aguda, de alta contagiosidade, que é transmitida pelo vírus do gênero Rubivirus, da família Togaviridae. A doença também é conhecida como “Sarampo Alemão”. No campo das doenças infecto-contagiosas, a importância epidemiológica da Rubéola está representada pela ocorrência da Síndrome da Rubéola Congênita (SRC) que atinge o feto ou o recém-nascido cujas mães se infectaram durante a gestação. A vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) foi implantada gradativamente entre os anos de 1992 até o ano 2000. Os sintomas principais da rubéola são: • febre baixa; • linfoadenopatia retro auricular, occipital e cervical; • exantema máculo-papular. Esses sinais e sintomas da rubéola acontecem independente da idade ou situação vacinal da pessoa. O período de incubação médio do vírus, ou seja, tempo em que os primeiros sinais levam para se manifestar desde a infecção, é de 17 dias, variando de 14 a 21 dias, conforme cada caso. A transmissão da rubéola acontece diretamente de pessoa a pessoa, por meio das secreções nasofaríngeas expelida pelo doente ao tossir, respirar, falar ou respirar. O período de transmissibilidade é de 5 a 7 dias antes e depois do início do exantema, que é uma erupção cutânea. (A maior transmissibilidade ocorre dois dias antes e depois do início do exantema.) Para o diagnóstico da rubéola são feitos exames laboratoriais, disponíveis na rede pública em todos os estados, para confirmação ou descarte de casos, como titulação de anticorpos IgM e IgG para rubéola. Não há tratamento específico para a rubéola. Os sinais e sintomas apresentados devem ser tratados de acordo com a sintomatologia e terapêutica adequada, conforme cada caso. A prevenção da rubéola é feita por meio da vacinação. A vacina está disponível nos postos de saúde para crianças a partir de 12 meses de idade (de 1 a 11 anos de idade, e no período puerperal quando necessário). A vacina tríplice viral (Sarampo, Rubéola e Caxumba) foi implantada gradativamente entre os anos de 1992 até o ano 2000. *Rubéola Congênita Uma alta incidência de defeitos congênitos em fetos é resultante da infecção materna pelo vírus da rubéola durante o primeiro trimestre. O feto adquire a infecção por via transplacentária; o vírus atravessa a membrana da placenta e infecta o embrião ou feto. O vírus da rubéola é o principal exemplo de um teratógeno infeccioso. O risco geral de infecção embrionária ou fetal é de aproximadamente 20%. As características clínicas da síndrome da rubéola congênita são catarata, defeitos cardíacos e surdez. Contudo, outras anormalidades são observadas ocasionalmente: deficiência mental, coriorretinite (inflamação da retina que se estende para a coroide), glaucoma, microftalmia (tamanho pequeno anormal do olho) e defeitos dentários. A maioria dos lactentes apresenta defeitos congênitos quando a doença ocorre durante as primeiras 4 a 5 semanas após a fecundação. Esse período inclui os períodos de organogênese mais suscetíveis de olhos, orelhas internas, coração e encéfalo. O risco de defeitos devido a uma infecção por rubéola durante o segundo e terceiro trimestres corresponde a aproximadamente a 10%; contudo, defeitos funcionais do SNC (p. ex., deficiência mental) e das orelhas internas (perda de audição) podem ocorrer. Devido à imunização difusa contra o vírus da rubéola, menos lactentes são afetados.