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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 1 Sistema Somestésico SP 2.4 – ACABOU A BATERIA! 1) DIFERENCIAR CONSCIÊNCIA DE INCONSCIÊNCIA. Até o século XIX sempre se entendeu atividade mental como sinônimo de fenômeno consciente. Mente era consciência. Nietzsche defendeu que a atividade mental inconsciente é antiga e que o intelecto foi uma aquisição posterior, que surgiu por uma necessidade evolutiva. Utilizou argumentos que seriam depois muito usados na psicanálise: “Poderíamos, com efeito, pensar, sentir, querer, recordar-nos, poderíamos igualmente agir em todo sentido da palavra e, a despeito disso, não seria preciso que isso nos entrasse na consciência” (Nietzche, 1882). Na medicina, a observação de casos clínicos e a experiência adquirida com a hipnose levaram ao desenvolvimento de conceitos inéditos, chamados de “reminiscências”, “dissociações de personalidade” e finalmente “ações subconscientes”. A ciência aproximou-se da noção de inconsciente, aguardando uma tese que fosse além das observações clínicas. Foi a partir de Freud que a consciência perdeu a posição privilegiada que ocupava na história filosófica e teológica, reduzindo-se a uma faixa mais restrita dos processos psíquicos. O inconsciente e a força dos desejos deixaram de ser entidades estranhas e de menor importância, passando a serem estudados e valorizados. Freud apreciou o impacto de sua teoria incluindo-a entre os três golpes “narcísicos” sofridos pela humanidade: o primeiro fora aplicado por Copérnico, ao demonstrar que a Terra não é o centro do Universo; Darwin trouxera o segundo, ao nos considerar um mero ponto na árvore genealógica animal. A psicanálise significou o terceiro golpe, ao sugerir que o homem não é dono nem mesmo dos próprios pensamentos e sentimentos. O filósofo francês Michel Foucault salientou que “a grande originalidade de Freud não foi a descoberta da sexualidade sob a neurose. O forte da psicanálise é ter desembocado em algo totalmente diferente, que é a lógica do inconsciente” (Foucault, 1961). O desenvolvimento do conceito do “inconsciente” freudiano se apoiou nas investigações médicas sobre a histeria, especialmente as de Charcot e de Bernheim. O surgimento da psicanálise se deu na solução das abordagens relativas à gênese dos sintomas histéricos e à hipnose utilizada em seu tratamento. A abordagem de Charcot considerava os sintomas histéricos como efeito de processos neurológicos inconscientes. Estes seriam modificações fisiológicas do sistema nervoso que ocorreriam sem a participação da consciência. Por outro lado, Bernheim os via como efeito de processos psicológicos conscientes, como se devido a uma sugestão. Freud optou por terceira alternativa: os sintomas histéricos se originam de processos psicológicos inconscientes (Freud, 1888). No funcionamento mental global, há grande interação entre os processos conscientes e os inconscientes. Aparentemente o estágio inicial de qualquer estímulo acontece fora da consciência. A consciência é um estágio tardio e, provavelmente, opcional. Postula-se que cada neurônio possa se envolver nestes processos e que parte deles estaria apta para fazer emergir uma manifestação consciente. Há ainda os estados fronteiriços ou marginais, situados entre os estados conscientes e os inconscientes. Alguns os chamam de estados pré-conscientes (como os subliminares) ou subconscientes (como alterações hipnóticas). Nestes estados de “quase consciência”, experimentamos fenômenos como familiaridade, intuição, pressentimento, estado de “ponta-da-língua” etc. Essas experiências marginais podem sinalizar que há informações inconscientes viáveis, que podem ser recuperadas e trazidas para a consciência. Elas podem representar o contexto da situação (Mangan, 2003; Kihlstrom, 1987). O que está claro tanto para os psicólogos como para os neurocientistas de hoje é que nem o comportamento pode ser entendido sem levar em conta a experiência consciente e nem a consciência pode ser entendida sem considerar os processos inconscientes (Schrevin & Dickman, 1980). Comprovamos assim a existência dos mecanismos inconscientes e sua efetiva ação nas sensações, na movimentação, memória, motivação e no corpo em geral. A conclusão de que a consciência surgiu em algum ponto na história da evolução das espécies é o primeiro grande indício da sua natureza biológica. A consequência é que o seu aparecimento e sua posterior sofisticação seriam obras da seleção natural. A consciência possuiria assim, necessariamente, alguma função adaptativa. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 2 Não há como afirmar se um organismo é ou não consciente. Não existe um marcador externo totalmente confiável. Se avaliarmos a consciência refletindo uma habilidade do organismo para identificar mudanças no meio ambiente e responder às mesmas, estaremos nos referindo à consciência básica. Por outro lado, se valorizarmos mais a capacidade de distinção e reconhecimento dos objetos, seres ou situações, falaremos da consciência focal. Esta capacidade só está disponível em animais com cérebro desenvolvido, com circuitos aperfeiçoados da atenção, como as espécies elevadas de mamíferos. De fato, muitos de nossos animaizinhos domésticos parecem conscientes, exibindo comportamento que se assemelha ao nosso. Se, finalmente, estivermos nos referindo às mais altas funções cognitivas, como a capacidade de pensar sobre os próprios pensamentos, deveremos nos limitar à abordagem da consciência superior. O pensamento abstrato, o autorreconhecimento e a atribuição de estados mentais a outros indivíduos são capacidades apenas dos primatas superiores. Nós. 2) EXPLICAR OS MECANISMOS DE SUPRESSÃO E MANUTENÇÃO DA CONSCIÊNCIA; (FOCO NA MANUTENÇÃO - NEUROFISIOLOGIA) “O comportamento consciente normal depende da função do cérebro e distúrbios da consciência são sinais de insuficiência cerebral.” (Fred Plum, neurologista americano) São muitas as substâncias conhecidas que modificam o estado de consciência, incluindo as diversas drogas, da maconha à cocaína ou ao LSD. Aliás, sabe-se disso desde que se começou a festejar com vinho ou cerveja, muitos séculos antes de Cristo. Hoje se conhece a ação do álcool e das drogas na bioquímica cerebral, modificando o funcionamento dos neurônios e das sinapses. Mesmo antes de se admitirem os pormenores fisiopatológicos, já se sabia que estas substâncias agem mesmo é no cérebro. É lá, portanto, que deve estar alojada a consciência. Em 1949 o médico italiano Giuseppe Moruzzi descreveu a formação reticular, pequenina estrutura situada no interior do tronco encefálico, cujo estímulo leva ao estado de vigília e cuja lesão provoca o estado de coma. A formação reticular (FR) é a estrutura que se procurava. Trata-se de conjunto de pequenos núcleos de neurônios que à primeira vista parecem uma rede, um retículo, de onde vem o nome. Espalham-se ao longo do tronco, em organização física não muito conhecida, ainda hoje. O que se sabe bem é que as lesões que atingem esta FR são justamente as tais estratégicas, as causadoras de coma. A FR faz parte do chamado sistema reticular ascendente, conglomerado de núcleos conectados ao tálamo, hipotálamo e córtex. Possui funções definidas na vigília e nos estados de alerta. Foram descritos inúmeros pequenos núcleos participantes de seu conjunto, ou anexos. Alguns deles carecem de definição anatômica mais precisa. Outros foram bem caracterizados e definem elegantes sistemas de neurotransmissores, com ampla repercussão na função cortical. Entre eles destacamos o chamado locus ceruleus e os núcleos da rafe. Estes pequeninos núcleos com nome estranho constituem importantes sistemas moduladores de atividade cerebral. Cumprem funções deativação ou inibição cortical difusa, sendo essenciais para a manutenção do estado consciente. A consciência não é função do cérebro como um todo. Apesar de sabermos que disfunção cortical difusa bilateral pode causar coma, agora já se conhece que pequenas estruturas também constituem fator decisivo independente. Hoje o tronco e o tálamo são mesmo considerados como o conjunto estrutural básico para funções como vigília, atenção e consciência. São condições anatômicas mínimas para viabilização destes estados. Plum considera estas áreas como as responsáveis pela essência da consciência e os hemisférios cerebrais pelo seu conteúdo (Plum & Posner, 1977). A consciência surge pela integração (no tempo e espaço) de informações disponíveis nos diversos módulos neuronais. Consciência: Vigília, Atenção, Percepção (Memória), Emoções. Todos estes componentes da fisiologia estão ocorrendo em você agora, simultaneamente. Fundamentais para a definição do fenômeno consciente, eles podem ser mesmo considerados sua base funcional. O estado de vigília é determinante para qualquer estado de consciência, sendo o fator isolado mais importante. Já os mecanismos da atenção se destacam nas consciências focal e superior. Os substratos anatômicos da vigília e da atenção têm muito em comum com os da consciência, a começar pelas origens no tronco encefálico e conexões no tálamo e no córtex. Já a anatomia da memória e da linguagem, fundamentais para a consciência superior, alojam-se principalmente nos lobos frontal e temporal. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 3 O despertar acende a consciência e que o sono a apaga. A condição de vigília ou de sono determina então o estado da consciência. Dormiu, some a consciência. O chamado ciclo circadiano (concernente ao período de um dia) é dirigido pelo hipotálamo, considerado nosso relógio biológico. Ele apenas inicia o processo, sinalizando para outros neurônios que é hora de despertar. Utiliza as vias que o conectam com o tronco encefálico, onde suas células fazem sinapse na formação reticular, nossa velha conhecida. Nessa formação e em núcleos anexos encontram-se os neurônios que produzem as substâncias responsáveis pelo despertar e pela manutenção da vigília. Estas substâncias são os neurotransmissores, elementos químicos capazes de estimular outros neurônios. Para que um animal desperte, estes neurotransmissores estimulam neurônios do tálamo e os do córtex. O mais importante dos neurotransmissores envolvidos com o estado de vigília chama-se noradrenalina, que é produzido por células que se localizam no tronco, naquele pequeno núcleo com o nome latino de locus ceruleus. Outro neurotransmissor fundamental para nos manter acordados é a serotonina, produzida pelos neurônios dos chamados núcleos da rafe. Os prolongamentos dos neurônios situados nestes núcleos seguem trajetória radial, em leque, atingindo a maioria das regiões corticais, onde liberam seus produtos. É como se fosse um chafariz, que nasce no tronco e sobe, irrigando todo o cérebro com seus apimentados neurotransmissores. No estado de vigília, os neurônios talamocorticais ficam mais despolarizados, próximos ao limiar de disparo, facilitando muito sua atividade. Na verdade, não é o despertador que nos acorda, são os neurotransmissores do tronco (FR), contando com a ajuda de alguns outros produzidos no diencéfalo. A formação reticular conquista assim sua segunda medalha de ouro como responsável pela consciência. O tálamo está sempre junto, no meio campo. Consciência Básica e Focal: A consciência focal é a parte contemplada com a atenção, a que constitui o objeto percebido, a que domina. Ela estabelece a chamada consciência de alguma coisa, sendo indubitavelmente a parte preponderante da consciência, a mais importante. A memória é uma função cujo principal componente é tipicamente inconsciente, caracterizando representações ou experiências que podem hibernar por anos e, ainda assim, ser recuperadas. Os mecanismos submersos da memória estão em constante interação com os processos conscientes. Assim, a consciência disponibiliza os dados da percepção e do pensamento para a memória, caracterizando o mecanismo da aprendizagem. No sentido inverso, a memória devolve os dados para a consciência, no processo da evocação. As memórias de curto prazo são as mais importantes para a consciência. Enquanto a memória de longo prazo não faz parte da base da consciência, e sim do seu conteúdo. Se tivéssemos lesões nas áreas visuais (memória de longo prazo), não conseguiríamos resgatar qualquer imagem, mas continuaríamos conscientes. Ao contrário, se perdêssemos todas as formas de memória de curto e de curtíssimo prazo, não poderíamos estar plenamente conscientes. Estas memórias “imediatas” são as funções que nos permitem comparar o fato consciente corrente com o que terminou há instantes, o que ocorreu há segundos. São indispensáveis. Trazem para nós a confiança de que estamos lidando bem com a realidade, à medida que integramos o passado recente ao presente. É fundamental para a experiência subjetiva contínua, criando a noção de um momento depois do outro. Isto nos sincroniza com o meio. As emoções são de grande importância na determinação do percepto consciente, constituindo o seu principal mecanismo valorativo. É pelas emoções que se forma o contexto hedônico em nosso momento, levando-nos a nos aproximar ou afastar do objeto ou da pessoa. Tanto a consciência como as emoções estão apoiadas na representação corporal, e ambas estão ligadas à sobrevivência. O sistema límbico, responsável pelas emoções, é voltado para o corpo, com grande ligação com o sistema nervoso autônomo (que controla várias funções corporais) e com o sistema endócrino (que controla as glândulas). Pela relação íntima que apresentam as emoções com a consciência, há autores que as consideram essenciais para sua viabilização (Damásio, 2000). Entretanto, há relatos de casos com lesões cerebrais que causaram grande comprometimento da resposta emocional, mas que não levaram a estados de inconsciência (Koch, 2004). A linguagem é fundamental para o enriquecimento do conteúdo da consciência. A palavra pode ser até considerada como um resumo do estado mental, assim como o estado mental pode, por sua vez, ser o resumo de um estado cerebral (Arbib, 2001). A linguagem torna-se então muito importante para a consciência superior, inclusive a simbólica e a autoconsciência. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 4 Tem, entretanto, menor valor na composição das formas básicas de consciência, já que pacientes com graves distúrbios de linguagem (afasias) continuam mantendo sua vida consciente. As vias oriundas da FR e do tálamo são necessárias, mas vimos que não são suficientes para a experiência consciente. Da mesma forma os circuitos localizados nas áreas corticais sensoriais e associativas também parecem necessárias, mas tampouco são suficientes. Uma hipótese razoável é que estes componentes, “em conjunto”, sejam necessários “e” suficientes (Baars, 1993). A consciência superior é aquele mecanismo mais sofisticado e de surgimento mais recente, restringindo- se aos mamíferos e especialmente aos primatas. Ela evoluiria mais ainda e de maneira impressionante na espécie Homo sapiens. A ampliação da consciência rumo a seus níveis superiores teve seu ponto de partida na consciência focal, quando circuitos cerebrais modulados pela atenção conseguiram delimitar e individualizar cada objeto. O resultado deste processamento foi a adequada caracterização deste objeto. O grupo neuronal responsável passou a funcionar como uma unidade, e esta pôde ser armazenada na memória. Definiu-se assim um padrão. Na evocação deste padrão o animalsempre conseguia fazer a identificação e o padrão se fortalecia. A autoconsciência constitui-se da capacidade de não apenas se possuir estados internos, mas também de se perceber que os possui. O casal Tripicchio defende o termo “vivência reflexiva” para caracterizar este estado de consciência normal em um indivíduo humano adulto. A autoconsciência pode ainda carregar consigo a habilidade de imaginar ou deduzir o pensamento dos outros. Trata-se da aptidão de atribuir estados mentais a terceiros. Se eu conheço meus pensamentos em determinada situação, posso inferir que outra pessoa terá pensamentos semelhantes em situação parecida. Esta capacidade, também chamada de “teoria da mente”, constitui a base da empatia e de muitas outras capacidades, positivas e negativas, para a vida em sociedade. Todo o arsenal fenomênico dos diversos níveis da consciência (básica, focal, superior e subdivisões) sempre se manifesta como algo unificado. A unificação se faz da mesma forma que ocorre em outros níveis da consciência. Os novos grupos neuronais (responsáveis pelas funções superiores) se integram nas assembleias neuronais responsáveis pela consciência básica, ampliando-as. Em síntese, as três hipóteses básicas consideram a consciência como uma propriedade biológica emergente, com função adaptativa e com sede no sistema nervoso. As três são intimamente interrelacionadas e parcialmente superponíveis e caracterizam um tipo especial de linha reducionista, esperançosa em poder explicar a nossa mente por mecanismos naturais. A consciência é uma propriedade biológica emergente Quando falamos em propriedade biológica, referimo- nos a uma característica do ser vivo, como respiração, crescimento ou reprodução. Por emergente denotamos aquela propriedade que surge quando elementos simples atuam em conjunto, caracterizando um sistema complexo. Aparecem aí qualidades novas e imprevisíveis, inexistentes nas partes elementares envolvidas. A consciência tem função adaptativa. A consciência foi mostrada como uma faculdade auxiliar, capaz de ampliar os resultados e ser mesmo decisiva para a sobrevivência, especialmente em situações complexas. A consciência ocorre no sistema nervoso. As correlações foram pesquisadas em níveis macro e microscópico do cérebro, na física cerebral (eletricidade, ritmos etc.), nos neurônios e grupos de neurônios, nas vias e nos circuitos neuronais, na bioquímica das sinapses. Em síntese, os achados desenharam bem a correspondência entre os estados de consciência e a atividade neural. A consciência como fenômeno tem suas origens na interação neuronal, assim como o calor vem do fogo e os sons das vibrações. É uma propriedade de assembleias de células, estimuladas por outras células. São verdadeiras redes atuando em paralelo, em resposta a estímulos externos que atingem o corpo. Surge então uma imagem, um fenômeno. Representa razoavelmente o meio. Permite assim uma boa adaptação. A “matéria” responsável pela consciência é comum, composta de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, enxofre e fósforo. O que a caracteriza é a forma especial de sua organização. Assim como a vida é construída a partir de substâncias não vivas (proteínas, por exemplo), a consciência é construída por substâncias inconscientes. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 5 É possível apontarmos áreas que são necessárias para o fenômeno consciente e outras que não são. Apontamos um circuito mínimo essencial, que no percepto consciente visual passa pela via temporal inferior. Sendo que este circuito se associa a outros por conexões reentrantes. Une-se umbilicalmente aos sentidos do corpo. Conecta-se com outros sentidos e com os circuitos da emoção, memória, atenção e vigília. Faz finalmente uma conexão prioritária com a região frontal. Estes circuitos e conexões formam a condição necessária para a consciência focal, que produz um percepto bem localizado, identificado e valorizado. Esta correlação é apropriada. É verificável. Está muito próximo do isolamento das condições suficientes. Durante a vigília, a pessoa responde a estímulos sensoriais provenientes do ambiente e apresenta comportamento ativo com base em intensa atividade motora e locomotora. A postura, muito dinâmica, muda constantemente, apoiada em um certo tônus muscular. MANUTENÇÃO DA VIGÍLIA: AS VIAS ATIVADORAS ASCENDENTES Os neurônios-relés (talamocorticais) dos núcleos específicos do tálamo apresentam dois modos de operação: um "modo de transmissão" e um "modo de disparo em salvas". O primeiro é característico da vigília, e consiste na permanente ativação das vias talamocorticais pelas sinapses excitatórias (glutamatérgicas) das fibras aferentes. Os potenciais de ação que chegam pelas fibras provenientes da retina, por exemplo, quase sempre provocam potenciais pós- sinápticos excitatórias nos neurônios do núcleo geniculado lateral, que por sua vez provocam a ocorrência de potenciais de ação conduzidos ao córtex visual. O mesmo ocorre com os neurônios auditivos, somestésicos etc. É necessário que esses neurônios sejam mantidos com um alto nível de excitabilidade, "à flor da pele", por assim dizer. É isso que garante a constante transmissão das informações sensoriais e outras informações ascendentes ao córtex cerebral. O modo de disparo em salvas é diferente e característico do sono: os neurônios-relés tomam-se menos excitáveis e só conseguem disparar potenciais de ação de tempos em tempos, em salvas periódicas, e não constantemente, de acordo com a chegada contínua e irregular de impulsos aferentes. A explicação para os dois modos é simples: durante a vigília, os neurônios talamocorticais são mantidos ligeiramente despolarizados, com o potencial de membrana próximo ao limiar de disparo. A transmissão sináptica é altamente eficaz nessas condições, e resulta na ativação massiva dos dendritos das células corticais: por isso o EEG da vigília é dessincronizado. Muitos dendritos de cada neurônio geram PPSEs em tempos ligeiramente diferentes, e todos estes confluem em todas as direções para o corpo celular. Durante o sono, entretanto, os neurônios talamocorticais ficam hiperpolarizados, com o potencial de membrana longe do limiar. A transmissão sináptica tomase muito menos eficaz, os neurônios talâmicos disparam apenas ocasionalmente (em salvas) e o resultado é um EEG sincronizado no córtex. Ocorre que os neurônios talâmicos possuem um canal de Ca++ muito especial, dependente de voltagem, que se torna ativo quando a membrana hiperpolariza, mas é desativado quando ela despolariza. Assim, no modo de transmissão não entra cálcio através desses canais, mas no modo de disparo em salvas os canais abrem-se quando a membrana hiperpolariza, produzindo um "potencial de cálcio" despolarizante, que atinge o limiar e provoca alguns PAs. Só que a despolarização fecha o canal, a membrana se hiperpolariza novamente e o ciclo se repete. A atividade se toma rítmica e sincronizada. Existem núcleos no próprio tálamo e no tronco encefálico cuja função é controlar o modo de operação dos neurônios-relés. O do tálamo chama-se núcleo reticular, e contém neurônios com os mesmos canais de Ca++ dependentes de voltagem que mencionamos. A maioria dos neurônios reticulares é inibitória, empregando o GABA como neurotransmissor. Seus axônios inervam amplamente os demais núcleos talâmicos, e quando estão ativos os hiperpolarizam. O núcleo reticular não recebe aferentes sensoriais para operar no modo de transmissão, mas recebe aferentes dos sistemas difusos aminérgicos e colinérgicos. Assim, seus canais de Ca++ impõem-lhe um modo de disparo em salvas que é "repassado" aos demais neurônios talâmicos durante o sono, sincronizando-os. É isso que está sob controle de umterceiro componente da cadeia de regulação da atividade cortical: os sistemas moduladores aminérgicos do tronco encefálico (A4 e A6, o locus ceruleus, e B6, os núcleos da rafe), que estendem axônios aos neurônios reticulares e ao próprio tálamo. Quando os neurônios aminérgicos disparam, ativam os neurónios inibitórios do núcleo reticular talâmico, que assim hiperpolarizam as células talamocorticais. Estas passam a disparar em salvas, produzindo sincronização cortical e sono de ondas lentas, o que pode ocorrer da vigília para o sono, ou do sono paradoxal para o sono de ondas lentas. O Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 6 oposto, é claro, ocorre no sentido contrário. Os neurónios aminérgicos, então, são gatilhos do sono que interrompem a vigília. As vias sensoriais talamocorticais, portanto, contribuem para a manutenção da vigília. Particularmente importantes no caso da vigília mostraram-se as vias ativadoras originárias dos neurónios histaminérgicos do hipotálamo posterior (El- E5, núcleo tuberomamilar). Essa região hipotalâmica envolvida com a fisiologia do sono havia sido descoberta no início do século 20 pelo neurofisio1ogista suíço Walter Hess. Projeta amplamente para o córtex cerebral, e a lesão experimental dela produz estupor comportamental (coma) e sincronização do EEG. A estimulação elétrica, coerentemente, produz resultados opostos. O envolvimento dos neurónios histaminérgicos do hipotálamo condiz com o conhecido efeito colateral de alguns dos medicamentos anti-histamínicos utilizados contra as alergias, que provocam sonolência em muitas pessoas. Pelo menos dois mecanismos, então, mantêm a vigília: (1) a ação ativadora das vias ascendentes histaminérgicas sobre o córtex cerebral e (2) a modulação do núcleo reticular talâmico pelos sistemas aminérgicos do tronco encefálico, que mantém os núcleos específicos do tálamo no modo de transmissão para o córtex. 3) APRESENTAR OS MÉTODOS UTILIZADOS PARA AVALIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA; A Escala de Coma de Glasgow (ECG) e a Escala de Coma de Jouvet (ECJ), são duas escalas usadas na avaliação da consciência. A análise e o uso dessas duas escalas têm indicado que elas se complementam, sendo a ECG mais sensível às mudanças nos rebaixamentos mais intensos da consciência e a ECJ nos estados mais próximos do normal. Considerando o conceito que o nível de consciência" é o grau de alerta comportamental que o indivíduo apresenta"', nota-se uma grande possibilidade de variação desse parâmetro em pacientes. Em consequência, no cotidiano da equipe de saúde se faz necessário a utilização de escalas que permitam a padronização da linguagem utilizada para facilitar a comunicação oral e escrita dessas informações, bem como, estabelecer um sólido sistema que seja capaz de acompanhar a evolução do nível de consciência do paciente. Escala de Coma de Glasgow (ECG): essa escala foi publicada pela primeira vez pelos autores TEASDALE; JENNETT, sendo elaborada para propor consistente avaliação clínica do nível de consciência dos pacientes com dano cerebral. Um escore menor que 8 é comumente aceito como ponto crítico das alterações do nível de consciência e como a pontuação que define um indivíduo em estado de coma. A aplicação dessa escala é rápida, de fácil compreensão e permite concordância entre avaliadores. Por isso, ela tem sido usada frequentemente, principalmente nos quadros agudos e de trauma. Nessa escala a maior dificuldade está no indicador melhor resposta motora, para diferenciação entre os itens: padrão flexor, retirada inespecífica e localiza estímulos. A ECG proporciona uma abordagem padronizada e universal para monitorar e avaliar os achados da avaliação neurológica. É um instrumento clínico com grande valor preditivo e sensibilidade para avaliar pacientes com alterações do nível de consciência em serviços de emergência. Na atualidade, é utilizada mundialmente para a avaliação do nível de consciência, auxilia na determinação da gravidade do trauma, na interpretação do estado clínico e prognóstico do paciente e nas pesquisas clínicas de enfermagem. Outra escala também elaborada para a avaliação do nível de consciência é a Escala de Coma de Jouvet (ECJ), utilizada com menor frequência que a Escala de Coma de Glasgow na prática diária, porém com a vantagem de permitir certa correlação anatômica com os parâmetros avaliados. Esta escala foi utilizada para estudos dos estados de consciência que se seguem ao estado de coma (estado vegetativo persistente), porém existem experiências de sua utilização nos estados agudos. Nessa escala são avaliados dois parâmetros: perceptividade (função cortical) e reatividade (função da formação reticular ativadora ascendente - FRAA). Tem-se atribuído seu pouco uso a sua mais difícil aplicabilidade. Após conhecer-se e analisar-se essas duas escalas para avaliação do nível de consciência pode-se compreender as observações de RABELLO "é nossa impressão que elas se complementam. Assim, nos rebaixamentos mais intensos "a ECG1 permite medir flutuações mais acuradamente. Já em estados próximos do normal tem a ECJ maior possibilidade de analisar flutuações pois analisa melhor a função cortical". Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 7 Escala de Coma de Glasgow: Os indicadores utilizados nessa escala são - abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora. No indicador abertura ocular o paciente recebe na ECG1 pontuação que varia de 1 à 4. 0 indicador abertura ocular está diretamente ligado à aparência de vigília que é um parâmetro de avaliação do funcionamento do mecanismo de ativação do córtex cerebral, ou seja, da FRAA. Esse indicador permite a inclusão da resposta do paciente em quatro itens: • abertura espontânea (04); • abertura com estímulos verbais (03); • abertura com estímulos dolorosos (02); • resposta ausente (01). No indicador melhor resposta verbal os pacientes recebem na ECG pontuação que varia de 1 à 5. A resposta verbal quando presente de forma coerente indica o mais alto grau de integração do Sistema Nervoso Central. Neste indicador a comunicação verbal do paciente é categorizado nos itens a seguir: • orientado (05) - que se refere aos indivíduos orientados em tempo, espaço e pessoa; • confuso (04) - inclui indivíduos capazes de manter a conversação, porém de forma imprópria e desorientada; • palavras inapropriadas (03) - muitas vezes blasfêmias; • sons ininteligíveis (02); • resposta ausente (01) - pontuação atribuída apenas quando após várias estimulações dolorosas não se obtém nenhuma resposta. Na ECG, no indicador melhor resposta motora é dada a pontuação de 1 à 6. Este indicador apresenta os seguintes itens: • obedece a comandos verbais (06) - isso significa que o paciente é capaz de obedecer a comandos simples; • localiza estímulos (05) - localiza e procura remover a fonte de estímulo doloroso; • retirada inespecífica (04) - o indivíduo retira o estímulo doloroso mediante flexão do membro estimulado, numa resposta reflexa; • padrão flexor (03) - responde em flexão anormal conhecida como rigidez de decorticação, apresenta resposta ao estímulo doloroso caracterizada por adução do ombro e flexão do antebraço sobre o braço, acompanhada de flexão de punho e dedos, e extensão do membro inferior ipsolateral; • padrão extensor (2) - extensão anormal ou rigidez descerebrada, implica na presença de hiperextensão dos membros, rotação de membro superior e flexão de punhos; • resposta ausente (1) - não apresenta nenhuma resposta, mesmo mediante a estímulo doloroso. Nos casos de inviabilidade de aplicar alguns dos indicadores da ECG, foi anotado no item o não testável (NT). A pontuação final dada na ECG foi a soma dosvalores de cada indicador que foi possível de avaliação. ESCALA DE COMA DE GLASGOW INDICADORES RESPOSTA OBSERVADA ESCORE Abertura Ocular Espontânea 4 Estímulos verbais 3 Estímulos dolorosos 2 Ausente 1 Não testável NT Melhor resposta verbal Orientado 5 Confuso 4 Palavras inapropriadas 3 Sons ininteligíveis 2 Ausente 1 Não testável NT Melhor resposta motora Obedece a comandos verbais 6 Localiza estímulos 5 Retirada inespecífica 4 Padrão flexor 3 Padrão extensor 2 Ausente 1 Não testável NT Escala de Coma de Jouvet: Nessa escala são avaliados dois parâmetros - perceptividade e reatividade. Dentro do parâmetro reatividade é considerada a reatividade inespecífica; específica e autonômica. Os indicadores utilizados para essa avaliação são os apresentados por Jouvet para realização da avaliação clínica e incluem: execução de ordem escrita; orientação no tempo e espaço; execução de ordem verbal e reflexo de "blinking" - na avaliação da perceptividade (o reflexo de blinking consiste no piscar dos olhos em resposta a uma ameaça - estímulos visuais externos. A positividade do reflexo de blinking é um sinal favorável para o prognóstico do paciente). Para avaliação de reatividade inespecífica é verificada a presença de reação orientada e reação de despertar. A reatividade específica ou reação à dor é determinada a partir da observação de mímica facial, reatividade vocal, reação de despertar, retirada de membros, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 8 perante aplicação de estímulo doloroso. A reatividade autonômica é avaliada pela observação de variações respiratórias, mudanças vasomotoras, mudanças no ritmo cardíaco, mudanças no tamanho pupilar após estimulação dolorosa. Perceptividade: Para avaliação desse parâmetro é aplicado os seguintes testes. O 1° teste consiste em solicitar ao paciente para obedecer a uma ordem escrita: "feche os olhos" ou "ponha a sua língua para fora". O 2° teste é elaborado para testar a orientação no tempo e espaço: "Você sabe onde está? Você sabe que dia estamos? Que mês? Que ano?". No 3° teste é analisada a habilidade do paciente em obedecer a um comando oral "feche seus olhos" ou "ponha a sua língua para fora". O 4° teste é para verificar e reflexo de "blinking" que consiste no fechamento dos olhos aos estímulos visuais de ameaça. No parâmetro perceptividade o indivíduo é classificado em cinco categorias: • P1- indivíduos com nenhuma perda de consciência, neurologicamente normais no que se refere ao nível de consciência. Estes pacientes devem receber pontuação máxima também nos itens referentes aos 3 tipos de reatividade; • P2- representa "obnubilação "; estes pacientes estão desorientados no tempo e no espaço ou são incapazes de obedecer a um comando escrito, porém executam ordens verbais; • P3- representa o que tem sido reconhecido classicamente como "torpor". Inclui indivíduos com pobre compreensão da linguagem. Para eles, uma ordem verbal precisa ser repetida muitas vezes antes de ser obedecida e mesmo assim o faz lentamente. Apresenta o reflexo de "blinking" normal; • P4- refere-se a pacientes que apresentam somente resposta a "blinking"; • PS- Para aqueles incluídos nessa categoria, toda a percepção está ausente, indicando um distúrbio orgânico ou funcional dos neurônios corticais. Reatividade: Na reatividade inespecífica é considerado reação orientada positiva, aquela reação do indivíduo que quando tem seus olhos abertos, volta o olhar para o lado da cama onde ocorreu o barulho forte ou chamaram o seu nome; e a reação de despertar é considerada presente quando o indivíduo abre os olhos pelo estímulo de alguma manobra que é realizada. Quanto a reatividade inespecífica pode-se designar o indivíduo em três grupos: • R1- inclui os indivíduos que mostram uma reação orientada positiva com seus olhos abertos e uma reação positiva de despertar com os olhos fechados; • R2- inclui aqueles que perdem a reação orientada com os olhos abertos, mas puderam ainda abrir seus olhos quando desafiados; • R3- inclui indivíduos que perdem a capacidade de apresentar reação de despertar. Na reatividade à dor pode-se dividir os pacientes em quatro grupos: • D1- é o grupo que apresenta reação normal. Há mímica característica, o choro e a retirada do membro; • D2- ocorre perda da reação facial e vocal para dor, apresenta reação de despertar quando estimulado durante o sono e pode ainda retirar o membro; • D3- os indivíduos incluídos nesse grupo apresentam como reação à dor somente a retirada do membro; • D4- neste grupo são incluídos os pacientes com perda de todas as formas de reação à dor. Na reatividade autonômica é avaliada a resposta do sistema nervoso autônomo à estimulação dolorosa. A reação à dor causa um período de apneia seguido por uma mais duradoura taquipneia. O ritmo cardíaco pode acelerar ou diminuir, é frequente mudanças vasomotoras ocasionando rubor, sudorese. Midríase também é muito comum. Neste indicador os pacientes são incluídos em dois grupos: • V1- inclui aqueles indivíduos que apresentam reações neurovegetativas ao estímulo doloroso; • V2- são classificados nesse grupo aqueles que nenhuma reação autonômica à dor pode ser notada. A pontuação final nessa escala é dada pela somatória dos números que seguem as letras de cada item avaliado. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 9 ESCALA DE COMA DE JOUVET PARÂMETROS RESPOSTA OBSERVADA ESCORE Perceptividade Lúcido, obedece a ordens complexas, até escritas. P1 Desorientado tempo- espaço ou não obedece a comandos escritos. P2 Obedece apenas a ordens verbais. P3 “Apresenta apenas blinking”. P4 Não apresenta nem “blinking”. P5 Reatividade Inespecífica Aos estímulos verbais, acorda e orienta. R1 Aos estímulos verbais, só acorda. R2 Aos estímulos verbais, resposta negativa. R3 Reatividade Específica (dor) Acorda, retira, mímica, vocaliza. D1 Não tem mímica, nem vocaliza, porém acorda e retira. D2 Só tem retirada motora. D3 Resposta negativa. D4 Reatividade Autonômica Taquicardia, midríase, taquipneia. V1 Resposta negativa. V2 ESCORE TOTAL – P1R1D1V1 (4) À P5R3D4V2 (14) Considerando que a somatória dos indicadores da ECG pode variar de 15 (indivíduo neurologicamente normal quanto à consciência) até 03 (compatível com morte cerebral). E que na ECJ, a variação é de P 1R1D 1V1 (04) até P5R3D4V2 (14), sendo que o menor escore refere- se a nível de consciência normal e o maior escore a estado de coma profundo. No uso dessas escalas simultaneamente foram considera-se nível de consciência alterado Glasgow < 14 e Jouvet > 5. Data/Hora: ESCALA PONTUAÇÃO 1. GLASGOW Abertura ocular Resposta verbal Resposta motoral TOTAL 2. JOUVET Perceptividade Reatividade inespecífica Reatividade à dor Reatividade autonômica TOTAL Escala de Coma de Innsbruck (ICS): Desenvolvida para a avaliação específica em vítimas de trauma, foi publicada pela primeira vez em 1991, é semelhante à ECG, mas exclui resposta verbal, superando a limitação em pacientes entubados, afásicos e afônicos. A ICS também mede o tamanho e reação da pupila, movimento e posição dos olhos e automatismo oral. A escala é validada e permite a avaliação rápida, simples e de alta precisão na previsão de não sobrevivência. Na tentativa de substituir a ECG, muitas escalas foram comparadas a ela. Uma comparação entre a ICS e a ECG demonstrou que a ECG permite medir com acurácia as flutuações nos rebaixamentos de consciência mais intensos. As escalas são boas para prever a mortalidade com baixos escores, no entanto, a ICS foi ligeiramente melhor na previsão globalda evolução do paciente. Esse resultado sugere que é possível prever a mortalidade pré-hospitalar por ambas as escalas, no entanto a ICS é mais segura. ESCALA DE COMA DE INNBRUCK ITEM RESPOSTA SCORE Abertura ocular Espontânea 3 Ao estímulo acústico 2 Ao estímulo doloroso 1 Nenhum 0 Reação ao estímulo acústico Volta-se para o estímulo 3 Melhor do que movimentos de extensão 2 Movimentos de extensão 1 Nenhum 0 Reação a dor Movimentos defensivos 3 Melhor do que movimentos de extensão 2 Movimentos de extensão 1 Nenhum 0 Tamanho pupilar Normal 3 Pequenas 2 Dilatadas 1 Completamente dilatadas 0 Resposta da pupila à luz Suficiente 3 Reduzida 2 Mínima 1 Nenhuma 0 Posição e movimento dos olhos Fixação dos olhos 3 Movimenta os olhos 2 Divergente 1 Divergente e fixo 0 Automatismo oral Espontâneo 2 Ao estímulo externo 1 Nenhum 0 TOTAL MÁXIMO = 23 Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 10 Escala FOUR Score: Em 2005, Wijdicks et al. desenvolveram o sistema de pontuação FOUR. Essa escala foi inicialmente validada em pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI), avaliando-se a concordância interobservador entre enfermeiros, residentes de neurologia e neurointensivistas. A FOUR parece ser uma substituição para todos os pacientes com níveis flutuantes de consciência e está gradualmente ganhando ampla aceitação. A escala é de fácil aplicação, fornece mais detalhes neurológicos se comparada à ECG e avalia quatro variáveis: • Resposta ocular (E): O examinador deverá abrir a pálpebra dos que permanecerem com olhos fechados e observar se eles rastreiam um objeto em movimento. Se um dos olhos estiver com edema da pálpebra e não puder ser aberto, a resposta do olho saudável pode ser utilizada. • Resposta motora (M): Resposta motora é geralmente avaliada nas extremidades superiores. • Reflexos do tronco cerebral (B): Aplicam-se 2 ou 3 gotas de solução salina estéril a uma distância de 4 a 6 cm (minimizar o trauma da córnea). Cotonetes também podem ser usados. • Padrão de respiração (R): O reflexo da tosse também é testado Para cada categoria, são concedidos 0-4 pontos, com 0 sendo o pior. Para a avaliação da resposta motora, o paciente é solicitado a levantar a mão cada vez que ouve uma determinada letra em uma sentença padronizada para monitorar estado de alerta, por exemplo, levantar o polegar ou punho ou fazer o sinal da vitória. Dentre todas as escalas desenvolvidas com o propósito de substituir a ECG, a escala FOUR é a que até o momento tem poucas críticas quanto ao seu uso. Ela é um bom preditor de prognóstico em pacientes graves, tem vantagens importantes sobre a ECG, é fácil de ser ensinada, é simples de se administrar e fornece informações essenciais que permitem precisão na avaliação do nível de consciência. ESCALA FOUR SCORE PARÂMETROS ACHADOS SCORE Resposta ocular Pálpebras abertas, rastreia um objeto, ou pisca ao comando 4 Pálpebras abertas, mas não acompanham 3 Pálpebras fechadas, mas aberta ao chamado 2 Pálpebras fechadas, mas aberta com estímulo doloroso 1 Pálpebras permanecem fechadas com estímulo doloroso 0 Resposta motora Faz sinais (levanta o polegar e flexiona os quatro dedos (sinal de “legal”), flexiona os cinco dedos (sinal do punho), ou V da vitória 4 Localiza a dor 3 Flexão em resposta à dor 2 Extensão em resposta à dor 1 Não responde à dor ou mioclonia generalizada 0 Reflexos do tronco cerebral Reflexo pupilar e corneal presentes 4 Uma pupila dilatada e fixa 3 Reflexo pupilar ou corneal ausente 2 Reflexos pupilar e corneal ausentes 1 Reflexos pupilar e corneal e tosse ausentes 0 Respiração Não intubado, padrão de respiração regular 4 Não intubado, padrão de respiração de Cheyne- Stokes 3 Não intubado, padrão de respiração irregular 2 Respiração sob ventilação mecânica acima do ventilador 1 Respiração ao ritmo do ventilador ou apneia 0 OUTRAS ESCALAS: → ESCALA MOTOR SIMPLIFICADO (SMS) E ESCALA VERBAL SIMPLIFICADA (SVS) → ESCALA ADCU – ALERTA, CONFUSO, SONOLENTO (DROWSY) E SEM RESPOSTA (UNRESPONSIVE) → ESCALA AVPU – ALERTA, RESPONDE A PERGUNTAS, RESPONDE À DOR (PAIN) E SEM RESPOSTA (UNRESPONSIVE) Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 11 → ESCALA RL85 - REACTION LEVEL SCALE → ESCALA DE COMA GLASGOW-LIÉGE → ESCALA CRS – COMA RECOVERY SCALE → ESCALA DE COMA EDIMBURGH-2 A atividade elétrica cerebral e o eletroencefalograma O córtex cerebral tem uma atividade elétrica espontânea, que determina os vários níveis de consciência. Esta atividade pode ser detectada colocando-se eletrodos na superfície do crânio (eletroencefalograma, EEG). Os traçados elétricos que se obtêm de um indivíduo ou de um animal dormindo (traçados de sono) são muito diferentes dos obtidos de um indivíduo ou animal acordado (traçados de vigília). Em vigília, o traçado elétrico é dessincronizado, isto é, apresenta ondas de baixa amplitude e alta frequência, e durante o sono, denominado sono de ondas lentas, o traçado é sincronizado, com ondas lentas e de grande amplitude. Assim, o eletroencefalograma, além de seu uso clínico para estudo da atividade cortical no homem, permite pesquisas sobre sono e vigília em animais. 4) ENTENDER O FUNCIONAMENTO E REGULAÇÃO DO CICLO SONO/VIGÍLIA (FOCO NO SONO); Há vários ritmos na vida dos animais. Não só o ato de dormir se repete a cada 24 horas. O mesmo acontece com as atividades motoras e o repouso (mesmo que o animal não durma), com o desempenho psicomotor, a percepção sensorial, a secreção de alguns hormônios, a temperatura corporal e vários outros fenômenos fisiológicos e psicológicos. Esses ritmos que se repetem a cada dia são por isso mesmo chamados circadianos (o prefixo latino circa significa cerca de). Mas nem todos os ritmos da vida são circadianos. Alguns se repetem com um ciclo maior que uma vez por dia (por exemplo, uma vez por mês), e são chamados infradianos, enquanto outros se repetem com um ciclo menor (digamos, quatro vezes por dia), os ultradianos. Experimentos indicaram que o relógio interno, qualquer que fosse ele, geraria uma oscilação funcional automática, que, no entanto, seria sincronizada com um ciclo natural (como a alternância dia-noite). Isso significa que as células osciladoras (também chamadas marcapassos) devem estar de algum modo acopladas a outras que detectam as variações ambientais e produzem os efeitos cíclicos, respectivamente. Podemos então considerar que os relógios biológicos são ajustáveis ao ambiente pela ação de células sensoriais e vias aferentes, tomando-se sincronizados com os ciclos naturais. Seus efeitos, por outro lado, são produzidos por vias eferentes. Esses três componentes (aferentes, marcapassos e eferentes) caracterizam os chamados sistemas temporizadores, que induzem certas funções e comportamentos a operar em ritmos bem sincronizados com os ciclos naturais. Isso tem grande importância adaptativa, pois permite aos seres vivos, por exemplo, cada um a seu modo, prever a aproximação da noite e do inverno, momentos em que é necessário modificar o comportamento e o funcionamento do organismo. O RELÓGIO HIPOTALÂMICO E OS RITMOS DO DIA A DIA O sistema temporizador circadiano dos mamíferos tem sido bastante estudado, e muito já se conhece sobre ele. Um dos seus marcapassos foi identificado: fica no diencéfalo e tem o nome de núcleo supraquiasmático, porque se situa no hipotálamo, bem acima do quiasma óptico. Trata-se de um par de núcleos pequenos que recebem axónios provenientes de ambas as retinas, originários de certas células ganglionares da retina que ao mesmo tempo são fotorreceptores,capazes de detectar mudanças de luminosidade do ambiente através de um pigmento fotossensível chamado melanopsina. As aferências que chegam ao núcleo supraquiasmático (no hipotálamo), portanto, são adequadas à função que se postula para ele, de temporizador circadiano, ou seja, capaz de gerar um ritmo acoplado ao ciclo dia- noite. Os neurônios do núcleo supraquiasmático são "osciladores naturais", ou seja, seu potencial de repouso (PR) varia ciclicamente, em vez de manter-se estacionário, como ocorre com os demais neurônios. Quando o neurônio marcapasso se despolariza a cada ciclo, o PR aproxima-se do limiar de disparo do neurônio, e então surgem potenciais de ação que, naturalmente, são conduzidos adiante pelo axônio. Na repolarização, o PR é restaurado ao seu valor normal, mas logo volta a se despolarizar lentamente e o ciclo se repete. Essa é uma propriedade intrínseca da membrana dos neurônios marcapassos, comandada de algum modo pela expressão de genes-relógios, e que persiste quando eles são cultivados fora do encéfalo. Existe no feto antes da sinaptogênese e não é bloqueada pela tetrodotoxina - um bloqueador específico dos canais de Na+ dependentes de voltagem. Em resumo, o relógio hipotalâmico por si só é "impreciso", tem um ciclo um pouco diferente de 24 horas. Por essa razão precisa ser sincronizado ao ciclo natural dia-noite. Para que isso seja feito, a intensidade da luz (do dia) é diariamente monitorada pelo núcleo supraquiasmático através de seus aferentes visuais, o que serve de ajuste para os neurônios osciladores Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 12 desse núcleo. As conexões eferentes do supraquiasmático (com outros núcleos hipotalâmicos e com o prosencéfalo basal) veiculam os comandos para que algumas das funções autonômicas, neuroendócrinas e comportamentais - inclusive a vigília e o sono - possam ser reguladas de acordo com o período de 24 horas. A destruição do núcleo supraquiasmático resulta em perda da maioria dos ritmos inclusive os de vigília-sono. Você pensará imediatamente que a luz do dia não deve ser o único estímulo temporizador. É verdade. Para o homem, especialmente, as circunstâncias sociais são eficientes temporizadores: é o caso dos turnos de trabalho, das oportunidades de lazer noturno e da própria luz elétrica, que prolonga a luminosidade do dia pela noite adentro, além de outros. Há conhecimento acerca do papel funcional básico da melatonina na regulação dos fenômenos rítmicos circadianos, dentro da hipótese funcional de que a melatonina é o marcador circadiano, pela sua presença (ou maior concentração) noturna e sua ausência (ou menor concentração) diurna. Acrescentando-se, agora, a esse hormônio, o papel funcional de temporizar as funções metabólicas diárias no sentido de alocar ao dia e à noite o maior ou menor dispêndio energético ou a menor ou maior capacidade de armazenamento de nutrientes. O ciclo vigília-sono é um dos ritmos circadianos, e, portanto, é também sincronizado pelo sistema temporizador regido pelo núcleo supraquiasmático. Para o sistema nervoso, os circuitos que controlam cada "projetor" são chamados sistemas específicos (sensoriais, motores e outros), e os que controlam a "sala" (o SNC em conjunto) são os sistemas difusos. Os equivalentes neurais dos atenuadores são os sistemas moduladores, que podem ser também específicos ou difusos. Os sistemas moduladores difusos fazem o papel dos atenuadores gerais: controlam o nível de consciência e o comportamento do indivíduo como se fosse a intensidade de iluminação da sala toda. Podemos estar acordados, extremamente alertas e fazendo várias coisas ao mesmo tempo; acordados, mas distraídos, sem muitos movimentos; sonolentos e escarrapachados numa poltrona; levemente adormecidos; ou dormindo profundamente na cama. Trata-se de uma faixa contínua de níveis de consciência e de comportamento que oscilam a cada 24 horas: um ritmo circadiano muito conhecido nosso, o ciclo vigília- sono. Quando o indivíduo adormece, tudo se modifica: ele diminui sua reatividade aos estímulos externos, apresenta redução da atividade motora e assume uma postura estereotipada (geralmente deitado com os olhos fechados). O eletromiograma e o eletro- oculograma tomam-se menos ativos. Muitos fenômenos autonômicos ocorrem usualmente caracterizados por uma redução geral das funções vegetativas: diminui a frequência cardíaca e a frequência respiratória, e com isso cai a pressão arterial; diminui a motilidade gastrointestinal; a temperatura corporal cai um ou dois graus, acompanhada de redução da atividade metabólica dos órgãos e tecidos. O eletroencefalograma (EEG) acusa grandes alterações na atividade cerebral. Durante a vigília, o EEG apresenta um ritmo rápido de baixa voltagem e alta frequência, que é substituído durante o sono pelo seu oposto, um ritmo lento de alta voltagem e baixa frequência. Essa transformação do EEG é conhecida como sincronização, porque representa a atividade sináptica simultânea (sincronizada) dos neurônios que permanecem ativos. Analogamente, o EEG da vigília é descrito como dessincronizado, por representar a atividade sináptica não coincidente de uma enorme população de neurônios de todos os tipos. Descobriu-se, acerca dos sistemas moduladores histaminérgicos, que eles recebem inervação inibitória de neurónios GABAérgicos do hipotálamo anterior. Nessa região foram registrados, em gatos, neurônios que se revelaram muito mais ativos durante o sono de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 13 ondas lentas do que na vigília. No hipotálamo posterior, contrariamente, os neurónios mostraram-se mais ativos durante a vigília do que durante o sono de ondas lentas, e totalmente silenciosos durante o sono paradoxal. Isso pode significar que os primeiros (os neurônios do hipotálamo anterior) entram em ação no início do sono de ondas lentas, silenciando os neurônios histaminérgicos que mantêm a vigília. Em parte, portanto, o sono de ondas lentas pode ser produzido pelo "desligamento da vigília", ou seja, das vias ativadoras histaminérgicas. Por outro lado, existem mecanismos "ativos" para a produção do sono de ondas lentas. Os indivíduos adormecem quando esses mecanismos começam a operar, provocando a sincronização do EEG, a inibição dos motoneurônios medulares, a diminuição da atividade simpática na coluna intermediolateral da medula e assim por diante. A sincronização do EEG é um fenômeno ascendente: depende de projeções que atingem o tálamo e o córtex cerebral. Um dos sistemas que preenche esse requisito está situado no hipotálamo anterior, onde, além das células GABAérgicas já mencionadas, há também neurônios colinérgicos cuja distribuição se estende do tronco encefálico ao prosencéfalo basal. É possível que alguns dos neurónios encontrados nessas regiões pelos neurocientistas, ativos especificamente durante o sono de ondas lentas, sejam componentes desse sistema modulador colinérgico. Muitas dessas células colinérgicas do prosencéfalo basal são ativadas pela temperatura, o que pode explicar a sonolência produzida pela febre. O segundo mecanismo "ativo" para a produção de sono de ondas lentas é a passagem dos núcleos específicos do tálamo ao modo de disparo em salvas. A modulação da atividade desses neurónios talamocorticais (glutamatérgicos) sincroniza o EEG e faz com que o indivíduo adormeça. Isso acontece pela ação moduladora dos neurônios arninérgicos do tronco encefálico sobre o núcleo reticular do tálamo, ao final da vigília. Pode-se concluir, assim, que o sono de ondas lentas que se segue à vigília pode ser produzido por pelo menos três mecanismos: (1) o bloqueio das vias ativadoras histaminérgicas; (2) a ativação do sistema modulador colinérgicodo tronco encefálico, prosencéfalo basal e hipotálamo anterior; e (3) a passagem dos neurónios talamocorticais ao modo de disparo em salvas, regulada pelo núcleo reticular talâmico. Quando o indivíduo adormece, não apenas ocorrem os fenômenos que acabamos de descrever, de sentido ascendente. Também são característicos do sono os fenômenos de sentido descendente: modulação da atividade dos neurônios autonómicos que regulam o sistema cardiorrespiratório (provocando diminuição das frequências cardíaca e respiratória), e inibição parcial dos motoneurônios (provocando redução do tônus muscular). São também os neurónios do tronco encefálico que provocam esses efeitos descendentes, ativando vias inibitórias multissinápticas GABAérgicas e glicinérgicas sobre o tronco encefálico e a medula. Um ponto fundamental, entretanto, é ainda mal conhecido: o que dispara o processo? O que faz com que ao final do dia esses mecanismos sejam ativados para provocar o sono? Sabe-se que um dos marcapassos circadianos (o núcleo supraquiasmático) está envolvido, mas não se conhece exatamente o modo pelo qual ele se conecta aos sistemas moduladores que provocam o sono. Neurônios colinérgicos do prosencéfalo basal mostraramse sensíveis à ação da adenosina (um nucleosídeo), o que indica que o sono pode ocorrer por ação desta. Além disso, o acúmulo extracelular de adenosina parece provocar também um aumento da expressão gênica que resulta em síntese de receptores moleculares para ela própria, realimentando o mecanismo de produção de sono. IMPORTÂNCIA DO SONO A teoria mais difundida é a de que o sono serve para restaurar energias gastas durante a vigília. De fato, consumimos menos energia quando dormimos porque nossa atividade motora é mais baixa, assim como o fluxo sanguíneo, a respiração, a temperatura corporal e, consequentemente, a taxa metabólica global. A favor dessa ideia está o fato de que dormem mais os animais que gastam mais energia durante a vigília (os que têm volume corporal menor). Também fala a favor a constatação de que durante o sono secretamos mais Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 14 somatotrofina, um hormônio hipofisário que, entre outros aspectos, influencia positivamente os mecanismos de síntese de proteínas das células em geral. Relacionada com essa hipótese está a ideia de que o sono possa servir para restaurar o sistema imunitário. Há evidências a favor: (1) ratos privados de sono morrem em 15 a 20 dias, e a causa mortis é geralmente a ocorrência de infecções oportunistas causadas por imunodeficiência; (2) igual destino têm pacientes humanos que sofrem de urna doença rara, a insônia fatal familiar, devida a malformação do tálamo. A falta de sono certamente afeta as funções do sistema nervoso central. A vigília prolongada está em geral associada ao funcionamento anormal do processo do pensamento e, algumas vezes, pode causar atividades comportamentais anormais. Estamos todos familiarizados com o aumento da lentidão dos pensamentos que ocorre no final de um dia de vigília prolongada e, além disso, a pessoa pode ficar irritável ou até psicótica após vigília forçada. Portanto, podemos assumir que o sono restaura, de muitas formas, tanto os níveis normais da atividade cerebral, como o “equilíbrio” normal entre as diferentes funções do sistema nervoso central. 5) CARACTERIZAR AS FASES DO SONO ; Qualquer pessoa percorre estágios de dois tipos de sono, que se alternam um com o outro. Esses tipos são chamados (1) sono com movimentos rápidos dos olhos (sono REM), no qual os olhos realizam movimentos rápidos, apesar de a pessoa ainda estar dormindo; e (2) sono de ondas lentas ou não REM (NREM), no qual as ondas cerebrais são fortes e de baixa frequência, como discutiremos adiante. O sono REM ocorre em episódios que ocupam aproximadamente 25% do tempo de sono dos adultos jovens; e cada episódio geralmente recorre a cada 90 minutos. Esse tipo de sono não é restaurador e está em geral associado a sonhos vívidos. A maior parte do sono, durante cada noite, é da variedade de ondas lentas (NREM), que corresponde ao sono profundo e restaurador que a pessoa experimenta na primeira hora de sono após ter ficado acordada por muitas horas. Sono de Ondas Lentas A maioria de nós pode entender as características do profundo sono de ondas lentas, lembrando da última vez em que ficamos acordados por mais do que 24 horas, e, então, o sono profundo que ocorreu durante a primeira hora após irmos dormir. Esse sono é excepcionalmente relaxante e está associado às diminuições do tônus vascular periférico e a muitas outras funções vegetativas do corpo. Por exemplo, há diminuição de 10% a 30% da pressão arterial, da frequência respiratória e no metabolismo basal. Embora o sono de ondas lentas seja chamado “sono sem sonhos”, sonhos e até mesmo pesadelos podem ocorrer durante esse estágio. A diferença entre os sonhos que ocorrem no sono de ondas lentas e os que ocorrem no sono REM é que os do sono REM são associados à maior atividade muscular corporal, e os sonhos do sono de ondas lentas usualmente não são lembrados, pois não acontece a consolidação dos sonhos na memória. Sono REM (Sono Paradoxal, Sono Dessincronizado) Em noite normal de sono, é comum que episódios de sono REM, durando de 5 a 30 minutos, apareçam em média a cada 90 minutos nos adultos jovens. Quando a pessoa está extremamente sonolenta, cada episódio de sono REM é curto e pode até estar ausente. Por sua vez, à medida que a pessoa vai ficando mais descansada com o passar da noite, a duração dos episódios de sono REM aumenta. O sono REM tem várias características importantes: 1. É a forma ativa de sono, geralmente associada a sonhos e a movimentos musculares corporais ativos. 2. É mais difícil despertar o indivíduo por estímulo sensorial do que durante o sono de ondas lentas, e as pessoas em geral despertam espontaneamente pela manhã, durante episódio de sono REM. 3. O tônus muscular está excessivamente reduzido, indicando forte inibição das áreas de controle da medula espinal. 4. Comumente, as frequências cardíaca e respiratória ficam irregulares, o que é característica dos sonhos. 5. Apesar da inibição extrema dos músculos periféricos, movimentos musculares irregulares podem ocorrer. Isso acontece em superposição aos movimentos rápidos oculares. 6. O cérebro fica muito ativo no sono REM, e o metabolismo cerebral global pode estar aumentado por até 20%. O eletroencefalograma (EEG) mostra padrão de ondas cerebrais semelhante ao que ocorre durante o estado de vigília. Esse tipo de sono, por isso, é também chamado sono paradoxal, porque é um Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 15 paradoxo em que a pessoa possa ainda estar dormindo, apesar dessa grande atividade cerebral. Em resumo, o sono REM é o tipo de sono em que o cérebro está bem ativo. Entretanto, a pessoa não está totalmente consciente em relação ao ambiente, e, portanto, ela está na verdade adormecida. A dessincronização do EEG, típica do sono paradoxal, depende de um conjunto de neurônios que faz parte da formação reticular pontina, rico em neurônios colinérgicos. Há evidências para isso: lesões bilaterais desses neurônios em animais eliminam o sono paradoxal. Além disso, nessa região do tronco encefálico esses mesmos neurônios tomam-se ativos durante o sono paradoxal, ou na transição entre este e a vigília, situações em que ocorre a dessincronização do EEG. Como muitos desses neurônios são colinérgicos, e recebem sinapses de neurônios aminérgicos do locus ceruleus (A4 e A6) e dos núcleos da rafe pontina (B5 a B9), o pesquisador norte-americano J. Alan Hobson e seus colaboradores propuseram a ideia de que existiria um circuito interativorecíproco responsável pela geração periódica de sono paradoxal. Os neurônios aminérgicos do locus ceruleus e dos núcleos da rafe, que possuem longas projeções a extensos territórios do SNC, são mais ativos durante o sono de ondas lentas, mas silenciam durante o sono paradoxal, quando o microclima aminérgico no córtex cerebral é substituído pelo microclima colinérgico. O sono paradoxal caracteriza-se também por intensa atonia muscular produzida por forte inibição dos motoneurônios medulares. A responsabilidade parece ser também de células colinérgicas pontinas, que ativam um circuito descendente constituído por uma sequência de neurônios excitatórios (glutamatérgicos) e inibitórios (glicinérgicos e GABAérgicos), sendo estes últimos os que diretamente bloquearão a atividade dos motoneurônios medulares. Pode-se concluir que o sono paradoxal é: (1) iniciado pelo bloqueio dos neurônios moduladores aminérgicos do tronco encefálico; e (2) mantido pelos sistemas moduladores colinérgicos e por outros neurônios pontinos. A partir do sono paradoxal, o indivíduo adormecido pode reentrar no sono de ondas lentas ou então acordar. Os sinais para o acordar podem ser produzidos pelo ambiente externo e veiculados pelos sistemas sensoriais (neste caso, precisam ser sinais intensos), pela diminuição dos níveis de adenosina no tecido, ou pelo sistema temporizador circadiano, que assinala a iminência do final do período de sono. Sabe-se, que há neurônios no tronco encefálico (provavelmente os neurônios noradrenérgicos do locus ceruleus) que aumentam sua atividade justamente na transição entre o sono paradoxal e a vigília. Seriam "neurônios de despertar", que projetam a todo o córtex, dessincronizando ainda mais o EEG; ao próprio tronco encefálico, produzindo movimentos. oculares rápidos; e à medula, provocando a movimentação corporal característica do indivíduo que desperta. 6) DISCORRER ACERCA DAS PERCEPÇÕES TÁTEIS (TEMPERATURA, PRESSÃO, DOR, TATO E PROPRIOCEPÇÃO); OBS: TATO FINO E GROSSEIRO; PARTES PERIFÉRICAS ÀS VIAS. (ANATOMIA E FISIOLOGIA) A capacidade que as pessoas e os animais possuem de receber informações sobre as diferentes partes do seu corpo é a somestesia, urna modalidade sensorial constituída por diversas submodalidades, como o tato, a propriocepção, a termossensibilidade, a dor e outras. Quem realiza essa tarefa é o sistema somestésico, uma cadeia sequencial de neurônios, fibras nervosas e sinapses que traduzem, codificam e modificam as informações provenientes do corpo. Nem todas essas informações tomam-se conscientes, produzindo percepção; algumas são utilizadas inconscientemente para a coordenação da motricidade e do funcionamento dos órgãos internos. O Sistema Somestésico divide-se em um subsistema (1) exteroceptivo, outro (2) proprioceptivo e um terceiro (3) interoceptivo. O primeiro é preciso, rápido, discriminativo e dotado de uma detalhada representação espacial da superfície corporal; o segundo também é rápido, sendo encarregado de informar o cérebro sobre os músculos e as articulações; e o terceiro é o que nos proporciona urna noção do estado funcional do corpo, criando uma sensação geral de bem-estar ou mal-estar. Além disso, as vias ascendentes que veiculam os três subsistemas são diferentes. O exteroceptivo tem como submodalidade principal o tato. Apresenta receptores especializados situados na pele e nas mucosas; neurônios primários situados em gânglios periféricos, neurônios de segunda ordem situados no tronco encefálico do mesmo lado; neurônios de terceira ordem situados no tálamo somestésico do lado oposto e neurônios de quarta ordem situados no giro pós-central do córtex cerebral. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 16 O subsistema proprioceptivo tem como função a localização espacial das partes do corpo, principalmente para orientar a ação dos sistemas motores. Suas vias envolvem receptores situados nas articulações e nos músculos. Os neurônios primários ficam também nos gânglios periféricos, mas os de segunda ordem ficam quase sempre na medula, de onde projetam ao tálamo e ao cerebelo. Uma parte da propriocepção é consciente, a outra é inconsciente, servindo para possibilitar ações motoras rápidas e eficazes. O subsistema interoceptivo reúne as informações dolorosas, térmicas e metabólicas de todos os tecidos e órgãos, que confluem para neurônios de segunda ordem situados na lâmina I da medula, cujos axônios cruzam e ascendem a urna cadeia de regiões em vários níveis da medula e do tronco encefálico, chegando ao tálamo e depois aos córtices insular e cingulado, relacionados com as emoções. As sensações somáticas podem ser classificadas em três tipos fisiológicos: (1) as sensações somáticas mecanorreceptivas que incluem as sensações de tato e de posição do corpo, cujo estímulo é o deslocamento mecânico de algum tecido do corpo; (2) as sensações termorreceptivas que detectam frio e calor; e (3) a sensação da dor que é ativada por fatores que lesionam os tecidos. As sensações somáticas são também frequentemente agrupadas em outras classes, como se segue. • Sensações exterorreceptivas: são as provenientes da superfície do corpo. • Sensações proprioceptivas: são as relacionadas ao estado físico do corpo, incluindo as sensações de posição, as sensações provenientes dos tendões e dos músculos, as sensações de pressão na sola do pé e até mesmo a sensação de equilíbrio (que é frequentemente considerada como sentido “especial”, e não modalidade sensorial somática). • Sensações viscerais: são as provenientes das vísceras; esse termo se refere usualmente às sensações provenientes dos órgãos internos. • Sensações profundas: são as provenientes dos tecidos profundos, tais como fáscias, músculos e ossos. Essas sensações incluem, principalmente, a pressão “profunda”, a dor e a vibração. Podem-se identificar pelo menos nove tipos de receptores da sensibilidade corporal: 1. As terminações livres são as mais simples, pois não passam de pequenas arborizações terminais na fibra sensorial. Usualmente, estão presentes em toda a pele e em quase todos os tecidos do organismo. São receptores de adaptação lenta (tônicos), cujas fibras são mielínicas e amielínicas finas, com baixa velocidade de condução dos impulsos nervosos. Veiculam informações de tato grosseiro, dor, sensibilidade à temperatura (calor) e propriocepção. Os seus mecanismos de transdução são mal conhecidos. 2 e 3. Os corpúsculos de Meissner e de Pacini são semelhantes em forma e função: ambos são encapsulados, isto é, envolvidos por estruturas conjuntivas que formam uma espécie de bolsa em tomo da extremidade receptora da fibra. Localizam-se na derme profunda (os de Pacini) e na borda da derme com a epiderme (os de Meissner). Por serem fásicos, são sensíveis a estímulos vibratórios rápidos (os de Pacini) e mais lentos (os de Meissner). Isso lhes confere grande importância na identificação de texturas dos objetos que entram em contato com a pele glabra (sem pelos). Provavelmente, é através desses receptores que identificamos com a mão as superfícies lisas e as mais rugosas e conseguimos diferenciá-las. Ambos os receptores, juntos, respondem por cerca de 50% da inervação sensorial da mão. 4. Os corpúsculos de Ruffini são também encapsulados, situados na derme profunda, e ligados a fibras sensoriais mielínicas rápidas. Diferem dos corpúsculos de Meissner e de Pacini por serem tônicos, o que não lhes confere sensibilidade vibratória. Entretanto, parecem sensíveis à indentação e ao estiramento da pele, e também ao estiramento dos Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 17 ligamentos de tendões. Respondem por cerca de 20% da inervação sensorial da mão. 5. Os discosde Merkel são pequenas arborizações das extremidades receptoras de fibras sensoriais mielínicas. Na ponta de cada uma delas existe uma expansão em forma de disco, estreitamente associada a uma ou duas células epiteliais. Como essas células epiteliais, observadas ao microscópio eletrônico, apresentam vesículas secretoras, especula-se que elas exerçam influências hormonais sobre o processo de transdução que os discos de Merkel efetuam. Estes são tônicos, situados na epiderme, e parecem envolvidos com informações de tato e pressão contínuas, que talvez contribuam para a percepção estática da forma dos objetos. Representam cerca de 25% da inervação da mão, e são particularmente densos nos dedos, lábios e genitália externa. 6. Os bulbos de Krause são menos conhecidos, e estão localizados nas bordas da epiderme com as mucosas. Sua função é incerta, embora alguns os considerem termorreceptores sensíveis ao frio. 7. Os terminais dos folículos pilosos são fibras sensoriais mielínicas que espiralam em tomo da raiz dos pelos. Podem ser fásicos ou tônicos, e detectam o deslocamento desses pelos. Para alguns animais têm grande importância sensorial, particularmente para os roedores e os carnívoros, cujos bigodes do focinho (as vibrissas) possuem motricidade e desempenham papel importante na detecção de obstáculos do meio. 8 e 9. Finalmente, destacam-se dois tipos de mecanorreceptores muito especializados, situados nos músculos esqueléticos e respectivos tendões, envolvidos com a propriocepção consciente e inconsciente. São os fusos musculares e os órgãos tendinosos de Golgi. TATO Interrelações entre as sensações de Tato, de Pressão e de Vibração. Embora o tato, a pressão e a vibração sejam frequentemente classificadas como sensações distintas, todas elas são detectadas pelos mesmos tipos de receptores. Existem três diferenças principais entre elas: (1) a sensibilidade tátil resulta geralmente da estimulação dos receptores para o tato na pele ou nos tecidos logo abaixo da pele; (2) a sensação de pressão resulta geralmente da deformação dos tecidos mais profundos; e (3) a sensação de vibração é resultado da ocorrência de sinais sensoriais repetitivos e rápidos, porém são usados alguns dos tipos de receptores para tato e pressão. Receptores Táteis. Há pelo menos seis tipos completamente diferentes de receptores táteis, mas existem outros muito mais similares a eles. São eles: (1) Terminações nervosas livres; (2) Corpúsculo de Meissner; (3) Discos de Merkel que são frequentemente agrupados no órgão receptor chamado Receptor em cúpula de Iggo; (4) Órgão terminal do pelo; (5) Terminações de Ruffini; e (6) Corpúsculos de Pacini. Transmissão dos Sinais Táteis nas Fibras Nervosas Periféricas. Quase todos os receptores sensoriais especializados, tais como os corpúsculos de Meissner, os receptores em cúpula de Iggo, os receptores pilosos, os corpúsculos de Pacini e as terminações de Ruffini, transmitem seus sinais pelas fibras nervosas do tipo Aβ, com velocidades de condução variando de 30 a 70 m/s. Ao contrário, os receptores táteis, como as terminações nervosas livres, transmitem sinais principalmente pelas fibras mielinizadas do tipo Aδ que conduzem com velocidades de apenas 5 a 30 m/s. Algumas terminações nervosas livres táteis transmitem seus sinais pelas fibras amielínicas do tipo C, com velocidades variando de menos de um metro até 2 m/s; essas terminações nervosas enviam sinais para a medula espinal e para a parte inferior do tronco cerebral, provavelmente transmitindo, em grande parte, a sensação de cócegas (comichão). Assim, os tipos mais críticos de sinais sensoriais — os que ajudam a determinar a localização precisa na pele, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 18 as mínimas graduações de intensidade, ou as alterações rápidas da intensidade do sinal sensorial — são todos transmitidos por fibras de condução mais rápida. Ao contrário, os sinais menos discriminativos, tais como a pressão, o tato pouco localizado e, especialmente, a sensação de cócegas (prurido e comichão), são transmitidos por fibras nervosas muito finas e muito mais lentas, que requerem menos espaço no feixe de fibras nervosas do que as fibras rápidas. Existem dois tatos, um "tato fino" e um "tato grosseiro". É fácil compreender o primeiro, mas não tanto o segundo. O tato fino (epicrítico, na nomenclatura clássica) é o que conhecemos intuitivamente de nossa experiência pessoal. Capacita- nos a reconhecer estímulos muito suaves e pequenos com grande precisão. O tato grosseiro (protopático) não é preciso, e pode ser um remanescente evolutivo das primeiras tentativas da natureza em estabelecer um sistema somestésico entre os mamíferos. Sua existência é comprovada pelos neurologistas, quando se defrontam com indivíduos portadores de lesões completas da coluna dorsal, e que ainda assim apresentam uma capacidade rudimentar de discriminação tátil. Detecção da Vibração. Todos os receptores táteis estão envolvidos na detecção da vibração, embora diferentes receptores detectem diferentes frequências de vibração. Os corpúsculos de Pacini podem detectar sinais vibratórios de 30 a 800 ciclos/s, porque respondem de modo extremamente rápido a deformações mínimas e rápidas dos tecidos. Também transmitem seus sinais por fibras nervosas do tipo Aβ, que podem transmitir até 1.000 impulsos por segundo. Vibrações de baixa frequência de 2 a 80 ciclos por segundo, ao contrário, estimulam outros receptores táteis, especialmente os corpúsculos de Meissner, que se adaptam menos rapidamente do que os corpúsculos de Pacini. Detecção de Cócegas e Prurido pelas Terminações Nervosas Livres Mecanorreceptivas. Estudos neurofisiológicos demonstraram a existência de terminações nervosas livres mecanorreceptivas muito sensíveis e de adaptação rápida que desencadeiam apenas as sensações de cócegas (comichão) e prurido (coceira). Além disso, essas terminações são encontradas, quase exclusivamente, nas camadas superficiais da pele, que é o único tecido do qual podem ser desencadeadas as sensações de cócegas e prurido. Essas sensações são transmitidas por fibras amielínicas muito finas do tipo C, semelhantes às que transmitem a dor em queimação contínua. A sensação de coceira tem como propósito alertar para os estímulos superficiais leves, como uma pulga se arrastando sobre a pele ou inseto prestes a picar, e os sinais desencadeados ativam o reflexo de coçar ou outras manobras que livram o hospedeiro do estímulo irritante. A coceira pode ser aliviada pelo coçar, se esse efeito remover o estímulo irritante ou se o coçar é forte o suficiente para desencadear dor. Acredita-se que os sinais de dor suprimam os sinais da coceira na medula espinal por inibição lateral. PROPRIOCEPÇÃO Mesmo de olhos fechados somos capazes de saber exatamente em que posição estão as diversas partes de nosso corpo em cada momento. Assim também, somos capazes de perceber os movimentos dos membros e do corpo em geral. Esse tipo de percepção se chama propriocepção, um termo criado por Charles Sherrington para indicar a "percepção de posição do próprio corpo". Embora o termo não seja ideal pelo simples fato de que utilizamos todos os sentidos para perceber as posições assumidas pelo nosso corpo, é útil por reunir os receptores situados nos músculos e nas articulações e suas conexões com o SNC até o córtex cerebral. A propriocepção tem um componente consciente, como acabamos de mencionar, mas tem também um forte componente inconsciente que faz parte dos sistemas de controle da motricidade. As mesmas informações geradas pelos receptores musculares e articulares e conduzidas até o córtex cerebral, onde se transformam em percepções conscientes,são utilizadas também para gerar respostas e ajustes motores capazes de tornar adequadas a cada situação as posições do corpo, e eficientes os movimentos corporais. Os receptores proprioceptivos são mecanorreceptores situados no interior dos músculos, tendões e cápsulas articulares. Os receptores musculares são fibras aferentes de tipo Ia (portanto mielínicas, de grosso calibre e alta velocidade de condução), que fazem parte de minúsculos órgãos especializados chamados fusos musculares, capazes de detectar as variações de comprimento do músculo no qual estão situados. Quando o músculo aumenta de comprimento, aparece um potencial receptor de amplitude proporcional que provoca o disparo de uma salva de potenciais de ação conduzidos pelas fibras lá em direção à medula através dos nervos espinhais, ou rumo ao tronco encefálico Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 19 através do nervo trigêmeo. O sistema entra em ação no músculo bíceps do braço, por exemplo, quando levamos a mão do ombro ao joelho, provocando o relaxamento do bíceps e, portanto, o aumento do seu comprimento. Os receptores tendinosos, por sua vez, são fibras aferentes do tipo Ib (também mielínicas, mas de diâmetro ligeiramente menor), que fazem parte de outros mini órgãos especializados chamados órgãos tendinosos de Golgi. Neste caso, o estímulo que provoca potenciais receptores nessas fibras é a tensão sobre os tendões. Esse estímulo atua nos tendões do bíceps do braço, por exemplo, quando tentamos levantar um objeto muito pesado. Quando isso ocorre, o músculo não muda necessariamente de comprimento (porque não conseguimos levantar o objeto), e, como encontra resistência, traciona os tendões exercendo força sobre eles, e assim ativando os receptores dos órgãos tendinosos. Resultam salvas de PAs produzidos pelos potenciais receptores nas fibras Ib e conduzidos até a medula pelos nervos espinhais, ou até o tronco encefálico pelo nervo trigêmeo. Os receptores articulares são conhecidos por suas características fisiológicas, mas sua morfologia ainda não foi devidamente caracterizada. Sabe-se que não há órgãos receptores especializados nas articulações, mas apenas terminações livres de fibras de tipo mal conhecido, que se integram aos nervos espinhais e ao nervo trigêmeo junto com as demais fibras sensitivas. Conhece-se, no entanto, o estímulo que as ativa: variações de ângulo articular. Alguns desses receptores são ativados quando a articulação se abre (aumento do ângulo articular), outros são ativados pelo movimento oposto, que resulta em fechamento da articulação. Como praticamente todos os músculos, tendões e articulações dispõem de proprioceptores, de um modo ou de outro quaisquer movimentos do corpo, ativos ou passivos, e até mesmo a manutenção deste em uma posição estática, provocam a ativação das fibras aferentes. SENSIBILIDADE TÉRMICA Do mesmo modo que a propriocepção, a termossensibilidade também apresenta um componente consciente e outro inconsciente, e os mesmos receptores que transduzem e codificam as informações que se tomam conscientes participam do componente inconsciente. Através do primeiro componente, somos capazes de perceber a temperatura ambiente e organizar o nosso comportamento de modo apropriado. Se faz frio, você procura se abrigar em um ambiente aquecido e veste roupas que a aqueçam. Se faz calor, você bebe líquidos gelados, liga equipamentos de ventilação e refrigeração e veste roupas leves. Os animais agem de modo semelhante, cada espécie à sua maneira. A temperatura dos alimentos e do ar inspirado também pode ser percebida através de termorreceptores situados na parede das vísceras digestivas e respiratórias. O componente inconsciente difere do consciente porque, além dos receptores cutâneos e viscerais, utiliza receptores especiais situados no sistema circulatório e até no próprio cérebro para modular as respostas vegetativas destinadas a gerar, conservar ou dissipar calor. Quando faz frio, por exemplo, mesmo se não nos damos conta disso, trememos ou nos movimentamos para gerar calor muscular, e empalidecemos por força de uma vasoconstrição cutânea capaz de diminuir a perda de calor pela pele. Quando faz calor, ocorrem fenômenos opostos: tendemos a diminuir nossa movimentação corporal, coramos e suamos para perder calor pela pele. O fundamento biológico essencial da termossensibilidade - consciente ou inconsciente - é o controle da temperatura corporal para que esta não se afaste do nível ótimo para as reações químicas orgânicas das células. Os termorreceptores são geralmente terminações livres distribuídas por toda a superfície cutânea, as mucosas e as paredes das vísceras digestivas e respiratórias. Essa distribuição não é homogênea, uma vez que há pontos com maior concentração de receptores de frio, outros com maior número de receptores de calor e outros ainda pouco sensíveis ou mesmo insensíveis à temperatura. A membrana dos termorreceptores apresenta moléculas da família TRP (abreviatura da expressão inglesa transient receptor potential), que são canais iônicos termossensíveis e têm a propriedade de produzir potenciais receptores quando a temperatura do tecido se afasta da temperatura corporal normal (em tomo de 36-37 °C na maioria das pessoas). Alguns termorreceptores são sensíveis ao frio, isto é, respondem quando a temperatura cutânea decresce em relação à temperatura basal. Outros são sensíveis ao calor, ou seja, respondem a incrementos da temperatura cutânea. A faixa de detecção dos termorreceptores situa-se entre I0°C e 45°C. Abaixo de 10°C o frio torna- se um forte anestésico, bloqueando a gênese de potenciais receptores e a condução de potenciais de ação. Temperaturas inferiores a 0 °C podem provocar Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 20 dor. Por outro lado, acima de 45 °C começa a haver lesão tecidual e são ativados também os receptores da dor. Os receptores de frio respondem na faixa inferior (entre l0°C e 35 °C), enquanto os receptores de calor são ativados na faixa superior (entre 30 e 45 °C). Na faixa entre 30 e 35 °C ambos os tipos são ativos, mas a sua resposta é diferente, pois depende do sentido da variação térmica, isto é, se a temperatura aumenta ou diminui a partir de um ponto inicial. DOR A dor é um mecanismo de demarcação de limites para o organismo, e de aviso sobre a ocorrência de estímulos lesivos provenientes do meio externo ou do próprio organismo. Não podemos levar o braço muito longe para trás das costas porque sentimos dor: esse é o limite mecânico de abertura da articulação do ombro. Também não podemos permanecer na mesma posição por um longo tempo, pois o peso do nosso corpo força o sistema osteoarticular, e o desconforto e a dor nos fazem mudar de posição. Além disso, retiramos a perna bruscamente quando o pé descalço pisa algo pontiagudo, e aprendemos a evitar objetos contundentes que se anteponham em nosso caminho, porque antecipamos a dor que adviria do choque com o nosso corpo. A função protetora da dor é acompanhada por uma forte experiência emocional, de valência negativa e única em comparação com as demais emoções. A importância dessa função protetora e da experiência sensorial-emocional correspondente exigiu da natureza o desenvolvimento de todo um sistema sensorial próprio para veicular as informações nociceptivas. Ao contrário do que se poderia supor, a dor não é veiculada pelos receptores táteis e termorreceptores submetidos a estímulos muito fortes. Há receptores e vias aferentes privativos da dor, específicos para todos os estímulos capazes de ultrapassar os limites fisiológicos e provocar lesão do organismo. Pode parecer natural, mas nem sempre se pensou assim, na história da neurociência.Os receptores da dor distribuem-se por praticamente todos os tecidos do organismo. Uma notável exceção, já mencionada, é o sistema nervoso central. Não há nociceptores no tecido nervoso, embora eles estejam presentes nos vasos sanguíneos cerebrais mais calibrosos e nas meninges que circundam o SNC. Essa característica é que permitiu a Penfield estimular eletricamente pacientes operados sob anestesia local do crânio e das meninges e mantê-los acordados para analisar sua resposta à estimulação. Com a exceção do tecido nervoso, os nociceptores estão presentes em todos os tecidos: na superfície cutânea, na parede das vísceras ocas, no parênquima das vísceras sólidas, na vasculatura, nos ossos e nas articulações, na córnea, nas raízes dentárias. Há nociceptores para diferentes estímulos: mecânicos, térmicos e químicos. Não há nociceptores para luz, embora algumas fontes muito intensas provoquem dor pela ação do calor que emitem junto com a luz. "Luz fria" intensa pode lesar a retina sem a ocorrência de dor, embora esta apareça posteriormente junto com os processos inflamatórios consequentes à lesão. Sons muito intensos podem provocar dor porque a forte vibração mecânica que produzem atinge os nociceptores situados nas estruturas vibráteis do ouvido. A auto-observação é suficiente para identificarmos dois tipos de dor. Pense no que acontece quando alguém pressiona a sua pele com uma agulha. Aparece uma dor aguda que você localiza pronta e precisamente. Se a agulha é pressionada com mais força, e efetivamente fere a pele, a sua retirada não impede a ocorrência de um segundo tipo de dor que se prolonga durante um certo tempo, tanto maior quanto maior a gravidade do ferimento. O primeiro tipo chama-se dor rápida ou aguda, porque cessa com a interrupção do estímulo. O segundo chama-se dor lenta ou crónica, que ocorre pelo disparo de reações inflamatórias no tecido ferido, mesmo após a interrupção do estímulo inicial. Os neurocientistas verificaram que cada um desses dois tipos de dor envolve mecanismos celulares diferentes e é veiculado por diferentes receptores e vias ascendentes. A dor rápida consiste principalmente na ativação de terminações livres de fibras do tipo Aδ (finas, com pouca mielina e velocidade média-baixa de condução de PAs, por volta de 20 m/s). Algumas dessas terminações livres podem ser sensíveis a estímulos mecânicos (como no exemplo da agulha), outras a estímulos térmicos (se a agulha estiver muito quente), outras a ambos (terminações bimodais). Em todos os casos ocorrerá um potencial receptor nas extremidades livres, e estes serão codificados em salvas de potenciais de ação conduzidos ao longo das fibras Aδ através dos nervos espinhais até a medula, ou através dos ramos do trigêmeo em direção ao tronco encefálico. A dor lenta é mais complexa. Como é provocada por lesão dos tecidos que circundam os nociceptores, ocorrem diversos fenômenos celulares que acentuam Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 21 e prolongam a dor. Imagine um instrumento cortante que perfura a pele. Haverá sangramento e, portanto, anóxia do tecido nutrido pelos vasos que se romperam. Ocorre também lesão celular e depois inflamação. Além de células vermelhas (hemácias), o sangramento liberará no tecido células brancas do sangue (leucócitos), dentre eles os mastócitos, que produzem e secretam substâncias algogênicas (i.e., que provocam dor), como a serotonina (5-HT) e a histamina. As próprias células lesadas do tecido atingido (a pele, em nosso exemplo) também liberam substâncias fortemente algogênicas, como o peptídeo bradicinina, e substâncias irritantes, como os derivados do ácido araquidônico (as prostaglandinas), que por si sós não são algogênicas, mas que potenciam a ação das primeiras. Os nociceptores ativados por esse coquetel de substâncias liberadas pela ação lesiva da agulha são principalmente terminações livres de fibras do tipo C (as mais finas de todas, amielínicas e com baixa velocidade de condução de PAs, em tomo de 2 m/s). Tanto a agulha, diretamente, como as substâncias químicas liberadas após a lesão, ativam ou sensibilizam os nociceptores do tipo C, que são comumente polimodais, ou seja, sensíveis a mais de um tipo de estímulo. A simples sensibilização dos nociceptores, isto é, uma leve despolarização de seu potencial de repouso, aproximando-o do limiar de disparo de potenciais de ação, faz com que qualquer estímulo normalmente inócuo passe a provocar dor. É o fenômeno da hiperalgesia, que todos sentimos em uma região inflamada, como uma espinha ou um furúnculo, ou na pele que se toma dolorida aos menores estímulos após uma queimadura do sol de verão. Essa percepção exacerbada de dor decorre da sensibilização dos receptores moleculares situados nos terminais sensitivos (sensibilização periférica) ou então dos receptores sinápticos no como dorsal da medula (sensibilização central). A sensibilização periférica resulta da ação aditiva dos estímulos termoalgésicos e das substâncias liberadas pela reação inflamatória, como descrito acima. Cada um desses estímulos, fortes ou fracos, químicos, térmicos ou mecânicos, provoca a abertura de diferentes canais iônicos, gerando potenciais receptores posteriormente codificados em salvas de potenciais de ação. Estes, finalmente, são conduzidos em direção ao SNC. E mais: a despolarização dos nociceptores provoca a secreção - pelas próprias terminações nervosas periféricas - de prostaglandinas e neuropeptídeos com ação vasodilatadora local, que acentuam a vermelhidão e o edema, prolongando a dor. Esta ação neuro-secretora resulta na reação inflamatória neurogênica que acompanha a reação inflamatória primária causada pelo primeiro estímulo lesivo sobre o tecido (a penetração da agulha). Aliás, é justamente aí que atua a aspirina, inibindo a enzima ciclo-oxigenase, responsável pela síntese das prostaglandinas. A baixa velocidade de condução dos impulsos nervosos pelas fibras C e a reação inflamatória que se segue à lesão do tecido contribuem para o caráter "lento" do tipo de dor que essas fibras veiculam. A sensibilização central provoca o fenômeno da alodínia, que vem a ser a indução de dor por estímulos que em geral são inócuos, sem que haja necessariamente inflamação periférica. A forma mais simples de sensibilização central advém da estimulação repetitiva de nociceptores, que provoca somação pós- sináptica na medula espinhal, potenciais pós-sinápticos maiores, e ativação dos receptores glutamatérgicos do tipo NMDA, que amplificam a transmissão sináptica. A forma mais complexa e duradoura de alodínia é provocada por um fenômeno semelhante à potenciação de longa duração, que ativa a expressão gênica provocando aumento da síntese da enzima ciclo-oxigenase (COX), e assim uma maior secreção de prostaglandinas. Outras causas de alodínia têm sido descritas. À medida que o tecido ferido cicatriza, a sensibilização declina e o limiar da dor retoma aos níveis pré- lesionais. Em certas condições patológicas, entretanto, os próprios neurônios nociceptivos são atingidos, como ocorre no diabetes, AIDS, esclerose múltipla e em acidentes vasculares, resultando em dor neuropática, uma experiência dolorosa crônica, intensa e de difícil tratamento, durante a qual o paciente sente dor até mesmo provocada pelas roupas que veste. INTEROCEPTIVO A somestesia tem algo mais a revelar: um sentido geral do corpo que se transforma em bem-estar ou mal- estar, que influencia nossas emoções, nosso humor, e que de forma inconsciente - e constante - regula o funcionamento dos sistemas orgânicos. Esse novo sentido genérico foi intuído pelos fisiologistas e psicólogos do início do século 20, como William James (1842-1 910) e Charles Sherrington (1857-1952),mas só há poucos anos foi conceituado pelo neurocientista norte-americano Arthur Craig, que sintetizou a sua função pela pergunta: como você se sente? Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 22 Trata-se do sistema interoceptivo, uma denominação criada por Sherrington para descrever as vias ascendentes originárias das vísceras, e ampliada por Craig para reunir praticamente todas as informações corporais que contribuem para nos dar esse sentido genérico do estado funcional de nosso corpo, com função ao mesmo tempo homeostática, motivacional e emocional. De fato, existem muitas evidências que autorizam essa conceituação do sistema interoceptivo. As fibras mais finas e pouco ou nada mielinizadas (Aδ e C), que veiculam sensações termoalgésicas de todo o corpo, desde a pele aos órgãos internos, veiculam também aspectos pouco discriminativos do tato, a coceira, informações metabólicas dos tecidos (como a concentração de ácido lático dos músculos) e do sangue (como o pH, níveis sanguíneos de oxigênio, gás carbónico e glicose), informações sobre ruptura celular (pelas concentrações extracelulares de ATP e glutamato), penetração de parasitos na pele (pela concentração tecidual de histamina), estados inflamatórios (pela concentração tecidual de serotonina, bradicinina e outros mediadores) e níveis de moléculas imunitárias e hormonais (como as citocinas e a somatostatina). 6.1) VIAS SOMÁTICAS Somatotopia é o nome que se dá à representação da superfície cutânea ou do interior do corpo nas vias e núcleos somestésicos. É o mapa do corpo no cérebro. Praticamente todas as regiões somestésicas possuem algum tipo de representação somatotópica, às vezes muito precisa, outras vezes nem tanto, dependendo da função que exercem. A somatotopia tátil é a mais precisa de todas, e isso reflete as propriedades dessa submodalidade somestésica, que nos toma capazes de apontar com o dedo indicador o local exato da pele estimulado pela ponta de um lápis ou de um pincel. As áreas 1, 2 e 3 constituem a área somatossensorial primária I, e as áreas 5 e 7A constituem a área de associação somatossensorial. A área somatossensorial I apresenta alto grau de localização das diferentes partes do corpo. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 23 Vias aferentes que penetram no sistema nervoso central por nervos espinhais VIAS DE DOR E TEMPERATURA Os receptores de dor são terminações nervosas livres. Existem duas vias principais através das quais os impulsos de dor e temperatura chegam ao cérebro: uma via filogeneticamente mais recente, neoespinotalâmica, constituída pelo trato espinotalâmico lateral, que vai diretamente ao tálamo; e outra, mais antiga, paleoespinotalâmica, constituída pelo trato espino-reticular, e pelas fibras retículo- talâmicas (via espino-retículo-talâmica). Essas duas vias veiculam formas diferentes de dor. Via neoespinotalâmica Trata-se da via "clássica" de dor e temperatura, constituída basicamente pelo trato espinotalâmico lateral, envolvendo uma cadeia de três neurônios. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais situados nas raízes dorsais. O prolongamento periférico de cada um destes neurônios liga-se aos receptores através dos nervos espinhais. O prolongamento central penetra na medula e termina na coluna posterior, onde faz sinapse com os neurônios II. b) Neurônios II - os axônios do neurônio II cruzam o plano mediano pela comissura branca, ganham o funículo lateral do lado oposto, inflectem-se cranialmente para constituir o trato espinotalâmico lateral. Ao nível da ponte, as fibras desse trato se unem com as do espinotalâmico anterior para constituir o lemnisco espinhal, que termina no tálamo fazendo sinapse com os neurônios III. c) Neurônios III - localizam-se no tálamo, no núcleo ventral posterolateral. Seus axônios formam radiações talâmicas que, pela cápsula interna e coroa radiada chegam à área somestésica do córtex cerebral situada no giro pós-central (áreas 3, 2 e 1 de Brodmann). Através dessa via, chegam ao córtex cerebral impulsos originados em receptores térmicos e dolorosos situados no tronco e nos membros do lado oposto. Há evidência de que a via neoespinotalâmica é responsável apenas pela sensação de dor aguda e bem localizada na superfície do corpo, correspondendo à chamada dor em pontada. Via paleoespinotalâmica É constituída de uma cadeia de neurônios em número maior que os da via neoespinotalâmica. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais, e seus axônios penetram na medula do mesmo modo que os das vias de dor e temperatura, estudadas anteriormente. b) Neurônios II - situam-se na coluna posterior. Seus axônios dirigem-se ao funículo lateral do mesmo lado e do lado oposto, inflectem-se cranialmente para constituir o trato espino-reticular. Este sobe na medula junto ao trato espinotalâmico lateral e termina fazendo sinapse com os neurônios III em vários níveis da formação reticular. Muitas dessas fibras não são cruzadas. c) Neurônios III - localizam-se na formação reticular e dão origem às fibras retículotalâmicas que terminam nos núcleos do grupo medial do tálamo, em especial nos núcleos intralaminares (neurônios IV). Os núcleos intralaminares projetam-se para territórios muito amplos do córtex cerebral. É provável, entretanto, que essas projeções estejam mais relacionadas com a ativação cortical do que com a sensação de dor, uma vez que esta se torna consciente já em nível talâmico. Sabe-se que alguns Neurônios III da via paleoespinotalâmica, situados na formação reticular, projetam também para a amígdala, o que parece contribuir para o componente afetivo da dor. Ao contrário da via neoespinotalâmica, a via paleoespinotalâmica não tem organização somatotópica. Assim, ela é responsável por um tipo de dor pouco localizada, dor profunda do tipo crônico, correspondendo à chamada dor em queimação, ao contrário da via neoespinotalâmica, que veicula dores localizadas do tipo dor em pontada. Nas cordotomias anterolaterais (cirurgias usadas para tratamento da dor), os dois tipos de dor são abolidos, pois são seccionadas tanto as fibras espinotalâmicas como as espinorreticulares. Lesões estereotáxicas dos núcleos talâmicos em pacientes com dores intratáveis decorrentes de câncer comprovam a dualidade funcional das vias da dor. Assim, a lesão do núcleo ventral posterolateral (via neoespinotalâmica) resulta em perda da dor superficial em pontada, mas deixa intacta a dor crônica profunda. Esta é abolida com lesão dos núcleos intralaminares, o que, entretanto, não afeta a dor superficial. Além da área somestésica, respondem a estímulos nociceptivos neurônios do córtex da parte anterior do giro do cíngulo e da ínsula. Ambos fazem parte do sistema límbico e parecem estar envolvidos no processamento do componente emocional da dor. Indivíduos com lesões da parte anterior do giro do Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 24 cíngulo são indiferentes à dor. A dor é a mesma, só que eles não se importam com ela. VIA DE PRESSÃO E TATO PROTOPÁTICO Os receptores de pressão e tato são tanto os corpúsculos de Meissner como os de Ruffini. Também são receptores táteis as ramificações dos axônios em tomo dos folículos pilosos. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais cujo prolongamento periférico liga-se ao receptor, enquanto o central divide-se em um ramo ascendente, muito longo, e um ramo descendente, curto, terminando ambos na coluna posterior, em sinapse com os neurônios II. b) Neurônios II - localizam-se na coluna posterior da medula. Seus axônios cruzam o plano mediano na comissura branca, atingem o funículo anterior do lado oposto, onde se inflectam cranialmentepara constituir o trato espinotalâmico anterior. Este, no nível da ponte, une-se ao espinotalâmico lateral para formar o lemnisco espinhal, cujas fibras terminam no tálamo, fazendo sinapse com os neurônios III. c) Neurônios III - localizam-se no núcleo ventral posterolateral do tálamo. Originam axônios que formam radiações talâmicas que, passando pela cápsula interna e coroa radiada, atingem a área somestésica do córtex cerebral. Por este caminho chegam ao córtex os impulsos originados nos receptores de pressão e de tato situados no tronco e nos membros. Entretanto, como no caso anterior, estes impulsos tomam-se conscientes já em nível talâmico. VIA DE PROPRIOCEPÇÃO CONSCIENTE, TATO EPICRÍTICO E SENSIBILIDADE VIBRATÓRIA Os receptores de tato são os corpúsculos de Ruffini e de Meissner e as ramificações dos axônios em tomo dos folículos pilosos. Os receptores responsáveis pela propriocepção consciente são os fusos neuromusculares e órgãos neurotendinosos. Já os receptores para a sensibilidade vibratória são os corpúsculos de Vater Paccini. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais. O prolongamento periférico destes neurônios liga-se ao receptor, o prolongamento central, penetra na medula pela divisão medial da raiz posterior e divide-se em um ramo descendente, curto, e um ramo ascendente, longo, ambos situados nos fascículos grácil e cuneiforme; os ramos ascendentes longos terminam no bulbo, fazendo sinapse com os neurônios II. b) Neurônios II - localizam-se nos núcleos grácil e cuneiforme do bulbo. Os axônios destes neurônios mergulham ventralmente, constituindo as fibras arqueadas internas, cruzam o plano mediano e a seguir inflectem-se cranialmente para formar o lemnisco medial. Este termina no tálamo, fazendo sinapse com os neurônios III. c) Neurônios III - estão situados no núcleo ventral posterolateral do tálamo, originando axônios que constituem radiações talâmicas que chegam à área somestésica passando pela cápsula interna e coroa radiada. Por esta via, chegam ao córtex impulsos nervosos responsáveis pelo tato epicrítico, a propriocepção consciente (ou cinestesia) e a sensibilidade vibratória. O tato epicrítico e a propriocepção consciente permitem ao indivíduo a discriminação de dois pontos e o reconhecimento da forma e tamanho dos objetos colocados na mão (estereognosia). Os impulsos que seguem por esta via se tomam conscientes exclusivamente em nível cortical. VIA DE PROPRIOCEPÇÃO INCONSCIENTE Os receptores são os fusos neuromusculares e órgãos neurotendinosos situados nos músculos e tendões. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais. O prolongamento periférico destes neurônios liga-se aos receptores. O prolongamento central penetra na medula, divide-se em um ramo ascendente longo e um ramo descendente curto, que terminam fazendo sinapse com os neurônios II da coluna posterior. a) Neurônios II - podem estar em duas posições, originando duas vias diferentes até o cerebelo: • Neurônios II, situados no núcleo torácico (localizado na coluna posterior) - originam axônios que se dirigem para o funículo lateral do mesmo lado, inflectem-se cranialmente para formar o trato espinocerebelar posterior Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 25 (Figura 15.5), que termina no cerebelo, onde penetra pelo pedúnculo cerebelar inferior; • Neurônios II, situados na base da coluna posterior e substância cinzenta intermédia - originam axônios que, em sua maioria, cruzam para o funículo lateral do lado oposto, inflectem-se cranialmente constituindo o trato espinocerebelar anterior. Este penetra no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar superior. Admite-se que as fibras que cruzam na medula cruzam novamente antes de penetrar no cerebelo, pois a via é homolateral. Através dessas vias, os impulsos proprioceptivos originados na musculatura estriada esquelética chegam até o cerebelo. VIAS DA SENSIBILIDADE VISCERAL O receptor visceral geralmente é uma terminação nervosa livre, embora existam também corpúsculos de Vater Paccini na cápsula de algumas vísceras. Os impulsos nervosos originados nas vísceras, em sua maioria, são inconscientes, relacionando-se com a regulação reflexa da atividade visceral. Contudo, interessam-nos principalmente aqueles que atingem níveis mais altos do neuroeixo e se tomam conscientes, sendo mais importantes, do ponto de vista clínico, os que se relacionam com a dor visceral. O trajeto periférico dos impulsos viscerais se faz geralmente através de fibras viscerais aferentes que percorrem nervos simpáticos ou parassimpáticos. No que se refere aos impulsos relacionados com a dor visceral, há evidência que eles seguem, principalmente, por nervos simpáticos, fazendo exceção as vísceras pélvicas inervadas pela parte sacral do parassimpático. Os impulsos que seguem por nervos simpáticos, como os nervos esplâncnicos, passam pelo tronco simpático, ganham os nervos espinhais pelo ramo comunicante branco, passam pelo gânglio espinhal, onde estão os neurônios I, e penetram na medula pelo prolongamento central destes neurônios. Até bem pouco tempo, discutia-se qual seria o trajeto central da via da dor visceral, sendo mais corrente a ideia de que ela acompanharia o trato espinotalâmico lateral. Surpreendentemente, entretanto, descobriu- se que somente uma parte dos axônios de dor visceral segue essa via e a maior parte segue pelo funículo posterior. Verificou-se que as fibras nociceptivas originárias das vísceras pélvicas e abdominais fazem sinapse em neurônios II situados na substância cinzenta intermédia medial, próximas ao canal central. Os axônios desses neurônios formam um fascículo que sobe no funículo posterior, medialmente ao fascículo grácil, e termina no núcleo grácil do bulbo, fazendo sinapse com o neurônio III cujos axônios cruzam para o lado oposto como parte do leminisco medial e terminam no núcleo ventral posterolateral do tálamo, de onde as fibras seguem para a parte posterior da insula. Já a via nociceptiva originada nas vísceras torácicas têm o mesmo trajeto das originadas no abdome e na pelve, mas sobem ao longo do septo intermédio que separa o fascículo grácil do cuneiforme. A descoberta de uma via para dor" visceral na parte medial do funículo posterior deu a base anatômica das neurocirurgias nas quais essas fibras são seccionadas (mielotomia da linha média), resultando alívio das fortes dores resistentes a analgésicos, observadas em muitos pacientes com câncer abdominal ou pélvico. Vias aferentes que penetram no sistema nervoso central por nervos cranianos VIAS TRIGEMINAIS Com exceção do território inervado pelos primeiros pares de nervos espinhais cervicais, a sensibilidade somática geral da cabeça penetra no tronco encefálico pelos nervos V, VII, IX e X. Destes, sem dúvida alguma, o mais importante é o trigêmeo, uma vez que os demais inervam apenas um pequeno território sensitivo situado no pavilhão auditivo e meato acústico externo. Via trigeminal exteroceptiva Os receptores são idênticos aos estudados a propósito das vias medulares de temperatura, dor, pressão e tato. São responsáveis pela sensibilidade da face, fronte e parte do escalpo, mucosas nasais, seios maxilares e frontais, cavidade oral, dentes, dois terços anteriores da língua, articulação temporomandibular, córnea, conjuntiva, dura-máter das fossas média e anterior do crânio. a) Neurônios 1 - São neurônios situados nos gânglios sensitivos anexos aos nervos V, VII, IX e X, ou seja: gânglio trigeminal (V par), gânglio geniculado (VII par), gânglio superior do glossofaríngeo e gânglio superior do vago. Os prolongamentos periféricos desses neurônios ligam-se aos receptores, enquanto os prolongamentos centrais penetram no tronco encefálico, ondeterminam fazendo sinapse com os neurônios II. A lesão do gânglio trigeminal ou de sua Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.1 Página | 26 raiz sensitiva resulta em perda da sensibilidade tátil, térmica e dolorosa na metade ipsilateral da face, cavidade oral e dentes; b) Neurônios II - estão localizados no núcleo do trato espinhal ou no núcleo sensitivo principal do trigêmeo. Todos os prolongamentos centrais dos neurônios I dos nervos VII, IX e X terminam no núcleo do trato espinhal do V. Os prolongamentos centrais do V par podem terminar no núcleo sensitivo principal, no núcleo do trato espinhal ou então bifurcar, dando um ramo para cada um destes núcleos. Embora o assunto seja ainda controvertido, admite-se que as fibras que terminam exclusivamente no núcleo sensitivo principal levam impulsos de tato discriminativo; as que terminam exclusivamente no núcleo do trato espinhal levam impulsos de temperatura e dor, e as que se bifurcam, terminando em ambos os núcleos, provavelmente relacionam-se com tato protopático e pressão. Assim, quando se secciona cirurgicamente o trato espinhal (tratotomia) para tratamento da nevralgia do trigêmeo, desaparece completamente a sensibilidade térmica e dolorosa, sendo muito pouco alterada a sensibilidade tátil, cujas fibras continuam a terminar em grande parte do núcleo sensitivo principal. Os axônios dos neurônios II, situados no núcleo do trato espinhal e no núcleo sensitivo principal, em sua grande maioria, cruzam para o lado oposto e inflectem-se cranialmente para constituir o lemnisco trigeminal, cujas fibras terminam fazendo sinapse com os neurônios III. c) Neurônios III - localizam-se no núcleo ventral posteromedial do tálamo. Originam fibras que, como radiações talâmicas, ganham o córtex passando pela cápsula interna e coroa radiada. Estas fibras terminam na porção da área somestésica que corresponde à cabeça, ou seja, na parte inferior do giro pós-central (áreas 3, 2 e 1 de Brodmann). Via trigeminal proprioceptiva Os neurônios I da via proprioceptiva do trigêmeo não estão em um gânglio e sim no núcleo do trato mesencefálico. Os neurônios deste núcleo têm, por conseguinte, o mesmo valor funcional de células ganglionares. São neurônios idênticos aos ganglionares, de corpo muito grande e do tipo pseudounipolar. O prolongamento periférico destes neurônios liga-se a fusos neuromusculares situados na musculatura mastigadora, mímica e da língua. Liga-se, também, a receptores na articulação temporomandibular e nos dentes, os quais veiculam informações sobre a posição da mandíbula e a força da mordida. Alguns destes prolongamentos levam impulsos proprioceptivos inconscientes ao cerebelo. Admite-se também que uma parte destes prolongamentos faz sinapse no núcleo sensitivo principal (neurônio II), de onde os impulsos proprioceptivos conscientes, através do lemnisco trigeminal, vão ao tálamo (neurônio III) e de lá ao córtex. 7) ABORDAR OS EXAMES DE IMAGEM UTILIZADOS NA AVALIAÇÃO DO SISTEMA SENSORIAL - TATO, DOR, TEMPERATURA, PROPRIOCEPÇÃO E PRESSÃO. (RESSONÂNCIA E TOMOGRAFIA)