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1 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 PROBLEMA 01 – FECHAMENTO 01 REFERÊNCIAS: Dimensões da Bioética. Hubert Lepargneur - Revista - Centro Universitário São Camilo – 2011 A relação entre o princípio da autonomia e o princípio da beneficência (e não maleficência) na bioética médica. Adriana Campos - Revista Brasileira de Estudos Políticos | Belo Horizonte | n. 115 | pp. 13-45 | jul./dez. 2017 Monografia: Aborto e objeção de consciência: aspectos éticos e legais, da Universidade Federal da Bahia por Henrique Pargas de 2014. Código de ética Médica, 2018 A Formação Ética dos Médicos – Sérgio Rego, 2003 – 20 ed. 1) RESPONDER E FUNDAMENTAR: UM MÉDICO PODE DEIXAR UM PLANTÃO SEM OUTRO MÉDICO QUE O SUBSTITUA? O Artigo 37 do Código de Ética Médica estabelece o seguinte: "Art. 37. O médico que deixar plantão médico é obrigado a garantir a continuidade da assistência prestada aos seus pacientes por outro médico, devendo, para tanto: I - Comunicar ao seu substituto, por escrito ou verbalmente, todas as ocorrências relacionadas com a evolução do paciente; II - Registrar em prontuário médico próprio as informações que julgar pertinentes para a continuidade da assistência; III - Comunicar ao médico assistente ou ao responsável pelo serviço de saúde, tão logo possível, a transferência do plantão e o nome do seu substituto." Esse artigo enfatiza a importância da continuidade do atendimento médico, mesmo quando um médico precisa deixar o plantão. Nesse caso, é obrigação do médico garantir a continuidade da assistência prestada aos seus pacientes por outro médico, comunicando-o por escrito ou verbalmente todas as ocorrências relacionadas com a evolução do paciente. O médico também deve registrar em prontuário médico próprio as informações relevantes para a continuidade da assistência e comunicar ao médico assistente ou ao responsável pelo serviço de saúde, tão logo possível, a transferência do plantão e o nome do seu substituto. O objetivo desse artigo é proteger a saúde e a vida dos pacientes, garantindo que a assistência médica seja contínua e de qualidade. O médico que deixa o plantão deve assegurar que seus pacientes estejam sendo atendidos por outro médico e que todas as informações relevantes para o cuidado adequado do paciente sejam transmitidas ao médico substituto. 2) RESPONDER E FUNDAMENTAR: UM MÉDICO PODE DESCONSIDERAR O DESEJO DO PACIENTE DE DECIDIR SOBRE CONDUTAS TERAPÊUTICAS E PROPEDÊUTICAS QUE FOREM BEM INDICADAS? É VEDADO AO MÉDICO: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo. Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar danos, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos. Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados. § 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder. § 2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este p ortador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para cuidados paliativos. 2 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Fonte: Código de ética Médica, 2018 3) RESPONDER E JUSTIFICAR: UM MÉDICO PODE RECUSAR -SE A REALIZAR UM ABORTO EM SITUAÇÃO DE ESTUPRO? Ao envolver questões de natureza ética e moral, as discussões sobre o aborto resultam em polêmicas e posições contraditórias. Para que seja um ato legítimo, o aborto não deve ser uma prática de imposição obrigatória, mas uma decisão autônoma da mulher, baseada em suas razões e seus valores, tal como garantido no Artigo 5º, parágrafo II, da Constituição Federal (Brasil, 1988). E sendo assim, de igual modo o médico tem o direito à recusa de realizar qualquer ato que contrarie os ditames da sua consciência, tal como disposto no Capítulo II- Direitos dos médicos - do Código de Ética Médica (Brasil, 2009b). Entende-se por objeção de consciência o direito do médico à recusa ao dever de assistência por razões morais (Diniz, 2013). Do ponto de vista ético e filosófico, há diferentes teses em relação ao direito à objeção de consciência nos casos de aborto legal. A Tese da Incompatibilidade argumenta que na recusa ao atendimento pode haver uma violação da responsabilidade médica fundamental, pois o aborto só pode ser legalmente realizado por esse profissional. Ao deixar de assistir as mulheres em suas necessidades de saúde, o médico coloca essas pacientes em situação de dependência e vulnerabilidade, levando à obstrução da assistência em saúde. Essa tese admite o direito médico de professar suas crenças e até exercer a militância política contra o aborto. Porém, o profissional tem o dever ético e moral de manter-se neutro no momento de atendimento profissional no serviço público de saúde, pois aí estará revestido como representante do Estado laico. Nesse caso, a liberdade e o direito a recusa ficariam subordinados ao dever de assistência (Diniz, 2011). A Tese da Integridade toma os ditames de consciência como direito individual e absoluto, ou seja, não apenas os médicos, mas qualquer profissional de saúde pode lançar mão da objeção de consciência, sempre que sinta sua integridade moral ameaçada por uma demanda de assistência. Sustenta a sobreposição entre profissional de saúde e agente moral, haja vista antes de ser um profissional a serviço da neutralidade do Estado, o indivíduo é membro de uma comunidade moral que determina a sua consciência, incluindo limites do certo e errado, mesmo durante o exercício legal da profissão. Essa tese dá margem a duas diferentes interpretações. Uma interpretação diz que até o ato de informar a paciente sobre seus direitos e encaminhá-la a outro médico que faça o procedimento pode ferir a consciência. A outra interpretação assume que o médico possui o direito de não fazer um procedimento que seja contra seus princípios, mas tem o deve ético de encaminhar a paciente para quem o faça (Diniz, 2011). Fonte: Monografia: Aborto e objeção de consciência: aspectos éticos e legais, da Universidade Federal da Bahia por Henrique Pargas de 2014. 4) APRESENTAR OS ASPECTOS LEGAIS DO ABORTO NO BRASIL O tema não possui previsão uniforme ao redor do mundo, muito pelo contrário, países possuem diferentes entendimentos e legislação sobre isto. No Chile, por exemplo, até poucos anos atrás o aborto era totalmente restrito, tendo sido inseridas hipóteses de interrupções voluntárias, nos casos de estupro, má formação do feto e risco de vida para a mãe apenas no ano passado. A Irlanda era um dos países mais severos contra o aborto voluntário, o permitindo apenas em casos de risco à vida da gestante, sendo proibido inclusive nos casosde estupro e incesto, punido com prisão perpétua, o aborto foi legalizado no país no ano passado por meio de referendo. Alguns países chegaram ao fato de punir abortos espontâneos, como é o caso de El Salvador, onde Glenda Xiomara Cruz descobriu tanto a gravidez quanto a perda do feto quando se dirigiu a um hospital público por sentir fortes dores abdominais, no entanto, sob a suspeita de ter causado aborto voluntário foi sentenciada a dez anos de prisão por homicídio doloso do feto, no mesmo país Mirna Ramírez saiu da prisão após cumprir pena por doze anos por ter dado a luz a um bebê prematuro no banheiro de sua casa, denunciada por uma vizinha a quem pediu ajuda. Outros países como Nicarágua, Honduras e República Dominicana também são totalmente restritos quanto à legalização, proibindo a intervenção na gestação até mesmo em casos de estupro. Porém, como já citado, a proibição não diminui a prática, desde 1990 a quantidade de abortos realizados na América Latina cresceu, em cada mil mulheres 44 já abortaram, o número pode ser maior. Por outro lado, mesmo que localizados na América Latina, alguns países legalizam o aborto voluntário, como no caso de Cuba e Uruguai, assim como Camboja e Nepal na Ásia, no mundo 63 países legalizam a prática e as mulheres não são por ela punidas. A Espanha chegou a legalizar em 1936, voltando a proibi-lo sob o regime ditatorial de Franco, voltando a ser legalizado apenas em 1985, por voluntariedade da gestante, flexibilizando as leis em A Legalização do Aborto como Questão de Saúde Pública no Brasil e no Mundo 22 2010, inclusive acres centando a possibilidade de interrupção por jovens de 16 a 18 anos mesmo que sem consentimento dos pais. Na Noruega, desde que até a 12º semana de gestação toda mulher colocada em dificuldades por conta da gestação pode solicitar interrupção. No Canadá tanto os canadenses quanto os estrangeiros residentes podem realizar o aborto voluntário, o país possui leis bem flexíveis quanto ao tema, fornecendo amparo na rede pública de saúde. Alemanha e França possuem legislações parecidas, legalizando a interrupção voluntária da gravidez no primeiro trimestre, desde que a mulher passe por acompanhamento psicológico. 3 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 O pensamento espanhol, por exemplo, é de que um dos assuntos mais pessoais que o ser humano pode ter na vida é a decisão de ter ou não filhos, não podendo o estado interferir nesta escolha, no entanto deve garantir atendimento de qualidade tanto às mulheres que querem seguir com a gravidez quanto às que querem interrompe-la, legalizando a interrupção de uma gravidez indesejada até a 14ª semana e até a 22ª semana em caso de risco para a mãe ou feto. O mais interessante são os números, desde 2010 os casos de aborto caíram de 113.031 por ano para 94.123 por ano em 2017, ou seja, a legalização não leva ao aumento, leva à conscientização, ao acesso à segurança no procedimento e até à diminuição. A legalização não visa aumentar as estatísticas e sim diminui-las, a taxa anual de aborto nas regiões desenvolvidas caiu, principalmente em países ricos onde a prática é legalizada passou de 46 para 27 abortos para cada mil mulheres em idade reprodutiva, segundo The Gutmacher. Por fim, as mulheres argentinas defendem que as mulheres precisam de educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar e, em última instância, aborto seguro para não morrer. Fonte: Direitos Fundamentais e Inovações no Direito por Fábio da Silva e Rubén Miranda de 2020. 5) EXPLICAR A ORIGEM DA BIOÉTICA As diretrizes filosóficas dessa área começaram a surgir após a tragédia do holocausto da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo ocidental, chocado com as práticas abusivas de médicos nazistas em nome da Ciência, criam um código para que se limitem os estudos relacionados. Formula-se também a ideia de que a ciência não é mais importante que o homem. Bioética é uma ética aplicada, chamada também de “ética prática”, que visa “dar conta” dos conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida e da Saúde do ponto de vista de algum sistema de valores. pode-se dizer que a bioética tem uma tríplice função, reconhecida acadêmica e socialmente: (1) descritiva, consistente em descrever e analisar os conflitos em pauta; (2) normativa com relação a tais conflitos, no duplo sentido de proscrever os comportamentos que podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considerados corretos; e (3) protetora, no sentido, bastante intuitivo, de amparar, na medida do possível, todos os envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando isso for necessário, os mais “fracos”. “A bioética é o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e justificam eticamente os atos humanos que podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos vitais”. (Kottow, M. H. Introducción a la Bioética. Chile : Editorial Universitaria, 1995). “Bioética nada mais é do que os deveres do ser humano para com o outro ser humano e de todos para com a humanidade”. (Comte -Sponville, André). 6) DESCREVER OS EVENTOS E DOCUMENTOS HISTÓRICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A CONSOLIDAÇÃO DA BIOÉTICA 1900 - Primeiro documento que estabelecia explicitamente os princípios éticos da experimentação em humanos, formulado pelo Ministério da Saúde da Prússia (Land ou “região” do então Reich alemão), a saber: a integridade moral do experimentador e o consentimento explícito do sujeito pesquisado, após ter tido a informação pertinente sobre as possíveis consequências adversas resultantes da pesquisa. 1931 - o Ministro do Interior da Alemanha estabeleceu as 14 “diretrizes para novas terapêuticas e a pesquisa em seres humanos”. Tais diretrizes determinavam de maneira muito mais precisa e restritiva os padrões técnicos e éticos da pesquisa, incluindo, além das exigências do documento de 1900, a justificativa documentada sobre as mudanças em relação ao projeto inicial de pesquisa; a análise sobre possíveis r iscos e benefícios prováveis; a justificativa cogente para fazer pesquisas em pacientes morais particularmente vulneráveis, como crianças, e a obrigação de manter documentação escrita relativa às pesquisas. 1933-1945 - Período nazista e da 2ª Guerra Mundial. Neste período, acontecem três fatos importantes que irão incluir progressivamente as instituições médicas na formulação e realização de políticas públicas “eugenistas” e racistas, formuladas desde 1924 por Hitler em seu livro - propaganda Mein Kampf: 1) a lei de 14 de julho de 1933 sobre a esterilização - “Lei para a prevenção contra uma descendência hereditariamente doente”, que estabelece uma ligação estreita entre médicos e magistrados através de um “tribunal de saúde hereditária” e será completada, em 1935, pelas leis de Nüremberg - “lei da cidadania do Reich” e “lei para a proteção do sangue e da honra alemães” - relativas, sobretudo, a populações judias e ciganas e à interdição de casamento entre pessoas de “raças diferentes”; 2) a circular de outubro de 1939 sobre a eutanásia de doentes considerados incuráveis, isto é de “vidas que não valiam a pena de serem vividas”, que criava seis institutos para a prática da eutanásia por injeção de morfina 3) a criação, a partir de 1941, dos campos de extermínio, organizados e controlados pelos mesmos responsáveis do programa de morte por eutanásia; 4) a participação de médicos e juristas tanto no planejamento como na execução desses programas, o que garantia a “legitimidade” científica e moral das ações desse Estado totalitário mas, simultaneamente, violava o princípio do consentimento voluntário das pessoas contido nas Diretrizes de 1900 e 1931; e 5) a utilização de recursos públicos destinados à pesquisa científica, como forma de responder à demanda governamental por pesquisas específicas envolvendo indivíduos não portadores das enfermidades que iriam ser investigadas. . 05 de agostode 1968 - Definição de Morte Cerebral. O NEJM publica “A Definition of Irreversible Coma: Report of the Ad Hoc Committee at Harvard Medical School to Examine the Definition of Brain Death”. Duas razões para a necessidade de uma definição clara, ou supostamente tal: - Discussão sobre os danos para as pessoas com morte cerebral mantidas por medidas artificiais. Abrem-se discussões sobre eutanásia e 4 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 distanásia; - O critério de morte, até então aceito, de parada cárdio-respiratória, torna-se obsoleto e o novo critério de morte cerebral trouxe controvérsias para a obtenção de órgãos para transplantes. . 1932 - 1972 - Três casos mobilizaram a opinião pública americana: a) em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, em Nova York, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes; b) entre 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook, em Nova York, injetaram o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental; c) Em 1932, no Estado do Alabama, no que foi conhecido como o caso Tuskegee, 400 negros com sífilis foram recrutados para participarem de uma pesquisa de história natural da doença e foram deixados sem tratamento. Em 1972 a pesquisa foi interrompida após denúncia no The New York Times. Restaram 74 pessoas vivas sem tratamento. . 1974 - 1978 - Relatório Belmont. Numa reação institucional ao escândalo causado pelos fatos acima descritos, o Governo e o Congresso norte- americano constituíram, em 1974, a National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. Foi estabelecido, como objetivo principal da Comissão, identificar os princípios éticos “básicos” que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos, o que ficou conhecido com Belmont Report. O Relatório Belmont apresenta os princípios éticos, considerados básicos, que deveriam nortear a pesquisa biomédica com seres humanos: a) o princípio do respeito às pessoas; b) o princípio da beneficência; c) o princípio da justiça. . 22 de janeiro de 1973 - Caso Roe vs Wade A Suprema Corte dos EUA deu ganho de causa a uma mulher do Texas que recorreu contra a lei que proibia o aborto, datada do século XIX. Estabeleceu que nenhuma lei estadual poderia restringir o direito de uma mulher, de acordo com seu médico, de se submeter ao aborto no 1º trimestre de gravidez. . 25 de julho de 1978 - Nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, que abriu novas possibilidades de tratamento médico para casais com problemas de fertilidade. Novas questões éticas e legais começam a surgir pela prática generalizada da fertilização medicamente assistida. . 1979 - Livro Principles of Biomedical Ethics de T. Beauchamp & J. Childress, considerado o texto de referência da corrente bioética conhecida como principlism (“principialismo”), que é, de fato, especificação da ética contida no Relatório Belmont e que se baseia nos quatro princípios prima facie (isto é, “não absolutos”) seguintes: 1) princípio do respeito da autonomia; 2) princípio da não-maleficência; 3) princípio da beneficência; 4) princípio da justiça. . 1982 - Baby Doe 1. Em 9 de abril de 1982 nasceu em Bloomington, Indiana, um menino com Síndrome de Down e fístula traqueoesofágica. Os pais recusaram a correção cirúrgica do defeito.O caso foi levado aos tribunais e os juizes deliberaram a favor dos pais. No dia seguinte se fez recurso da sentença ao Tribunal Supremo, mas o menino morreu neste mesmo dia. . 1983 - Baby Doe 2. Em 11 de outubro de 1983 nasceu uma menina em Smithtown, New York, com malformações. Os pais recusaram a cirurgia corretiva pelo recém-nascido portar múltiplas malformações que incluíam: mielomeningocele (espinha bífida), hidrocefalia. Com a cirurgia o prognóstico era que podia viver até os vinte anos com severo retardo mental, epilepsia e paralisia e que, provavelmente, viveria em cima de uma cama, com um constante cuidado do trato geniturinário e sujeito a graves infecções. O Departamento de Justiça do Governo Reagan julgou que não fazer a cirurgia constituiria discriminação contra o recém-nascido deficiente. O bebê morreu em 15 de abril. A partir deste dois casos surge intenso debate ético/legal sobre as medidas neonatais e a participação dos pais em decisões que afetem a vida de seus f ilhos. . 27 de fevereiro de 1997 - Nasce a Ovelha Dolly. O primeiro mamífero clonado por transferência nuclear (utilização como matéria-prima de células embrionárias ou células somáticas. Células somáticas são todas as existentes com exceção das reprodutivas; é retirado o núcleo com o material genético desta célula que é introduzido num óvulo enucleado) é anunciado em março de 1997 na Revista Nature pela equipe do Roslin Institute. Abre-se o debate sobre a clonagem humana, já que a técnica é a mesma. . 2000 - O Genoma Humano. O primeiro rascunho, com 97% da seqüência do genoma humano foi anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, pelo primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, acompanhados pelo presidente da empresa Celera Genomics, o geneticista Craig Venter e o chefe do Projeto Genoma Humano, o cientista molecular Francis Collins. Novas possibilidades se colocam tanto no diagnóstico das doenças genéticas como na terapia gênica. 7) APRESENTAR AS DEFINIÇÕES, PRINCÍPIOS E DIMENSÕES INDISSOCIÁVEIS DA BIOÉTICA ela pode ser definida como o estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e dos cuidados em saúde, que emprega uma variedade de metodologias éticas em um ambiente interdisciplinar. Outra forma de defini-la é dizer que a bioética se preocupa em analisar os argumentos morais a favor e contra determinadas práticas humanas que afetam a qualidade de vida e o bem-estar dos humanos e dos outros seres vivos e a qualidade dos seus ambientes, e em tomar decisões baseadas nas análises anteriores. Assim, a bioética, como ética aplicada que é, tem duas dimensões indissociáveis, uma descritiva e uma normativa. → MODELO PRINCIPALISMO: O principialismo foi a primeira corrente bioética a se estruturar. As condições históricas que estão na base da sua constituição tiveram como um dos marcos o Relatório Belmont, publicado em 1978. Como resultado de seu trabalho, a comissão propôs a observância de três princípios básicos, gerais, que orientariam as regras para proteção dos humanos em situação de pesquisa: o respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça. O respeito às pessoas foi definido como o respeito à autonomia das pessoas, o dever de agir com justiça, e a obrigação de fazer o bem foi desdobrada, sendo expressa a obrigação de não causar dano. 5 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 O que caracteriza as abordagens principialistas é o reconhecimento de um mínimo de normas morais centrais, com base nas quais se procede ao julgamento da eticidade de uma ação. O foco central da abordagem são os princípios morais que orientam a ação. a ação eticamente adequada é aquela que se orienta por princípios morais universalmente aceitos. São considerados princípios fundamentais a beneficência, a não maleficência, o respeito à autonomia e a justiça. Desses princípios centrais podem ser derivadas regras específicas, tais como: dizer a verdade; cumprir suas promessas; proteger a privacidade do paciente; não passar adiante informações que foram dadas em confiança; obter consentimento sempre – no cuidado e na pesquisa –, entre outros. O princípio da não maleficência afirma a obrigação de não infringir dano a alguém intencionalmente. É um princípio que costuma gerar dificuldades para alguns profissionais da saúde, especialmente no que diz respeito à distinção com o princípio da beneficência. Atribuído a Hipócrates, o Primum non nocere (Primeiro não causar dano) é uma máxima da ética médica tradicional. O juramento do médico de Cós, repetido a cada turma que se forma em medicina, afirma que o médico aplicará os tratamentos para o bem do doente segundoseu próprio poder e entendimento, e nunca o usará para causar dano ou mal a alguém. E que entrará nas casas para o bem do doente, abstendo-se de todo dano voluntário. Respeito à autonomia no cuidado da saúde ou na pesquisa significa apresentar, de forma clara e transparente, o que se passa com o sujeito e as opções que a ciência biomédica coloca a seu dispor, respeitando a sua decisão sobre o que ele entende ser melhor para si. Pressupõe, igualmente, compreender que aquilo que o saber fazer biomédico coloca à disposição – como melhor alternativa, do ponto de vista profissional – pode não ser o mais adequado aos desejos do enfermo, ao que ele tem como perspectiva de futuro, ao que ele acha razoável viver ou não viver. Respeitar a autonomia do paciente significa compreender que o sujeito pode ter perspectivas e desejos diferentes dos seus. → MODELO UTILITARISTA: O que faz uma ação ser correta ou errada são as suas consequências. A consequência mais importante é o aumento ou diminuição da quantidade de bem-estar de todos os afetados pela ação. Nesse sentido, a melhor ação é a que produz o máximo de bem-estar. O modelo utilitarista baseia- se em três conceitos constituintes principais: consequencialismo; máximo de bem-estar; agregacionismo. O modelo utilitarista propõe pensar nas consequências das possíveis ações para que se possa fazer escolhas mais bem justificadas. Essas proposições, centradas nas ações e em suas consequências, demandam um conceito apropriado de ação, que corresponderia a fazer alguma diferença no curso dos acontecimentos. O agregacionismo, último componente do modelo utilitarista, apoia-se no pressuposto de que o que vale é a ‘soma’ dos ‘bens’. Quando há escolha entre que ações devem ser realizadas, a melhor será aquela que proverá maximamente os interesses de forma agregada (soma de todos os interesses). Isso implica não considerar a distribuição, mas sim a soma. Se uma consequência é mais bem-estar distribuído para poucos afetados e outra consequência é menos bem-estar no total, mas distribuído por um número maior de pessoas, a opção baseada no modelo utilitarista será pela ação que tem a primeira consequência. Para os utilitaristas, todos os interesses devem ser igualmente considerados, inclusive os de todos os seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor. Em resumo, a abordagem utilitarista propõe agir de forma a garantir o maior bem-estar para o maior número de envolvidos. → ÉTICA DO CUIDAR: A ética do cuidar é uma forma de compreensão do agir ético e está baseada em cinco ideias centrais: atenção moral; compreensão com simpatia; consciência das relações; acomodação e resposta. Trata-se de uma forma de consequencialismo que questiona os valores da imparcialidade, impessoalidade e equidade. A voz do cuidado compreende que os agentes estão envolvidos em contextos sociais particulares, relações e narrativas pessoais, que dirigem suas atenções morais a outros reais e estão abertos a compreender esses outros com simpatia e a com eles se identificar. Na perspectiva do ‘cuidar’, o problema moral surge quando há responsabilidades conflitantes, e para a voz da justiça quando há conflitos de direitos. E assim, a moralidade dos direitos difere da moralidade da responsabilidade em sua ênfase na separação e não na conexão, na sua consideração do individual e não do relacionamento, como elemento primário. Já a voz do cuidado compreenderia os agentes morais inseridos em seus contextos sociais específicos, com suas relações e narrativas pessoais, que dirigem suas atenções morais a outros seres reais, reconhecidos em seus contextos de vida. A ética do cuidar pressupõe relações humanas no interior das equipes de saúde que respeitem as especificidades técnicas de cada profissional e promovam a reflexão sobre as questões morais de forma aberta e igualitária, condições indispensáveis para que seja possível construir consensos nas situações concretas em que os dilemas morais se apresentam. → BIOÉTICA DA PROTEÇÃO: A bioética da proteção, proposta originalmente na América Latina é baseada na recuperação do conceito de ética, entendido em seu sentido mais arcaico: guarida, abrigo e proteção. A bioética da proteção traz a marca de uma bioética que nasce em países periféricos, com uma população empobrecida, com poucos recursos. Questiona especialmente o principialismo quando aqueles que o aplicam carregam nas tintas no princípio do respeito à autonomia. A exaltação da autonomia, quando se pensa nas populações desassistidas da América Latina, por exemplo, carece de sentido, pois nessas sociedades predominam relações profundamente assimétricas. Priorizar a autonomia dos sujeitos de pesquisa, por exemplo, em detrimento de outras obrigações morais sem levar em conta que esses sujeitos são pessoas com um grau de educação formal 6 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 muito baixo, com problemas de acesso aos serviços de saúde, muito empobrecidos, vivendo em ambientes que expõem a saúde a riscos que seriam impensáveis em nações desenvolvidas da Europa, em países com baixo grau de formalização de regras, pode muitas vezes se configurar como uma exploração da vulnerabilidade desses indivíduos. Ou seja, com base em estratégias clientelistas e aproveitando-se do baixo nível de organização dessas populações, reforça-se a exploração, ainda que aparentemente se estimule sua autonomia. A bioética da proteção entende que o contexto socioeconômico no qual se situa a população, marcado por grandes desigualdades, precisa ser levado em conta nas decisões de saúde pública nas quais a proteção da população mais suscetível ou descapacitada ou vulnerada deve ser a obrigação moral que orienta as ações. Colocar as desigualdades no centro da análise bioética, quando passamos a situações da assistência à saúde ou pesquisa, implica considerar as relações muito assimétricas entre as populações destituídas e os profissionais da saúde, o que significa afirmar a obrigação moral de proteger essa população. Proteger significa considerar as desigualdades e usar todos os recursos para que as pessoas possam compreender suas situações e decidir segundo seus genuínos interesses, com o máximo de liberdade; significa compreender as situações de assistência e pesquisa imersas em conflitos de interesses que devem ser identificados e minimizados ativamente. Proteger significa contribuir para a emancipação de indivíduos e coletividades. 8) APRESENTAR INSTRUMENTOS ANALÍTICOS CAPAZES DE AUXILIAR O PROFISSIONAL DA SAÚDE A TOMAR DECISÕES EM SITUAÇÕES CONCRETAS DE DILEMA ÉTICO Existem vários instrumentos analíticos que podem auxiliar os profissionais da saúde a tomar decisões em situações de dilemas éticos. A seguir, apresento alguns dos principais: 1. Princípios éticos: O profissional de saúde pode se basear em princípios éticos como autonomia, beneficência, não maleficência e justiça para analisar uma situação de dilema ético e tomar uma decisão. 2. Casuística: A casuística é uma abordagem que se baseia em casos concretos para a tomada de decisão. O profissional pode buscar casos similares para entender como foram resolvidos e usar essas informações para tomar sua decisão. 3. Deliberação ética: A deliberação ética é um processo colaborativo em que os profissionais de saúde, pacientes e outros envolvidos discutem e avaliam uma situação de dilema ético para tomar uma decisão. 4. Princípio da proporcionalidade: O princípio da proporcionalidade é um critério que pode ser usado para avaliar a adequação de uma intervenção em relação aos riscos e benefícios envolvidos. 5. Tomada de decisão compartilhada: A tomada de decisão compartilhada envolve a colaboração entre o profissional de saúde e o paciente na decisão sobre o tratamento ou procedimento a ser realizado, levando em consideração as preferências e valores do paciente. 6. Análise de custo-efetividade: A análise de custo-efetividade pode ajudar a avaliara relação entre os custos envolvidos em um tratamento e seus resultados, auxiliando na decisão sobre sua viabilidade. É importante ressaltar que a escolha do instrumento a ser utilizado depende da situação concreta e das circunstâncias envolvidas. Além disso, a ética na saúde é um campo complexo e em constante evolução, portanto, a atualização constante e a busca por capacitação são fundamentais para o profissional de saúde. 9) APRESENTAR FERRAMENTAS QUE O MÉDICO PODE UTILIZAR PARA AJUDÁ-LO NA DECISÃO SOBRE QUEM DEVE OCUPAR UMA VAGA DE UTI O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013; RESOLVE: Art. 1º: As admissões em unidade de tratamento intensivo (UTI) devem ser baseadas em: I) diagnóstico e necessidade do paciente; II) serviços médicos disponíveis na instituição; III) priorização de acordo com a condição do paciente; IV) disponibilidade de leitos; V) potencial benefício para o paciente com as intervenções terapêuticas e prognóstico. Art. 2º: A admissão e a alta em unidade de tratamento intensivo (UTI) são de atribuição e competência do médico intensivista, levando em consideração a indicação médica. 7 Nicole Malheiros – Medicina – 2023.1 Art. 3º: As solicitações de vagas para unidade de tratamento intensivo (UTI) deverão ser justificadas e registradas no prontuário do paciente pelo médico solicitante. Art. 4º: A admissão e a alta do paciente da unidade de tratamento intensivo (UTI)devem ser comunicadas à família e/ou responsável legal. Art. 5º: São considerados critérios de admissão em unidade de tratamento intensivo (UTI) instabilidade clínica, isto é, necessidade de suporte para as disfunções orgânicas, e monitoração intensiva. Art. 6º: A priorização de admissão na unidade de tratamento intensivo (UTI) deve respeitar os seguintes critérios: § 1º Prioridade 1: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. § 2º Prioridade 2: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. § 3º Prioridade 3: Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica. § 4º Prioridade 4: Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica. § 5º Prioridade 5: Pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. Em geral, esses pacientes não são apropriados para admissão na UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos). No entanto, seuingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista. Art. 7º: Os pacientes classificados como Prioridade 2 ou 4, conforme descrito nos parágrafos 2º e 4º do art. 6º, devem prioritariamente ser admitidos em unidades de cuidados intermediários (semi-intensivas). Art. 8º: Os pacientes classificados como Prioridade 5, conforme descrito no parágrafo 5º do art. 6º, devem prioritariamente ser admitidos em unidades de cuidados paliativos. Art. 9º: As decisões sobre admissão e alta em unidade de tratamento intensivo (UTI) devem ser feitas de forma explícita, sem discriminação por questões de religião, etnia, sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual, idade, condição social, opinião política, deficiência, ou quaisquer outras formas de discriminação. Art. 10.: Os critérios para alta das unidades de tratamento intensivo (UTI) são: a) Paciente que tenha seu quadro clínico controlado e estabilizado; b) Paciente para o qual tenha se esgotado todo o arsenal terapêutico curativo/restaurativo e que possa permanecer no ambiente hospitalar fora da UTI de maneira digna e, se possível, junto com sua família. Art. 11.: O serviço de unidade de tratamento intensivo (UTI) de cada instituição hospitalar deve desenvolver protocolos, baseados nos critérios de internação e alta desta resolução, que estejam de acordo com as necessidades específicas dos pacientes, levando em conta as limitações do hospital, tais como tamanho da UTI e capacidade de intervenções terapêuticas. Parágrafo único.: Os protocolos de admissão e alta na UTI devem ser divulgados pelo diretor clínico ao corpo clínico do hospital e aos gestores do sistema de saúde.
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