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Milton Maria Manhiça A Automedicação na Cidade de Maputo: Uma Análise dos Significados para os Residentes do Bairro Polana Caniço “A” Licenciatura em Antropologia com Habilitação em Estudos Étnicos e Africanos Universidade Pedagógica de Maputo Maputo 2021 Milton Maria Manhiça A Automedicação na Cidade de Maputo: Uma Análise dos Significados para os Residentes do Bairro Polana Caniço “A” Monografia apresentada ao Departamento Pedagógico da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia para a obtenção do grau académico de Licenciatura em Antropologia com Habilitação em Estudos Étnicos Africanos. Supervisor: Mestre Arlindo João Uate Universidade Pedagógica de Maputo Maputo 2021 Índice Declaração........................................................................................................................................I Dedicatória......................................................................................................................................II Agradecimentos.............................................................................................................................III Resumo..........................................................................................................................................IV Abstract...........................................................................................................................................V 1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………..…….6 2. CAPÍTULO I: REVISÃO DA LITERATURA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA…………………………………………………………..………………………...….9 2.1. Revisão da Literatura................................................................................................................9 2.2. Formulação do Problema de Pesquisa....................................................................................15 3. CAPÍTULO II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL……………..………..17 3.1.Enquadramento teórico............................................................................................................17 3.2. Definição de Conceitos……………………………..……………………………………….19 4. CAPÍTULO III: METODOLOGIA DO TRABALHO………………..………………………21 4.1. Método de abordagem.............................................................................................................21 4.2. Método de procedimento........................................................................................................21 4.3. Técnicas de recolha de dados..................................................................................................22 4.4. Técnicas de análise de dados..................................................................................................23 4.5. Universo e amostra.................................................................................................................23 4.6. Questões éticas na pesquisa....................................................................................................24 4.7. Constrangimentos...................................................................................................................24 5. CAPÍTULO IV: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS.......................................................25 5.1. Localização e Características Gerais do Bairro Polana Caniço "A".......................................25 5.2. Perfil Sócio-Demográfico dos Entrevistados..........................................................................29 5.3. Trajectória dos Indivíduos que se Automedicam no Bairro Polana Caniço "A"....................31 5.4. Lógicas que Orientam os Residentes do Bairro Polana Caniço "A" na Automedicação........34 5.5. Das Lógicas aos Significados da Automedicação para os Residentes do Bairro Polana Caniço "A".....................................................................................................................................37 6. CONCLUSÃO...........................................................................................................................39 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………….…….41 8. APÊNDICES.............................................................................................................................43 8.1. Apêndice 01: Guião de entrevista para as Autoridades Comunitárias…………..…………..43 8.2. Apêndice 02: Guião de entrevista para os residentes do Bairro Polana Caniço "A"…..…....44 i ii DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha mãe, Maria Jossefa Manhiça e aos meus irmãos, fazendo votos que sigam os passos do irmão. iii AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Jeová, Deus Todo-Poderoso, por tudo que tem feito na minha vida. A minha mãe, Maria Jossefa Manhiça pelo amor e carinho e, que desde cedo, enfrentando muitos sacrifícios, soube dar valor aos meus estudos. Amo-te mãe! Ao meu supervisor, Mestre Arlindo João Uate, por todo o apoio e pela sua imensurável atenção ao trabalho. Foi, para mim, mais do que um supervisor, foi uma fonte de inspiração. Muito obrigado Professor! Ao professor Anselmo Chizenga pela revisão feita no trabalho. Aos meus familiares, pelo apoio moral e material, o meu muito obrigado. Aos residentes do Bairro Polana Caniço “A”, por terem aceitado participar nesta pesquisa, e de igual modo, agradeço aos funcionários da Secretaria do Bairro Polana Caniço “A”. Aos meus Professores do curso com particular destaque para: Aurélio Miambo, José Raimundo, Paulo Mahumane, Alípio Siquisse, Carlos Manjate, Martinho Pedro, Arcanjo Nharucué e Stélia Muianga. Aos meus colegas do curso, Antropologia 2017, particularmente ao colega César Gremo Nota, o meu muito obrigado pela colaboração. Por último, quero agradecer a todos que não foram aqui mencionados, mas que tornaram possível a realização deste trabalho, o meu muito obrigado. iv RESUMO O estudo analisa os significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A” na Cidade Maputo. O objectivo geral é compreender os significados que os residentes atribuem a esta prática. Os casos da automedicação de 2016 à actualidade, tem aumentado cada vez mais no nosso país e esta problemática constitui uma grande preocupação para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para a análise dos resultados recolhidos no campo, pautamos pela articulação de duas teorias, a teoria interpretativa de Clifford Geertz (1989) e a teoria fenomenológica de Afred Schutz (1979), cingimo-nos nestas teorias pelo facto delas olharem para os significados e partirem do princípio que o conhecimento que o indivíduo forma em torno da realidade social é resultado de uma construção social onde o pensamento e contexto social surgem como elementos relevantes neste processo. O estudo segue uma abordagem qualitativa, onde recorremos ao método monográfico e método de histórias de vida, e nas técnicas de recolha dados recorremos a pesquisa bibliográfica, a observação directa, entrevista semi-estruturada e conversas informais. Os resultados mostram que há vários significados que os residentes atribuem a automedicação, para alguns visto como evitar a morte, para outros significa bem-estar e, a principal conclusão que chegamos é que a automedicação acima de tudo tem um significado cultural, que ao longo do tempo foi ganhando o “status” na vida dos residentes do Bairro e, passaram a ter a automedicação como um hábito ou como um costume nas suas vidas e por isso que eles se automedicam. Palavras-chave: Automedicação, Cultura, Significados, Polana Caniço “A” e Maputo. v ABSTRACT The study analyzes the meanings of self-medication for the residents of Polana Caniço “A” in Maputo City, and themain objective is to understand the meanings that residents give to self- medication. The cases of self-medication from 2016 to the present, have increased in our country and this problem is of a major concern for the National Health System (SNS). For the analysis of the results gathered in the field, we opted for articulating two theories, namely the interpretative theory of Clifford Geertz (1989) and the phenomenological theory of Alfred Schutz (1979). We focus on these theories as they look at the meanings and assume that the knowledge that an individual forms around the social reality is the result of a social construction where thought and social context emerge as relevant elements in this process. To conduct the study, we opted for a qualitative approach, where we resorted to monographic method and life stories method, and data collection techniques, bibliographic research, direct observation, semi-structured interviews and informal conversations. The results show that the meanings that individuals give to self- medication are various. For some, self-medication means preventing death, for others, it means well-being, and the main conclusion we reached is that self-medication has a cultural meaning, which has, over time, gained “status” in the lives of the residents, and they have self-medication as a habit in their lives and this is why they self-medicate. Keywords: Self-medication, Culture, Meanings, Polana Caniço “A” and Maputo. 6 1. INTRODUÇÃO A automedicação refere-se ao uso de medicamentos sem uma indicação médica, ou seja, automedicação é a utilização de medicamentos por conta própria ou por indicação de pessoas não habilitadas, para o tratamento de doenças cujos sintomas são percebidos pelo usuário, sem avaliação prévia de um profissional de saúde (Iurasa et al, 2016). A automedicação é uma prática que se verifica desde há muitos anos e que desde sempre que os indivíduos recorrem à medicamentos sem prescrição médica para alívio de várias dores, e actualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a automedicação é um fenómeno em crescimento em quase todas sociedades do mundo e, este facto poderá estar relacionado com a familiarização que os indivíduos hoje em dia têm com os medicamentos, o que faz com que por vezes se torne num acto desregrado (apud, Peixoto, 2008). Em Moçambique, com base no relatório do Ministério da Saúde (2006), pode se afirmar que a situação da automedicação mostra-se cada vez mais crescente e que esta problemática constitui uma grande preocupação para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Visto também que, cada vez mais o homem não hesita quando se trata de aliviar os seus sintomas, e por vezes não apresenta conhecimentos suficientes para tomar decisões em relação ao uso de medicamentos, mas mesmo assim há uma crescente onda de pessoas que automedicam (Peixoto, 2008). O Ministério da Saúde na pessoa do Seu Ministro Armindo Tiago, em declaração ao Jornal Domingo (31 de Janeiro de 2021), referiu que são muitos os casos de pacientes, que chegam às unidades sanitárias “graves” depois de terem ingerido diversos medicamentos, o que em algumas situações complica o seu estado de saúde e dificulta o processo de recuperação, e por isso que, o ministro desencoraja a automedicação nas pessoas, porque a automedicação é algo errado, e a automedicação pode levar à morte. Porém, nas sociedades moçambicanas, mesmo com este apelo, a prática da automedicação prevalece. É justamente dentro desta problemática que surge esta pesquisa, visando compreender os significados que os residentes do Bairro Polana Caniço “A” atribuem a automedicação. 7 O interesse pelo tema surge a partir da convivência com os meus avôs e eles optam pela automedicação, isso antes de consultarem um especialista em saúde e, por conta da automedicação já perdemos um membro da família, que se automedicou e o medicamento não reagiu como era suposto e, quando o acompanhamos ao hospital já era tarde e perdeu a vida, e os médicos levantaram a possibilidade da causa principal da morte do paciente ter sido o medicamento por ele ingerido, que não era adequado para a enfermidade que ele sentia e por isso reagiu “mal”. Tendo em conta que a automedicação é um fenómeno social e que hoje em dia tem se falado muito dele nos mídias, assim como em fóruns académicos e tratando-se de um problema de saúde pública no nosso país, assim, reflectir sobre a automedicação mostra-se pertinente ao alargarmos o nosso entendimento sobre o assunto ao trazer mais subsídios de reflexão. O facto de ter-se constatado através da pesquisa bibliográfica, que em Moçambique os estudos sobre esse fenómeno no que diz respeito aos significados da automedicação ainda se mostram escassos, espera-se que esta monografia venha a ser um contributo para academia (em geral) e, para a Antropologia (em particular), visto também que, a abordagem em torno da automedicação, permite deste modo examinar as conexões entre os modelos de práticas, que suportam as organizações dos serviços e programas de saúde1. No âmbito social, o estudo trás uma imagem mais ou menos aproximada sobre o quotidiano dos residentes do Bairro Polana Caniço “A” no que diz respeito a prática da automedicação e, esperamos que está monografia seja útil na medida em que os dados que foram recolhidos no campo sirvam como forma de apresentar os diferentes significados que se pode atribuir a prática da automedicação. O objectivo geral do trabalho consiste em compreender os significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A” na Cidade de Maputo. E especificamente pretende-se: a) traçar a trajectória dos residentes que se automedicam no Bairro Polana Caniço A; b) descrever as lógicas que orientam os residentes do Bairro Polana Caniço “A” na automedicação; e c) analisar os significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A”. 1 Uchôa e Vidal (1994). 8 O trabalho encontra-se organizado em quatro capítulos, sendo: primeiro capítulo é sobre a Revisão da Literatura e Formulação do Problema de Pesquisa, em que procuramos fazer uma discussão das diferentes análises feitas no âmbito da automedicação; segundo capítulo é sobre o Enquadramento Teórico e Conceptual que serviu de alicerce para a pesquisa; terceiro capítulo é sobre a Metodologia que orientou o nosso trabalho e, quarto capítulo é sobre a Apresentação, Análise e Discussão de Dados, onde apresentamos aquilo que foram as nossa principais constatações. Depois deste capítulo segue a parte inerente a conclusão, referências bibliográficas e por fim, os apêndices com o guião de entrevista. 9 2. CAPÍTULO I: REVISÃO DA LITERATURA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA No presente capítulo fazemos uma discussão das diferentes abordagens no âmbito da automedicação e, concomitantemente fazemos a articulação dessas abordagens com o nosso objecto de estudo, e por conseguinte, formulamos o nosso problema de pesquisa. 2.1. Revisão da Literatura A temática sobre a automedicação já foi estudada por vários autores, tanto a nível internacional como a nível nacional. Olhando para o contexto internacional, abaixo encontramos autores que abordam a questão da automedicação que na sua maioria olham para esta prática sob ponto de vista de risco, factores e motivações que levam os indivíduos a se automedicarem. Nogueira (2011), no seu estudo: Análise da Automedicação em Portugal e Seus Intervenientes, o autor analisa de que forma o utente opta pela automedicação, onde afirma que a automedicação se resume a processos de autoconfiança, e que indivíduos mais autónomos são os que se sentem mais competentes na adopção de comportamentos de saúde, e recorrem mais à automedicação, e os indivíduos menos autónomosou seja, menos autodeterminadas recorrem menos vezes à automedicação. O autor deixa bem claro que, os indivíduos recorrem a automedicação influenciados pela sociedade, e também recorrendo a automedicação evitam longas filas, mau tratamento, etc. Peixoto (2008), no seu estudo: Automedicação no Adulto, faz uma análise dos factores que levam os indivíduos a recorrer a automedicação em Brasil, se a praticam de forma segura e ainda se mostram iniciativa de procura de informação em relação aos riscos que a prática pode causar. A autora desenvolve um estudo usando uma abordagem quantitativa, onde para a colheita de dados, o instrumento usado foi o questionário. A autora conclui que, a principal causa que leva os indivíduos a recorrer a automedicação relaciona-se com sintomas considerados menores, como a gripe, constipação ou tosse, (27%). Verificou ainda que os indivíduos recorreram a automedicação sem procurar informações ou esclarecimentos sobre o medicamento que vão ingerir (63,5%) e que 54% dos indivíduos que se automedicam padecem de doença crónica e já se encontram a tomar diariamente medicamentos prescritos. 10 Souza et al. (2018), no seu estudo: Percepção Sobre a Automedicação: Saúde Versus Riscos Associados, procuram analisar a percepção sobre a automedicação em Brasil, focalizando a saúde e factores de riscos associados, visando caracterizar e quantificar aspectos problemáticos passíveis de intervenção, correcção e prevenção. Fazem um estudo quantitativo. Os resultados obtidos mediante o questionário respondido pelos participantes, revelaram que 65,5% dos indivíduos eram do género feminino, 37% do género masculino e 3% consideram-se homossexuais. A faixa etária de 18 e 28 anos representam maior parcela dos indivíduos da amostra com 65,5%. Quanto à área profissional 46,5% representam á área de Ciências Biológicas, Saúde e Humanas. Em relação aos motivos que levam a automedicação 88% responderam dor de cabeça e 92% utilizam analgésicos. Os autores concluem que teve um elevado percentual de automedicação no género feminino, atingindo mais da metade da amostra que era de 200 pessoas. E que os profissionais que mais se automedicam são os das Ciências Biológicas, Saúde e Humanas, o que já era esperado devido os mesmos terem maior acesso os medicamentos, e tendo em vista se tratar de um legítimo processo de autocuidado. Concluem também que os medicamentos mais utilizados foram os analgésicos, devido ao facto de aliviar as dores de cabeça. Iurasa et al. (2016), no estudo sobre: Prevalência da Automedicação entre Estudantes, procuram verificar se a prática da automedicação é comum entre estudantes da área de saúde da Universidade do Estado do Amazonas (UEA – Brasil), procuram identificar os tipos mais comuns de medicamentos que são utilizados sem prescrição médica e identificar os principais motivos que os levaram a adquirir medicamentos sem prescrição. Os autores reconhecem que o Brasil já ocupa a quinta posição entre os países mais consumidores de medicamentos, sendo o primeiro lugar na América Latina. Os estudantes quando perguntados se já fizeram uso de medicamentos sem prescrição médica, 89% dos estudantes universitários responderam sim e apenas 11% responderam não. Dor de cabeça, dores musculares, dor de garganta, febre, inflamações foram as principais queixas que levaram à prática de automedicação. Analgésicos/antipiréticos, anti-inflamatórios, antibióticos e relaxantes musculares representaram de acordo com os autores as principais classes de medicamentos utilizados para aliviar tais sinais e sintomas. Os autores concluem falando das Medidas preventivas e educativas que devem ser aplicadas, contribuindo para a diminuição dos riscos causados pela automedicação. 11 Corrêa. Galato. Alano. (2012), no estudo: Condutas Relacionadas à Automedicação de Adultos, fazem um estudo qualitativo baseado na técnica de grupo focal, onde avaliam a conduta de adultos relacionada à automedicação, buscando compreender o significado da automedicação, identificar quais as situações e as influências que os motivam a adoptar essa prática. Trata-se num estudo exploratório realizado no município de Tubarão, Santa Catarina - Brasil, onde foram realizados dois grupos focais nos quais 19 indivíduos participaram. Os autores dizem que a maioria dos indivíduos soube conceituar de maneira correcta o termo automedicação e mostram as principais situações relatadas como motivadoras desta prática foram dores em geral e transtornos relacionados às vias aéreas superiores, principalmente sob influência de pessoas conhecidas, funcionários de farmácia e uso de prescrições antigas. Os autores concluem que com a automedicação foram percebidos pelos entrevistados como benéficos, sobretudo para o alívio de transtornos menores, sendo citadas também várias situações em que foi observado o seu uso também em situações crónicas, o que por vezes, gerou resultados desfavoráveis. E terminam dizendo que torna-se de fundamental importância, que as pessoas sejam conscientizadas quanto aos riscos do uso inadequado de medicamentos a fim de evitar problemas relacionados aos mesmos. Cabendo aos profissionais de saúde, especialmente farmacêuticos, o dever de orientar quanto ao correcto uso dos medicamentos. Comentando em relação aos estudos acima, percebemos que os autores estão preocupados em olhar para a automedicação sob ponto de vista de motivação e riscos, ou seja, procuram compreender os factores/razões que levam os indivíduos a se automedicarem como: longas filas, mau tratamento por parte dos especialistas de saúde, influência de pessoas conhecidas, sintomas, etc., mas também, verificamos que todos os autores olham para a automedicação como algo prejudicial, que pode pôr em risco a vida do indivíduo, porém, os autores perdem de vista que, por detrás da automedicação existem lógicas e significados que os indivíduos dão a automedicação, visto também que com base na automedicação os indivíduos tem tido suas vantagens e resultados satisfatórios, respondendo positivamente as enfermidades dos indivíduos. Portanto, mais do que olhar para a automedicação sob ponto de vista de risco, pretendemos olhar para os significados desta prática para que se possa perceber na íntegra o que significa a automedicação para os indivíduos. 12 No contexto nacional, estudiosos discutem a questão da automedicação, também que na sua maioria olham para a automedicação sob ponto de vista de risco e de motivações, aqui encontramos autores tais como Huate (2017), no seu estudo: Processo Terapêutico: Automedicação como forma de Gestão Individual de Saúde - Estudo de Caso no Bairro de Chamanculo “B” (Cidade de Maputo), procura compreender e analisar as diferentes percepções dos praticantes da automedicação no bairro de Chamanculo “B”. Portanto, o autor diz que os praticantes da automedicação possuem as suas formas específicas e particulares de aceder a um determinado tipo de tratamento ou cura. Constata ele, que a prática da automedicação não se limita apenas no indivíduo, mas também tem a ver com os sistemas e técnicas simbólicas, conjuntos de saberes, representações e práticas colocadas pelos indivíduos, família para responder os problemas de saúde e mal-estar, antes de se recorrer aos profissionais de saúde. O autor conclui dizendo, que os processos terapêuticos relacionados a automedicação são resultantes da morosidade, de longas filas, do mau tratamento e do conhecimento prévio adquirido através de várias experiências nas consultas anteriores por parte dos indivíduos. O autor mostra ainda que são vários factores que levam os indivíduos a ocorrerem a prática da automedicação, influenciados pelos familiares, amigos e vizinhos. Por vezes fazem-no por vergonha ou medo de perder status social. Este estudo é importante para a nossa pesquisa, na medida em que, o autor aborda o mesmo tema e,trás alguns conceitos que vão servir de alicerce para o nosso trabalho. Contudo, quando o autor propõe-se a responder a seguinte questão de pesquisa: “Quais são as lógicas e racionalidades que orientam as escolhas dos itinerários terapêuticos?” E tendo em conta que seu último objectivo específico é “Descrever os procedimentos de automedicação em prática a nível do bairro de Chamanculo “B”, e no final do seu trabalho fala-nos da morosidade, de longas filas, do mau tratamento, que automedicação trás muitas vantagens como a resolução imediata dos seus problemas de saúde, economia do tempo no atendimento, diminuição da carga do trabalho do profissional. Portanto, percebemos nisto que, o autor perde de vista aquilo é o cerne da sua pesquisa, que seria efectivamente a analisar as lógicas e racionalidades que orientam as escolhas dos itinerários terapêuticos (automedicação), abordando mais os factores que levam as pessoas a se automedicar. Sem perder de vista que, uma pesquisa nunca é cabal, surge a nossa pesquisa, 13 onde analisamos os significados que orientam os indivíduos a optarem pela automedicação, ou seja, o que as pessoas pensam, quais são os significados que os mesmos dão a automedicação. Hassani. Maduco. Gabriel (2017), no estudo: Automedicação e Factores a Ela Associados em Adultos do Bairro de Mutauanha-Ntotta na Cidade de Nampula, analisam a automedicação e os factores associados em adultos, onde fazem um estudo numa abordagem qualitativa, no bairro, numa unidade comunal 7 de Setembro, quarteirão 1, envolvendo 164 participantes (representantes de domicílio). Todos 164 (100%) afirmaram que tem se automedicado. Os analgésicos foram os medicamentos mais consumidos (31,1%) e a dor de cabeça foi o maior motivo (23,2%). A principal fonte de medicamento foi a farmácia comunitária (38,5%). A falta de informação (31%), o mau atendimento nas unidades sanitárias (30%), constituíram os factores de tal atitude. Os autores concluem de acordo com os resultados obtidos e a relação dos mesmos com os dos outros estudos similares, que os factores sócio demográficos influenciam na prática da automedicação e os factores da falta de informação e o mau atendimento nas unidades sanitárias, constituem um reforço, contribuindo de uma certa forma para a automedicação no bairro. Portanto, segundo os autores há uma necessidade de se ajustar a gestão de informação e intensificar a consciencialização da população sobre o uso racional do medicamento, porque o uso não racional de medicamento/sem prescrição médica tem seus riscos e pode levar até a morte. Percebemos nos estudo acima que os autores estão preocupados com a automedicação e os factores associados a ela. O estudo de (Hassani. Maduco. Gabriel (2017), é importante para o nosso trabalho visto que, aborda o mesmo tema que é a Automedicação e trás alguns factores que contribuem para a automedicação no bairro Mutauanha-Ntotta na Cidade de Nampula. Contudo, o trabalho ao olhar para os factores que contribuem para a automedicação e perde de vista as racionalidades e significados que estão por detrás da automedicação visto também que, se os indivíduos se automedicam é por que efectivamente há significados, algo que os indivíduos fazem tendo em conta as suas crenças, etc. 14 Peracaula. Munguambe. Ribeiro (2018), no estudo: Venda Informal de Medicamentos no Município de Maputo: Causas e Consequências para a Saúde Pública. Eles descrevem o fenómeno da venda informal de medicamentos no Município de Maputo, suas causas e consequências para a saúde pública. Para este estudo os autores usaram uma abordagem mista, através de inquéritos nos mercados informais (vendedores e consumidores) e entrevistas semi- estruturadas aos profissionais de saúde, onde por sua vez, foram inquiridos 508 participantes dos quais 51% (257) do sexo masculino e 49% (251) do sexo feminino. Dos 508 participantes do estudo 480 eram consumidores que deslocaram ao mercado para comprar algum tipo de medicamento e 28 eram vendedores. Os medicamentos adquiridos com maior frequência pelos consumidores entrevistados foram os analgésicos com 49,2%; os antibióticos com 20,4% e os xaropes para a tosse com 18,3%. A Amoxicilina2 (10,4%), o Cotrimoxazol3 (4,5%) e o Metronidazol4 (2,1%) foram os antibióticos mais adquiridos pelos consumidores. Cerca de 54% dos consumidores adquiria os medicamentos sem nenhuma receita médica. 82,1% dos vendedores não tinham nenhuma formação na área de farmácia. Cerca de 42,9% dos medicamentos vendidos neste mercado provem da África do Sul e 57,1% do SNS. Os autores concluíram que a venda de medicamento nos mercados informais é uma realidade e representa um risco grave para a saúde pública. A falta de medicamento nas unidades sanitárias, o tempo gasto nas longas bichas e falta de tempo dos consumidores para ir à consulta nas unidades sanitárias foram os principais motivos que levaram os consumidores a adquirirem os medicamentos no mercado informal. Percebemos nos estudo acima que, os autores abordam a questão da venda de medicamentos nos mercados informais, onde, como outros autores anteriormente citados fazem menção de alguns factores que fazem com que os indivíduos se automediquem, como é o caso da falta de medicamento nas unidades sanitárias, longas bichas, etc., e mais do que estes factores, eles deixam bem claro que automedicação representa um grave risco a saúde pública. Entretanto, mesmo os indivíduos sabendo dos riscos da automedicação, eles continuam se automedicando, quer dizer, há significados que eles atribuem e que os orienta para automedicação. 2 Amoxicilina é um antibiótico usado no combate a bactérias, também pode ser usado em alguns tipos de pneumonia, infecção urinaria, sinusite, etc. 3 Cotrimoxazol é um antibiótico usado para tratar uma variedade de infecções bacterianas. É usado para infecções do trato urinário, infecções de pele, diarreia, cólera, etc. 4 Metronidazol é um antibiótico usado para tratar doença inflamatória pélvica, endocardite e vaginose bacteriana. 15 2.2. Formulação do Problema de Pesquisa No que toca ao problema de pesquisa, a nossa inquietação baseia-se na percepção dos significados que os indivíduos atribuem a automedicação, visto que, no que diz respeito aos itinerários terapêuticos. Vários estudos têm mostrado que, em determinados contextos, há uma tendência para a automedicação (Tomasi et al. 2007; Filho et al. 2002; Oliveira et al. 2014). Na maior parte dos casos, só quando o tratamento caseiro não funciona e o estado de saúde do paciente se agrava, é que este é levado para um serviço de saúde, por isso que, de acordo com o relatório do Ministério da Saúde (2006) em Moçambique a situação da automedicação mostra que mais de 50% do manejo de casos ocorrem fora do sistema de saúde. Segundo a Ex. ministra da saúde, Nazira Abdula, em entrevista ao Jornal Domingo (11 de Dezembro de 2016), afirmou que, ao nível dos hospitais nacionais continuavam a receber pacientes com doenças em estado avançado de evolução, em virtude de, antes de se dirigirem a uma unidade sanitária, terem recorrido a automedicação, usando, na maioria dos casos com medicamentos impróprios, fora do prazo ou mal conservados. Segundo a Ex. ministra, os pacientes que recorrem à automedicação não tem garantia do medicamento que adquire nos mercados e nos vendedores informais. Para se obter o máximo benefício da medicação, segundo ela, o paciente deve receber toda a informação relativa ao mesmo. No processo de automedicação não há diagnóstico e aconselhamento de um profissional de saúde quanto à utilização do medicamento comprado em locais impróprios. Assim o uso contra indicado por parte do paciente origina reacções adversas graves, causando incapacidade ou até mesmo levando à morte do mesmo antes de chegar ao hospital conforme constatoua Ex. Ministra de Saúde. Na mesma linha de pensamento, mas olhando para a pandemia da COVID-19, o actual ministro da saúde Armindo Tiago, em declaração ao Jornal Domingo (31 de Janeiro de 2021), referiu que são muitos os casos de pacientes com COVID-19, que chegam às unidades sanitárias “graves” depois de terem ingerido diversos medicamentos, o que em algumas situações complica o seu estado de saúde e dificulta o processo de recuperação. Tendo em conta este cenário, o governante desencoraja a automedicação nas pessoas, porque a automedicação é algo errado, e, a automedicação pode levar à morte, sendo que na maior parte dos casos agrava o quadro clínico 16 do doente, como é o caso de alguns pacientes internados no Centro de Isolamento de COVID-19 que, primeiramente, optaram pela automedicação, o que agravou o seu estado de saúde, pela quantidade de medicamentos ingeridos. Hélia Manasse, directora do Hospital Geral da Polana Caniço (HGPC), refere não haver dados estatísticos relativamente a automedicação no Bairro Polana Caniço “A”, mas reconhece, como tem se evidenciado no hospital, que no Bairro há uma primeira tendência para a automedicação, contudo, salienta que a automedicação é um risco para a vida dos indivíduos, que pode levar a morte e ela não aconselha a ninguém (Portal do Governo S/D). De acordo com um trabalho exploratório desenvolvido no Bairro Polana Caniço A, concretamente no Quarteirão 2, do dia 28 de Setembro a 2 de Outubro de 2020, constatamos que efectivamente os residentes do bairro automedicam-se, sendo Ibrupufeno, Diclofenac e Paracetamol os medicamentos consumidos. Este último que consideram como o principal medicamento para o alívio de dor de cabeça e que é ingerido quando a pessoa sente dor de cabeça sem precisar de ir ao hospital. Conseguimos perceber também que, há uma tendência das pessoas se automedicarem tendo em conta as relações de vizinhança, em que, os indivíduos se automedicam com base nas experiências/conhecimentos do outros vizinhos, quer dizer, há um lugar que a automedicação ocupa na vida dessas pessoas. Portanto, percebemos nisto que há significados que as pessoas dão a automedicação e, é neste âmbito que emerge a nossa inquietação, no sentido de compreender os significados que os actores sociais dão a automedicação. Vários estudos (Corrêa et al. 2012; Iurasa et al. 2016; Souza et al. 2018), conforme vimos na revisão da literatura, estão preocupados em olhar para a automedicação sob ponto de vista de motivação e riscos, e não exploram a questão dos significados que os actores sociais dão a esta prática. Portanto, o facto de não se olhar para esta questão, faz com que se tenha um pouco entendimento, se não nenhum sobre o lugar que esta prática ocupa na vida das pessoas, os seus significados, as suas lógicas, um aspecto considerado importante uma vez que mesmo com campanhas de sensibilização desenvolvidas pelo MISAU, as pessoas não deixam de se automedicar, daí que questionamos no presente trabalho: Quais são os significados que os residentes do Bairro Polana Caniço “A” atribuem a automedicação? 17 3. CAPÍTULO II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL Este capítulo propõe-se a construir o quadro teórico e conceptual que orientou a leitura dos dados no campo de pesquisa. 3.1. Enquadramento teórico Para perceber a temática e problemática que nortearam a presente pesquisa, pautamos pela articulação de duas teorias, a teoria interpretativa de Clifford Geertz (como a principal) e a teoria fenomenológica de Afred Schutz (como a secundária). De acordo com Clifford Geertz: A teoria interpretativa faz a leitura das sociedades enquanto todos ou como análogas a textos e, esta interpretação só é possível a partir de uma descrição etnográfica densa que ocorre em todos os momentos do estudo, da leitura do “texto”, pleno de significado, que é a sociedade na escrita do texto /ensaio do antropólogo, por sua vez interpretado por aqueles que não passaram pelas experiências do autor do texto escrito. Todos os elementos da cultura analisada devem, portanto ser entendidos à luz desta textualidade, imanente, a realidade cultural (Geertz, 1989: 19). A teoria interpretativista parte do princípio de que as pesquisas humanas e sociais devem buscar compreender a realidade humana que ocorre dentro de um contexto histórico e construída socialmente. A busca dessa realidade passa pela descoberta dos significados camuflados nas acções e palavras dos nativos. As acções e palavras dos indivíduos devem ser encaradas como interpretações, pois traduzem a fórmula que estes usam para definir o que lhes acontece. Assim os significados das descrições das culturas devem ser calculados em termos das construções que imaginamos que os nativos colocam através da vida que levam e, por isso que Geertz pressupõe que nós na qualidade de sermos pesquisadores devemos fazer uma segunda interpretação depois da interpretação do nativo (Geertz, 1989). Buscando-se operacionalizar a teoria de Clifford Geertz, pode se dizer que a automedicação por parte dos residentes do Bairro Polana Caniço “A” é a realidade humana e compreende-se que a sua busca é feita com base na análise dos significados que os residentes atribuem a essa realidade, e para tal deixamos que os residentes falassem, que fizessem a interpretação desses significados e, por conseguinte fizemos a segunda interpretação depois das interpretações dos nativos. 18 Olhando para a nossa teoria secundária, segundo Alfred Schutz: A fenomenologia é uma teoria usada no estudo do comportamento dos indivíduos na vida quotidiana, através de pesquisas empíricas dos métodos que os mesmos utilizam para realizar acções, ou seja, estuda o modo que os seres humanos vivenciam o quotidiano e os significados da acção do homem no mundo social (Schutz, 1979: 74). A preocupação principal deste teórico está na forma como os indivíduos constroem a realidade social pautada na significação dos actos pelo sujeito que os pratica. A abordagem concebe a realidade como conjunto de fenómenos que acontecem no mundo independente da vontade do indivíduo. Contudo, o conhecimento ou o saber que os indivíduos formam em torno da realidade é baseado na interpretação que fazem dela (Schutz, 1979, apud, Berger e Luckmann, 2004). A realidade interpretada consiste na relação existente entre o pensamento e o contexto social no qual o indivíduo está inserido. Assim, o mundo da vida surge como um espaço social importante no qual os actores sociais estabelecem relações entre si e partilham os seus conhecimentos de forma a comungarem as mesmas crenças e valores. Por isso que apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjectivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente de ideias (Schutz, 1979, apud, Berger e Luckmann, 2004). A realidade da vida quotidiana apresenta-se como um mundo intersubjectivo em que o indivíduo partilha com os outros membros da sociedade. Essa intersubjectividade diferencia a vida quotidiana de outras realidades das quais ele tem consciência. A partir destes pressupostos da teoria, foi possível analisar e perceber os significados que os residentes do Bairro Polana Caniço “A” dão a automedicação, visto que, a automedicação é uma realidade sujeita a interpretação dos indivíduos, visto que, a teoria de Schutz (1979) por excelência traz-nos uma interpretação mais coesa que possibilita na obtenção de dados mais qualificados uma vez que nos interessou estudar os significados que os residentes dão automedicação. 19 3.2. Definição de Conceitos 3.2.1. Cultura Geertz (1989), define cultura como uma teia de significados em que o homem esta amarrado e que ele mesmo teceu. O conceito de Geertz é essencialmente semiótico, acreditando, como Max Weber, a cultura como sendo essas teias e a sua análise, não como uma ciência experimental embusca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados. O conceito de Geertz (1989) foi útil neste trabalho visto que, ele olha para a cultura numa dimensão simbólica em que o homem está amarrado a uma teia de significados e portanto, ajudou-nos na compreensão dos significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A”, visto também que, como veremos ao longo do trabalho que são vários os significados que são atribuídos a automedicação. 3.2.2. Interpretação Segundo Geertz (1989), Interpretação é o acto de interpretar a cultura ou a realidade social do grupo a ser estudado como um texto, “um manuscrito” estranho onde se constrói uma leitura através de uma descrição densa das estruturas de significados. Para Geertz, é preciso que o etnógrafo esteja o mais próximo possível dos sujeitos da sua pesquisa, realizando a pesquisa antropológica no sentido de uma “experiência pessoal”, onde ele deve conviver e entender a “vida nativa” através de conversas, observações e experiências na busca por significados, mas não se transformar em um nativo. Este conceito foi útil no nosso estudo na medida em que permitiu que fizéssemos uma descrição densa ou mais profunda dos significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A”. 3.2.3. Estoque de conhecimento Schutz (1979), diz que o homem, na vida diária, tem a qualquer momento um estoque de conhecimento à mão e lhe serve como código de interpretações de suas experiências passadas e presentes, e também determina sua antecipação das coisas que verão. Este estoque de conhecimento tem sua história particular, foi constituída de e por actividades anteriores de experiência de nossa consciência, cujo resultado tornou-se agora uma posse nossa habitual. 20 O estoque de conhecimento trazido aqui por Schutz é na verdade a retenção de todas actividades e acções que conhecemos, vivenciamos e atribuímos a estes um significado e, é preciso uma chamada de atenção para perceber sobre os conhecimentos em estoque que os indivíduos trazem consigo, que em muitas vezes não seguem uma coerência tal, mas que acaba desaguando num sentido prático daquilo que são os conhecimentos acerca da automedicação na vida deles. 3.2.4. Mundo de Vida Para Schutz (1979), o mundo de vida é um mundo intersubjectivo, objecto das nossas acções e interacções. Desta forma, a nossa atitude se dá sobre o mundo afectando-o, modificando seus objectos e suas relações mútuas; por sua vez, esses objectos também oferecem resistência às nossas acções, portanto, o mundo assim concebido, é algo que temos de modificar com nossas acções. Este conceito de “mundo de vida” foi útil na medida permitiu-nos a captar a realidade ou o mundo de vida dos residentes do Bairro Polana Caniço “A” que é justamente automedicar-se. 3.2.5. Automedicação Arrais et al. (1997); Cerqueira et al. (2005); Tomasi et al. (2007), definem automedicação como um procedimento caracterizado, fundamentalmente, pela iniciativa de um doente, ou o seu responsável, sem prescrição profissional, obter e utilizar um produto que acredita que lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de sintomas. Na opinião dos autores são várias as formas da automedicação ser praticada, nomeadamente, adquirir o medicamento sem receita médica, compartilhar remédios com outros membros da família ou conhecidos, reutilizar antigas receitas e não cumprir a prescrição profissional. Este conceito da automedicação é muito importante porque nos permitir perceber a automedicação no sentido mais amplo, mas de uma forma restrita, nós definimos a automedicação como sendo um acto ou efeito de medicar-se por si mesmo, sem um encaminhamento ou acompanhamento de um técnico de saúde. 21 4. CAPÍTULO III: METODOLOGIA DO TRABALHO Neste capítulo apresentamos os métodos e técnicas de recolha de dados que serviram de base para a obtenção de informação e elaboração da presente monografia. 4.1. Método de abordagem Para o alcance dos objectivos preconizados no presente trabalho de pesquisa, privilegiamos a abordagem qualitativa. A sua escolha deveu-se ao facto de que procura dar conta dos significados, motivos, atitudes, crenças, percepções, representações e valores que se expressam na linguagem comum e na vida quotidiana (Minayo. Sousa. Sanches, 1993). Segundo Richardson (1999), esta abordagem ao buscar a compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, dá primazia as convicções subjectivas das pessoas, devido à concepção de que o conhecimento que os indivíduos formam em torno dos fenómenos sociais está carregado de significados e possuem características específicas que determinam a percepção das coisas e o condicionamento das acções dos actores sociais. Deste modo, a abordagem qualitativa enquadrou-se no estudo, na medida em que permitiu a compreensão dos significados que os residentes do quarteirão 2, no Bairro Polana Caniço “A”, dão automedicação. 4.2. Método de procedimento No que toca ao método de procedimento, recorremos ao método monográfico ou estudo de caso que segundo Gil (2008), caracteriza-se por ser um estudo aprofundado, qualitativo, no qual se procura reunir o maior número de informações, utilizando-se variadas técnicas de colecta de dados, com o objectivo de apreender todas as variáveis da unidade analisada e concluir, indutivamente, sobre as questões propostas na escolha da unidade de análise. Dessa forma, o método monográfico enquadrou-se no nosso estudo uma vez que analisamos um caso que é a Automedicação no Bairro Polana Caniço “A” e, este método permitiu-nos fazer uma análise profunda do tema em causa com objectivo de mostrar na íntegra os significados que os residentes do Bairro dão a automedicação. 22 Aliado ao método monográfico, recorremos também ao método de histórias de vida (relato da vida), que baseia-se na história que os indivíduos relatam sobre seu quotidiano ou até mesmo acções que já ocorreram. Ou seja, baseia-se na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como é vivida e tal como ela é definida por seus próprios actores (Spindola e Santos, 2003). Portanto, este método nos permitiu entrevistarmos os residentes do Bairro Polana Caniço “A”, onde procurávamos saber toda a trajectória relacionada com a automedicação. 4.3. Técnicas de recolha dados No que tange as técnicas, para a colecta de dados no campo de pesquisa optamos por recorrer a quatro (4) técnicas principais: a pesquisa bibliográfica, a observação directa, entrevista semi- estruturada e conversas informais. Optamos pela pesquisa bibliográfica que segundo Gil (2008), ela é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no facto de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenómenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar directamente. Para este estudo a pesquisa bibliográfica foi útil na medida em que permitiu conhecer o estado da temática da automedicação a nível nacional e também internacional, o que abriu por sua vez um espaço para se ampliar os horizontes de pesquisa, buscando pesquisar aspectos pouco abordados, evitando insistir em assuntos que já foram anteriormente pesquisados. No campo recorremos a observação directa que segundo Quivy e Compenhoudt (2005), é aquela em que o próprio investigador procede directamente à recolha das informações, sem se dirigir aos sujeitos interessados. Apela directamente ao sentido de observação. Ou seja, é um tipo de técnica em que o investigador não participa na vida do grupo que pretende estudar. Portanto, esta técnica foi útil porque deu-nos a possibilidade de observar, o local da pesquisa e suas características, permitiu-nosainda captar imagens da secretaria administrativa do Bairro e de alguns medicamentos que são ingeridos na automedicação. 23 A entrevista semi-estruturada foi outra técnica usada, visto que, é uma forma de interacção social que possibilita um contacto directo entre o investigador e os seus entrevistados para a recolha de informação sobre um determinado assunto. Tem a vantagem de dar a possibilidade aos indivíduos de exprimirem as suas percepções em relação a um fenómeno ou situação, a partir das próprias experiências do quotidiano (Quivy e Compenhoudt, 2005). Recorremos também as conversas informais que possibilitaram-nos a colocar questões que não tínhamos no nosso guião de entrevista. As entrevistas foram realizadas por meio de duas línguas, nomeadamente: Português e Xichangana. Pautamos pelo uso de ambas línguas, visto que, alguns dos nossos entrevistados não falavam a língua portuguesa a não ser Xichangana. As informações eram registadas num diário de campo e as imagens foram feitas com recurso a um telemóvel. 4.4. Técnicas de análise de dados No que concerne ao tratamento e análise de dados e por se tratar de um trabalho qualitativo, recolhidos no campo foram classificados com base na Análise de Conteúdo definida como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 2009: 44). E feita a análise de conteúdo, seguida a fase de transcrição e organização dos dados colhidos no campo optamos pela categorização dos mesmos. Concordamos com Carvalho (2002), quando refere que um dos principais pontos de força da abordagem qualitativa é a riqueza e a quantidade dos dados gerados e, portanto, esta técnica foi útil na análise dos conteúdos das comunicações que tivemos com os nossos entrevistados. 4.5. Universo e amostra No que tange ao universo e amostra, o universo no estudo, são as pessoas que já se automedicaram no Bairro Polana Caniço “A”. O tipo de amostra é não probabilística que não apresenta fundamentos matemáticos ou estatísticos, depende unicamente dos critérios do pesquisador (Gil, 2008). 24 No que concerne aos entrevistados, o critério de acesso baseou-se na técnica bola de neve em os participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam novos participantes e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objectivo proposto (o “ponto de saturação”). O “ponto de saturação” é atingido quando novos entrevistados passam a repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem acrescentar novas informações relevantes a pesquisa (WHA, 1994). Com base nesta técnica, foi possível conversar com onze (11) residentes do Bairro, a saber: um (1) secretário do Bairro da Polana Caniço “A”, um (1) chefe do quarteirão do mesmo Bairro e nove (9) residentes do Bairro Polana Caniço “A”. 4.6. Questões éticas na pesquisa Quanto às questões éticas, todos os participantes foram informados e explicados sobre a natureza da pesquisa, respeitou-se a questão do consentimento informado. A privacidade e confidencialidade foram salvaguardadas pelo uso de nomes fictícios e garantiu-se o anonimato. 4.7. Constrangimentos Durante o processo a pesquisa, encontrou igualmente situações adversas durante a realização do trabalho de campo, uma vez que, o pesquisador deparou-se com várias dificuldades no terreno, mas que posteriormente foram ultrapassados. Algumas entrevistas eram marcadas mas por vezes adiavam os encontros sem um aviso prévio. A falta de confiança de alguns entrevistados foi um constrangimento porque não entendiam o carácter de estudo e receavam participar e dar informações. Alguns quando se interessavam em participar exigiam em troca algum dinheiro. A proposta de remuneração foi superada com ajuda e interacção das estruturas do bairro, que explicaram aos interlocutores que se tratava duma pesquisa de carácter académico sem ganhos lucrativos. Um outro constrangimento foi o facto de esta Monografia ter sido desenvolvida num contexto pandémico que o país enfrenta, a COVID-19, e por conta disso, alguns entrevistados indicados não aceitavam participar das entrevistas porque segundo eles temiam o contágio pelo vírus, e alguns que aceitavam participar, no momento das entrevistas não queriam colocar a máscara de protecção, alegando que ela sufoca, mas com o nosso apelo, entenderam a importância do uso da máscara, porém, as entrevistas duravam pouco tempo, por conta do referido. 25 5. CAPÍTULO IV: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS 5.1. Localização e Características Gerais do Bairro Polana Caniço “A” O Bairro da Polana Caniço “A” localiza-se na periferia da Cidade de Maputo. Administrativamente, localiza-se ao Norte da Cidade de Maputo, no Distrito Kamaxaquene. Ao Norte é limitado pelo Bairro Maxaquene “D”, ao Sul pelo Bairro Sommerchield, a Este pelo Bairro Polana Caniço “B”, a Oeste pelo Maxaquene “C”. O Bairro tem uma extensão de 31Km² e possui 45.893 de habitantes dos quais 22.322 do sexo masculino e 23.571 do sexo feminino. Das línguas articuladas, distinguem-se o “Xichangana e Xironga” e, devido às suas semelhanças, pode-se observar durante a fala dos participantes, ambas as línguas são recorrentes e se influenciam. Das línguas mais faladas destacamos a língua Portuguesa, Xironga e Xichangana (Conselho Executivo da Cidade de Maputo e Cooperação Francesa, 2017). 5.1.1. Figura 1- Mapa da localização geográfica do Bairro Polana Caniço “A” Fonte: Domisio, (21.07.2020). 26 5.1.2. Organização Política, Administrativa, Religiosa e Socioeconómica do Bairro O Bairro Polana Caniço “A”, em termos políticos e administrativamente é dirigido por: Um Secretário do Bairro; Chefes de quarteirões; Chefes de dez casas. O Bairro Polana Caniço “A” possui setenta e sete (77) quarteirões, cada quarteirão possui um chefe, eleito pelos residentes do quarteirão. As eleições para o cargo do chefe de quarteirão, são dirigidas pelo secretário do bairro. O chefe de quarteirão tem a missão de garantir o controlo dos quarteirões, contam com a ajuda dos chefes das dez casas que normalmente são pessoas de confiança e indicadas para o cargo por eles, aquando da tomada de posse. O Bairro Polana Caniço “A” possui uma Secretaria Administrativa, em que são canalizados os assuntos sociais que localmente sucedem. Trata-se de um edifício erguido pelo Conselho Municipal da Cidade Maputo. O mesmo possui cinco (5) compartimentos: um (1) gabinete partilhado pelo secretário do bairro, uma (1) secretaria, uma (1) sala de reuniões, uma (1) copa e por fim uma (1) casa de banho. A Secretaria, funciona em dias úteis da semana, isto é, de segunda a sexta-feira, das 7h30min às 15h30min. A figura 2 abaixo mostra a visão frontal da secretaria. 5.1.3. Figura 2 – Visão Frontal da Secretaria Administrativa do Bairro Polana Caniço “A” Fonte: O autor, (18.01.2021). 27 O secretário do bairro nomeado cargo pelo Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. A sua substituição dependerá do seu desempenho, com a chegada de um outro Presidente do Município ou por motivo de morte. Tem a função de garantir o funcionamento de todas as áreas e é o representante da comunidade no governo do distrito. O chefe de secretaria zela pelo normal funcionamento da secretaria na tramitação de expedientes, recebem os problemas trazidos pelas comunidades e canaliza-os em sector próprio. O Bairro Polana Caniço “A” possui quatro (4) escolas, dentre elas, duas (2) primárias e duas (2) secundárias, nomeadamente: Escola Primária Completa Polana Caniço “A” e Escola Comunitária Rainha da Paz (primárias), Escola Secundária Mateus Sansão Muthemba e Escola Comunitária 4 de Outubro (secundárias).O Bairro Polana Caniço “A” possui um (1) Centro de Saúde, denominado Hospital Geral da Polana Caniço, que actualmente funciona como Centro de Isolamento de COVID-19 (CICOV), e o Bairro conta com um (1) posto policial. Em termos da organização religiosa, existem no bairro, seis (6) igrejas da Assembleia de Deus, uma (1) igreja Universal do Reino de Deus, três (3) igrejas Apostólicas, uma (1) igreja Católica (Rainha da Paz) e igrejas Zione em um número não especificado. Em termos de actividades económicas, os residentes dedicam-se ao comércio, trabalho na cidade de Maputo e a actividade agrícola, embora pouco praticada. O comércio caracteriza-se pela venda de produtos alimentares em forma de mercearias, barracas e pequenas bancas no bairro e pela venda de material de construção em forma de estaleiros e ferragens. 5.1.4. História do Surgimento do Bairro Polana Caniço “A” No que tange ao surgimento do Bairro Polana Caniço “A”, é importante referir que existem várias opiniões que relatam o surgimento do bairro e convergem somente no nome, isto é, todos os residentes antigos entrevistados contam que Polana, era nome de um régulo e médico tradicional que chamava-se Phulana e, Caniço porque na altura havia problemas de habitação e muitas casas eram de caniço, mas podemos ver com mais detalhes nos depoimentos a seguir: 28 (…) O nome de Polana Caniço surge da seguinte maneira, primeiro Polana porque na altura, tinha um régulo, curandeiro e médico tradicional que era uma referência incontornável na altura, porque era a única pessoa no tempo que curava todas doenças no Bairro, e por causa disso, todas pessoas quando vinham para o bairro usavam o nome dele (Phulana) como referência e assim foi e o nome dele prevaleceu até ao ponto de se usar como o nome do bairro, mas já “aportuguesado” (Polana). E Caniço, foi porque na altura, existiam problemas de habitação e muitas casas eram de Caniço e esse facto fez com que se usasse o Caniço como referência, em suma, havia o régulo, curandeiro e médico tradicional (Phulana) e o Caniço que eram referências no Bairro e acabou ficando Polana Caniço.5 (…) Bom meu filho, o nome Polana Caniço surgiu por causa de um velho que existia na altura e que era um régulo do bairro, o nome dele era Phulana Ngondzo, ele para além de ser régulo, era um médico tradicional que praticamente curava quase todas doenças e ele era o único aqui no Bairro, mas também ele fazia esteiras caseiras e na altura como podes imaginar a esteira era uma coisa que se usava muito e todas as pessoas adquiriam as esteiras com Phulana, então, o facto de ele ser um régulo, médico tradicional e produtor de esteiras caseiras fez com muitas pessoas usassem o nome dele para se referir ao Bairro, actualmente Polana. E Caniço, foi nada mais, nada menos que por causa de muitas casas de caniço que existiam na altura, e acabou ficando Polana (que era o régulo Phulana) e Caniço (que eram as casas de caniço).6 Olhando para os extractos acima podemos perceber que o nome do Bairro Polana Caniço, surge por conta de dois factores, primeiro porque existiu um régulo que chamava-se Phulana que era curandeiro, médico tradicional e produtor de esteiras caseiras e, por ser o único no bairro na altura fez que que o nome dele passasse a ser usado como uma referência para se referir ao Bairro, mas de uma forma já aportuguesada (Polana). E Caniço pelo simples facto de ter existido muitas casas de caniço na altura. Portanto, houve essa junção de dois nomes Phulana e Caniço e passou a ser Polana Caniço até nos dias actuais. 5 Entrevista do dia 18/01/2021 com Jacinto de 56 anos de idade, Secretário do Bairro Polana Caniço “A”. 6 Entrevista do dia 16/01/2021 com Ângelo de 60 anos de idade, residente do Bairro Polana Caniço “A”. 29 5.2. Perfil Sócio-Demográfico dos Entrevistados Neste subcapítulo apresentamos o perfil sócio-demográfico dos entrevistados e, para compreender o perfil sócio-demográfico traçou-se como critérios de análise: Nome, Sexo, Idade, Nível de escolaridade, Profissão e Residência. Nº de Entrevistados Nome Sexo Idade Nível de Escolaridade Profissão Residência 1 Jacinto M 56 Técnico Médio Ad. Público Polana Caniço “A” 2 Teresa F 32 12ª Classe Estilista Polana Caniço “A” 3 Artur M 23 11ª Classe Barbeiro Polana Caniço “A” 4 Cacilda F 52 12ª Classe Polícia Polana Caniço “A” 5 Luís M 55 10ª Classe Motorista Polana Caniço “A” 6 Noémia F 57 7ª Classe Vendedeira Polana Caniço “A” 7 Salma F 38 8ª Classe Vendedeira Polana Caniço “A” 8 Ângelo M 60 Técnico Médio Professor Polana Caniço “A” 9 Rosa F 36 Licenciada Tradutora Polana Caniço “A” 10 Maria F 29 10ª Classe Doméstica Polana Caniço “A” 11 Auneta F 40 Não estudou Vendedeira Polana Caniço “A” De acordo com a tabela acima, podemos perceber que participaram onze (11) residentes, e como forma de preservar a privacidade dos envolvidos no trabalho optou-se por usar nomes fictícios. Podemos ver que temos indivíduos do sexo feminino e masculino, cuja as idades variam de 23 a 60 anos, e no que toca ao nível de escolaridade, varia de quem não estudou até licenciada, no que toca as profissões, podemos verificar que elas variam mas, que na sua maioria são de vendedeiras e, que todos os entrevistados são do Bairro Polana Caniço “A” e do mesmo quarteirão. 30 No que diz respeito ao sexo mais uma vez, como os dados ilustram na tabela, podemos perceber que a maioria dos entrevistados são do sexo feminino, porém, este facto não foi pré-determinado na pesquisa nem está relacionado a outros factores de análise que excluem indivíduos do sexo masculino, mas sim deve-se ao facto de termos usado a técnica de bola de neve que nos conduziu a mais indivíduos do sexo feminino em detrimento dos indivíduos do sexo masculino. 31 5.3. Trajectória dos Residentes que se Automedicam no Bairro Polana Caniço “A” Neste subtítulo pretende-se mostrar a trajectória dos residentes que se automedicam no Bairro, ou seja, descrever o percurso dos mesmos, lembrando que para o efeito usamos o método de histórias de vida e com base nos relatos de vida que os residentes iam nos contando, percebemos que a prática da automedicação na maioria dos entrevistados começa principalmente no seio familiar, e que segundo eles, a família contribuiu significativamente para que eles começassem a se automedicar, entretanto, alguns afirmaram ter começado a tomar medicamento sem prescrição médica por influência de pessoas (amigos, vizinhos, conhecidos, etc.) e outros por conta própria. Para percebermos melhor a trajectória ou percurso dos indivíduos que se automedicam no Bairro, abaixo temos os depoimentos que dão conta de quando e como é que os residentes do Bairro começaram a tomar medicamento sem prescrição médica, onde muitos afirmaram: (...) Comecei a tomar medicamento sem receita por causa de um amigo.7 (...) Comecei a me automedicar por conta dos meus pais.8 (...) Comecei a tomar remédio sem prescrição médica por ouvir minhas vizinhas.9 (...) Tudo começou quando eu senti uma dor insuportável por causa de período, algo que nunca tinha-me acontecido, então minha amiga recomendou-me Ibrupefeno para tomar, então tomei e até nos dias de hoje tomo quando sinto algo do género.10 (...) A automedicação ganhou um impacto significante na minha vida quando começou a minha fase menstrual, aos meus 15 anos de idade, quando tivesse cólicas, comecei a tomar Ibrupufeno por conta da minha mãe, tomei e a partir daí sempre que sentisse as cólicas, não recorreria ao hospital, muito menos ao farmacêutico para ter mais instruções em relação as dores que sentia, simplesmente tomava e aliviava as dores, outros dias sim e outros não, mas um hábito que não consigo deixar, pois no momento de aflição e dor simplesmente tomo pensandonos benefícios que terei.11 7 Entrevista do dia 19/01/2021 com Artur de 23 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 8 Entrevista do dia 23/01/2021 com Maria de 29 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 9 Entrevista do dia 23/01/2021 com Teresa de 35 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 10 Entrevista do dia 21/01/2021 com Rosa de 36 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 11 Entrevista do dia 19/01/2021 com Salma de 38 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 32 Podemos ver nos extractos anteriores que, a maioria dos entrevistados afirmaram que começaram a se automedicar por influência de alguém, uns pela influência da família e outros pela influência de conhecidos ou amigos, portanto, percebemos nisto de acordo com Geertz (1989), quando fornece-nos o conceito de cultura que implica socialização do indivíduo, essa socialização por sua vez pode em grande parte determinar o que o indivíduo faz ou não na sociedade, e é a partir desta socialização onde encontramos a influência, onde um acaba influenciando o outro a fazer uma determinada coisa, no caso concreto a automedicação, essa influência como constatamos pode ser através da família, vizinhos, amigos e até mesmo conhecidos e é dessa forma que muitos começaram a se automedicar. Ainda na trajectória da automedicação podemos constatar existem diversos medicamentos que são consumidos sem prescrição médica para diferentes tipos de doenças, no entanto, com base nas entrevistas que tivemos acesso percebemos que os medicamentos que os residentes consomem na prática automedicação são nomeadamente, Paracetamol, Diclofenac e Ibrupufeno. 5.3.1. Figura 3 – Tipos de medicamentos consumidos na automedicação Fonte: O autor, (25.01.2021). (...) Pode faltar qualquer medicamento na minha casa, mas Parecetamol, Diclofenac e Ibuprufeno jamais pode faltar (...).12 12 Entrevista do dia 23/01/2021 com Noêmia de 57 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 33 (…) Meu filho é assim, quando nos sentimos dor de cabeça ou corpo, Diclofenac, Paracetamol e Ibuprufeno são os primeiros medicamentos que recorremos sem precisar de ir pra hospital (...).13 (...) Uma pessoa pode até dizer que vai para o hospital, mas quando se sente incomodado, dependendo da dor que sente, os primeiros medicamentos a tomar sem prescrição médica são Paracetamol, Ibuprufeno e Diclofenac, digo isso porque conheço muitos e também por experiência própria.14 De acordo com o que constatamos no terreno e de acordo com extractos acima, podemos perceber estes são medicamentos consumidos sem prescrição médica e, segundo os nossos entrevistados o Paracetamol que encontra-se em primeiro lugar e é mais tomado para aliviar a dor de cabeça, o Diclofenac que é para aliviar a dor no corpo e inflamação, entorse, etc., e o Ibuprufeno que para o alívio de febre e dores adversas e, para tal, segundo os nossos interlocutores não precisam ir até uma unidade sanitária para receber uma orientação médica para tomar e ter esses medicamentos. Podemos aqui notar que a automedicação é o mundo de vida dos residentes e com base na vida diária deles, tem um estoque de conhecimento (Schutz, 1979) com relação aos medicamentos e fazem a interpretação de sintomas com base nas experiências já vividas e determinam como, quando e para que tipo de dor eles tomam o medicamento sem precisar de uma orientação médica. 13 Entrevista do dia 19/01/2021 com Auneta de 40 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 14 Entrevista do dia 23/01/2021 com Maria de 29 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 34 5.4. Lógicas que Orientam Residentes do Bairro Polana Caniço “A” na Automedicação Neste subcapítulo procuramos trazer as lógicas que orientam os residentes do Bairro Polana Caniço “A” na automedicação, visto que pudemos constatar que mais do que os motivos ou factores que levam os indivíduos a se automedicarem existem portanto, lógicas que os orienta nesta prática. As lógicas são várias que estão por detrás e que orienta os indivíduos na automedicação, nos referimos às lógicas populares, família, lógicas hospitalares, etc. Olhando para a lógica hospitalar, vamos perceber que os indivíduos fazem interpretação de sintomas com base nos conhecimentos que foram adquirindo ao longo dos tempos com os médicos na decisão do uso de medicamentos. E com base nesta lógica, muitos indivíduos quando questionados por exemplo sobre como é que sabiam se determinada doença ou sintoma só pode se resolver com a automedicação ou indo para hospital, a resposta que a maioria dos nossos entrevistados dava, era de que eles percebiam através do tipo de doença que os aflige, aproximam a uma farmácia para comprar o medicamento, não precisando portanto, de ir até uma unidade sanitária para receber uma orientação médica para tal. A seguir temos alguns extractos dos nossos entrevistados que evidenciam algumas lógicas que orientam os residentes do Bairro Polana Caniço “A” na automedicação, como podemos ver: (...) Quando sinto uma dor de cabeça já não preciso ir ao hospital, porque, sempre que vou o médico me dão paracetamol, então eu já sei que quando doe minha cabeça a única solução para curar-me é ir até a farmácia comprar paracetamol e tomar.15 (...) É sempre mesma coisa, eu parei de ir pra médico porque sempre que eu sentia cólicas e ia para o hospital, o médico só me dava ibuprofeno e paracetamol, sempre, hoje em dia quando estou no meu período menstrual, não vou ao hospital, porque sei que é só eu tomar ibruprofeno, coldaflu e paracetamol simples e dá certo.16 (...) Meu filho, eu não vou para o hospital a não ser que seja algo grave mesmo, quando é uma dor de cabeça, dor de corpo, tosse, entre essas dores simples, medico-me porque já conheço todos medicamentos e o principal de todos é paracetamol.17 15 Entrevista do dia 30/01/2021 com Salma de 38 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 16 Entrevista do dia 25/01/2021 com Rosa de 36 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 17 Entrevista do dia 24/01/2021 com Luís de 55 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 35 Fazendo uma interpretação dos extractos de entrevistas, vemos neles que há uma tendência dos residentes se automedicarem seguindo uma lógica que é orientada ou que foi incutida pelos profissionais de saúde, visto que, em todos os momentos em que os pacientes vão ao hospital sempre dão-lhes paracetamol como um dos principais medicamentos, e isto por sua vez, acabou criando uma lógica nos residentes do bairro e que hoje em dia os orienta automedicação. Em outras palavras podemos perceber que os indivíduos fazem interpretação dos sintomas que eles tem, e esta interpretação, por sua vez está ligada ao estoque de conhecimento (Schutz, 1979), visto que, eles num momento tiveram um tipo de sintomas, e se dirigiram a uma unidade sanitária e os receitaram um tipo de medicamento e num outro momento voltam a ter o mesmo tipo de sintoma, então a partir daí a pessoa usa o estoque do conhecimento que já vinha tendo e interpretam. Vale lembrar que o conhecimento de um indivíduo acerca de uma dada doença tem sempre uma história particular, pois é constituído por experiências diversas. Assim, é de se esperar que este conhecimento exista em um fluxo seguido e que o mesmo seja passível de mudanças, tanto em termos de extensão como em termos de estrutura. Portanto, a explicação que as pessoas elaboram para uma dada experiência de enfermidade é o resultado dos diferentes meios pelos quais elas adquirem seus conhecimentos médicos como referimos anteriormente e, taisconhecimentos são diferentes entre as pessoas, por serem originados em situações biográficas determinadas. Ainda olhando para as lógicas que orientam os indivíduos na automedicação, podemos constatar que alguns dos nossos entrevistados relataram ter observado resultados satisfatórios quando se automedicam, resultados estes que de forma significativa os orienta ainda mais na automedicação como podemos ver abaixo: (...) Automedico-me por que acredito que surtirá efeito na dor que sinto, e quando eu tomo um determinado medicamento, não acho que faz mal, porque sempre quando eu estou com dor, eu tomo e a dor melhora.18 (...) Automedico-me já há muito tempo, filho e, sempre dá certo, tenho quase sempre dores constantes de cabeça, mas quando me automedico, fico calmo o dia inteiro, não falha.19 18 Entrevista do dia 31/01/2021 com Teresa de 35 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 36 (...) Nós aqui em casa nos automedicamos, as vezes com base nas experiências dos outros, nós acreditamos e a automedicação tem surtido efeito e é por esta via que sempre optamos em nos automedicar.20 (...) Eu não costumo ir ao hospital na verdade, porque não confio nos médicos (…) mas sim nos meus familiares, eles é que sempre me curam quando fico doente, e são os que me dão a visão de vida e de muita coisa, o hospital não tem nada a ver comigo.21 No que toca aos extractos acima, podemos perceber que as lógicas que orientam os indivíduos na automedicação, estão relacionadas em parte com a confiança que os mesmos têm com relação aos medicamentos, mas também estão relacionadas com as vivências dos mesmos. O conceito mundo de vida, (Schutz 1979), se enquadra neste aspecto, pois os indivíduos constroem a realidade social pautada na significação dos actos pelo sujeito que os pratica, nesse caso que seria a automedicação. Olhando mais uma vez para estes extractos dos nossos entrevistados de acordo com Geertz (1989), quando advoga que a cultura é uma rede simbólica e semiótica, afirmando que os homens estão suspensos numa teia de significados, que eles próprios teceram e que a cultura é constituída por essas redes, percebemos nisto que os indivíduos com base na socialização, os indivíduos partilham suas experiências (automedicação é uma prática que tem a partilha social), concepções e crenças relativamente a automedicação, denotando assim, a capacidade interpretativa do que é a automedicação para os mesmos, quer dizer, eles tem fé ou a certeza que a automedicação sempre surtirá efeito positivo, não precisando dessa forma se dirigir a uma unidade sanitária. Lógicas populares, família, etc., experiências positivas na automedicação, a função simbólica que os medicamentos exercem sobre a população são a dificuldade de acesso aos serviços de saúde que contribuem para a automedicação como forma de gestão individual de saúde. 19 Entrevista do dia 25/01/2021 com Ângelo de 60 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 20 Entrevista do dia 06/02/2021 com Cacilda de 52 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 21 Entrevista do dia 21/01/2021 com Artur de 23 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 37 5.5. Das Lógicas aos Significados da Automedicação para os Residentes do Bairro Polana Caniço “A” No subtítulo anterior abordamos a questão das lógicas que orientam os indivíduos na automedicação, e aqui, procuramos olhar para a questão dos significados, visto que primeiro há uma lógica que depois nos leva aos significados, e é por esta via que procuramos analisar os significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A”, isto porque também, não há dúvidas que existem significados subjacentes e que são atribuídos a esta prática da automedicação. É importante destacar que o medicamento em si trás intrinsecamente um valor simbólico, que expressa a vontade de transformar o curso natural da doença na vida do indivíduo. Com base nas entrevistas que efectuamos no terreno, pudemos constatar que os significados que são atribuídos a esta prática são vários, alguns participantes afirmaram que quando se automedicam evitam a morte, quer dizer, este o sentido que eles dão à automedicação, outros afirmavam que a automedicação tem um significado cultural, na medida em que segundo os nossos entrevistados a automedicação tornou-se um hábito nas suas vidas e de tanto se automedicar já não imaginam as suas vidas sem a automedicação, quer dizer, a automedicação ganhou um espaço significante na vida desses indivíduos e para outros o significado da automedicação é o de bem-estar. Portanto, para percebermos melhor temos os extractos a seguir: (...) Me automedico e já faço há um bom tempo e com a automedicação e evito a morte.22 (…) Para mim, automedicação significa eu me sentir bem, por isso que me automedico quando estou incomodado e continuo até hoje.23 (...) Comecei a me automedicar e não me arrependo por conta disso, digo mais, foi algo que descobri e que hoje tem um valor para mim, porque com base no conhecimento que tenho e mais, hoje posso me automedicar e me sentir bem.24 22 Entrevista do dia 02/02/2021 com Luís de 55 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 23 Entrevista do dia 02/02/2021 com Auneta de 40 anos de idade residente do Bairro Polana Canico “A”. 24 Entrevista do dia 05/02/2021 com Noêmia de 57 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 38 (…) Automedicação para mim já ganhou um lugar preponderante na minha vida (...) sabe, eu já estou a bastante tempo e não sei o que é ir para o hospital, sempre que me sinto incomodado recorro a automedicação e sempre tenho tido resultados positivos, por isso que eu digo que esta prática para representa mais de que uma simples automedicação, mas sim uma prática cultural, já virou um hábito para mim.25 (...) Conforme vês e conforme eu te disse, tenho 60 anos, sempre tomei medicamento sem receita, não digo que não vou ao hospital, vou, mas já estou há anos que tomo medicamento sem receita e estou aqui vivo graças a automedicação.26 Olhando para os extractos acima e fazendo uma interpretação dos mesmos recorrendo a Geertz (1989), podemos percebemos que a automedicação ao ser vista como uma prática cultural pelos residentes do Bairro Polana Caniço “A”, acaba sendo ou constituída por uma teia de significados que tem a ver com a crença, etc. Portanto vemos nestes extractos de entrevistas que os significados são vários, para uns automedicação significa evitar a morte, para outros significa bem-estar e, outros a automedicação tem um significado cultural que ao longo do tempo foi ganhando o status na vida desses indivíduos, em outras palavras, os indivíduos passaram a ter a automedicação como um habito/costume nas suas vidas e que segundo eles não imaginam as suas vidas sem a automedicação, reconhecendo sim que existem riscos na automedicação, mas nem por isso podem parar com esta prática. 25 Entrevista do dia 06/02/2021 com Cacilda de 52 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A”. 26 Entrevista do dia 07/02/2021 com Ângelo de 60 anos de idade residente do Bairro Polana Caniço “A". 39 6. CONCLUSÃO No início da pesquisa, propusemo-nos a responder a seguinte questão: quais são os significados da automedicação para os residentes do Bairro Polana Caniço “A”? E para dar resposta a questão colocada, pautamos pela articulação de duas teorias, a teoria interpretativa de Clifford Geertz que pressupõe fazer uma segunda interpretação depois da interpretação
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