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TEORIA DA IMAGEM Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Imagem, comunicação e cultura Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Introduzir a noção de cultura para os estudos da semiótica. � Apontar a natureza social do processo comunicativo. � Identificar o papel do contexto na interpretação da imagem. Introdução A noção de cultura é comumente empregada para designar toda forma de expressão humana. Para os estudos da Semiótica da Cultura (SC), também chamada de Escola de Tartu-Moscou (ETM), a cultura é caracterizada como um sistema de sistemas, isto é, como um sistema constituído por vá- rios sistemas de signos. A esse respeito, é importante você compreender que, na visão de Lotman, um dos representantes mais famosos desse campo de estudo, os sistemas de signos devem ser investigados no tempo e no espaço em que surgiram, e não de maneira abstrata. Desse modo, o conceito de contexto é relevante para se perceber a dinâmica dos sistemas culturais, os quais elaboram mundos de cultura próprios. Neste texto, você vai aprender sobre a noção de cultura, refletida pelos estudos da semiótica da cultura. Além disso, vai identificar a comunicação como um processo fundamentalmente social e compreender o papel do contexto na interpretação da imagem. A noção de cultura para a semiótica Comumente, se define a cultura como toda forma de expressão humana. Nas diversas trajetórias históricas, as quais marcaram e continuam a caracterizar a construção das identidades sociais, qualquer coisa pode adquirir sentido, isto é, de maneira geral, tudo pode ser um signo. Uma caricatura política, uma gravura romântica numa árvore do parque, um videoclipe de uma cantora pop, um seriado televisivo de caráter documental, uma reportagem jornalística intimista, um romance best-seller: são todos signos que apontam para as pro- duções culturais humanas atuais ou, pelo menos, de uma época mais recente. Uma leitura analítica da significação de cada signo pode levá-lo a perguntar o que cada um ativa em você. Dito de outro modo, retomando as palavras de Joly (2007), “[...] o que cada imagem ativa em nós de convenções, de história e de cultura mais ou menos interiorizadas [...]”? Explorar criticamente o que os textos constroem, em especial no âmbito de estudo desenvolvido aqui, e refletir sobre o que a imagem constrói de significação são aprendizados primordiais para aqueles que desejam se aprofundar no estudo das formas de comunicação contemporâneas. Além de o uso de textos visuais se caracterizar como uma das formas dominantes de os indivíduos se “expressarem”, você pode considerar também que a natureza desses textos é profundamente cultural. Escola de Tartu ou Escola de Tartu-Moscou A interpretação que os indivíduos fazem dos signos, sejam estes visuais, plásticos, verbais, etc., é profundamente marcada pelo contexto cultural e coletivo de cada sociedade. Dentro do campo de estudo da cultura associado à perspectiva da semiótica, há uma corrente que se destaca, que é chamada de semiótica da cultura. Esse campo foi formado por um grupo de estudiosos russos, entre eles Yuri Mikhailovich Lotman. Tal grupo, que ficou conhecido ainda pela denominação Escola de Tartu ou Escola de Tartu-Moscou, não desenvolveu uma teoria unificada, uma vez que aborda uma variedade de temas sob fundamentos teóricos os mais diversos (NÖTH, 2000, p. 97 apud KIRCHOF, 2010, p. 64). Apesar dessa variedade, há em Kirchof (2010) a enumeração de algumas características que marcaram a investigação realizada por essa escola: a interdisciplinaridade, a proximidade entre as ciências exatas e as humanas, o interesse pela história russa, pelas formas de comunicação humana e pelas culturas, além de muitas outras. Pode-se dizer ainda que a mais importante característica dessa escola é o tratamento dado às formas de comunicação que são tomadas como sistemas de signos. Imagem, comunicação e cultura2 Yuri Mikhailovitch Lotman (1922–1993) foi um dos nomes de destaque dos estudos semióticos que abarcaram a área da cultura. Após se tornar doutor em filologia, tornou- -se professor da Universidade de Tartu, na Estônia. A partir de 1964, o russo passa a ser o editor da revista Estudos de sistemas do signo, publicada pela mesma universidade. Em 1969, foi eleito um dos quatro vice-presidentes da Associação Internacional de Estudos Semióticos em Paris (KIRCHOF, 2010). Diante do contexto do regime stalinista, que dificultou o andamento dos estudos semióticos russos, além da influência de Lotman na Universidade de Tartu, a semiótica russa passou a ser transferida para a Estônia. Isso possibilitou a formação de um grupo de estudiosos da semiótica, a partir do ano 1960, sob o nome de Escola de Tartu. Essa escola se tornou conhecida por muitos como o grupo representante da semiótica da cultura, em virtude de os seus integrantes priorizarem o estudo da cultura por meio da semiótica (KIRCHOF, 2010). Ainda é importante você saber que o estudo da linguagem naquela época estava mais circunscrito aos campos da linguística e da literatura. Assim, aqueles intelectuais russos – tais como Vyacheslav Ivanov, B. F. Egorov, T. J. Elizarenkova e V. N. Todorov (SEBEOK, 1988 apud KIRCHOF, 2010), entre muitos outros – se reuniam em torno do interesse de investigar o papel da linguagem nas suas diversas manifestações culturais (VELHO, 2009). Segundo Kirchof (2010), os semioticistas de Tartu não estudavam o signo isoladamente, mas a linguagem como um sistema semiótico – o que os apro- ximaria, para Lotman, da escola do linguista suíço Saussure. A propósito, o interesse e a produção teórica de Lotman podem ser divididos em algumas fases: na primeira, de 1950 a 1964, o russo se preocupa principalmente com a história literária russa; na segunda, de 1964 a 1974, com as investigações semióticas propriamente ditas; na terceira, a partir dos anos 1980, as reflexões de Lotman são direcionadas para as noções de biosfera e semiosfera. A respeito dessa divisão, elaborada por Sanchez (1996, p. 253 apud KIRCHOF, 2010), se verifica ainda uma subdivisão no segundo momento mencionado: de 1964 a 1970, se destacam as pesquisas em torno de analogias entre a língua natural e os outros sistemas de signo (mitos, por exemplo). A partir de 1970, surge uma maior preocupação com a tipologia da cultura, que era caracterizada como sistema de sistemas. A semiosfera foi uma noção criada por Lotman para tratar da cultura como um sistema de sistemas (KIRCHOF, 2010). Caracterizada como o oposto da biosfera, aquela diz respeito ao mundo semiótico, da semiose, no qual as pessoas usam os sistemas de signos (semióticos) para se comunicar. Já a 3Imagem, comunicação e cultura biosfera constitui o mundo natural, da natureza, que ainda não está organizado por meio de sistemas semióticos. Na visão de Lotman, a cultura é o lugar da semiosfera. Esta se divide ainda em várias linguagens e, por isso, existem as subsemiosferas. No entanto, é fundamental você perceber que, na concepção desse teórico russo, os sistemas e subsistemas devem ser estudados no tempo e espaço em que surgem, e não de maneira abstrata. Tendo em vista que os sistemas são dinâmicos, concretos e variam contextualmente – de contexto para contexto –, os sistemas culturais elaboram mundos culturais próprios (SANCHEZ, 1989, p. 260 apud KIRCHOF, 2010, p. 64). De acordo com Velho (2009), a tradição teórica dos pesquisadores do grupo da já extinta União Soviética – oficialmente chamada de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o estado socialista que existiu de 1922 até 1991 – cobre um amplo conjunto de debates sobre os aspectos sociais, filosóficos, tecnológicos, etc. que influenciam a produção dos sentidos dos signos, além dos processos comunicativos, em uma dada cultura. Esta, tomada como linguagem, abrange todas as dimensões da vida humana. Desse modo, os pesquisadores dessa escola buscaram compreenderqualquer forma de expressão, qualquer linguagem, além daquelas que fazem parte da esfera social. Dito de outro modo, eles questionavam sobre como os sentidos são produzidos no dia a dia: quais regras regem as linguagens?, quais as suas ações no sistema da cultura?, como se constroem as várias linguagens, isto é, as várias formas de expressão? Os semioticistas russos propõem uma metodologia que descreve as representações culturais que vão muito além das formas estruturais da língua. Na visão deles, as formas de expressão constituem vários tipos de signos ou, melhor, um amplo conjunto sígnico. Isso significa dizer que o sistema da cultura se organiza e se desenvolve em diversos sistemas de signos, tais como: o gestual, o visual, o sonoro, o arquitetônico, o gráfico, o verbal, etc. Assim, a cultura é compreendida como uma memória que não é genética. Memória, porque constitui um conjunto de informações que os grupos sociais acumularam e continuam a acumular e a transmitir entre seus integrantes. Afinal, as pessoas são seres históricos que produzem continuamente novos elementos e valores culturais. Essa transmissão de informações – dos signos da cultura – se dá por meio de diversas manifestações que fazem parte do cotidiano, como as artísticas, as religiosas, as educativas, as morais, etc. Tais formas de expressão formam um continuum semiótico, isto é, um tecido sígnico que estrutura a base das relações diárias. Essa “inteligência coletiva”, como também é caracterizada a cultura, considera muito além dos aspectos sociais: todos os fenômenos que constituem o cotidiano fazem parte da cultura. É importante você notar que a cultura é um mecanismo, um processo, uma Imagem, comunicação e cultura4 dinâmica de organização, conservação e transmissão de informação, e não um depósito (VELHO, 2009). Confira, no link ou no código a seguir, os artigos pu- blicados na revista Eikon – Semiótica e Cultura (2017-). Você encontrará publicações de caráter multidiscipli- nar em diversas línguas. Essas publicações versam sobre temas relativos ao campo da semiótica e aos estudos da área da cultura. Esse periódico é on-line, tem acesso aberto e é realizado com a curadoria do LabCom.IFP, que é uma unidade de pesquisa na área de comunicação, filosofia e humanidades da Faculdade de Letras e Artes da Universidade da Beira Interior (UBI), em Portugal. https://goo.gl/vq2P49 A comunicação e a sua natureza social As várias maneiras de você se comunicar e se representar – e, por conseguinte, de construir os objetos e o mundo – estão relacionadas às mudanças opera- das pelo homem ao longo da história. Essas transformações, é importante que você perceba, também acompanham as necessidades humanas. Esse foi provavelmente um dos fios condutores que levou os estudiosos da semiótica da cultura a entender os processos de significação e de comunicação de um grupo, processos esses que constituem as representações culturais nos dife- rentes contextos sociais e históricos (VELHO, 2009). Dentro desse panorama investigativo sobre as várias instâncias de comunicação na sociedade, a qual se realiza a partir das diversas linguagens, há uma noção fundamental trazida pelo filósofo, crítico literário e pensador russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895–1975). Essa noção é chamada de dialogismo, a qual permite compreender a construção dos sentidos para além das estruturas da língua. Dito de outo modo, é por meio dos valores (axiologias) sociais, culturais e históricos que fazem parte de um já-dito, os quais são retomados no processo enunciativo, que as pessoas elaboram o seu discurso. A comunicação é, por natureza, social. Ela se realiza – seja esse processo uma fala interior e/ou direcionada a um 5Imagem, comunicação e cultura https://goo.gl/vq2P49 outro fisicamente presente no espaço – por meio dos sentidos, que constituem a memória dos já-ditos compartilhada pelos indivíduos numa sociedade. Do diálogo ao dialogismo bakhtiniano Conforme as discussões trazidas por Bakhtin (2003) e seus pares – tais como Volochínov e Medviédev –, o diálogo é a forma mais natural da linguagem. Mesmo quando você está diante do espelho contemplando os várias pensa- mentos que tece a seu respeito, esses pensamentos são sociais. A linguagem é eminentemente social, já dizia Volochínov (2013). Qualquer palavra ou imagem, somente pensada, é dirigida a outrem, a um outro, mesmo que este não seja real, físico e concreto, mas que esteja somente idealizado na sua consciência. A linguagem, como produto da atividade humana, tem uma relação íntima com a vida e a sua organização social. Desse modo, foi somente pela existência de um outro que a linguagem se originou. É esse outro que nos constitui como humanos e, acima de tudo, como sujeitos de linguagem e de comunicação. Além dessa noção, há outra fundamental para os estudos da comunicação e da cultura: o dialogismo. A noção do dialogismo bakhtiniano é fundamental para os estudos promovidos por Lotman na Escola de Tartu-Moscou, uma vez que este se apropria dessa conceituação na reflexão que promove sobre o mecanismo da cultura (VELHO, 2009). Segundo Cunha (2002), o termo dialogismo é um aspecto novo introduzido pela teoria de Bakhtin. Essa noção não está vinculada a uma simples troca de réplicas ou falas em uma conver- sação. De caráter mais amplo, trata da relação do enunciado – a unidade e elo comunicativo (cf. tópico a seguir) – com outros anteriores e outros que ainda estão por vir, já que a fala se insere em uma corrente ininterrupta de comunicação verbal. Dessa maneira, todo enunciado é uma resposta a um já-dito e antecipa outros que ainda estão por vir. Imagem, comunicação e cultura6 Figura 1. Na reflexão sobre a cultura feita pelos estudos da SC, Lotman se apropria do conceito de dialogismo do pensador russo Bakhtin. Fonte: BesticonPark/Shutterstock.com. Enunciado: a unidade mínima da comunicação O enunciado, que é elaborado na comunicação, é a unidade que a compõe. Cada um corresponde a um tipo específico de comunicação social – há os enunciados dos gêneros poéticos, jornalísticos, etc. De maneira geral, você pode considerar como características do enunciado as listadas a seguir (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006; VOLOCHÍNOV, 2013): � é uma unidade da comunicação verbal; � apresenta uma alternância entre os sujeitos falantes; � não comporta um início e um fim “absolutos”, uma vez que antes e depois dele há muitos outros enunciados e ainda outros em porvir; � tem um acabamento interior específico e um propósito comunicativo; � tem uma organização estilística; � é sempre dirigido a alguém. 7Imagem, comunicação e cultura Os enunciados em conjunto constituem os gêneros discursivos, os quais se caracterizam para Bakhtin (2003) como as diversas atividades correspondentes às esferas humanas. Como toda produção da linguagem está relacionada a uma atividade humana, há tantas formas de gêneros quanto atividades. Assim, as pessoas aprendem a falar por gêneros. Além disso, esses gêneros são relati- vamente estáveis, pois são reconhecidos nas mais diversas situações. Apesar disso, estão abertos a possibilidades de modificações ao longo do tempo e do espaço, conforme as mudanças ocorridas nas necessidades sociais. Assim, a partir das reflexões sobre a noção de cultura da SC e do dialo- gismo de Bakhtin, você pode compreender a natureza da comunicação como um processo de experimentação e encontro entre o um e o outro. Ora, um sentido pede outro sentido para que aquele seja compreendido. Um signo necessita de outro signo para existir, um enunciado de outro enunciado, e é assim que os seres humanos se constituem. O papel do contexto na interpretação da imagem Da mesma forma que os signos verbais não devem ser interpretados de forma isolada, os signos visuais devem ser avaliados por meio de um contexto mais amplo. Assim como uma palavra pode ter significados distintos conforme os numerosos contextos em que é empregada, uma imagempode apresentar sentidos variáveis entre países, sociedades, comunidades e até entre grupos menores de pessoas. Há vários exemplos que podem ajudar você a pensar sobre a relação entre produção, veiculação e significação de imagens com o seu contexto cultural: (1) a imagem da vaca na Índia é alvo de adoração, pois esta é considerada um animal sagrado pelos indianos; (2) o gesto visual de Ok feito com os dedos da mão por boa parte dos norte-americanos pode ser considerado ofensivo em alguns países, tal como no Brasil, além de na Turquia e na Rússia (POLITO, 2008); e (3), de maneira geral, é possível afirmar ainda que a publicidade comercial brasileira abusa de imagens femininas a partir de uma dimensão sexualizada, enquanto isso não se dá com tanta frequência em outros países – na publicidade comercial do Canadá, por exemplo, é comum o uso de animais nas propagandas. Para você compreender a noção de contexto, tão cara aos estudos da lin- guagem vista na perspectiva da produção do sentido e do discurso, pode recorrer às reflexões que Bakhtin e Volochínov (2006) e Volochínov (2013) elaboram sobre o enunciado. Essa, aliás, é a unidade mínima da comunicação. Imagem, comunicação e cultura8 Quando se fala em enunciado, é importante você compreender que este pode ser verbal ou não verbal. Ou seja, pode ser um gesto, uma expressão verbal, uma imagem, uma manchete, um conto, uma escultura, uma arquitetura, etc. Cada enunciação, isto é, cada processo enunciativo do qual o enunciado faz parte e a partir do qual é “enunciado”, deve ser observada a partir dos eixos alteritário e social. Assim, um simples gesto visual de Ok feito com os dedos da mão não pode ser visto de forma isolada. O caráter social acentuado pelas reflexões bakhtinianas – além de pelos seus pares – amplia a compreensão da semiótica da cultura sobre temas como linguagem, sentido, comunicação, cultura, etc. Desse modo, essa referência teórica é mais do que fundamental para o seu estudo. Conforme Bakhtin e Volochínov (2006) e Volochínov (2013), o contexto é entendido como a situação que engloba as condições reais que permitem o surgimento dos enunciados. Essa concepção é importante para você refletir sobre o funcionamento da linguagem – tratada pela SC como “sistemas de signos”. Ela também é fundamental para você pensar sobre a produção do sentido, sempre valorativa (axiológica), que constitui as diversas culturas. Além disso, é útil para que você analise a comunicação, a qual inclui a presença física ou virtual de pessoas que participam de uma situação específica. Essa presença, chamada de auditório, determina a construção do enunciado em uma determinada relação comunicativa. Ora, quando você enuncia um simples hum, por exemplo, muitas vezes em forma de murmúrio, está respondendo a alguma coisa: a uma mudança climática, a uma chuva repentina, a um auxílio solicitado por um amigo, a um pensamento que surge da indagação dada por um professor, etc. Para essa interpretação, ainda é preciso considerar o papel da entonação, a qual pode ser dada ao conteúdo escrito ou falado. Sem ela, um simples hum é apenas um hum, o qual comunica o mesmo e não produz outro sentido a mais. Bakhtin foi o pensador russo que concebeu a linguagem como interação. Nessa perspectiva, introduziu noções basilares para se pensar sobre a natureza e o funcio- namento da linguagem. Entre essas noções, você pode considerar as de enunciado, gênero, dialogismo, entonação, voz, entre muitas outras. Seus estudos se voltaram tanto para questões literárias – como a do discurso no romance – quanto para questões relativas à constituição e à ação do homem comum, na vida – como a do discurso cotidiano. 9Imagem, comunicação e cultura A imagem como o contexto da imagem Segundo Santaella e Nöth (1998, p. 57), uma imagem individual pode ser interpretada também a partir de outras imagens, as quais podem funcionar como contextos. É o caso, por exemplo, das fotografias usadas na imprensa jornalística e na propaganda publicitária – essas fotografias estariam em uma relação de contiguidade –, além das que aparecem nos filmes – em relação sequencial. No campo do cinema, o efeito Kuleshov na montagem de um filme mostra, conforme discutem os autores citados a partir de Levaco (1971), que o sentido que o público aponta para uma imagem específica X se modifica fundamentalmente caso essa imagem seja mostrada em contiguidade com uma imagem específica Y ou Z. Há ainda outro estudo interessante a esse respeito, elaborado por Thibault-Laulan (1971) no campo da fotografia. Esse autor aponta que imagens organizadas em disposição, uma ao lado da outra, se ligam semanticamente por uma lógica de atribuição, enquanto outras em ordem cronológica se relacionam por uma lógica de implicação, uma vez que as noções de ordem e cronologia constroem uma relação causal. Esses estudos apontam para a noção fundamental do contexto imagístico, ou seja, para a existência de um contexto para além do verbalizado. Tal afirmativa, no entanto, já é de certo modo comum aos estudos semióticos, em virtude de que cada signo é observado a partir de seu contexto. Dito de outro modo, não há signo sem contexto. Imagem, comunicação e cultura10 Uma das campanhas publicitárias da marca Dove (c2017) tem como alvo a busca pela real beleza. Um anúncio que integra a campanha mostra a evolução da imagem de uma modelo e é um exemplo que permite compreender o sentido da imagem a partir do contexto de outras imagens. A “evolução” da imagem da modelo é apresentada desde o início da produção da artista – com a aplicação da maquiagem e a arrumação do cabelo – até os ajustes finais feitos por um programa de edição de imagens – os quais incluem mudanças consideráveis na pele, no pescoço, no cabelo, etc. da per- sonalidade. Como resultado final, se obtém um rosto completamente diferente do daquela modelo real. O que a marca busca alcançar com a campanha? Embora existam interesses financei- ros e de promoção da marca junto ao público, um dos objetivos da peça publicitária é colocar em questão a concepção de beleza produzida e veiculada pela mídia. No entanto, é importante você perceber que a compreensão dessa mensagem pelo espectador só é possível a partir da leitura das sequências das imagens distribuídas no vídeo, e não por meio da visualização de uma imagem isoladamente, a saber, a última. Uma vez que o acesso que o público tem sobre as imagens publicitárias de maneira geral é restrito – a não ser quando se trata do produto final a ser lançado –, a construção do vídeo permite a análise da última imagem – que é uma propaganda em outdoor – dentro do contexto de sua elaboração. Fonte: Hilmir (2006). Considerações finais Diante do que você viu até aqui, é fundamental que possa observar e projetar o seu olhar interpretativo sobre as imagens de forma cuidadosa, atentando, se possível, para não minorizar o significado atribuído a elas pelo outro. Assim, você poderá aprender a desenvolver um pouco mais de consciência sobre as diferentes leituras culturais e as suas implicações no processo de significação da imagem. Esta precisa, portanto, ser lida, compreendida e analisada dentro de um contexto mais amplo – histórico, social, político e cultural. Esse con- texto, por sua vez, pode incluir tanto, quando for o caso de serem usados, os signos verbais como as palavras e os enunciados circunstanciais que podem participar do processo de construção da imagem. Além disso, pode haver outros elementos sígnicos empregados. Ademais, nas discussões elaboradas por Bakhtin (2003) e Bakhtin e Vo- lochínov (2006), se reafirma a necessidade de estudar o todo do enunciado, reconhecendo-o não só como uma unidade mínima da comunicação, mas 11Imagem, comunicação e cultura acima de tudo como um elo da cadeia comunicativa: os enunciados estão em relação dialógica, movimento impossível para as unidades da língua. Logo, não é possível compreender os gêneros do discurso,isto é, as esferas da comunicação, se baseando só no conteúdo, sem considerar o social e o lado subjetivo do indivíduo como instâncias importantes para a comunicação. Nessa dinâmica social, o dialogismo é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes eixos norteadores para situar a relação entre linguagem – verbal e não verbal –, comunicação e cultura. Por fim, é importante você ter mente que a cultura, tomada como um sis- tema de sistemas pela Escola de Tartu-Moscou, não é um depósito de signos. Ela é um mecanismo dinâmico que permite a conservação e a transmissão de determinadas informações, assim como a elaboração de outras. Nesse pano- rama, o signo só passa a adquirir um significado coletivo quando compartilhado entre os indivíduos de um mesmo grupo social. Nesse processo, a constituição da memória é assegurada e necessária para a organização e a manutenção das várias linguagens e/ou formas de expressão entre os indivíduos. Imagem, comunicação e cultura12 1. Qual das definições a seguir conceitua corretamente a noção de cultura para a semiótica da cultura? a) A cultura é o lugar da biosfera. b) A cultura é uma memória genética. c) A cultura é um depósito de informação. d) A cultura é um sistema estático de signos. e) A cultura é um sistema de sistemas semióticos. 2. O que foi a semiótica da cultura? a) Foi um campo formado por estudiosos russos que elaborou uma teoria unificada sobre o sistema cultural por meio do estudo sobre o signo verbal. b) Foi um campo formado por estudiosos norte-americanos que elaborou uma teoria não unificada sobre a cultura e a semiótica. c) Foi um campo formado por estudiosos norte-americanos que elaborou uma teoria unificada sobre a cultura e a semiótica. d) Foi um campo formado por estudiosos russos que elaborou uma teoria unificada sobre a cultura a partir da reflexão sobre o sistema de signo visual. e) Foi um campo formado por estudiosos russos que elaborou uma teoria não unificada sobre a cultura a partir da reflexão sobre os sistemas de signos. 3. A respeito da noção de comunicação, marque a alternativa correta a seguir. a) A comunicação é individual e se relaciona às mudanças operadas pelo homem na história. b) A comunicação interior faz parte de um processo enunciativo que é meramente individual. c) A comunicação é social e se relaciona às mudanças operadas pelo homem na história. d) A comunicação é social e considera os enunciados ditos pelas pessoas fisicamente presentes. e) A comunicação é individual e interior à elaboração do pensamento antes da enunciação. 4. Qual noção elaborada pelas reflexões bakhtinianas é retomada pela Escola de Tartu-Moscou em virtude da importância que trouxe para a compreensão do processo comunicativo como fundamentalmente social? a) Cultura b) Dialogismo c) Gênero d) Informação e) Sistema 5. Durante o processo de interpretação da imagem, o contexto é o ponto de partida indispensável para uma leitura crítica dela. Qual das terminologias a seguir caracteriza mais adequadamente o contexto? a) Informação verbal b) Informação extraverbal c) Auditório d) Entoação e) Situação social 13Imagem, comunicação e cultura BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso [1952-1953] In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306. BAKHTIN, M. M.; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. (Linguagem e Cultura, 3). CUNHA, D. A. C. O funcionamento dialógico em revistas e artigos de opinião. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 166-179. DOVE. Evolution. São Paulo: Unilever, c2017. Disponível em: <http://www.dove.com/ ca/en/stories/campaigns/evolution.html>. Acesso em: 20 nov. 2017. EIKON – SEMIÓTICA E CULTURA. Colvilhão: LabCom.IFP, 2017-. 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Imagem, comunicação e cultura14 http://www.dove.com/ http://ojs.labcom-ifp.ubi.pt/index.php/eikon/index http://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/down- http://economia.uol.com.br/planodecarreira/artigos/polito/2008/09/15/ult4385u82.jhtm http://www2.pucpr.br/reol/index.php/ https://goo.gl/Z46Vw2 https://www.youtube.com/watch?v=s2gD80jv5ZQ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: Terminologia_U1C1 Instalações Elétricas_completo
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