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TEORIA DA IMAGEM Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro O que é imagem Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o panorama geral dos sentidos atribuídos à imagem. � Definir a imagem como signo estudado pela semiótica. � Explicar a imagem como signo icônico e signo plástico. Introdução A imagem está constantemente presente na sua vida. Ela corresponde a uma das formas de você se expressar e se comunicar, não é mesmo? No entanto, durante a história, vários sentidos têm sido atribuídos à palavra imagem, o que torna difícil defini-la. Vista como perfeição e semelhança pela filosofia judaico-cristã e como sombra por Platão, a imagem é um discurso visual. Para o campo da semiótica, ela se caracteriza como um signo que pode trazer diferentes sentidos e que se manifesta de formas muito variadas. Uma imagem pode ser, por exemplo, ícone, índice e símbolo. Além disso, pode estar no entremeio e na mistura dessas mesmas classificações. Neste texto, você vai refletir sobre o que é a imagem. Também vai conhecer algumas noções da semiótica que são importantes para o estudo da imagem como um signo. Além disso, vai identificar algumas caracterizações da imagem como signo icônico e plástico. A imagem A imagem faz parte da sua vida, não é? O seu cotidiano é estruturado por uma civilização de imagens, em alusão à expressão usada por Joly (2007). Assim como o discurso verbal, o discurso visual é marcadamente presente na forma como você se comunica. Ora, muito antes de pronunciar as primeiras palavras, você recorria às imagens para se expressar. Imagem e comunicação, portanto, representam elementos humanos inseparáveis e que dominam, desde os antepassados das cavernas, as trajetórias históricas do homem. No entanto, como definir esse elemento imagético? O que é uma imagem? Compreender esse importante elemento de expressão cultural é também uma maneira de compreender como o homem transmite e consome mensagens, isto é, como se comunica. Nesse sentido, é importante você ter em mente que a contem- poraneidade é uma época gerida por uma diversidade de imagens virtuais que oferecem às pessoas novas experiências e relações com o mundo sem necessariamente exigir que elas saiam da frente do computador. Além disso, a compreensão sobre o uso e a produção de imagens permite ter mais “consciência” sobre suas várias formas de utilização e fabricação. Afinal, como você sabe, boa parte das imagens a que tem acesso não são naturais. Assim, essa “consciência” é uma possibilidade de você construir um olhar crítico sobre as imagens, se afastando um pouco de uma postura ingênua. Ler uma imagem é interpretar convenções, histórias, significados, valores culturais e morais de uma dada época e sociedade. Desse modo, o estudo da imagem é, acima de tudo, uma tentativa de distanciamento de um papel meramente “passivo” sobre a mensagem produzida e/ou fabricada na imagem, papel esse que algumas vezes as pessoas julgam ter e que, por isso, é preciso subverter. O que é uma imagem? Em virtude do amplo uso do termo imagem (JOLY, 2007), apresentar uma definição simples que abarque por completo esse universo é uma tarefa bastante difícil, para não dizer impossível. Aliás, o próprio uso da palavra “imagem” pode trazer significados distintos. Alguns a confundem com a televisão e a publicidade, mas esses veículos apenas fazem uso da imagem. De forma mais específica, você pode considerar que a TV é um médium e a publicidade é um conteúdo que pode fazer uso ou não de imagens – assim como os jornais impressos fazem uso delas. Além disso, existe também publicidade radiofô- nica, não é mesmo? Essa confusão pode se dar porque tanto o meio televisivo quanto o conteúdo publicitário fazem uso de numerosas imagens em larga escala. Assim, é preciso que fique claro que imagem, televisão e publicidade são distintas. Resolvida essa confusão tão comum na atualidade, a noção de imagem ainda pode se mostrar vaga para muitos. Para uma compreensão mais aperfeiçoada sobre essa noção, pense no seguinte: quando se fala em imagem, o que vem à sua cabeça? De maneira geral, a imagem aponta para um discurso que tem traços visuais e que é produzido por um sujeito. Seja um grafite encontrado nos O que é imagem2 muros das cidades, seja uma fotografia armazenada na pasta do computador, seja uma capa de revista com a atriz “do momento”, seja um desenho feito por uma criança, você compreende todas essas expressões humanas como imagens, não é mesmo? Na filosofia judaico-cristã, a imagem é vista como semelhança e perfeição: o homem é criado à imagem de Deus. Em Platão (427/428 a.C.–347 a.C.), especificamente na sua famosa obra A República, a imagem já surge como uma noção relacionada à representação de um objeto segundo: “[...] chamo imagens, em primeiro lugar, às sombras; em seguida, aos reflexos nas águas ou à superfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as represen- tações deste gênero.” (PLATÃO apud JOLY, 2007, p. 13). Nos fundamentos da filosofia ocidental, a imagem surge, assim, como sombra. Da perfeição à representação: essa seria uma forma breve de identificar que desde sempre a imagem constitui a memória histórica do homem. Platão foi um filósofo célebre da Grécia Clássica e discípulo de Sócrates. Ele é muito conhecido pela passagem intitulada A alegoria da caverna, a qual se encontra na obra A República. Naquela passagem, o filósofo grego faz uma reflexão sobre a imagem, o conhecimento e a realidade a partir do ponto de vista de que as imagens às quais os homens têm acesso, que são percebidas pelos sentidos, são ilusórias e aparentes. Isto é, são as “sombras” das coisas do mundo e por isso não constituem o conhecimento “real” dos objetos. De maneira geral, é possível destacar três reflexões propostas por Platão. A primeira é a doutrina das ideias. Segundo ela, o conhecimento sensível obtido a partir das coisas não tem o mínimo valor de verdade, além de que esse mesmo conhecimento poderia se tornar um obstáculo à própria verdade. A segunda é a doutrina da superioridade da sabedoria sobre o saber, cuja meta final é a realização da justiça entre os homens. A última, por sua vez, é a doutrina da dialética como procedimento científico, cujo método investigativo reconhece uma ideia para depois dividi-la em partes específicas. Fonte: Abbagnano (2007b), Santaella e Nöth (1998). Em termos semânticos gerais, a noção de imagem é determinada por dois polos opostos: o primeiro traz a imagem direta perceptível; o segundo, a imagem mental simples, isto é, sem ser evocada por estímulos visuais. Essa dualidade semântica das imagens, conforme explicam Santaella e Nöth (1998), entre o perceptível direto e o mental se relaciona à dualidade que existe entre 3O que é imagem percepção e imaginação, relação esta que faz parte do pensamento filosófico ocidental. Para os gregos, a imagem, definida como eikon, se referia a todo tipo de imagem – das pinturas até as estampas de um selo, além das imagens espelhadas e sombreadas. Estas últimas eram categorizadas como imagens naturais, enquanto aquelas, artificiais. Além da distinção entre imagem verbal e imagem mental, havia também a diferenciação entre imagem e modelo. Por meio dessa polarização, se discutia a oposição entre a imagem e o objeto ao qual ela se referia. Na atual tipologia da imagem, você pode ainda observar a presença dos elementos relacionados ao perceptível direto e ao mental. Esses elementos circulam entre o ser e o parecer, isto é, entre a imagem e o seu objeto, proposto pelos gregos. A esse respeito, há em Mitchell (1986 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998) uma interessante distinção entre cinco tipos de imagens, que são: (1) imagens gráficas (desenhadas, pintadas, esculpidas), (2) imagens óticas (espelhos, projeções), (3) imagens perceptíveis (dados de ideias, fenômenos), (4) imagens mentais (sonhos, lembranças, ideias, fantasias) e (5) imagensverbais (metáforas, descrições). Ora, a polaridade entre a imagem como representação mental e como imaginação mental se dá em muitas sociedades e culturas, o que se reflete nas opiniões divididas sobre o que é uma imagem. Quando mentais, as ima- gens – sejam elas ideias ou modelos (reflexão encontrada em Platão), sejam elas sonhos (em Freud) – são bastante valorizadas. Afinal, geralmente são apresentadas como a essência das coisas e vistas como próximas do divino. Já quando se fala nas imagens visuais, a discussão se mostra mais polarizada, porque alguns as veem de forma cética e condenam a sua idolatria. O conceito de imagem para a semiótica No âmbito da semiótica, a imagem é definida como um signo. Peirce (apud JOLY, 2007), contudo, não fica apenas nessa definição e faz com que a noção de imagem entre ainda na classificação como uma subcategoria do ícone. No entanto, para você entender essa concepção, precisa compreender inicialmente o que é um signo. Dito de outro modo, para compreender a noção de imagem estudada pelo campo semiótico, é importante fazer uma breve leitura sobre a noção de signo, tão cara à semiótica. O que é imagem4 O que é um signo? Mourão (2011) afirma que o teólogo e filósofo Agostinho (354 a.C–430 a.C) tratava o signo como uma posição. Posteriormente, os escolásticos o tratavam a partir da seguinte categorização: formal e material. O signo formal é a própria coisa representada, isto é, o conceito. Já o signo material é o que representa o representado e que, por associação, remete ao representado. Além disso, a representação do signo material pode se dar de modo natural – por exemplo, a fumaça que se liga a um fogo gerado – ou artificial – por exemplo, nas pa- lavras de uma língua que surgem da convenção humana. Em Ferdinand de Saussure (2006), o signo é constituído por um significante e um significado. A respeito dessa última caracterização sobre a natureza do signo, é importante um percurso teórico explicativo maior, que você vai ver a seguir. De maneira geral, a escolástica diz respeito à filosofia cristã da Idade Média. Em termos literais, essa expressão significa filosofia da escola, pois no início desse período o professor de artes liberais se chamava scholasticus. Posteriormente, essa designação foi atribuída ao professor de filosofia ou teologia que dava aulas na escola do convento ou da catedral e, após, na universidade. Como questão fundamental, se buscava levar o homem a entender a verdade revelada. Para isso, se exercitava a atividade racional para ascender a essa verdade religiosa. Também, por extensão, se pode atribuir à escolástica uma segunda definição: qualquer filosofia que assuma a tarefa de defender uma certa tradição ou verdade religiosa. Para isso, a escolástica faz uso de uma filosofia já estabelecida e conhecida, de tal modo que, por meio dela, se possa ilustrar uma verdade específica. Fonte: Abbagnano (2007a). O signo para Saussure Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um linguista suíço e representante do paradigma estruturalista europeu que trouxe importante contribuição para a fundação do campo linguístico como ciência. Em boa parte da sua jornada, ele se dedicou a estudar a língua. Do seu ponto de vista, a língua não era o único sistema de signos que servia para a comunicação. Desse modo, ele propunha a semiologia como uma ciência geral que se dedicaria a estudar os 5O que é imagem signos. Dentro dela, estaria a linguística, responsável por investigar o sistema linguístico. Do estudo dos sons ao dos signos linguísticos, Saussure (2006) descreveu a natureza do signo como uma entidade psíquica formada por duas faces que são indissociáveis, a saber, um significante (imagem acústica) e um significado (os conceitos). Ora, o que Saussure (2006) destacava na sua reflexão é que o vínculo que une uma coisa a um nome ou um nome a uma coisa faz parte de uma atividade que está longe de ser simples. Para ele, os termos que constituem o signo linguístico são ambos psíquicos e estão unidos no cérebro por um vínculo associativo: “[...] o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.” (SAUSSURE, 2006, p. 80). A imagem acústica a que Saussure se referia não era o som puramente físico, mas a impressão psíquica do som, ou seja, a representação que o som produz. Essa imagem é, assim, sensorial. As palavras da língua são imagens acústicas. Isso fica mais claro, por exemplo, quando você está calado, contemplando os seus pensamentos, ou quando está sozinho a falar com você mesmo mental- mente. Você pode fazê-lo sem abrir a boca, não é? O seu discurso se realiza, assim, interiormente, por meio dessa imagem. O outro termo da associação, o conceito, é mais abstrato na opinião do linguista. No entanto, esses dois elementos ou duas faces estão unidos de forma íntima: quando você pensa em árvore, a imagem acústica (o significante) não está ligada a uma árvore “real”, mas ao conceito (significado) de árvore que você aprendeu por meio da sua experiência com a língua. Essa relação é arbitrária ou convencional, ou seja, não há uma justificativa natural para dizer que o significante (ou a sequência de sons produzida pela palavra) árvore se liga ao significado de uma árvore “real”. Todavia, no caso de um retrato desenhado ou pintado, esse signo seria motivado pela semelhança (JOLY, 2007). Na Figura 1, você pode ver uma representação do signo linguístico de Saussure. Figura 1. O signo linguístico de Saussure. Fonte: Adaptada de Saussure (2006, p. 80-81). O que é imagem6 Conforme Joly (2007), foi somente após quase um século que os estudiosos con- seguiram se libertar da supremacia do modelo linguístico. Contudo, esse modelo continua sendo importante para se compreender os vários aspectos das mensagens. O signo para Peirce Charles Sanders Peirce (1839–1914) foi um filósofo norte-americano que elaborou uma teoria geral dos signos, chamada de semiótica, por meio de uma tipologia mais geral e vasta. Para ele, o signo apresenta uma materialidade que pode ser percebida pelos sentidos (PEIRCE, 2014). Assim, é possível vê-lo – como um objeto, uma cor, um gesto –, ouvi-lo – como uma música, um ruído, um apelo verbalizado –, cheirá-lo, tocá-lo ou saboreá-lo. De maneira geral, a particularidade do signo é a seguinte: ele está presente para dizer outra coisa que está ausente (JOLY, 2007). Na perspectiva de Peirce (2014), tudo pode ser signo na medida em que constrói algum tipo de significado, o qual varia conforme a cultura e o contexto em que se insere o sujeito que vivencia o signo. Logo, um objeto “real”, no mundo, não é um signo necessariamente por se constituir como um objeto no mundo. Isso não define o signo. Esse objeto “real”, contudo, pode ser um signo quando significar algo ou outra coisa para alguém por meio de alguma relação estabelecida. A palidez exibida na face de um sujeito pode ser um signo de que ele está doente, passando mal, ou de que viveu uma grande emoção. Os sons emitidos por um falante da língua portuguesa são signos que você reconhece e compartilha como conceitos que aprendeu como falante nativo dessa língua. O cheiro de bolo de chocolate que você sente permite inferir, por exemplo, que alguém está cozinhando. Uma mensagem enviada pelo Whatsapp por um antigo amigo pode ser um signo de saudade. Esses são alguns exemplos de como os signos se caracterizam pela relação de significação que estabelecem com o sujeito, relação essa influenciada pelo contexto cultural e social e pelas experiências de mundo. 7O que é imagem Portanto, na visão de Peirce (2014), o signo é definido por meio de um modelo triádico – e não por dois polos como para Saussure. Há, assim, a face perceptível do signo, também conhecida pela terminologia representamen ou significante, que constitui aquilo que o signo representa, isto é, o objeto ou o referente. E há também o que o signo significa, chamado de interpretante ou significado. ConformeJoly (2007), essa triangulação do signo elaborada por Peirce representa a dinâmica do signo, pois sua significação se dá tanto em função do contexto quanto da expectativa do sujeito. Na Figura 2, você pode ver uma representação do signo de Peirce. Figura 2. O signo de Peirce. Fonte: Adaptada de Joly (2007, p. 36). Os diferentes tipos de signos No texto O que é o signo?, datado de 1894, Peirce apresenta exemplos cotidianos elaborados a partir de três estados da mente, a saber, sentimento, reação e lei, e ainda por meio de suas misturas (JORGE, 2007). É importante destacar que esses estados são guias em direção ao conhecimento. Assim, esses três estados da mente – sentimento, reação e lei – são a base para que ele elabore posteriormente os três tipos de signos (ícone, índice e símbolo) que fazem parte do processo de representação do homem. É importante você saber que Peirce buscava com- preender como se dava a relação entre os objetos do mundo e o pensamento. Para ele, o racionalismo não seria suficiente para compreender o real (JORGE, O que é imagem8 2007). Assim, os conhecimentos que tinha como físico e matemático foram de grande utilidade para a formulação da sua teoria semiótica. Na perspectiva dele, o signo mediaria os significados de três formas, como você vai ver a seguir. Os três tipos de signos caracterizados por Peirce (apud JORGE, 2007) são: ícone, índice e símbolo. Nessa categorização, o autor aponta para a seguinte ideia: “[...] a experiência prévia conecta o entendimento da ideia ligado às palavras [...]” (PEIRCE, 1894 apud JORGE, 2007, p. 46). Ou seja, a experiência que cada pessoa tem se relaciona com a sua compreensão sobre as ideias, os conceitos, que se ligam às palavras. Experiência, ideias e palavras são termos-chave para a reflexão de Peirce sobre o signo. Afinal, é na relação dos objetos com os sujeitos por meio da linguagem que se observam diferentes formas de significar e representar a realidade. Nessa classificação, os signos são distinguidos conforme a função que apresentam na relação entre o signi- ficante (representamen) e o objeto representado ou referente. O significado ou interpretante não faz parte, portanto, dessa relação (JOLY, 2007). Considera-se que o ícone é o signo cujo significante possui uma relação de analogia com o objeto que representa. Tendo em vista que há diferentes tipos de analogia, há diferentes tipos de ícone, entre os quais você pode considerar o diagrama, o desenho figurativo e a metáfora, além da própria imagem. O desenho de uma casa ou uma maçã são ícones, uma vez que se assemelham a uma casa e a uma maçã. Porém, essa similitude pode não ser visual: o som do galope de um cavalo pode ser um ícone, assim como uma textura que indica o veludo, por exemplo. O índice (ou indício) corresponde aos signos que apresentam uma relação causal de contiguidade física com os objetos que representam. Eles constituem o caso dos signos naturais. Como exemplos, você pode considerar a fumaça como indício de uma queimada; uma nuvem cinza, de uma chuva em porvir; pegadas na areia, de que alguém passou pelo caminho marcado. Já o símbolo constitui o tipo de signo que mantém com o seu objeto ou referente uma relação de convencionalidade. O famoso signo da pomba branca, que representa a paz na humanidade, bem como as bandeiras e os hinos, que representam os seus respectivos países, e as palavras nas línguas são exemplos de símbolos (JOLY, 2007). As imagens como signos icônicos e plásticos Na perspectiva da imagem como signo, ela pode ser observada tanto como um signo que representa um aspecto do mundo visível quanto como um signo que representa a si mesmo como uma figura pura e abstrata, conforme explicam 9O que é imagem Santaella e Nöth (1998). Assim, no campo semiótico que estuda a imagem, a forma de observá-la, seja da primeira ou da segunda maneira, refletirá na dicotomia entre signos icônicos e signos plásticos. Essa dicotomia também é conhecida e estudada por meio das terminologias icônico × pictural, figurativo × plástico e figurativo × abstrato. A imagem como signo icônico Atribui-se convencionalmente à imagem as características clássicas de se- melhança e imitação, em especial desde a época do filósofo Agostinho. As imagens observadas a partir dessa caracterização, isto é, como semelhança de signos retratados, são classificadas como ícones. Há, no entanto, controvérsias a respeito dessa caracterização restrita de imagem. Se você pensar a respeito da pintura abstrata, por exemplo, que é realizada sem um necessário referencial “concreto” no mundo, isto é, sem função icônica, pode classificá-la como um signo plástico. Além disso, se imagens representadas de maneira semelhante são determinadas como ícones, é importante destacar que nem todos os signos icônicos são imagens visuais. Para Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), a categoria de ícone é elaborada em termos mais amplos e engloba também as formas que não são visuais, como as acústicas, táteis, olfativas e ainda as conceituais de semelhança sígnica. Como você sabe, o ícone se caracteriza como o tipo de signo cujo significante possui uma relação de analogia com o objeto. Tal relação pode se manifestar de diversas formas. Assim, as relações com o mundo podem ser elaboradas por meio de vários ícones, como táteis, olfativos, acústicos, etc. A identificação de algum objeto pelo odor, pelo paladar ou pelo toque seria uma forma de relacionar por analogia o significante com o objeto representado. Assim, o traço de similaridade entre o signo da imagem e o objeto que ela representa (objeto de referência) é um dos motivos que faz com que haja – não só no passado, mas também no presente – uma ampla significação (ou polissemia) do conceito de imagem. No modelo triádico de signo elaborado por Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), o signo da imagem é identificado como um significante visual (chamado de representamen por Peirce). Esse O que é imagem10 significante ou representamen remete a um objeto (de referência ausente) e evoca no observador/espectador (chamado de interpretante por Peirce) um significado ou uma ideia de objeto. É interessante você notar que o princípio de semelhança permite ao observador unir esses três elementos que constituem o signo (representamen, objeto e interpretante). Na Figura 3, você pode ver um esquema que resume o que você acabou de estudar. Figura 3. Os três elementos que constituem o signo de Peirce. Você pode encontrar a noção de imagem na denominação de cada um desses elementos: (1) muitas vezes quando se fala em fotografia se quer dizer que a imagem fotográfica designa o representamen, isto é, que o significante visual (representamen) é identificado com a própria imagem fotografada porque aquele é semelhante a ela; (2) quando se faz referência a uma ideia ou uma imagem imaginada, ocorre uma referência à imagem como interpretante porque a imagem na mente se refere à própria ideia, como se a produzisse “mentalmente”; e (3) ao se apontar para uma imagem qualquer e caracterizá-la como “imagem original”, dizendo que dela se fez uma cópia, a noção de imagem é designada como o próprio objeto de referência. Desse modo, com base em Santaella e Nöth (1998), se pode designar a imagem por meio desses três elementos – seja pelos três em conjunto, seja por cada um individualmente. Ao fazer isso, “[...] fecha-se o círculo da polissemia semiótica de uma maneira que nos lembra o princípio de Peirce da interpretação do signo como um processo circular de semiose infinita.” (SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 38). 11O que é imagem A noção de signo plástico permite a análise semiótica de imagens que não representam alguma coisa, ou seja, de imagens que se configuram como si mesmas. Nesse sentido, é importante você se lembrar de que há também ima- gens icônicas que se caracterizam como signos plásticos (nesse caso, além da semelhança com o objeto, tais imagens representam a si mesmas). Por exemplo,diante de uma mancha de tinta vermelha no chão, você poderia dizer: “isto é vermelho” e “isto representa a cor vermelha”. Na primeira afirmativa, estaria fazendo referência a um signo plástico, pois é a imagem do vermelho que se configura como a imagem vermelha em si. Na segunda, a um signo icônico, porque a mancha vermelha se assemelha à cor vermelha. Embora possa não parecer à primeira vista, o signo plástico apresenta expressão e conteúdo próprios. No entanto, o significado do conteúdo de cada imagem caracterizada como signo plástico vai depender do olhar que o observador/espectador oferece às qualidades como forma, cor, composição interna e textura. De maneira geral, estudar a natureza dos signos plásticos é algo desafiador, pois ela não parece ser tão nítida ou evidente como a natureza dos signos icônicos (EDELINE et al., 1992 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998). A imagem do triângulo mostrada na Figura 4 pode se caracterizar como um signo icônico – no caso de se assemelhar ao objeto de referência – e/ou um signo plástico – se representar a imagem em si mesma. É interessante você observar que a composição do triângulo, a textura em 3D, a cor dourada, o jogo de luz e sombra nas partes superior x inferior e externa x interna da imagem, o enquadramento na diagonal, entre outros elementos, são aspectos que agregam significado ao conteúdo da imagem e que podem variar de observador para observador. O que é imagem12 Figura 4. Um signo icônico. Fonte: science photo/Shutterstock.com. Considerações finais A partir das discussões estabelecidas neste capítulo, você aprendeu so- bre a noção da imagem como signo para o campo da semiótica. Passando pelas ideias de perfeição e sombra atribuídas pela filosofia judaico-cristã e ocidental, respectivamente, entender a imagem como signo é também explorar as suas múltiplas possibilidades de significação. Além disso, como você viu, não existe um signo puro. A classificação que Peirce propõe, por exemplo, sobre os três tipos de signos (ícone, índice e símbolo) é útil para se compreender a imagem, as suas distintas formas de se manifestar e o seu funcionamento (JOLY, 2007). O mesmo ocorre com a tipologia dos cinco tipos de imagens proposta por Mitchell (1986 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998). Desse modo, é importante que você veja tais proposições como pon- tos de partida de análise que apresentam gradações, e não como máximas teóricas fechadas e dominantes. 13O que é imagem Certos ícones podem também ter a sua parcela de símbolo – um desenho realista sobre uma maçã vermelha atende a critérios de perspectiva. O índice, por sua vez, pode ter uma dimensão de ícone ao se apresentar de forma semelhante ao objeto – os vestígios de pneus parecem com os próprios pneus. Além disso, os signos convencionais de uma língua podem apresentar um tom icônico – é o caso das onomatopeias. Fonte: Joly (2007). O que é imagem14 ABBAGNANO, N. Escolástica. In: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007a. p. 344-345. ABBAGNANO, N. Platonismo. In: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007b. p. 765. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. 11 ed. Campinas: Papirus, 2007. JORGE, A. M. G. O que é um signo? (1984). FACOM, São Paulo, n. 18, p. 46-56, 2007. Disponível em: <http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_18/ana. pdf>. Acesso em: 30 out. 2017. MOURÃO, J. A. Metafísica da imagem de Tomás de Aquino a Ch. S. Peirce. In: MARTINS, M. L. et al. Imagem e pensamento. Coimbra: Grácio, 2011. p. 21-27. PEIRCE, C. S. The collected papers of Charles Sanders Peirce. [S.l.]: Color y Semiótica Visual, 2014. Disponível em: <https://colorysemiotica.files.wordpress.com/2014/08/ peirce-collectedpapers.pdf>. Acesso em: 25 out. 2017. SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Semiótica da imagem. In: SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1998. p. 33-51. SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. Leituras recomendadas CARDOSO, J. B. Os signos visuais e as formas de representação da imagem televisiva: um modelo peirceano de análise instrumental. Intexto, Porto Alegre, v. 1, n. 16, p. 1-15, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/ view/4239>. Acesso em: 07 nov. 2017. TEIXEIRA, J. M.; MATOS, L. M.; PERASSI, R. Analise semiótica da imagem de uma cadeira. Estudos Semióticos, São Paulo, v. 7, n. 2, 2011. Disponível em: <http://www.revistas.usp. br/esse/article/view/35255>. Acesso em: 07 nov. 2017.
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