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TEORIA DA IMAGEM Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro As diversas noções de representação, imagem e realidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Discutir o conceito de representação. � Analisar a crise da representação. � Identificar a noção de imagem como ideia e cópia da realidade. Introdução A palavra representação é comumente empregada como sinônimo de signo. Tal definição é, inclusive, bastante comum nos estudos relativos à semiótica da imagem. Contudo, nem sempre essa definição foi atribuída à representação. Na verdade, tanto o uso dessa palavra como a discussão sobre ela têm sido alvo de estudos desde a Idade Média. Assim, enquanto para alguns a representação se caracteriza como uma relação sígnica com alguma coisa, para outros ela é o próprio signo (o seu veículo). Também é possível definir a representação como um ato referencial que une um signo a uma coisa ou, ainda, como um signo icônico. Neste texto, você vai conhecer as diversas noções de representação e estudar a crise da representação refletida por Michel Foucault. Além disso, vai identificar as associações de imagem como ideia e cópia da realidade. A representação da imagem No âmbito de estudo da imagem, tanto a semiótica como a ciência cognitiva se preocupam com o tema da representação imagística (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Antes de você explorar essa discussão, é relevante entender que a linguagem é a atividade central do seu pensamento. Dito de outra forma, não é possível conceber a noção de linguagem e pensamento de forma dissociada; pois o pensamento é constituído pela linguagem, que é, por sua vez, a “matéria” do pensamento. Seja a linguagem verbal, seja a linguagem visual, ambas cons- troem sentido, ou seja, elas fazem parte do ato criador da significação. Isso é relevante para você compreender que a palavra e a imagem não são expressões necessariamente “distintas” e/ou “complementares”, como muitos as definem. O verbal e o visual são formas de as pessoas expressarem a sua capacidade de pensar e representar a vida, a si mesmas, os objetos e o mundo à sua volta. Desse modo, quando você caracteriza um objeto com palavras ou imagens, está o representando para si e para o outro (CORDEIRO, 2017). Nesse sentido, a representação é uma atividade fundamentalmente humana de significação, de elaboração de sentidos. Por isso, quando se fala em representar, a noção de signo aparece inevitavelmente relacionada à representação. Para estudar as imagens, é importante você ficar atento à existência de dois domínios imagísticos que, embora sejam inicialmente apontados de forma se- parada, como dois domínios, estão inter-relacionados: há o das imagens como representações visuais, de caráter material, e o das imagens como represen- tações mentais, de caráter imaterial. Ao primeiro, concernem os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias e as imagens televisivas, cinematográficas, holográficas e infográficas. Ao segundo, pertencem aquelas imagens que povoam a mente, isto é, as visões, fantasias e imaginações. Essa didática explanação sobre cada domínio individualmente, apresentada por Santaella e Nöth (1998), pode levar você a refletir sobre a íntima ligação entre eles. Ora, não é possível pensar num desenho, por exemplo, que não tenha sido, nem mesmo por meio de um simples esboço, concebido pela mente. Também não há fantasia que não tenha tido, de alguma forma, origem no mundo concreto dos signos visuais, não é mesmo? Conforme explicam Santaella e Nöth (1998), a associação que existe entre a dimensão mental e a visual da imagem se dá por meio de noções como signo e representação, as quais unificam o mental e o perceptível. A noção de representação Na concepção filosófica clássica, a atividade de representar se relaciona àquilo que as pessoas representam para si mesmas. Assim, a representação é entendida como a tentativa de tornar visível e sensível um objeto que está ausente ou um conceito por meio de um signo, como um desenho, um esquema, uma figura (ANDRÈS, 1996). É como se o pensamento e a imagem andassem juntos, aparecessem ligados, pois a representação imagética carregaria a ideia do objeto que representa. Desse modo, a imagem solicita um olhar, um As diversas noções de representação, imagem e realidade2 terceiro. Esse olhar, mesmo diante das associações, dos pensamentos e das projeções que a imagem desperta, fará uma leitura singular dela. Isso significa dizer que cada representação é um recorte particular e assim será interpretada pelo espectador. Apesar disso, a imagem carrega toda uma multiplicidade e inúmeras possibilidades de representação do objeto. Ainda na direção de uma discussão de cunho mais filosófico e psicológico, a representação tem a propriedade de marcar a incidência do presente, mesmo que este já esteja perdido, pois o objeto foi representado no presente que já passou. Dito de outro modo, a representação recupera essa temporalidade, apesar de trazer com ela a perda desse mesmo tempo. A presença do objeto ou conceito trazida pela representação implica, assim, a ausência dele. No término do ato representativo, o que se tem é o conhecimento e a apreensão desse mesmo objeto ou conceito, isto é, se dá algo a conhecer (ANDRÈS, 1996). O conceito de representação tem sido, assim, historicamente relevante desde a escolástica da Idade Média. É importante você saber que, já nesse período, essa noção estava relacionada de maneira ampla a signos, símbolos, imagens e outras formas variadas de substituição (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Atualmente, essa noção, que também é muito cara aos estudos desenvol- vidos pela ciência cognitiva, é conceituada pela semiótica geral por meio de definições diversas. Assim, fica mais difícil e impreciso o trabalho de delimitar o que é a representação. Contudo, você pode considerar que o significado dessa noção pode se estender a certos conceitos fundamentais a esse campo, tais como signo, relação sígnica e referência. A ciência cognitiva é um campo interdisciplinar de estudo que se dedica a investigar a mente e a inteligência. Essa disciplina envolve ideias e métodos de psicologia, linguística, filosofia, ciência da computação, inteligência artificial, neurociência e antropologia. A palavra cognição, empregada pelos cientistas, se refere a diversos tipos de pensa- mentos. Esses pensamentos podem envolver a percepção, a resolução de problemas, o aprendizado, a tomada de decisão, o uso da linguagem e a experiência emocional (THAGARD, c2017). Assim, a ciência cognitiva agrega diversos campos e várias tradições de pesquisa que diferem umas das outras principalmente em relação às perspectivas da natureza de representações mentais e dos procedimentos pelos quais as representações são manipuladas (THAGARD, c2017). Entre os temas relacionados ao conceito de repre- sentação, você vai encontrar, por exemplo, a representação analógica, a digital, a proposicional e a cognitiva ou mental (SANTAELLA; NÖTH, 1998). 3As diversas noções de representação, imagem e realidade A representação como signo No uso de representação feito pela língua inglesa, essa palavra é comumente empregada como sinônimo de signo. Tanto em John Locke (1632–1704) como em Charles Sanders Peirce (1839–1914), a representação é definida como signo. Em Sperber (1985, p. 77 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 16), o conceito de representação é associado ao de signo. Para isso, o autor supracitado distingue dois tipos de representação: de um lado, há as representações mentais, que são caracterizadas como processos intrassub- jetivos de pensamento; e, de outro, as representações públicas, tidas como processos intersubjetivos por meio dos quais as representações de um sujeito afetam as de outros sujeitos. Essa classificação feita por Dan Sperber (1942 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998–) se assemelha bastante aos domínios das imagens como representações visuais e mentais citadas anteriormente(cf. primeira página). Essa semelhança pode se explicar porque o que o autor chama de representações públicas é exatamente o que a semiótica assinala como signo ou veículo do signo. Em Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), os aspectos que caracterizam o signo são tidos como modos de representação: a representação pública está para o representamen (ou significante) enquanto a representação mental está para o interpretante (ou significado), como você pode ver na Figura 1. Figura 1. Representação pública e representação mental. Fonte: Adaptada de Joly (2007, p. 36), Santaella e Nöth (1998). As diversas noções de representação, imagem e realidade4 A representação como relação sígnica A palavra representação pode caracterizar também uma função ou um pro- cesso sígnico, isto é, uma relação sígnica. Já no período medieval, a esco- lástica definia a representação como a apresentação de algo ou alguma coisa por meio de signos. O próprio Tomás de Aquino (1225–1274) definia que a representação ocorre por meio de signos (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Na tradição dessa escola, se fazia referência a quatro tipos de representação: (1) por uma imagem, (2) por um vestígio, (3) por um espelho e (4) por um livro. A conceituação da representação a partir da sua utilização e da sua relação sígnica tem sido importante desde aquela era, pois ainda é retomada por outros estudiosos. De maneira geral, você pode considerar que o homem atua no mundo por meio da representação, isto é, da produção e do uso de representações (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Nos últimos estudos feitos por Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 17), a representação é vista como um “[...] processo da apresentação de um objeto a um intérprete de um signo.”; ou, ainda, como a relação entre o signo e o objeto. Essa conceituação é importante para você entender como o filósofo norte-americano chegou à noção de representamen: quando distingue entre aquilo que representa e o ato/a relação de representar, o primeiro se chama representamen e o segundo, representação. Desse modo, a representação surge como o ato, a atividade ou a relação de representar que é feita pelo representamen (pelo significante). A representação como referência e função de apresentação A noção de representação como relação de objeto, isto é, como relação síg- nica, apontada anteriormente, está perto da definição de representação como referência e função de apresentação. Primeiramente, quando se fala em re- presentação como referência, está se tomando em consideração a ideia de designação ou representação linguística das coisas. Contudo, a esse respeito, é importante você saber que é possível encontrar uma distinção entre o ato de referenciar e o de representar: enquanto a referência une um signo a uma coisa, a representação relaciona a construção de um conceito a um aspecto de uma coisa. Nessa perspectiva, tais relações também podem ser vistas de formas distintas (SANTAELLA; NÖTH, 1998). 5As diversas noções de representação, imagem e realidade Quando alguém diz o enunciado “não existem pessoas de quatro pernas e cinco braços”, o enunciador está se referindo a pessoas de maneira geral. Nessa declaração há, assim, uma relação de referência à constituição física humana, mas não uma necessária atividade de representação. Nesse sentido, se concebe a atividade de se referir como um ato de remissão ao mundo e não como um ato de representação. No entanto, se pode também afirmar que nesse processo referencial há uma representação possível, a partir da negativa do enunciado, do que constitui (ou não) o ser humano. Além disso, você pode conceber a representação enquanto apresentação, isto é, como o ato de expressar características do que é representado. Tal definição foi elaborada por Aristóteles. Na ideia da representação tomada como uma função da apresentação, se destacam alguns elementos do objeto referenciado e se suprimem ou mitigam outros. A representação como signo icônico Por último, mas não menos importante, existe a conceituação da represen- tação como um signo icônico, isto é, como um signo baseado na relação de analogia e/ou similitude com o seu objeto. Tal definição existe também desde a tradição escolástica e foi muito importante para os estudos medievais. Nessa perspectiva, o ato de representação pode ser observado como a cópia de tudo o que o objeto representa. Além disso, pode ser visto a partir de uma relação de simulação do objeto que toma, uma vez que a representação pode espelhar, modelar, desenhar, simbolizar, etc. o seu objeto (SANTAELLA; NÖTH, 1998). A crise da representação O tema da crise da representação tem sido muito discutido pelos teóricos culturais e filósofos pós-modernos (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Dentro dessa discussão, há um pensador que se destaca: Michel Foucault (1926–1984). O especial interesse sobre esse tema é discutido por Foucault na obra As palavras e as coisas, datada de 1966. Nessa obra, é possível observar a construção da história da teoria do signo e da cultura semiótica a partir do ponto de vista da semiologia estruturalista (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Em especial, Foucault (1999) se vale da reflexão As diversas noções de representação, imagem e realidade6 sobre o signo elaborada pelo linguista e semiólogo suíço Ferdinand de Saussure (1857–1913). Ainda é relevante que você saiba que Foucault (1999) tematiza nesse livro as condições que permitiram o surgimento das ciências humanas, isto é, as que possibilitaram o aparecimento de um campo cujo objeto de estudo é o próprio homem. Também visto como um sujeito do saber, o homem é objetivado por diversos modos de estudo que buscam se tornar campos científicos. Para Foucault (1999; SANTAELLA; NÖTH, 1998), a trajetória histórica da teoria do signo se dá desde o século XVII, com os estoicos. É, contudo, a partir da reflexão proposta por Saussure (2006) que a teorização sobre o signo ganha o seu destaque. Nesse sentido, é importante você lembrar que o signo saussureano é constituído por duas faces indissociáveis: um signifi- cante (imagem acústica) e um significado (conceito) (SAUSSURE, 2006). Na perspectiva desse semiólogo, a relação estabelecida entre essas duas faces é arbitrária e convencional, pois quando se pensa em um objeto qualquer, como uma xícara, vem logo à mente o significante xícara e o seu significado, o qual foi aprendido coletiva e socialmente, isto é, por meio das relações e experiências em sociedade com os falantes da língua. Durante o desenvolvi- mento teórico dessa reflexão, paralelamente se perde o valor do signo como cópia, herança da Idade Clássica. Até o período renascentista, era atribuída aos signos uma relação de afinidade com os objetos representados. Ou seja, a lei de representação era estabelecida por uma relação de semelhança mais ou menos evidente. A partir da falência dessa relação analógica estabelecida pela similaridade entre signo e objeto, a lei da representação passa a ser guiada pela relação de arbitrariedade entre signo e objeto (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Michel Foucault foi um filósofo e historiador francês que influenciou teóricos e estudiosos de diversos campos após a II Guerra Mundial. Filho de uma sólida família burguesa, aos 20 anos ingressou na École Normale Supérieure (ENS), em Paris. Lá, ele estudou psicologia e filosofia, entrou em contato com o comunismo e deu início a uma importante reputação acadêmica. Sua carreira foi marcada por uma intensa vida profissional e intelectual, em especial pelas ideias que propunha acerca de temas bastante originais e controversos, além de não marginalizados pela discussão na própria academia, tais como a doença mental, a sexualidade e a prisão. Desse modo, uma das questões levantadas por Foucault (1999; SANTAELLA; NÖTH, 1998) é quanto à naturalidade da relação do signo com o objeto tomada 7As diversas noções de representação, imagem e realidade pelo período clássico. Com o deslocamento das “[...] relações sígnicas do mundo das coisasa um mundo dos signos das coisas, ou seja, das representações no sentido de Foucault.” (SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 23), o sistema de signos passa a ser visto por meio das relações entre esses signos. Dito de outro modo, o sistema de representação de signos ocupa o espaço do conhecimento. A partir do século XIX, se estabelece uma nova ruptura no modelo outrora clássico de representar. A ordem das coisas deixa de ser elaborada pela razão da lógica e passa a ser fundamentada pela evolução e pela historicidade das coisas. Em outras palavras, a ordem das coisas, durante o paradigma classi- cista, era pensada como uma verdade atemporal, isto é, sem a intervenção do tempo. Por meio do historicismo e do empirismo que caracterizam esse novo período, a verdade deixa de ser concebida como fora da atividade histórica e passa a ser constituída por essa atividade. Então, o tempo passa a interferir na representação, nas maneiras como as coisas eram vistas. Assim, se abre outra perspectiva, na qual os pontos de referência dos signos não estão mais nos próprios signos, mas no exterior da representação. Há um universo muito além e anterior ao das coisas representadas. Linguagem e representação passam a ser vistas de forma dissociada (SANTAELLA; NÖTH, 1998). O período do historicismo começa no final do século XIX e início do século XX. Essa perspectiva insistia na diferença entre o homem e a natureza, e entre as ciências naturais e humanas. Nessa corrente, os fatos humanos eram tomados como históricos. Eles carregavam valores, significações e finalidades, portanto deveriam ser estudados por meio desses aspectos que os diferenciavam dos fatos da natureza. Uma das consequ- ências do historicismo era o relativismo – as leis científicas eram válidas somente para certa época e cultura, isto é, não poderiam ser universalizadas. Outra consequência era a subordinação das ciências humanas a uma filosofia da história – os indivíduos e as instituições só poderiam ser entendidos se o seu estudo se subordinasse a uma teoria geral da história, a qual toma cada formação sociocultural como uma visão de mundo específica. Quanto ao empirismo, nessa perspectiva se afirma que a racionalidade, a verdade e as ideias são adquiridas pela experiência. Embora essa tese tenha sido defendida por muitos filósofos, os ingleses dos séculos XVI ao XVIII, tais como Francis Bacon, Thomas Hobbes e John Locke, são importantes expressionistas dessa vertente. Eles acreditavam que a razão, bem antes da experiência, se caracterizava como uma “folha em branco”. Isso significava dizer que era por meio das experiências sensoriais que as pessoas adquiriam conhecimento sobre o mundo e, assim, passariam a ter razão. Fonte: Chaui (2013). As diversas noções de representação, imagem e realidade8 Em resumo, você pode considerar, a partir da reflexão de Foucault (1999), três relações entre as palavras e as coisas que fizeram parte da história e a dominaram por certos períodos: no Renascimento (por volta de meados do século XIV até o século XVI), a relação entre o signo e o objeto era de semelhança, ou seja, os signos eram tomados como as próprias coisas. Na Era Clássica (por volta do século XVII ao XVIII), a relação era de representação. Nesse período, os signos e as coisas se afastam; aqueles parecem não conseguir mais alcançar as coisas e, assim, os sentidos não são essenciais, pois os signos representam as coisas que estão afastadas, distantes deles. Na Era Moderna (a partir do século XIX), a representação em crise cede lugar à relação de interpretação entre o signo e o objeto. Tal período é influenciado pela reflexão histórica atribuída ao homem. A imagem como ideia e cópia da realidade Para compreender a noção de imagem como ideia e cópia do real, é importante, inicialmente, você relembrar a noção sobre a imagem como representação mental, pois aqui vai explorá-la mais um pouco. A associação da imagem como representação da mente é um tema que circula da semiótica à ciência cognitiva. Esta, contudo, trabalha especialmente com modelos de conheci- mento, isto é, com representações e processos mentais. Assim, enquanto a semiótica trabalha com a ideia de que as representações cognitivas são signos e as operações realizadas pela mente são processos sígnicos, a ciência cognitiva trabalha com modelos de processos cognitivos. De certo modo, as questões que cada uma coloca se cruzam no estudo do signo e do processo mental dissociadas (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Entre os estudos realizados pela ciência cognitiva, alguns se destacam. Entre eles, você pode considerar a investigação sobre o processo de armazenamento do conhecimento geral (como você guarda o conhecimento na sua mente?) e, em especial para o seu estudo aqui, a investigação que procura compreender como a informação visual é guardada na mente (será que ela é estocada na forma de imagens mentais?). Conforme explica Cummins (1989 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), os estudos cognitivos trabalham basicamente com a descrição de quatro modelos de representação mental do conhecimento/da informação: como (1) ideias, (2) imagens, (3) símbolos e (4) estados neurofisiológicos. Em (1), há o modelo de representação mental influenciado pela divisão proposta por Aristóteles (384 a.C.–322 d.C.) entre matéria e forma e pela tradição da escolástica. Esta, se baseando no filósofo grego, afirmava que as próprias ideias existiam como entidades na mente, compostas de matéria e forma. Nesse 9As diversas noções de representação, imagem e realidade modo de representação mental, se estabelecia uma relação icônica entre as coisas e ideias que as representam. Em (2), você encontra desde os epicuristas aos estudiosos cognitivos. Destaca-se nas suas investigações o modelo de representação analógica entre as coisas e ideias que as representam. Em (3), estão os teóricos da imagem que pensam a linguagem como representada mentalmente por meio de símbolos, principalmente no que diz respeito aos conceitos abstratos. Por último, em (4), existe a defesa de que as representações mentais funcionam como processos neurofisiológicos. Tal tese é assumida pelo conexionismo, cujo conhecimento é percebido na forma de processos de ativação ou inibição fisiológica das sinapses. O epicurismo é um sistema filosófico ensinado por Epicurus (341–270 a.C.). De maneira geral, é um sistema de valores éticos que abarca todas as concepções ou formas de vida que podem ser traçadas desde os princípios da filosofia. Entre os conceitos fundamentais que caracterizam esse sistema, você pode encontrar o atomismo, que é uma noção mecânica limitada de causalidade; a infinitude do universo e o equilíbrio de todas as forças que nele circulam; a existência de deuses concebidos como forças imortais que estão à parte dos acontecimentos que ocorrem no mundo; a identificação do bom com o prazer; a redução das relações humanas ao princípio da utilidade, o qual encontra a mais alta expressão na amizade; a limitação de todo o desejo; e a prática das virtudes. Fonte: Duignan e Diano (c2017). A imagem como ideia e/ou a ideia como imagem A imagem é um tema crucial de reflexão desde o período da Antiguidade (por volta de 4.000 a.C. até meados de 476 d.C.). Entre os primeiros que a estudaram, se destacam Platão (427/428 a.C.–347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.). Para o primeiro, a imagem era sinônimo de imitação, engano e desviava o sujeito do conhecimento (JOLY, 2007). O segundo via a imagem como condução do conhecimento, o meio de educação (JOLY, 2007). Para Platão (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), as ideias se constituíam de palavras e, posteriormente, de imagens – estas se originavam para o filósofo na própria alma. Já em Aristóteles (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998), as imagens apareciam com um significado bem maior na construção do pensamento, pois não havia como pensar sem imagens. As diversas noções de representação, imagem e realidade10 Segundo Joly (2007), uma das primeiras definiçõesdadas à imagem é encontrada em Platão. Em sua famosa obra A República (PLATÃO, 2007, p. 292), as imagens surgem como um objeto segundo, uma sombra, um reflexo de uma superfície ou corpo opaco: “Denomino imagens primeiramente às sombras, depois aos reflexos que se veem nas águas ou na superfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes, e a todas as representações semelhantes.”. Isso permite inferir que o filósofo grego atribuía às palavras o lugar primeiro de importância para a construção das ideias. O segundo lugar, ele dava às imagens. No Mito da Caverna, que se encontra no Volume 7 de A República, Platão (2007) elabora o mundo visível, a imagem desse mundo, por meio de sombras que constituem os véus do mundo ideal e inteligível. É preciso compreender que a imagem desse mundo é de sombra, de escuridão e, para alcançar a iluminação, é preciso enxergar verdadeiramente as coisas. O mundo da caverna é o da verossimilhança, mas não é o verdadeiro. Ele é a imagem do mundo das ideias, do mundo ideal. No entanto, ao mesmo tempo, era a partir do reflexo ou da sombra, da imagem, que o sujeito poderia se fazer, tornando esse reflexo um instrumento de filosofia, de conhecimento. De todo modo, nos estudos da semântica você também vai encontrar a ideia de que os significados das palavras são interpretados como imagens mentais. Dito de outro modo, as palavras evocam imagens mentais, ou ainda, de forma mais metafórica, ideias “invisíveis”. A tese das ideias como imagens e/ou das imagens como ideias foi também retomada e estudada por outros estudiosos, como pelo filósofo e físico inglês John Locke (1632–1704). Apesar disso, essa tese foi criticada mais adiante por não ser possível descrever todas as ideias por imagens. 11As diversas noções de representação, imagem e realidade Figura 2. No Mito da Caverna, escrito por Platão, as sombras ou os reflexos constituiriam as imagens a que os habitantes da caverna teriam acesso, imagens essas que seriam tomadas por eles como a verdade e a realidade. Fonte: Nadiia Kotliar/Shutterstock.com. A imagem como cópia da realidade A caracterização da imagem como cópia do real continua a influenciar con- sideravelmente a construção do conhecimento ocidental. Quantas vezes você se deparou com a definição, que já tomou conta do lugar-comum, da imagem como cópia, decalque, “véu”, coisa segunda? Nessa caracterização, a imagem é colocada numa posição “menor”, inferior (MOURÃO, 2011), porque se pressupõe que, ao defini-la como cópia, há outro “maior” que ela projetaria e retomaria. Segundo Santaella e Nöth (1998, p. 28-29), os estudos da imagem mais radicais tomam as imagens mentais como cópias da realidade. Inicialmente encontrada entre os epicuristas, a reflexão sobre esse modelo de represen- tação da imagem toma os objetos encontrados no mundo como refletores e irradiadores de cópias icônicas e materiais no cérebro do homem. Nessa visão, a “[...] imagem mental é um ícone da realidade.” (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Nesse sentido, é importante você saber que o ícone é, para a semiótica peirceana, um tipo de signo que apresenta uma relação analógica, geralmente de similitude, com o objeto (ou referente) que representa. No empirismo, principalmente representado pelo filósofo e historiador escocês David Hume (1711–1776), as ideias são tomadas como imagens men- As diversas noções de representação, imagem e realidade12 tais. Estas possuem sua origem nas experiências e percepções pelos sentidos. Na Teoria da Percepção ou Teoria Representativa da Percepção, John Locke e René Descartes (1596–1650) defendiam que o objeto percebido, notado ou experimentado pelos sentidos produz representações internas que têm uma relação de semelhança com os objetos que foram percebidos, notados ou experimentados. Isso ocorreria mesmo se os objetos percebidos não fossem reais (SANTAELLA; NÖTH, 1998). Algumas considerações finais Durante a história, se pensou a imagem a partir de diferentes perspectivas – como ideia e como cópia, por exemplo. Como você viu, é por meio dessas distintas reflexões que os estudos semióticos sobre a imagem têm se desenvol- vido. Assim, apesar de haver críticas à noção da imagem como representação da ideia ou como cópia icônica da realidade, é preciso que você compreenda os espaços de teorizações que permitiram significar a imagem ao longo da história. 1. Qual das alternativas a seguir define corretamente a representação tomada por Peirce (SANTAELLA; NÖTH, 1998)? a) A representação é um ato referencial. b) A representação é uma forma de apresentação. c) A representação é uma sombra, um reflexo de um objeto. d) A representação é uma cópia da realidade. e) A representação se dá pela relação entre signo e objeto. 2. A respeito da crise da representação elaborada por Foucault (1999), marque a alternativa que retoma corretamente o que o pensador francês debate. a) As relações dos signos com eles mesmos marcaram a Idade Clássica. b) O modelo clássico de representação permanece até a atualidade. c) No Renascimento, a relação entre o signo e o objeto era vista como convencional. d) A partir do século XIX, a história passa a interferir no processo de representação. e) A partir da Era Moderna, a relação entre os signos e as coisas se afasta. 3. Como se caracterizam os domínios imagísticos tratados nos estudos das imagens como inter-relacionados? Marque a alternativa correta. a) Como o domínio das representações mentais e o das representações visuais. O primeiro é material. Fazem 13As diversas noções de representação, imagem e realidade parte dele as visões, fantasias e imaginações. O segundo é imaterial. Pertencem a ele os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias, as imagens televisivas, etc. b) Como o domínio das representações mentais e o das representações visuais. Ambos são caracterizados como imateriais. Fazem parte do primeiro os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias, as imagens televisivas, etc. Quanto ao segundo, inclui as visões, fantasias e imaginações. c) Como o domínio das representações mentais e o das representações visuais. O primeiro é imaterial. Fazem parte dele os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias, as imagens televisivas, etc. O segundo é material. Pertencem a ele as visões, fantasias e imaginações. d) Como o domínio das representações mentais e o das representações visuais. O primeiro é imaterial. Fazem parte dele as visões, fantasias e imaginações. O segundo é material. Pertencem a ele os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias, as imagens televisivas, etc. e) Como o domínio das representações mentais e o das representações visuais. Ambos são caracterizados como materiais. Fazem parte do primeiro as visões, fantasias e imaginações. Quanto ao segundo, inclui os desenhos, as pinturas, as gravuras, as fotografias, as imagens televisivas, etc. 4. Marque a alternativa correta a respeito da imagem como ideia. a) Para Aristóteles, a imagem era tomada como sinônimo de imitação. b) Para Platão, as imagens surgem como um objeto primeiro. c) Para Aristóteles, o pensamento se operava por imagens. d) Para Platão, a imagem era vista como condução do conhecimento. e) Para Aristóteles, as imagens surgem como um objeto segundo. 5. Complete corretamente o seguinte enunciado: A associação da imagem como representação da mente é um tema que circula da semiótica à ciência cognitiva. Assim, cabe à semiótica e à ciência cognitiva estudar principalmente... a) as representações cognitivas, vistas como signos, e os modelos de processos cognitivos, respectivamente. b) os modelos de processos cognitivos e as representações cognitivas, vistas como signos, respectivamente. c) as representações cognitivas e os modelos de processos cognitivos, vistos como signos, conjuntamente. d) as representações cognitivas e os modelos de processos cognitivos, ambos vistos como signos,respectivamente. e) os modelos de processos cognitivos e as representações cognitivas, vistas como signos, conjuntamente. As diversas noções de representação, imagem e realidade14 ANDRÈS, M. Representação. In: KAUFMANN, P. (Ed.). Dicionário enciclopédico de psica- nálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1996. p. 453-457. CHAUI, M. Iniciação à filosofia. São Paulo: Ática, 2013. CORDEIRO, R. Q. F. 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