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TEORIA DA IMAGEM Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Conceito de teoria da imagem Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o campo de estudo da semiótica. � Explicar o panorama geral dos estudos da teoria da imagem (semiótica da imagem). � Descrever algumas concepções sobre o estudo da imagem de Aquino a Peirce. Introdução A teoria da imagem faz parte do campo da semiótica, o qual se preocupa em estudar os signos. Esse campo se preocupa em estudar os signos. Hoje, ainda não existe uma tradição literária estável de estudo da imagem, assim como há em relação ao estudo da palavra. Apesar disso, uma reflexão baseada em uma semiótica explícita da imagem traz subsídios para você entender como o discurso visual é construído e interpretado. A imagem é, assim, um signo que pode remeter a significações diversas de um mesmo objeto. Neste texto, você vai refletir sobre o campo de estudo da semiótica. Além disso, vai conhecer a teoria da imagem e identificar algumas noções sobre ela – em especial, a visão da metafísica da imagem proposta por Aquino – que exerceram influência nos estudos semióticos elaborados por Peirce. A semiótica A semiótica se caracteriza como uma ciência geral que estuda os signos. Esse campo de estudo abrange o estruturalismo e outros campos que se dedicavam à significação, isto é, à análise do sentido atribuído por meio da linguagem. Segundo Crystal (2008), esse campo científico estuda as propriedades dos sistemas sígnicos – como um gesto, uma ação, um som, um símbolo –, sejam esses naturais ou artificiais. Inicialmente, era também chamado de semiologia. No entanto, em 1969, a Associação Internacional de Estudos Semióticos deu preferência ao uso do termo “semiótica” em detrimento de “semiologia” (SIG- NIFICADOS, c2011-2017). Essas expressões, empregadas anteriormente como sinônimas, diferenciavam duas perspectivas de investigação teórica: enquanto a semiologia havia sido fundada por Ferdinand de Saussure (1857–1913) e se ligava à tradição europeia, a semiótica demarcava os estudos de tradição norte-americana marcados principalmente pela contribuição de Charles San- ders Peirce (1839–1914). Conforme explica Nöth (2006), o estudo dos signos tem início com a origem do homem, tendo em vista que interpretar o mundo e o homem é um estudo que envolve os signos. Estes são, inclusive, a unidade mínima de estudo desse campo, uma vez que a relação das pessoas com o mundo se dá por meio da representação da linguagem. No entanto, o surgimento da semiótica como ciência é recente. Mesmo assim, se você der uma olhada ao longo da história, notará que o estudo do signo teve espaço em momentos importantes. Na Antiguidade, em especial na Grécia, se desenvolveu uma filosofia do signo conhecida como teoria do conhecimento humano. Já na Idade Média, havia uma doutrina dos signos que deu origem a uma tipologia bem elaborada sobre eles. Finalmente, na Renascença, diversas obras foram publicadas sobre os signos. Quanto à definição de signo, você deve observar que, embora existam diferentes conceituações, ele é basicamente definido como um veículo físico básico de sentido em uma língua. Ou, ainda, como uma imagem que é sonora – porque é possível visualizá-la ou ouvi-la – e que se refere a um objeto ou a um aspecto do real ou referente (MCQUAIL, 2012). Assim, você usa os signos para se comunicar, para produzir e transmitir sentidos sobre os objetos, as coisas, os acontecimentos, as experiências, etc. Os outros “recebem” e interpretam os signos usados por meio de uma linguagem ou sistema que é comum aos sujeitos envolvidos no processo comunicativo. Conceito de teoria da imagem2 O estruturalismo se refere a como os sentidos são produzidos nos textos a partir do estudo das estruturas da língua. A expressão estrutura diz respeito a uma relação orde- nada e constante dos elementos presentes na língua, os quais devem ser interpretados. Aliás, a própria língua é definida muitas vezes como uma estrutura, no sentido de uma rede de unidades que estão inter-relacionadas. Nesse sentido, se pode especificar o significado de uma das partes apenas fazendo-se referência ao todo (CRYSTAL, 2008). Acredita-se, no entanto, que as estruturas linguísticas são determinadas pelas condições culturais. Elas constituem, então, sistemas amplos de sentido, referenciação e significação. Dentro dessa abordagem, se enquadra o estudo dos signos. O estruturalismo é um ramo da linguística que se tornou bastante conhecido pelos estudos de Ferdinand de Saussure sobre o signo. Este é caracterizado pelo linguista suíço como formado por um significante e um significado. Noções como sistema de signos e significação, as quais se tornaram comuns à linguística, ao estruturalismo e à semiótica, vêm principalmente do paradigma estruturalista desenvolvido inicialmente por Saussure. Além disso, essa vertente teórica também foi influenciada pelos princípios trazidos pela antropologia, em especial a desenvolvida pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908–2009). É importante você saber que o estruturalismo está relacionado à tradição europeia de estudo não só de línguas ditas “convencionais”, mas de qualquer sistema de signos que tenha propriedades relativas de linguagem. Além disso, a atenção do estruturalismo é dedicada não ao sistema de signos em si, mas aos textos e aos sentidos produzidos por esses textos conforme o sistema cultural do qual fazem parte. Desse modo, essa corrente teórica se preocupa com os sentidos culturais e linguísticos. Fonte: Crystal (2008) e McQuail (2012). De acordo com Saussure (2006), a significação é realizada por meio de dois elementos que fazem parte do signo, a saber, o significante e o significado. O primeiro é o elemento físico ou “quase material” – a palavra, a imagem, o som. Já o segundo é o conceito mental que se associa a um determinado signo em um dado sistema linguístico. Esse conceito mental, é importante que você perceba, se relaciona aos conteúdos ou aos sentidos, os quais são produzidos conforme os usos e os contextos culturais. Geralmente, a relação entre o significante, como a palavra “árvore”, e o referente “real” árvore é arbitrária ou convencional. Ou seja, não há uma correspondência entre a unidade lexical árvore e o objeto do mundo (a árvore “real”) que ela designa. Ademais, a relação entre o significante e o significado (sentido) é guiada pelas regras da cultura. É isso o que ocorre nos sistemas linguísticos ocidentais, por exemplo. Esse sistema de signos ou sistema de referência governa todo o processo de construção da significação. 3Conceito de teoria da imagem Em Peirce (2014), o signo é definido a partir de um modelo em tríade – o de Saussure (2006), que você acabou de ver, é binário. Para Peirce (2014), portanto, o signo é uma coisa qualquer que está para um indivíduo em lugar de qualquer outra coisa. Ele se dirige a alguém, uma vez que cria no “espírito” dele um signo equivalente, ou talvez um signo mais “desenvolvido”. A esse signo criado, o filósofo atribui o nome de interpretante do primeiro signo. Como este se apresenta no lugar de uma coisa qualquer, existe o seu objeto. Contudo, o signo está em lugar do objeto como uma referência, uma espécie de ideia, a qual o norte-americano chama de representante. Além dessa caracterização, Peirce afirma que o significante pode ser um ícone, um índice e um símbolo. De maneira geral, um ícone tem alguma semelhança com o objeto que representa. Como exemplo, você pode considerar uma fotografia. Assim, um índice tem alguma relação direta com o objeto que o produziu – por exemplo, a fumaça é um índice de que houve fogo. Além disso, um símbolo tem uma relação convencional com o objeto – por exemplo, as estrelas na bandeira do Brasil simbolizam os estados que compõem a nação. Uma contribuição interessante trazida pelo filósofo se refere ao caráter icônico do discurso (iconicidade).Ora, você não pode deixar de reconhecer que os discursos se constroem por meio de imagens, isto é, por meio da iconicidade. Isso pode ficar mais claro para você, inicialmente, quando você pensa nas metáforas; ou, ainda, nos inúmeros recursos linguísticos que utiliza na escrita de uma poesia, uma crônica, uma fábula, um conto, etc. Lembre- -se de que esses recursos são chamados convencionalmente de figuras de linguagem. No entanto, é possível ir mais além e afirmar que a linguagem é marcadamente icônica. Uma rápida leitura em enunciados cotidianos, como a manchete “França volta a sangrar”, publicada pelo veículo mineiro Estado de Minas (VEJA..., 2015), a qual aponta para um novo ataque “terrorista” ocorrido na França, leva o leitor a pensar que o discurso (verbal) é permeado pela iconicidade, pois não existe a literalidade em sentido per se, estrito. E isso também vale para você pensar a respeito das imagens. Assim como o signo verbal, o signo visual se caracteriza pela persistência da iconicidade, do sentido denotado e da possibilidade aberta pela polissemia. Conceito de teoria da imagem4 Além de Peirce, o filósofo norte-americano Charles Morris (1901–1979) se dedicou ao campo da semiótica e desenvolveu uma teoria geral dos signos. Para ele, a semiótica é constituída por três dimensões, que são: a sintática, a semântica e a pragmática. Na primeira, se estuda a relação do signo com os signos, isto é, a estrutura da língua, as relações formais dos signos entre si. Na segunda, a do signo com o objeto do mundo. Ou seja, a semântica se dedica ao estudo dos sentidos dos signos. Já na terceira, o foco é a relação do signo com o intérprete, ou os usos e efeitos dos signos. Assim, enquanto a dimensão sintática é governada pelas relações entre os signos, a semântica é dada pelas relações entre os signos e os objetos ou eventos a que se referem ou que significam. A pragmática, por sua vez, aborda as relações que os signos têm com os seus produtores e intérpretes, incluindo a situação social na qual essas expressões são usadas. Fonte: Morris (1971 apud SCOTT, 2004). O campo de pesquisa da semiótica Na segunda metade do século XX, o termo “semiótica” passou a ser aplicado na análise da comunicação humana padronizada nos mais diversos modos sensoriais. Entre esses modos, você pode considerar o da audição, o da visão, o do paladar, o do olfato e o do tato. Dessa forma, os estudos semióticos pas- saram a variar não só em tipo de atuação, mas na forma em que vêm sendo retomados por vários campos de estudo, em especial os de antropologia, linguística, comunicação, psicologia e sociologia (CRYSTAL, 2008). Esses estudos também têm sido retomados em disciplinas que fazem parte do campo das ciências da saúde, como a medicina e a psiquiatria. O conceito de semiótica surge, pela primeira vez, na forma neogrega semeiotiké, no contexto da medicina. Dito de outro modo, é por meio do diagnóstico médico que se descreve a semiótica. Assim, os antigos não designavam a semiótica como a teoria ou ciência geral dos signos que você conhece hoje, mas como uma das áreas específicas de atuação dessa teoria/ciência. 5Conceito de teoria da imagem Na década de 1960, os estudos semióticos cresceram consideravelmente. Como suas raízes tiveram início nos estudos linguísticos de Saussure – e também do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev (1899–1965) – e os estudos literários foram bastante influenciados pelo estruturalismo, um dos primeiros campos de investigação semiótica a se expandir foi o da narrativa, da poesia e do discurso. A partir da investigação do discurso verbal, a semiótica passou a avançar sobre outros sistemas de signos, tais como os da pintura, do cinema, da comunicação de massa, da moda e da culinária. A partir dos anos 1970, com a tradução para as línguas francesa e inglesa dos trabalhos da Escola de Moscou, da Escola de Tartu e do Círculo de Bakhtin, os estudos semióticos se direcionaram para a análise da cultura. Nessa mesma época, o legado de Peirce começou a vir à tona, em especial por meio da importância atribuída aos seus escritos pelo linguista e teórico literário russo Roman Jakobson (1896–1982). Concomitantemente, o trabalho de Charles Morris também passou a ser explorado, principalmente quanto aos estudos sobre os signos não verbais (SANTAELLA; NÖTH, 2004). É importante reconhecer que, desde os anos 1960, o linguista e semioticista Thomas Sebeok (1920–2001) já seguia em direção a outros horizontes de estudos da semiótica. Entre esses estudos, você pode considerar os seguintes: das estruturas dos textos à comunicação geral, da comunicação humana verbal à não verbal e da comunicação humana à animal. Disso, você pode depreender o seguinte: na medida em que novas investigações semióticas surgiam e prosseguiam em campos os mais diversos, tais investigações le- vavam os estudiosos à existência de uma variedade de processos sígnicos. Esses processos incluem os que ocorrem dentro do próprio corpo humano, nas células; e os que pertencem ao domínio dos sistemas que não estão vivos, como as máquinas e os computadores (SANTAELLA; NÖTH, 2004). Assim, o campo de atuação da semiótica permanece diversificado e em expansão gradual, principalmente no tocante aos estudos da imagem na Era Digital, uma vez que o signo visual parece constituir cada vez mais a linguagem da comunicação que prevalece na sociedade. A teoria da imagem Muito antes do surgimento da palavra escrita e do seu registro, os homens das cavernas já se expressavam por meio de imagens. Isso deve levar você a deduzir que as imagens têm sido, desde a pré-história, um importante meio de expressão da cultura produzida pelo homem (SANTAELLA; NÖTH, 1998a). Conceito de teoria da imagem6 Conforme explicam Defleur e Ball-Rokeach (1993), a própria Era da Escrita, que se dá por volta de 5 mil anos depois da Era da Fala e da Linguagem, tem início a partir da passagem da representação pictórica para sistemas fonéticos. Dito de outro modo, antes das letras, os homens se comunicavam por meio daquelas famosas representações de animais e cenas de caças registradas em pedras. Somente após adquirirem significados padronizados, tais represen- tações pictóricas foram dando origem ao “desenho” de letras. Mesmo assim, é interessante você pensar que, enquanto a palavra escrita foi adquirindo importância ao longo da história, principalmente com a invenção da imprensa tipográfica pelo alemão Johann Gutenberg (1400–1468) em 1445, a imagem espera até o século XX para ganhar desenvolvimento fundamental. Na famosa obra O nome da rosa, escrita pelo semioticista e novelista italiano Umberto Eco (2009), há uma forte crítica ao domínio religioso sob as palavras, os livros e os conhecimentos. Embora o livro traga em primeiro plano um mistério ficcional no estilo de Sherlock Holmes, é possível ler nas diversas camadas do romance a discussão sobre a tentativa de encarceramento do signo operada pela tradição ocidental cristã. Além disso, enquanto o estudo da palavra foi propagado e supervalorizado pelos estudiosos da gramática, da retórica e da filologia, o da imagem não se deu por meio de uma tradição semelhante. Aliás, até os dias de hoje, se espera ansiosamente pela construção de uma tradição institucional de pesquisa própria sobre a ciência da imagem ou imagologia, ou, ainda, iconologia. Desse modo, Santaella e Nöth (1998a) destacam que os estudos da imagem se propagam por diversos campos de pesquisa. Entre esses campos, você pode considerar: a história da arte, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a crítica da arte, a semiótica visual, a cognição e os estudos de mídia. Portanto, se pode dizer que a abordagem investigativa sobre a imagem se insere num campo inter- disciplinar. No entanto, o estudo das imagens carece de uma metassemiótica, isto é, de uma metalinguagem ou um discurso autorreflexivo que é típico ao funcionamento da própria língua. Ou seja, no caso da imagem, é precisorecorrer ao discurso verbal para desenvolver uma teoria e uma reflexão sobre a imagem (BENVENISTE apud SANTAELLA; NÖTH, 1998a). 7Conceito de teoria da imagem Figura 1. Enquanto a palavra escrita adquiriu importância ao longo da história, a imagem espera até o século XX para ganhar desenvolvimento fundamental. Fonte: ArtMari/Shutterstock.com. Diz a sabedoria popular que uma imagem vale mais do que mil palavras. Esse antigo dito aponta, de alguma forma, para a relação íntima que existe entre as imagens e as palavras. Essa relação muitas vezes é observada de forma conflituosa ou, ainda, num tom de preeminência do signo visual sobre o escrito, como se aquele “comunicasse por si só”. Imagens × palavras: ao longo da história, o universo dos signos verbais e o dos visuais ora pareciam entrar em confluência, ora em disputa, ora em um domínio de superioridade de um sobre o outro. Foi assim, de maneira geral, que por muito tempo a escrita controlou a imagem: a cultura do livro guiada pela tradição judaico- -cristã, a qual dominou boa parte das sociedades ocidentais, controlava rigorosamente as imagens. Afinal, elas eram vistas como um objeto de Conceito de teoria da imagem8 tentação. É, porém, na revolução óptica ocorrida a partir do século XIX – primeiro com a fotografia e o cinema e depois com as imagens em vídeo seguidas pelas digitais – que esses dois universos se tornam “realidades” mais autonomamente demarcadas (MARTINS et al., 2011). Assim, o olhar das pessoas foi reposicionado a partir da revolução tecnológica, pois o olhar da era eletrônica não é o mesmo da era digital. Apesar de mudanças como essa, a relação das pessoas com o mundo é frequentemente mediada pelo olhar. Desse modo, o mundo dominado pelas palavras de outrora dá espaço ao mundo das imagens. Em resumo, no passado, a ideologia judaico-cristã colocava a relação das palavras com as imagens dentro de um campo cultural de supremacia. No entanto, hoje cada vez mais você se depara com a crescente força da ideologia popular do poder “mostrador das imagens”. É como se estas não precisassem ser trabalhadas por meio de palavras, impondo-se sobre si próprias, não é? Apesar de a ciência geral dos textos já fazer parte de uma literatura relati- vamente estável, essa disciplina ainda procura a sua “emancipação”. Da mesma forma, se tenta fundamentar uma ciência geral da imagem na relação que ela mantém com a ciência da arte. Contudo, alguns autores propõem o termo icônica para essa ciência geral da imagem. Outros optam pelo iconologia, ou ainda a chamam de eicônica. A esse respeito, Santaella e Nöth (1998b) propõem uma reflexão que verse sobre o sistema de signos da linguagem e o da imagem a partir de uma aproximação da semiótica com a investigação da imagem. Ora, assim como o discurso escrito, o discurso visual é construído, composto de signos os mais diversos, e pode remeter a significações diversas de um mesmo objeto. Segundo esses autores supracitados, uma semiótica explícita da imagem se originou com os trabalhos sobre a semiologia estrutural. Entre eles, você pode considerar os estudos de Barthes (1964 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998b) baseados em Saussure e Hjelmslev; e os fundamentados na semi- ótica funcionalista da Escola de Praga trazidos por Veltrusky (1976 apud SANTAELLA; NÖTH, 1998a). Entre os temas analisados individualmente pela semiótica da imagem e da comunicação visual, você pode encontrar os das cores, do design, dos mapas e da cartografia (chamado de semiologia cartográfica, ramo que faz parte da geografia), dos desenhos infantis e das imagens especulares. Acerca deste último tema, o filósofo, semioticista e crítico literário italiano Umberto Eco realiza um vasto e intrigante trabalho sobre a ideia do espelho. Nesse sentido, uma vez que o espelho não cria “sinais”, a imagem especular faz referência a um objeto presente que é a própria causa da imagem. 9Conceito de teoria da imagem Confira, no link ou no código a seguir, o site da Inter- national Association for Visual Semiotics (Associação Internacional de Semiótica Visual) (c2017). Nele, você encontra a história da associação, os integrantes que dela fazem parte, as conferências que foram realizadas, os eventos programados, os links para centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da semiótica da imagem ao redor do mundo, uma lista de publicações, boletins informativos e muito mais. https://goo.gl/QjVZsU A imagem ao longo da história: de Aquino a Peirce Tomás de Aquino (1225–1274) foi um frei dominicano e padre católico, além de filósofo e teólogo. Ele exerceu considerável influência na forma como a maioria das pessoas concebe os dogmas, os pecados e a instituição da Igreja Católica. Em boa parcela de sua obra, Tomás de Aquino parte de uma concepção metafísica da imagem. João de S. Tomás ou John Poinsot (1589–1644) foi um teólogo e filósofo português, além de o último comen- tador de Tomás de Aquino, que viveu na época de Galileu e Descartes. A importância da contextualização desses nomes se dá pelo seguinte: Poinsot recupera a concepção de imagem de Aquino, a qual se torna moderna com a atualização de Peirce. No artigo “O papel de Tomás de Aquino no desen- volvimento semiótico da consciência” (“The role of Thomas Aquinas in the development of semiotic consciousness”), datado de 2004, John Deely (1942–2017), filósofo e semioticista norte-americano, traça um desenvolvi- mento da consciência semiótica que tem início em Agostinho – que você provavelmente conhece como Santo Agostinho (354–430) – e vai até Peirce (MOURÃO, 2011). É importante situar o que expõe Deely (2004) para entender a importância de Aquino na constituição do campo da semiótica e, por conseguinte, no estudo semiótico da imagem. No título do artigo “O papel de Tomás de Aquino no desenvolvimento semiótico da consciência”, a consciência semiótica levantada e referida por Deely (2004) diz respeito à atenção sobre o papel e a ação dos Conceito de teoria da imagem10 https://goo.gl/QjVZsU signos no mundo. Do ponto de vista do filósofo norte-americano, mesmo que Aquino não tenha dado atenção ao tema dos signos, ele frequentemente trata da relação deles com outras investigações diretas em uma grande diversidade de contextos. Assim, Deely (2004) observa que, entre as investigações operadas por Aquino nos seus numerosos textos, há uma série de consequências e conexões que podem levar ao desenvolvimento de uma teoria geral e unificada sobre o sujeito como constituído por signos. De forma precisa, o semioticista norte-americano afirma que essa teoria geral foi apresentada pela primeira vez do Tratado sobre os signos (Treatise on Signs), de João de S. Tomás, datado de 1632, o qual se baseia expressamente na tentativa de unir os vários textos de Aquino a partir de uma análise cuidadosa do papel dos signos na experiência humana. Entre os resultados que Deely (2004) aponta, há a influência, mesmo que implícita, da perspectiva de Aquino na noção de signo de Peirce, noção esta que é elaborada a partir do modelo em tríade. Isso aponta para a importância da concepção de Aquino como raiz do estudo da semiótica peirciana, a qual traz influência considerável na forma como se observam os signos verbais e visuais. Galileu Galilei (1564–1642) e René Descartes (1596–1650) são duas figuras proemi- nentes da história, que viveram entre os séculos XVI e XVII. Suas concepções trouxeram implicações muito importantes para as formas de pensar o conhecimento. O primeiro foi um matemático, físico e filósofo italiano que se tornou conhecido por demonstrar as leis do movimento e as leis da queda dos corpos. Além disso, a concepção de natureza na filosofia moderna é proveniente de Galileu: para ele, a natureza é um sistema ordenado de causas e efeitos, cuja estrutura profunda é de caráter matemático. Sendo a natureza esse sistema de causa-efeito, este poderia ser conhecido pela consciência e, assim, o homem se tornaria capaz de reproduzirou evitar causas específicas para impedir a produção de efeitos indesejados. O segundo foi um matemático e filósofo francês muito conhecido pela publicação da obra Discurso do método. Ele também é considerado o iniciador do racionalismo moderno. Em seu livro, o francês descreve a famosa máxima do cogito cartesiano que é penso, logo existo. Essa afirmação descreve o conhecimento intuitivo, uma vez que, quando você pensa, está realizando o ato de pensar. Logo, aquele que pensa existe como um sujeito pensante. Portanto, isso não precisa ser provado, uma vez que já é evidente que existe alguém que pensa o pensamento e existe. Fonte: Chaui (2013). 11Conceito de teoria da imagem A metafísica da imagem De acordo com Mourão (2011), a noção de imagem é paradoxal e está incli- nada a uma dispersão. Em Marin (1993 apud MOURÃO, 2011), se encontra a seguinte resposta à pergunta o que é uma imagem?: a imagem é uma cate- goria. Muitas vezes, a imagem é definida em oposição a um texto verbal, por isso é interessante você notar, a partir dessa resposta, que há uma oposição à teorização que a filosofia ocidental tem geralmente atribuído à imagem. Essa teorização é de decalque, cópia, segunda coisa, véu, etc., ou seja, de um ser “menor”, porque haveria outro maior em que ela se projetaria. Para Tomás de Aquino, a imagem, enquanto percebida como apenas uma potência inte- lectual, “[...] não ultrapassa o grau da alma sensitiva [...]” (MOURÃO, 2011, p. 22). Dito de outro modo, o homem não consegue, por meio da imagem, se distinguir do outro, pois sua diferenciação quanto ao outro se dá por meio dessa alma sensitiva, a qual não é oferecida por meio da potência, mas pelo ato: é este que especifica cada ser. Observe que, no volume II do livro De Anima, de Aristóteles, referido por Aquino, a imagem é perfeição segunda e não perfeição primeira. Contudo, o que define o ser é a perfeição primeira, e não a segunda! Ainda, no volume III dessa obra, Aristóteles afirma que a imaginação é um movimento determinado pelos sentidos, contudo não é a imagem individual que define o homem. Dito de outro modo, em Aristóteles, a imagem é gerada de uma potência ativa para uma passiva. E o que isso significa? Significa que a potência e a ação devem estar unidas, assim como alma e corpo, para produzir uma imagem. E, nesse sentido, a compreensão da alma se dá então em relação aos objetos situados no corpo (nos órgãos corporais), os quais produzem imagens. Desse modo, as realidades corporais e singulares são objetos da imaginação – é importante você atentar ao fato de que aqui a imaginação é observada como diferente do intelecto. Portanto, para Aristóteles, a imaginação é um movimento gerado pela atividade sensorial, isto é, pelos sentidos. Nessa atividade sensorial, as imagens movimentam o intelecto da mesma forma que os objetos – que são tomados como sensíveis – movimentam o sentido. Nessa visão de Aristóteles, retomada por Aquino, sobre imagem × objeto, a vontade de Deus pode produzir um efeito no mundo sem as causas geradas pelo corpo, causas estas que o movimentam (MOURÃO, 2011). É por isso que Aquino afirma que uma imagem viva acompanhada por uma forte emoção pode provocar tanto a saúde como a doença sem a ação ou o movimento do corpo. É por isso também que, no enunciado Deus é o verbo, o verbo é a sua imagem; o verbo traz certa ideia ou semelhança. Tal semelhança pode Conceito de teoria da imagem12 ser exemplar ou de imagem: em relação ao conhecido por Deus, o verbo é a sua exemplar; em relação ao próprio Deus, o verbo é a sua imagem. No entanto, como a perfeição de todo o conhecimento é medida a partir da sua semelhança com o conhecido, o sentido é afetado com uma coisa sensível e, assim, a imagem é dupla. É nesse momento que você pode compreender uma explicação que parece ser a mais comum quando se fala em imagem: enquanto algumas imagens não possuem natureza comum com aquilo de que são a imagem – uma estátua de bronze de um homem é uma estátua e não um homem –, outras só o são conforme a sua substância – a ideia de um homem é apenas uma ideia. Em outras palavras, duas condições são necessárias para determinar a natureza da imagem: ter semelhança com a coisa e se originar a partir dela (MOURÃO, 2011). A semiótica da imagem De maneira geral, você pode considerar que o signo é alguma coisa que torna, por meio de sua natureza (é um signo), outra coisa conhecida. Em Tomás de Aquino, se observa que a imagem apresenta ou designa uma semelhança com o ser, o objeto. É a partir dessa semelhança que se conhece a coisa que dela se origina. Em Peirce (1867 apud MOURÃO, 2011), para se entender a imagem como signo é preciso compreender a sua famosa tríade ou classes de signos: (1) o ícone se caracteriza por apresentar semelhança com o objeto; (2) o índice, por apresentar uma correspondência com o objeto, isto é, por indicar ou sugerir o objeto; e (3) o símbolo, por apresentar uma relação abstrata, de qualidade, com o objeto. Posteriormente, o filósofo norte-americano distinguiu três tipos de ícones: imagens, diagramas e metáforas. Para ficar mais claro, pense, a esse respeito, na Mona Lisa, a Gioconda. Em primeiro lugar, há a elaboração da imagem pelo pintor italiano Leonardo Da Vinci. Ela é, nesse sentido, um signo icônico. Depois, a pintura, que é também o “retrato” da (ou a tentativa de retratar “fielmente” a) personagem, pode ser vista como um índice da proeza do trabalho artístico de Leonardo Da Vinci. Afinal, a pintura sugere a preocupação do artista com os detalhes na representação da personagem. Por fim, a Mona Lisa pode também se caracterizar como um símbolo da arte renascentista italiana. É possível falar ainda, se for feita uma avaliação semiótica dessa imagem ao longo do tempo, o seguinte: no início, há a personagem da Mona Lisa, que é retratada por Leonardo da Vinci; depois, a sua reprodução final exposta no Louvre; e, por fim, a fotografia da pintura, que é reproduzida em suportes diversos. Nessa linha de análise, a semelhança entre os formatos (modelo, pintura e fotogra- 13Conceito de teoria da imagem fia) pode ser caracterizada em termos de unidade e perfeição, aspectos que remetem ao artista criador e à produção da imagem. Mas essa semelhança também se relaciona às possibilidades de mudança do olhar do espectador diante das modificações feitas a partir das representações da pintura. Esse é um dos caminhos que você pode trilhar na análise de uma imagem. Considerações finais Como você viu, a semiótica contemporânea continua a avançar além dos limites em que inicialmente se inseria. Hoje, seus estudos vão em direção não só ao sistema de comunicação não humana, à esfera artificial e digital, mas conside- ram processos sígnicos que atravessam o mundo da biologia (SANTAELLA; NÖTH, 2004), do corpo e dos processos orgânicos que constituem o homem. Além disso, a imagem, como signo preponderante do contexto comunicacional atual, em suas diversas manifestações, é um campo de análise importante da semiótica. Agora você já sabe que o estudo da imagem foi feito por diferentes disciplinas, o que dificultou a constituição de uma tradição literária investi- gativa. Apesar disso, a semiótica da imagem traz subsídios importantes para a teorização da imagem, conforme defendem Santaella e Nöth (1998b), uma vez que as pessoas são seres constituídos por signos e é por meio deles que representam o mundo e as realidades. 1. Qual é a unidade mínima de estudo da semiótica? Marque a alternativa correta. a) Metáforas b) Índices c) Diagramas d) Ícones e) Signos 2. Como se caracteriza o signo para Peirce (2014)? Marque a alternativa correta. a) O signo é realizado por meio de dois elementos, que são o significante e o significado. b) O signo é realizado por meio de dois elementos, que são o representante e o significado. c) O signo é realizado por meio de dois elementos, que são o ícone e o índice. d) O signo é realizado por meio de trêselementos, que são o significante, o significado e o representante. e) O signo é realizado por meio de três elementos, que são o representante, o objeto e o interpretante. Conceito de teoria da imagem14 3. Marque a alternativa correta a respeito da imagem. a) A imagem é uma forma de expressão do homem que teve origem na pré-história. b) Os estudos da imagem avançaram no passado a partir da supervalorização da escrita. c) Os estudos da imagem se restringem ao campo de pesquisa da história da arte. d) A imagem é uma forma de expressão do homem que teve origem na revolução óptica. e) Os estudos da imagem e da palavra têm sido propagados igualmente pela história. 4. Marque a alternativa correta a respeito da imagem e dos seus estudos. a) A imagem foi estudada inicialmente pelo campo da comunicação e da literatura. b) A imagem como um signo preponderante da comunicação atual é estudada pelo campo da semiótica. c) A imagem é estudada pelo campo da semiótica a partir da noção de cópia e decalque. d) Na metafísica da imagem, a sua natureza é determinada apenas pela semelhança com o objeto. e) A imagem é estudada pela semiótica de Peirce sem levar em consideração o papel daquele que o interpreta. 5. Marque a alternativa que aponta corretamente a caracterização dos signos feita por Peirce (2014). a) Um ícone se caracteriza por apresentar uma relação de causalidade com o objeto que representa. b) Um símbolo se caracteriza por apresentar uma relação de semelhança com o objeto que representa. c) Um índice se caracteriza por apresentar uma relação de causalidade com o objeto que representa. d) Um ícone se caracteriza por apresentar uma relação arbitrária com o objeto que representa. e) Um índice se caracteriza por apresentar uma relação de convencionalidade com o objeto que representa. CHAUI, M. Iniciação à filosofia. São Paulo: Ática, 2013. CRYSTAL, D. Semiotics. In: CRYSTAL, D. A dictionary of linguistics and phonetics. 6th ed. Oxford: Blackwell, 2008. p. 431. DEELY, J. The role of Thomas Aquinas in the development of semiotic consciousness. Semiotica, n. 152, p. 75-139, 2004. 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