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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 1 DIREITOS SOCIAIS ....................................................................................... 4 2 ESTRUTURA DA SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 4 2.1 Saúde ............................................................................................................. 7 2.1.1 A execução dos serviços de saúde. O SUS. ................................................ 11 2.1.2 A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ...................................... 12 2.1.3 Objetivos e atribuições do SUS .................................................................... 15 2.1.4 Sobre a vigilância sanitária e epidemiológica ............................................... 15 2.1.5 Sobre a saúde do trabalhador e assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica ................................................................................................. 16 2.1.6 Descentralização da gestão do SUS ............................................................ 18 3 O DIREITO DO CONSUMIDOR ................................................................... 18 4 DEFINIÇÃO DE RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO .............................. 19 5 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO — CASO ESPECIAL ...................... 20 5.1 Relação entre cooperativa de assistência à saúde e filiados e a crítica doutrinária sobre a exclusão dos planos de saúde geridos pelo sistema de autogestão .................................................................................................... 20 6 FUNCIONAMENTO, REGULAÇÃO E CONTRATUALIZAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE ................................................................................... 27 6.1 A Contratualização no Mercado de Planos de Saúde ................................... 29 7 A EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE ................................................................................ 33 8 A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE ...................................................... 36 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 38 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 1 DIREITOS SOCIAIS Os direitos sociais possuem uma posição de prestígio nas Constituições. A Constituição social mexicana de 1917 consolidou seu reconhecimento e, posteriormente, a Constituição alemã de Weimar, de 1919, foram erigidos ao status de direitos fundamentais de 2.ª dimensão. Os direitos sociais impõem uma prestação positiva (obrigação de fazer) dos Poderes Públicos, por esse motivo, esses direitos são também conhecidos como direitos prestacionais ou direitos de promoção. Devido isso, é certo que, juntamente com o título dos direitos fundamentais, a ordem social forma o núcleo substancial do regime democrático instituído. No entanto, o título da ordem social misturou assuntos que não se afinam com essa natureza”, como ciência e tecnologia e meio ambiente. O art. 193 insere o conteúdo, afirmando que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. (PADILHA, 2020). 2 ESTRUTURA DA SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Sobre a estruturação da seguridade social AGOSTINHO (2020) explica que “a Seguridade Social teve seu sistema introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988, esse sistema é composto pela Saúde; Previdência Social; Assistência Social, conforme previsto na redação constitucional do art. 194, a seguridade social contempla em um conjunto integrado de ações sobre a iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, com o objetivo de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. “ A seguridade social é ampla, abrangindo o direito à saúde, previdência social e assistência social, SANTOS (2020) com relação a seguridade social aduz que “o art. 6º da CF elenca os direitos sociais, disciplinados pela Ordem Social, tem por objetivo promover a redução das desigualdades sociais. Em meio aos direitos sociais está a seguridade social que por sua vez encontra-se positivada e nosso ordenamento jurídico no art. 194 da CF/88, a seguridade social é composta pelo direito à saúde, pela assistência social e pela previdência social. A solidariedade é o fundamento da seguridade social. ” SANTOS ainda complementa: 5 (...). Todos, ricos ou pobres, segurados da previdência ou não, têm o mesmo direito à saúde (art. 196). Portanto, todos os que vivem no território nacional, de alguma forma, estão ao abrigo do “grande guarda-chuva da seguridade social”, pois a seguridade social é direito social, cujo atributo principal é a universalidade, impondo que todos tenham direito a alguma forma de proteção, independentemente de sua condição socioeconômica. A seguridade social garante os mínimos necessários à sobrevivência. É instrumento de bem-estar e de justiça social, e redutor das desigualdades sociais, que se manifestam quando, por alguma razão, faltam ingressos financeiros no orçamento do indivíduo e de sua família. O direito subjetivo às prestações de seguridade social depende do preenchimento de requisitos específicos. Para ter direito subjetivo à proteção da previdência social, é necessário ser segurado, isto é, contribuir para o custeio do sistema porque, nessa parte, a seguridade social é semelhante ao antigo seguro social. O direito subjetivo à saúde é de todos, e independe de contribuição para o custeio. O direito subjetivo às prestações de assistência social, dado a quem dela necessitar, na forma da lei, também independe de contribuição para o custeio. Prestações de seguridade social é o gênero do qual benefícios e serviços são espécies. Os benefícios são as prestações pagas em dinheiro. (SANTOS, 2020. P. 44-45) Ainda sobre a Constituição de 1988 e seguridade social CASTRO E LAZZARI (2020) comentam que a Constituição Federal de 1988 determina ao Estado atuar nas áreas da saúde, assistência social e previdência social, com base nessa atribuição, as contribuições sociais passaram a custear as ações do Estado nas três áreas, não cabendo mais somente o custeio no campo da Previdência Social. Anteriormente já havia dispositivo legal que determinava a transferência de recursos da Previdência Social para o então Sistema Único Descentralizado de Saúde – SUDS, hoje Sistema Único de Saúde – SUS. O Regime Geral de Previdência Social – RGPS, A redação do artigo 201 na atual Constituição, não abriga a totalidade da população economicamente ativa, mas somente aqueles que, mediante contribuição e nos termos da lei, fizerem jus aos benefícios, não sendo abrangidos por outros regimes específicos de seguro social. Do Regime Geral de Previdência excluem-se: os servidores públicos civis, regidos por sistema próprio de previdência; os militares; os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público; e os membros do Tribunal de Contas da União, todos esses possuem regime previdenciário próprio; e aos que não contribuem para nenhum regime, por não exercerem qualquer atividade é garantido o benefício substitutivo do salário ou rendimento do trabalho e ele não será inferior ao valor do salário mínimo conforme redação do art. 201, § 2º. 6 Deverão haver reajustes periódicos sobre os benefícios com o objetivo de se preservar seu valor real, em caráter permanente, conforme critérios definidos na lei. Pelas ações na área de saúde, destinadas a oferecer uma política social com a finalidade de reduzir riscos de doenças e outros agravos, é responsável o SUS (art. 198 da Constituição), de caráter descentralizado. Deve-se compreender o direito à saúde como direito à assistência e tratamento gratuitos no campo da Medicina, sendo garantido a toda a população, independentemente de contribuição social, para que se preste o devido atendimento, tendo atribuições no âmbito da repressão e prevenção de doenças, produção de medicamentos e outros insumos básicos, bem como ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde, participar da política e execução das ações de saneamento básico, incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico, exercer a vigilância sanitária e as políticas de saúde pública, além de auxiliar na proteção do meio ambiente (art. 200 da CF). Em termos de regramentos legais, ressalte-se a edição da Lei n. 8.689/1993, que extinguiu o INAMPS – autarquia federal, absorvida sua competência funcional pelo SUS (sem personalidade jurídica própria), este gerido pelo Conselho Nacional de Saúde, na órbita federal, e pelos colegiados criados junto às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, nas instâncias correspondentes. Cumpre ressaltar, ainda, que a Constituição prevê a prestação de serviços de saúde pela iniciativa privada, sem restrições (art. 199), podendo participar do SUS, de forma complementar, mediante contrato de direito público ou convênio (§ 1º), vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção de instituições privadas com fins lucrativos (§ 2º). No âmbito da Assistência Social, são assegurados, independentemente de contribuição à Seguridade Social, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação profissional das pessoas portadoras de deficiência; e a renda mensal vitalícia – de um salário mínimo – à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de subsistência, por si ou por sua família (art. 203). É prestada por entidades e organizações sem fins lucrativos, no atendimento e assessoramento aos beneficiários da Seguridade Social, bem como pelos que atuam 7 na defesa e garantia de seus direitos, segundo as normas fixadas pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. No âmbito federal, foram extintas a LBA e a CBIA (antiga FUNABEM), em 1995 (Medida Provisória n. 813, de 1995, convertida na Lei n. 9.649/1998), ficando responsável pela política de Assistência Social o CNAS. A execução das ações na área da Assistência Social fica a encargo dos poderes públicos estaduais e municipais, entidades beneficentes e de assistência social (CF, art. 204, I). A habilitação e a reabilitação profissionais decorrentes da atividade laborativa são encargos da Previdência, ficando a cargo das entidades de assistência social a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência congênita, ou não decorrente do trabalho (ex.: APAE, ABBR). Neste ponto, é de se frisar que a Assembleia Nacional Constituinte, ao dispor sobre a matéria em 1988, assegurou direitos até então não previstos, como por exemplo, a equiparação dos Direitos Sociais dos trabalhadores rurais com os dos trabalhadores urbanos, nivelando-os pelos últimos; a ampliação do período de licença- maternidade para 120 dias, com consequente acréscimo de despesas no pagamento dos salários-maternidade, e a adoção do regime jurídico único para os servidores públicos da Administração Direta, autarquias e fundações públicas das esferas federal, estadual e municipal, unificando também, por conseguinte, todos os servidores em termos de direito à aposentadoria, com proventos integrais, diferenciada do restante dos trabalhadores (vinculados ao Regime Geral), que tinham sua aposentadoria calculada pela média dos últimos 36 meses de remuneração. (CASTRO; LAZZARI. 2020). Observada a amplitude da seguridade social a qual engloba, o direito à saúde, previdência social e assistência social, seguimos com o estudo da saúde: 2.1 Saúde A saúde antes da CF/88 era associada ao Instituto de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS. A doutrina ainda explica brevemente que os serviços prestados eram disponibilizados apenas a quem contribuísse: “Os serviços prestados pelo INAMPS somente eram assegurados a quem contribuísse ativamente, ou seja, não era um direito universal, acessível a todo cidadão brasileiro. ” (AGOSTINHO, 8 2020. P. 29). Com o advento da Constituição Federal de 1988 ficou atribuído ao Estado a obrigação de dispor a saúde, garantindo o direito a saúde como um direito universal e por isso independendo de contribuição efetiva. AGOSTINHO comenta “ser um direito social materializado por todos os entes da federação através de políticas sociais e econômicas que objetivam reduzir o risco de doença, assegurando o acesso universal e igualitário a todo cidadão brasileiro, conforme prevê a redação do art. 196 da CF: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ” Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi instituído o SUS - Sistema Único de Saúde: A Constituição Federal de 1988 também instituiu o Sistema Único de Saúde – SUS, órgão financiado com recursos do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. De acordo com o art. 198 da CF, o Sistema Único de Saúde possui as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. Ademais, as instituições privadas, preferencialmente as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos, poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, através de contrato de direito público ou de convênios (art. 199 da CF). (AGOSTINHO, 2020. P. 30) Façamos também a leitura do art. 199 da CF/88: Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. 9 § 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (BRASIL, 1988) AGOSTINHO também ressalta acerca das entidades de iniciativa privada na área da saúde: Para as entidades da iniciativa privada é possível a atuação livre na área da saúde; no entanto, a Constituição Federal proíbe a destinação de recursos públicos para auxílios e subvenções às instituições privadas com fins lucrativos, permitindo apenas a participação de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no Brasil nos casos previstos em lei. (AGOSTINHO, 2020. P. 30) Se tratando da saúde a Agostinho (2020. p. 102) trata de forma sintética: “A saúde pública não exige contribuição prévia; suas prestações estendem-se a toda a população e não estão condicionadas ao cumprimento de obrigações precedentes. ”. Seguimos com a doutrina de SANTOS (2020) referindo-se ao art. 196 da CF, ela explica que o dispositivo atende ao princípio da universalidade, seja da cobertura, seja do atendimento. Da cobertura, porque se dirige a todas as etapas: promoção, proteção e recuperação. Do atendimento, porque garante a todos o direito e o acesso igualitário às ações e serviços de saúde. Trata-se de direito subjetivo de todos quantos vivem no território nacional, que tem o Estado (Poder Público) como sujeito passivo, eis que contempla todos os que tiverem a sua saúde afetada, independentemente de filiação e de contribuição para o financiamento da seguridade social. Mas não é só do Estado o dever de garantir o direito à saúde, uma vez que essa responsabilidade também é das pessoas, da família, das empresas e da sociedade (Lei n. 8.080/90, art. 2º). O direito à saúde é amplo, a CF não fez distinções, daí se poder afirmar que abrange a saúde física e mental, tanto que o art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.080/90 dispõe que dizem respeito também à saúde as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. Tão importante é o direito à saúde que o art. 3º da Lei n. 8.080/90, na redação dada pela Lei n. 12.864/2013, dispõe que: “Os níveis de saúde expressam a 10 organização social e econômica do País”, indicando claramente que a ausência do Estado na efetivação desse direito apenas comprova o atraso no desenvolvimento econômico e social. A Lei n. 8.080, de 19.09.1990, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado (art. 1º). Atendendo uma vez mais ao princípio da universalidade, a Lei n. 9.836, de 23.09.1999, instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. O art. 197 da CF deu relevância pública às ações e aos serviços de saúde. Cabe ao Estado, por meio de políticas econômicas e sociais, efetivar o direito à saúde de todos quantos se encontram no território nacional. O agir do Estado deve ser dirigido a reduzir o risco “doença” e outros agravos e garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, sempre com vista à sua promoção, proteção e recuperação (art. 196). A atuação estatal deve se voltar para todas as etapas da cobertura. Na etapa da promoção do direito à saúde, estão as ações de prevenção do risco doença e outros agravos, de que são exemplos as campanhas para prevenção da contaminação pelo vírus HIV, de prevenção de doenças endêmicas, de vacinação etc. Na etapa da proteção, propriamente dita, estão o atendimento e o tratamento necessários. E na etapa da recuperação deve ser facilitado o acesso a próteses, órteses e demais equipamentos necessários ao retorno para a vida em comunidade. As políticas econômicas e sociais de proteção à saúde não se situam apenas no campo da medicina. O art. 3º da Lei n. 8.080/90 dispõe que são fatores condicionantes e determinantes da saúde a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, entre outros. A Lei n. 12.864, de 24.09.2013, alterou o art. 3º, passando a dispor que “Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País”, e acrescentou a atividade física como fator determinante e condicionante da saúde. O serviço de assistência à saúde é serviço público, quer seja prestado diretamente pelo Estado ou 11 pela iniciativa privada. A falta ou deficiência do serviço, caso acarrete dano para o usuário, poderá dar origem à responsabilidade objetiva do Estado e, consequentemente, ao dever de indenizar. A relação jurídica entre o titular do direito e o Estado garante apenas prestação de serviços, uma vez que não há até o momento previsão legal de pagamento de benefícios. (SANTOS, 2020). 2.1.1 A execução dos serviços de saúde. O SUS. O art. 198 da CF dispõe que as ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único. O art. 4º da Lei n. 8.080/90 define o SUS como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. O § 1º inclui no SUS as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. A proteção à saúde é dada por meio da prestação de serviços públicos. Tais serviços podem ser executados diretamente pelo Poder Público, por intermédio de terceiros e por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. O art. 199 da CF autoriza que a iniciativa privada atue no setor de saúde. Entretanto, o legislador constituinte enfatizou que a atuação da iniciativa privada só pode ocorrer de forma complementar, impondo que o Poder Público continue a prestar diretamente o serviço. A disposição é repetida pelo § 2º do art. 4º da Lei n. 8.080/90. Os princípios e diretrizes constitucionais, explicitados na Lei n. 8.080/90, se aplicam não somente às instituições públicas que prestem serviços de saúde, mas também aos serviços privados contratados ou conveniados que integrem o SUS. O financiamento do SUS é feito com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (art. 198, § 1º, da CF). (SANTOS, 2020). 12 Conforme tratado a atuação na saúde feita através de iniciativa privada ocorrerá de forma complementar não excluindo a atuação do poder público, a doutrina nos explica de forma mais detalhada: Sempre que a atuação do Poder Público se mostrar insuficiente para garantir cobertura assistencial à população de uma determinada área, os serviços privados de saúde podem participar do SUS, em caráter complementar. Essa participação será viabilizada por contrato ou convênio, que devem ser precedidos de licitação, na forma do art. 24 e parágrafo único da Lei n. 8.080/90. A exigência do procedimento licitatório para a participação da iniciativa privada tem sido confirmada pelo STF, que afirmou, inclusive, ter o Ministério Público Federal legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública nessa hipótese. A s entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos deverão ter preferência no processo licitatório para a participação complementar de particulares (art. 25). Tratando-se de contrato administrativo, deve ser preservado o equilíbrio econômico e financeiro, garantindo a efetiva qualidade da execução dos serviços. Para tanto, cabe ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovar os critérios e valores para a remuneração dos serviços e os parâmetros de cobertura assistencial fixados pela direção nacional do SUS (art. 26), fundamentando-se em demonstrativo econômico- financeiro. O objetivo de dar confiabilidade ao sistema faz com que o art. 26, § 4º, da Lei n. 8.080/90 proíba os proprietários, administradores e dirigentes de entidades privadas que celebrarem contrato ou convênio de exercerem cargos de chefia ou função de confiança dentro do SUS. Trata-se de serviço público e a participação da iniciativa privada tem natureza de serviço público por delegação, razão pela qual as empresas e seus dirigentes estão sujeitos à Lei n. 8.429/92 (improbidade administrativa), que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. Também para fins penais, os médicos e administradores de hospitais particulares participantes do SUS são considerados funcionários públicos por equiparação. Esse entendimento tem sido reiteradamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. (SANTOS, 2020. P. 121-122) 2.1.2 A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é uma autarquia especial que está vinculada ao Ministério da saúde, surgiu através da Lei n. 9.961, de 28.01.2000, em seu artigo 1º atribui a ela as funções de: Regular Normatizar Fiscalizar a atuação, em caráter suplementar, da iniciativa privada no setor de saúde. A ANS deve “promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas 13 relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país” (art. 3º), submetendo-se às disposições da Lei n. 13.848, de 25.06.2019. Logo no art. 4º da Lei n. 9.961/2000 estão definidas as atribuições da ANS, das quais se destacam: Propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar para a regulação do setor de saúde suplementar; Fixar critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras; Estabelecer normas para ressarcimento ao SUS; Estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde; Normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes; Estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e normas de procedimento para garantia dos direitos assegurados nos arts. 30 e 31 da Lei n. 9.656/98; Estabelecer critérios gerais para o exercício de cargos diretivos das operadoras de planos privados de assistência à saúde; Estabelecer critérios de aferição e controle da qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, sejam eles próprios, referenciados, contratados ou conveniados; Estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde; Autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda; Autorizar o registro dos planos privados de assistência à saúde; Monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços e respectivos componentes e insumos; Fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; 14 Exercer o controle e a avaliação dos aspectos concernentes à garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados, direta ou indiretamente, pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde; Aplicar as penalidades pelo descumprimento da Lei n. 9.656/98 e de sua regulamentação; Proceder à liquidação extrajudicial e autorizar o liquidante a requerer a falência ou insolvência civil das operadoras de planos privados de assistência à saúde; Articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei n. 8.078/90, e zelar pela qualidade dos serviços de assistência à saúde no âmbito da assistência à saúde suplementar. No exercício de sua atividade administrativa fiscalizatória do setor, a ANS, agência reguladora, deve respeitar os princípios da legalidade e do contraditório. O art. 18 da Lei n. 9.961/2000 instituiu a Taxa de Saúde Suplementar (TSS). A taxa é devida a partir de 1º.01.2000, e tem como fato gerador o exercício, pela ANS, do poder de polícia que lhe é legalmente atribuído. Conforme o artigo 19 são sujeitos passivos da exação: As pessoas jurídicas, Condomínios ou consórcios constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, Cooperativa ou entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a finalidade de garantir a assistência à saúde visando a assistência médica, hospitalar ou odontológica. A TSS é recolhida em conta vinculada à ANS (art. 23). Em caso de inadimplemento, é apurada administrativamente e inscrita na dívida ativa da própria ANS, com o posterior ajuizamento de execução fiscal (art. 24) por sua Procuradoria (art. 25). (SANTOS, 2020). 15 2.1.3 Objetivos e atribuições do SUS Ao SUS caberá a identificação de causas determinantes da saúde para que garanta o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. Cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde (art. 5º, I, Lei n. 8.080/90) para que, com vista ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, possa formular a política de saúde, destinada a promover, nos campos econômico e social, a inclusão das pessoas, da família, das empresas e da sociedade nas atividades de prestação desses serviços (art. 5º, II). Há exemplos importantes de política nacional de saúde, dos quais destacamos a Lei n. 9.434, de 04.02.1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, dando cumprimento, no particular, ao disposto no § 4º do art. 199 da CF. O art. 2º da referida lei dispõe que “a realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico- cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde”, impondo o controle governamental, exercido sempre com vista à redução do risco doença e outros agravos. Já no século XXI, doenças emocionais e psíquicas, como depressão, síndrome do pânico etc., acabaram por causar a elevação do número de suicídios em todo o planeta, impondo a adoção de políticas públicas de saúde. Foi, então, editada a Lei n. 13.819, de 26.04.2019, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, impondo, ainda, às operadoras de planos de saúde, a inclusão de cobertura de atendimento à violência autoprovocada e às tentativas de suicídio. (SANTOS, 2020. P. 123) Sobre suas atribuições SANTOS (2020) destaca “que os incisos I a XI do art. 6º da Lei n. 8.080/90 arrolam as atribuições do SUS das quais é importante evidenciar: execução de ações de vigilância sanitária, de vigilância epidemiológica, de saúde do trabalhador e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos que possuem relevância para a saúde e a participação na produção, formulação e execução da política de sangue e seus derivados.” 2.1.4 Sobre a vigilância sanitária e epidemiológica Seguimos então com a definição e função das vigilâncias iniciando pela sanitária abordada por SANTOS (2020): “Vigilância sanitária possui sua previsão legal no § 1º do art. 6º da Lei n. 8.080/90 e é definida como “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários 16 decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”. Abrange “o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção a consumo” (§ 1º, I), e “o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde” (§ 1º, II). ” Sobre a vigilância epidemiológica o § 2º do art. 6º diz que a vigilância epidemiológica é “um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. (SANTOS, 2020. P. 124) 2.1.5 Sobre a saúde do trabalhador e assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica A norma nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Aborda sobre a saúde do trabalhador em seu art. 6º, § 3º: § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; 17 V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. (BRASIL, 1990). O SUS deve executar ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (art. 6º, I, d). A dificuldade de delimitação, pela via da interpretação, do alcance da expressão “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica” tem levado questionamentos ao Poder Judiciário, principalmente em relação ao fornecimento gratuito de medicamentos e ao tratamento médico no exterior. Essa situação desembocou na edição da Lei n. 12.401, de 28.04.2011, que alterou a Lei n. 8.080/90, acrescentando alguns artigos ao seu texto original. O art. 19-M, acrescentado, definiu a assistência terapêutica integral como (I) a dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (II) a oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado. No art. 19-N, I, está o conceito de produtos de interesse para a saúde: órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos. Protocolo clínico e diretriz terapêutica também estão definidos no novo art. 19-N: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento prescrito, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a 18 verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS (inciso II). (SANTOS, 2020). 2.1.6 Descentralização da gestão do SUS É evidente a descentralização da administração no que diz respeito a seguridade social, o SUS como parte da seguridade social também possui essa característica, SANTOS leciona como se dá essa descentralização: Os serviços executados pelo SUS, diretamente ou com a participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente (art. 8º da Lei n. 8.080/90). Há uma direção única do SUS dentro de cada uma das esferas de governo, na forma do disposto no art. 198 da CF e no art. 9º da Lei n. 8.080/90. No plano federal, o SUS é dirigido pelo Ministério da Saúde (art. 9º, I, da Lei n. 8.080/90). Nos Estados e no Distrito Federal, a direção compete à respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (art. 9º, II). E, nos Municípios, a direção é feita pela Secretaria Municipal de Saúde ou órgão equivalente (art. 9º, III). Os Municípios podem desenvolver em conjunto suas respectivas ações e serviços de saúde. Para tanto, podem formar consórcios administrativos intermunicipais (art. 10). Os atos constitutivos do consórcio, nesse caso, devem disciplinar a forma como se desenvolverá a direção única (art. 10, § 1º). Cada esfera de governo tem duas instâncias colegiadas, que propiciam a participação da comunidade na gestão do SUS (Lei n. 8.142, de 28.12.1990): são a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde (art. 1º, I e II). A Conferência de Saúde, que se reúne a cada 4 anos, tem a representação de vários segmentos sociais. Reúne-se para avaliar a situação de saúde e propor diretrizes de políticas públicas (art. 1º, § 1º). O Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo. É órgão colegiado, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários. Sua atuação é voltada para a formulação de estratégias e para o controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo (art. 1º, § 2º). (SANTOS, 2020. P. 132-133). 3 O DIREITO DO CONSUMIDOR Bolzan (2019) aduz que o Código de Defesa do Consumidor é considerado uma lei principiológica, pois ele é constituído de um conjunto de princípios que possuem como objetivo maior conferir direitos aos consumidores, que são os vulneráveis da relação, e impor deveres aos fornecedores. Os princípios estão disciplinados no CDC da seguinte forma: Princípios gerais do CDC — previstos em seu art. 4º; 19 Direitos básicos do consumidor — estipulados no art. 6º da Lei n. 8.078/90; Princípios específicos do CDC — em especial aqueles referentes à publicidade e aos contratos de consumo; e Princípios complementares do CDC — com destaque para os princípios constitucionais afetos às relações de consumo. 4 DEFINIÇÃO DE RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO Bolzan (2019) define a relação jurídica de consumo como a relação que se firma entre consumidor e fornecedor, a qual possui como objeto a aquisição de um produto ou a contratação de um serviço. (BOLZAN, 2019, p. 56) Insta salientar que o legislador pátrio seguiu no sentido de não definir relação jurídica de consumo no Código de Defesa do Consumidor, mas de conceituar os elementos dessa relação, mediante isso, ele apenas trouxe as definições de consumidor e de fornecedor (sujeitos da relação), assim como de produto e de serviço (objetos da relação). É necessário ressaltar que no sentido de que consumidor e fornecedor, além de produto ou serviço, são “conceitos relacionais e dependentes”, ou seja, “só existirá um consumidor se também existir um fornecedor, bem como um produto ou serviço”. 20 De fato, os conceitos em apreço não se sustentam por si mesmos, nem podem ser considerados isoladamente. As definições estão atreladas umas nas outras, necessitando da presença de ambas para ensejar a aplicação do Diploma Consumerista. Nesse sentido, destacar-se-á, na sequência, a relevância dos elementos subjetivos e objetivos para a definição da relação jurídica em comento. (BOLZAN, 2019). 5 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO — CASO ESPECIAL A evolução histórica da vigência da Lei n. 8.078/90 apresentou a existência de relações que geraram dúvidas sobre a incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor. Por isso existem casos especiais em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a existência da relação jurídica de consumo e, em outras situações, em que tal relação não restou configurada. (BOLZAN, 2019) Dentre essas a que nos chama atenção devido ao conteúdo tratado é sobre a relação entre cooperativa de assistência à saúde, vejamos a seguir. 5.1 Relação entre cooperativa de assistência à saúde e filiados e a crítica doutrinária sobre a exclusão dos planos de saúde geridos pelo sistema de autogestão Esse é um tema cercado de polêmica que envolve saber se o fato de o prestador de serviço à saúde estar constituído em cooperativa seria suficiente para a exclusão da incidência do Código de Defesa do Consumidor. O fundamento principal da referida tentativa de imunidade em relação ao CDC consistiria na inexistência de vínculo empregatício entre a cooperativa e o médico associado. Sobre o tema, entende o STJ desde 2002 que: “A inexistência de vínculo empregatício entre a cooperativa de trabalho médico e o profissional a ela associado não é fator impeditivo do reconhecimento da sua responsabilidade civil, com base nas disposições da lei substantiva e do Código de Defesa do Consumidor, em relação aos atos praticados em decorrência de serviços prestados em plano de saúde”. De acordo com o enunciado da Súmula 99, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconhece a solidariedade entre todas as entidades do mesmo grupo econômico, 21 vejamos o conteúdo sumulado: “Não havendo, na área do contrato de plano de saúde, atendimento especializado que o caso requer, e existindo urgência, há responsabilidade solidária no atendimento ao conveniado entre as cooperativas de trabalho médico da mesma operadora, ainda que situadas em bases geográficas distintas”. É seguida a mesma linha de pensamento quando se tratar de cooperativa habitacional. O STJ sumulou o tema no enunciado 602 ao entender: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas” (2ª Seção, j. 22-2-2018, DJe 26-2-2018). Cuidado se o conflito envolver contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão. Neste caso, o STJ entende pela não incidência do CDC, nos mesmos moldes do acima estudado sobre as entidades de previdência privada fechadas. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE. PLANOS DE SAÚDE DE AUTOGESTÃO. FORMA PECULIAR DE CONSTITUIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO. PRODUTO NÃO OFERECIDO AO MERCADO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE LUCRATIVA. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CONFIGURADA. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. 1. A operadora de planos privados de assistência à saúde, na modalidade de autogestão, é pessoa jurídica de direito privado sem finalidades lucrativas que, vinculada ou não à entidade pública ou privada, opera plano de assistência à saúde com exclusividade para um público determinado de beneficiários. 2. A constituição dos planos sob a modalidade de autogestão diferencia, sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à administração, forma de associação, obtenção e repartição de receitas, diverso dos contratos firmados com empresas que exploram essa atividade no mercado e visam ao lucro. 3. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo. 4. Recurso especial não provido (REsp 1.285.483/PB, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, DJe 16-8- 2016, apud BOLZAN, 2019, p. 122). No ano de 2018 surgiu a Súmula 608 do STJ sobre o assunto: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Porém, sobre o assunto persistem algumas incontroversas e algumas reflexões críticas são abordadas pela doutrina, para que a citada súmula não seja aplicada de forma absorta e indistinta para toda e qualquer relação envolvendo plano de saúde gerido pelo sistema de autogestão. A crítica se inicia com referência ao momento histórico em que se iniciou no mundo a necessidade de leis específicas para a defesa dos consumidores, pelo 22 desequilíbrio entre os sujeitos de uma nova sociedade de consumo no período moderno. Iniciada na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX a Revolução Industrial do aço e do carvão, ocasionou grande migração da população residente na área rural para os centros urbanos. Essa nova população, no decorrer do tempo, começou a manifestar uma intensa vontade pelo consumo de novos produtos e serviços capazes de satisfazer suas necessidades materiais. Devido ao modelo de sociedade que se formava nesse período, os fabricantes e produtores, além dos prestadores de serviços, começaram a se preocupar mais com o atendimento da demanda, que houvera aumentado em seu aspecto quantitativo, mas deixaram para um segundo plano o caráter qualitativo. A nova sociedade de consumo substituiu a característica da bilateralidade de produção — em que as partes contratantes discutiam cláusulas contratuais e eventual matéria-prima que seria utilizada na confecção de determinado produto — pela unilateralidade da produção — na qual uma das partes, o fornecedor, seria o responsável exclusivo por ditar os caminhos da relação de consumo, sem a participação efetiva, e, em regra, do consumidor. (BOLZAN, 2019). Assim, à parte mais fraca da relação apresentada, o consumidor vulnerável, caberia apenas: Aderir ao contrato previamente elaborado pelo fornecedor — contrato de adesão; ou Adquirir produto confeccionado com material de origem e qualidade desconhecidas, na maioria das vezes. Devido a nova filosofia de mercado, os problemas começaram a surgir. Notoriamente, quando o fornecedor passa a prezar pela quantidade em detrimento da qualidade, o consumidor depara-se com produtos e serviços viciados ou portadores de defeitos que lhe causarão prejuízos de ordem econômica ou física, respectivamente. Infelizmente, o Direito vigente nessa época não estava preparado para solucionar os conflitos oriundos de tais problemas. Com efeito, o modelo de sociedade de consumo ora apresentado ganhou força com a Revolução Tecnológica decorrente do período Pós-Segunda Guerra Mundial. Realmente, os avanços na tecnologia couberam na medida ao novo panorama de 23 modelo produtivo que se consolidava na história. Tendo por objetivo principal o atendimento da enorme demanda no aspecto quantitativo, o moderno maquinário industrial facilitou a produção em escala e atendeu a este tipo de expectativa. (BOLZAN, 2019). No novo modelo de sociedade, devido aos vícios e defeitos se tornarem recorrentes, a falta de aptidão do direito desse período em proteger a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, por exemplo, no Brasil a legislação aplicável na ocasião era o Código Civil de 1916, que foi elaborado para disciplinar relações individualizadas, e não para tutelar aquelas oriundas da demanda coletiva, como ocorre nas relações consumeristas. Assim, o direito privado de então não tardaria a sucumbir no tocante à tutela da nova sociedade de consumo que se formava, pois estava marcadamente influenciado por princípios e dogmas romanistas, tais como: Pacta sunt servanda; Autonomia da vontade; e Responsabilidade fundada na culpa. Com efeito, a obrigatoriedade dos termos pactuados, ao ser analisada como um postulado aproximadamente absoluto, é manifestamente incompatível com as relações de consumo, pois há no conteúdo do Direito do Consumidor normas de ordem pública e de interesse social que por sua vez trazem como uma de suas principais repercussões, a impossibilidade de as partes derrogarem os direitos dos vulneráveis. Nesse sentido, não há que se falar em autonomia de vontade se o contrato de consumo possuir cláusulas abusivas, por serem estas nulas de pleno direito, podendo, inclusive, ser assim reconhecidas de ofício pelo Juiz de Direito, numa das manifestações da intervenção estatal. No que diz respeito à responsabilidade, é necessário destacar outra diferença existente no que se refere ao Direito Civil clássico. Enquanto neste modelo prevalecia a responsabilidade subjetiva — pautada na comprovação de dolo ou culpa —, no Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade é, em regra, quase absoluta, objetiva — que independe da comprovação dos aspectos subjetivos de dolo ou culpa. 24 Como já foi evidenciado, o Direito naquele período não era suficiente para disciplinar as relações jurídicas de consumo, por isso, foi necessária a ação do Estado, com vistas a elaboração e implementação de legislações específicas, políticas públicas e jurisdição especializada de defesa do consumidor em todo o mundo. A intervenção estatal se revelou fundamental para minimizar a desigualdade da relação existente entre o poderoso fornecedor e o vulnerável o consumidor. É necessário frisar que no Brasil, o Direito do Consumidor tem fundamento na Constituição Federal de 1988, que, aliás, trouxe dois mandamentos expressos em sua íntegra e um no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, vejamos as respectivas redações: Constituição Federal (1988): “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII — o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Constituição Federal (1988): “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V — defesa do consumidor”. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (1988): “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. De acordo com o que já foi tratado, pode-se concluir que a relação jurídica de consumo nasce desigual. Sendo assim, o consumidor parte vulnerável, de um lado, e o fornecedor detentor do monopólio dos meios de produção, do outro, por isso o Direito do Consumidor deve ser elevado ao patamar de Direito Fundamental. A constitucionalização ou publicização do direito privado tem consequências importantes na proteção do consumidor, ademais, é necessário ressaltar que estão certos, aqueles que consideram a Constituição Federal de 1988 como o centro irradiador e o marco de reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa sociedade, um direito privado solidário. A Constituição é a garantia (de existência e de proibição de retrocesso) e o limite (limite- 25 guia e limite-função) de um direito privado construído sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor como princípio geral. Da ideia de força normativa (Konrad Hesse), pode-se afirmar que a norma constitucional tem status de norma jurídica, sendo dotada de imperatividade, com as consequências de seu descumprimento (assim como acontece com as normas jurídicas), permitindo o seu cumprimento forçado. (BOLZAN, 2019). Logo, o amparo constitucional que possui o Direito do Consumidor traz uma conotação imperativa no mandamento de ser do Estado a responsabilidade de promover a defesa do vulnerável da relação jurídica de consumo. Ademais, ao longo do tempo muito se falou em eficácia vertical dos Direitos Fundamentais — respeito pela Administração dos Direitos Fundamentais de seus administrados. Nas relações entre Administração e administrado é evidente a supremacia daquela em razão da natureza do interesse tutelado, qual seja: o interesse público. Como o advento do Direito do Consumidor foi alçado ao patamar constitucional, é possível tratar na atualidade da eficácia horizontal dos direitos ora em estudo, ou seja, mesmo sem a existência de hierarquia entre as partes envolvidas na relação, como ocorre entre fornecedor e consumidor, o respeito aos Direitos Fundamentais também se faz necessário. Em última análise, os benefícios da elevação do Direito do Consumidor ao status constitucional são evidentes e de suma importância na busca do reequilíbrio entre as partes na relação jurídica de consumo. Diante de todo contexto histórico apresentado para fundamentar a necessidade do surgimento de lei específica de defesa do consumidor, bem como para demonstrar a inaplicabilidade da Súmula 608 do STJ para todo e qualquer caso, cumpre apresentar alguns elementos fáticos. Existe plano de saúde gerido pelo sistema de autogestão em que o universo de beneficiários gira ao entorno da marca de 700 mil participantes, e a “Receita de contraprestações” supera o montante de um bilhão de reais Nesse contexto fático, importante registrar dois pontos: (i) o número de aproximadamente 700 mil participantes é mais do que considerável e o 8º lugar dentre as maiores operadoras de planos de saúde do país, num universo de 753 empresas; 26 (ii) a sua receita de contraprestações (faturamento) de mais de um bilhão de reais afasta a ideia de que a entidade de autogestão atua no mercado sem fins lucrativos. Somando o contexto histórico trazido sobre a necessidade do surgimento de leis específicas em todo o mundo para defender o consumidor, aos elementos fáticos apresentados, de se destacar a inaplicabilidade da Súmula 608 do STJ a todo e qualquer plano de saúde de autogestão. Não cabe ao intérprete definir qual o número mínimo de pessoas para caracterizar um plano de saúde regido pelo sistema de autogestão, porém o fato de conter aproximadamente 700 mil beneficiários extrapola todos os limites do razoável para enquadramento do enunciado citado do Superior Tribunal de Justiça, que determina a exclusão da incidência do CDC para o fornecedor com a característica da autogestão Se não for esse o entendimento a prevalecer, logo mais todas as operadoras realizarão alterações contratuais para se tornarem de autogestão e fugirem da sistemática protetiva do Código de Defesa do Consumidor. Contexto fático que não está longe de acontecer, tendo em vista a exiguidade de oferta de planos de saúde individuais e familiares no mercado de consumo atual, cuja maioria esmagadora é composta de planos empresariais e coletivos. Nesse sentido, basta às operadoras se transformarem em entidades de autogestão para gerenciar o serviço de plano de saúde de cada empresa contratante ou de grupo coletivo, com o intuito ardiloso de afastar as regras do Código de Defesa do Consumidor. E mais, o afastamento do Diploma Consumerista em casos como o apresentado estará na contramão de todos os apontamentos históricos resumidamente apresentados neste item, pois a essência do CDC é proteger o vulnerável de relações jurídicas como essas, marcadas por um serviço prestado em escala, de forma massificada, para aproximadamente 700 mil consumidores fragilizados e sujeitos a práticas abusivas. Em outras palavras, o surgimento de uma lei específica de defesa do consumidor teve por objetivo principal conferir direitos à parte mais fraca e impor deveres à parte mais forte com o intuito de reequilibrar relações desiguais como as situações ora apontadas, quais sejam: (i) um consumidor vulnerável perante um fornecedor que presta serviços de plano de saúde para aproximadamente 700 mil 27 beneficiários; e (ii) um consumidor assalariado perante um faturamento anual de mais de um bilhão de reais. Por todo o exposto, importante os juízes de primeiro grau avaliarem caso a caso o afastamento da incidência da Súmula 608 do STJ, pois existem casos diversos do teor do respectivo enunciado, sob pena de colocar por água abaixo toda a essência principiológica presente no Código de Defesa do Consumidor. (BOLZAN, 2019). 6 FUNCIONAMENTO, REGULAÇÃO E CONTRATUALIZAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE O mercado de planos de saúde possui uma estrutura própria, definida por decisões da Agência Reguladora responsável pelo seu funcionamento e ainda, por leis espaças pelo ordenamento jurídico (BARBUGIANI, 2015. p. 24). O surgimento dos contratos de assistência à saúde aconteceu repentinamente, mas gradativamente, com a integração de ideologias protetivas e diferentes sistemas jurídicos baseados nos princípios da solidariedade, assim como aconteceu com o desenvolvimento da proteção trabalhista ao final da Revolução Industrial (BARBUGIANI, 2015. p. 19). A necessidade de contratação de um plano de saúde surgiu da presença de vários tipos de obstáculos e da ocorrência de doenças e acidentes imprevisíveis. A possibilidade de não haver o devido atendimento na forma e momento corretos, pelos mais variados motivos, fez com que os contratos de planos de saúde ganhassem grande espaço no mercado de consumo. A função dos planos e seguros-saúde é a proteção da saúde, que pode estar sujeita aos mais diversos tipos de riscos, em troca dos serviços prestados pelo contratante. Os planos e seguros-saúde são “poupanças coletivas” e a principal diferença entre os dois é que o primeiro fornece uma lista de serviços médicos e hospitalares que o titular da apólice ou seus dependentes procurem caso necessitem. Já o segundo, geralmente reembolsa o valor gasto, ou parte dele, pelo beneficiário nos tratamentos ou atendimentos, de acordo com os termos do contrato. Os dois contratos de saúde abordados são cada vez mais semelhantes, pois, além de serem contratos de adesão, que envolvem requisitos escolhidos apenas por uma das partes, adotam medidas que reduzem as diferenças. Alguns planos de saúde 28 preveem o ressarcimento de valores em atendimentos ambulatoriais ou médicos, quando os locais e pessoal para os atendimentos são de livre escolha para o beneficiário, e alguns seguros-saúde oferecem relação de clínicas, hospitais e laboratórios credenciados que, quando escolhidos para o atendimento, não ocasionam ressarcimentos. O grande marco para regulamentar as atividades das operadoras de planos e seguros-saúde foi a criação da lei 9.656/98. Antes do advento da lei, existiam apenas regulamentações para os seguros-saúde, onde os contratantes dos planos buscavam tutela de seus direitos violados, além do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990). No entanto, rege as relações com os consumidores em geral, e não com os planos de saúde em particular. (GREGORI, 2010, p. 38). A ausência de regulamentação específica acabou por contribuir para a predominância dos interesses das grandes operadoras sobre os dos consumidores, parte vulnerável nessa relação. A lei 9.656/98 foi criada para suprir as lacunas existentes até então, o Código do Consumidor não regulava suficientemente a relação entre o beneficiário e o plano de saúde. Em seu primeiro artigo, conceitua o seu objeto, qual seja, os planos de assistência privada à saúde e os seguros-saúde, as operadoras dos planos e as carteiras. Uma importante determinação da referida lei é o plano-referência, presente em seu artigo 10, que trata da cobertura contratual mínima obrigatória para cada segmento do plano de saúde presentes no artigo 12. O § 2º do artigo 10 estabelece a obrigatoriedade de plano referência, já mencionada. Entretanto, excetuam-se dessa obrigatoriedade as autogestões, um seguimento onde a própria instituição é responsável pela gestão do plano, cujos serviços são oferecidos aos funcionários da mesma, e as operadoras de planos exclusivamente odontológicos são excluídas dessa obrigatoriedade, assim como a cobertura obstétrica pode ou não também ser excluída. A contratação de planos de saúde exigiu que houvesse uma intervenção estatal, uma vez que a relação entre o plano de saúde e seu contratante é consumerista. O consumidor, sendo vulnerável e hipossuficiente, necessita de proteção, portanto, como já mencionado, esta relação, além de estar sujeito ao Código 29 de Defesa do Consumidor e à lei 9.656/98, é submetida à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS. A ANS, autarquia de regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, tem como objetivo padronizar, regulamentar, controlar fiscalizar as atividades das e operadoras de planos e seguros-saúde de forma a garantir a qualidade dos serviços médico-hospitalares e odontológicos oferecidos, defendendo assim o interesse público (GREGORI, 2010, p. 64). A agência também é executora de políticas públicas desenvolvidas pelo CONSU, órgão do governo responsável pela fiscalização do funcionamento geral do sistema de saúde suplementar. O surgimento da ANS ocorreu quando o mercado dos planos de saúde já operava em um setor muito importante, o da saúde. A superveniência da agência reguladora fez com que os processos de controle, normatização, e fiscalização fossem gradativos até chegarem ao patamar de hoje, com normatização, programas de fiscalização e punições para descumprimentos. A competência da Agência é definida pelo art. 4º da lei 9.961/2000, que além de proporcionar atividades adequadas à sua função, também prevê determinados instrumentos para a efetivação do controle dos contratos de planos de saúde e de todo o mercado, como a possibilidade de multas em casos de descumprimento de determinações da Agência, o que viabiliza seu acesso a documentações necessárias ao exercício de suas atividades. Além disso, a ANS é responsável por todo o funcionamento do mercado de planos e seguros-saúde, determinando coberturas obrigatórias, por exemplo, padrões de qualidade do serviço, estabelecendo regras de ressarcimento. Enfim, ela é a responsável pelas obrigações referentes ao serviço prestado pelas operadoras dos planos e até pelo seu registro, onde tudo começa. 6.1 A Contratualização no Mercado de Planos de Saúde A relação entre as operadoras de planos de saúde e seus parceiros contratuais são voltadas para o consumidor, uma vez que nos centros há um fornecedor de serviços, qual seja, assistência à saúde, e um consumidor, que, por meio de prestações, almeja usufruir dos serviços oferecidos. A assistência à saúde é estabelecida por meio de um contrato de adesão, onde a operadora se compromete a prestar serviços de saúde quando necessário e o 30 consumidor a pagar parcelas periódicas para que possa utilizar esses serviços. O contrato entre as partes, por ser de adesão, é padronizado e tem suas cláusulas preestabelecidas pelo prestador do serviço. Dito isso, os contratos de saúde são de trato sucessivo, conquanto, possui longa vigência. Segundo Cláudia Lima Marques (2004, p. 79-80), os contratos de planos de saúde, bem como os contratos de previdência privada e de cartão de crédito, são classificados como contratos cativos de longo prazo. Esta é uma série de novos contratos ou relações contratuais que usam métodos de negociação em massa (por meio de contratos de adesão ou condições gerais de contrato), para o fornecimento de serviços que são especiais dentro do mercado, possibilitando a criação de relações jurídicas mais complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: a posição de ‘catividade’ ou ‘dependência’ dos clientes”. Os planos e seguros-saúde devem prestar seus serviços por meio de contrato escrito, conforme determinado pela lei 9.656/98, que expressa a obrigação de entregar o contrato ao consumidor dos serviços prestados, conforme segue: Art. 16. Parágrafo único. A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações. (BRASIL, 1998) Além de escritos, os contratos devem conter diversas outras determinações especificadas nos incisos I a XII do mesmo artigo, como prazo de carência, início da vigência, eventos cobertos e não cobertos, circunstâncias de perda da qualidade de segurado, o tipo de regime, se familiar ou coletivo, dentre outras. Os contratos devem ser redigidos de forma clara e legível para um melhor entendimento do contratante. Os contratos de planos de saúde, no que diz respeito ao regime, podem ser individuais ou coletivos. O contrato com regime individual é aquele em que a pessoa física, opta por aderir ao contrato oferecido pelo plano ou seguro-saúde. Este tipo de contrato só pode dizer respeito ao beneficiário ou, além dele, aos membros da sua família, a seus dependentes. Os planos coletivos, dividem-se em coletivos empresariais e coletivos por adesão. Ambos se caracterizam por uma figura, pessoa jurídica, que é quem contrata e que tem vínculo direto com o plano ou seguro-saúde. Os beneficiários do plano 31 coletivo contratado pela pessoa jurídica pertencem a um pequeno grupo de pessoas que tenham vínculo empregatício ou estatutário com a contratante. O plano coletivo empresarial é definido como: “aquele que oferece suporte para a assistência prestada à população demarcada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária”. Os planos coletivos por adesão possuem as mesmas características dos empresariais, mas destinam-se a grupos vinculados a pessoas jurídicas de caráter classista, setorial ou profissional descritas nos incisos de I a VI do artigo 9º da RN nº 195/2009 da ANS. Ressalte-se que as pessoas jurídicas descritas neste artigo só podem aderir ao plano coletivo por meio de adesão se estiverem constituídas há pelo menos um ano, salvo os “conselhos profissionais e entidades de classe, nos quais seja necessário o registro para o exercício da profissão, e os sindicatos, centrais sindicais e respectivas federações e confederações”. Tanto os planos quanto os seguros coletivos possuem a opção de adesão do círculo familiar dos beneficiários até o terceiro grau, no caso de parentes consanguíneos, até o segundo se for por afinidade, além de cônjuge ou companheiro, a depender do que determina o contrato. É interessante notar que a adesão aos contratos coletivos não se limita aos colaboradores da pessoa jurídica contratante, mas pode ser estendida a sócios, representantes políticos, estagiários, entre outros. As pessoas que podem ser beneficiárias devem estar descritas no contrato. Este regime contratual de planos, vinculado a um conjunto limitado, o que facilita a delimitação dos riscos, tem valores mais favoráveis do que os individuais. A adesão de todos os membros do grupo é facultativa nos contratos coletivos por adesão, ou seja, nem todos os integrantes do grupo vinculado à pessoa jurídica precisam aderir, assim sendo é automática nos contratos coletivos empresariais, bastando-se constatar a filiação à entidade ou admissão no emprego. Os contratos de planos e seguros-saúde também incluem os segmentos (clínica, hospital com ou sem obstetrícia e odontologia), cujas coberturas mínimas são regidas pelo artigo 12 da lei 9.656/98. A segmentação do plano de saúde ambulatorial é a mais simples das variantes e sua cobertura cobre apenas procedimentos simples, como consultas em clínicas básicas e especializadas, exames, tratamentos e procedimentos pedidos pelo 32 profissional da saúde, atendimento de urgência e emergência, com duração máxima de 12h, remoção por falta de recursos ou necessidade de internação, dentre outros (CORRÊA FILHO, 2004. p. 32). O plano de internação hospitalar está disponível em duas versões: com e sem cobertura obstétrica, a mais simples, ou seja, sem cobertura obstétrica, destina-se a internações em geral, em UTI’s ou similares, sem limite de diárias. Deve apresentar cobertura de exames e procedimentos especiais durante o período de internação. A cobertura também se estende a cirurgias, custos de quarto, materiais necessários para cirurgia, medicamentos, anestésicos, viagens e tratamentos necessários, como quimioterapia e radioterapia, e despesas para cuidadores de menores e idosos, de acordo com o estatuto do idoso. A segunda versão do plano hospitalar é aquela que oferece cobertura obstétrica que cobre, além de todos os serviços citados acima, o acompanhamento pré-natal, “assistência ao parto e ao recém-nascido natural ou adotivo nos primeiros 30 dias contados do nascimento ou da adoção”. Além disso, esta cobertura permite o cadastramento do recém-nascido (natural ou adotado), no prazo máximo de trinta dias a partir do nascimento ou adoção, aos cadastros de dependentes do plano, sem qualquer cobrança de período de carência, segundo o artigo 12, III, Lei 9.656/98. O último segmento a ser tratado é o odontológico, que deve abranger todos os procedimentos odontológicos realizados em consultório, bem como os exames (radiologia, exames clínicos em geral). Também há cobertura para cirurgias de urgência e emergência, porém, procedimentos buco-maxilares que requerem internação hospitalar, não são cobertos. É importante ressaltar que as coberturas de cada segmento serão determinadas pelos contratos, podendo haver pequenas diferenças. A adoção de um plano de saúde requer uma análise aprofundada de cada tipo de plano e suas características. Cada beneficiário tem necessidades particulares que devem ser consideradas na hora da escolha da modalidade do plano. 33 7 A EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE O direito à saúde é qualificado como direito fundamental social, cujo significado formal é sublinhado pela inclusão do direito à saúde no rol dos direitos fundamentais sociais da Constituição Federal. O problema, é que aqui ocupa um lugar preponderante e diz respeito essencialmente à fundamentalidade material, uma vez que a doutrina, em termos gerais e obviamente simplificada, se divide entre os que reconhecem a todas as normas de direitos fundamentais a proteção formalmente assegurada pela Constituição e os que sustentam que apenas parte dos direitos sociais possuem esta proteção. Isso faz parte de uma concepção redutiva de conter o direito à saúde nas normas programáticas, conferindo eficácia limitada aos dispositivos constitucionais que o abrangem. Isso, pela forma como esses direitos têm sido afirmados na Constituição, visto que, segundo o entendimento de uma parte da doutrina, esses direitos dependem da implementação legislativa para sua aplicação, conforme menciona Ingo Sarlet, verbis: Neste sentido, enquanto a maior parte dos direitos de defesa (direitos negativos) não costuma ter sua plena eficácia e aplicabilidade questionadas, já que sua efetivação depende de operação de cunho eminentemente jurídico, os direitos sociais prestacionais , por sua vez, habitualmente necessitam – assim sustenta boa parte da doutrina – de uma concretização legislativa, dependendo, além disso, das circunstâncias de natureza social e econômica, razão pela qual tendem a ser positivados de forma vaga e aberta, deixando para o legislador indispensável liberdade de conformação na sua atividade concretizadora. É por esta razão que os direitos sociais a prestações costumam ser considerados como sendo de cunho eminentemente programático. (SARLET, 2001) Considerando que a saúde é um direito social que possui aspectos fundamentais, resta questionar sua efetividade nas relações privadas, optando-se, para tanto, pelos contratos de assistência à saúde privada. Claudia Lima Marques (2010, p.183), destaca que: “viver dignamente é viver com saúde e qualidade, daí a importância e relevância das pessoas poderem acessar um plano de saúde privada, que respeite os ditames constitucionais”. Como bem acentua Teresa Negreiros (2006, p. 467), o fato é que, em decorrência da impossibilidade do Estado de prestar serviços úteis ou essenciais à 34 comunidade, aumenta a responsabilidade dos sujeitos privados para os quais acaba sendo transferida a operação desses serviços. No entanto, não podemos esquecer que o direito social à saúde, no âmbito das relações privadas, assenta numa racionalidade contratual e, consequentemente, deve ser diferenciada a sua incidência da efetivação deste direito social nas relações entre o cidadão e o Estado, ensejando a necessária ponderação entre a autonomia privada e os direitos fundamentais envolvidos. É interessante notar que a responsabilidade dos particulares pelo bem-estar social deve ser ponderada, diferentemente da responsabilidade do Estado, para que não desempenhe um papel na aniquilação total da autonomia privada, que também é um componente importante para a concretização da dignidade da pessoa humana. A necessidade de conciliar autonomia privada e direitos fundamentais, enfatizando que o princípio da dignidade humana possui uma importante função de delimitação devendo servir de parâmetro para avaliar qual o padrão mínimo dos direitos sociais a ser reconhecido, como destaca Daniel Sarmento: O Estado tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o de promover esta dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc. (SARMENTO, 2010, p. 71) Nesses termos, a contratação de um plano de saúde, por envolver imediatamente o direito fundamental à saúde, não pode ser equiparado à negociação de outros tipos de serviços não essenciais. Porquanto, como aponta Teresa Negreiros (2006, p. 31), os contratos de plano de saúde têm por função satisfazer uma necessidade existencial do contratante e devem se sujeitar a um regime de caráter tutelar diferenciado. Dessa feita, os bens existenciais protegidos nos contratos de planos de saúde estão intimamente ligados à preservação da vida de seus usuários, para que, na prestação do cuidado, também seja realizado o direito à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, nos contratos de planos de saúde, é relevante definir em um caso específico qual atitude infringe o direito à saúde e, portanto, impede a existência de uma vida digna para definir os novos contornos deste contrato, em face das 35 necessidades existenciais do bem contratado, para o fim de garantir o mínimo existencial ao usuário de plano de saúde. Nesse raciocínio, o mínimo existencial, amparado na cláusula geral da dignidade humana, constitui um parâmetro para o alcance do equilíbrio entre a liberdade contratual das operadoras de plano de saúde e as necessidades existenciais dos seus usuários. Pois, a essencialidade do bem "saúde" no contrato de plano de saúde determina um tratamento jurídico diferente em relação aos contratos com objeto puramente patrimonial, e a consequente eficácia do direito fundamental à saúde, conforme descrito por Daniel Sarmento: De outro giro, um fator adicional que deve ser considerado na ponderação é o que concerne à relevância da prestação social em discussão, para a proteção da dignidade da pessoa humana de quem reclama. Parece claro que, quando a prestação correlacionar-se ao mínimo existencial, haverá um forte argumento para o argumento para o reconhecimento da eficácia horizontal direta, que estará ausente sempre que se tratar de controvérsia envolvendo aspectos menos relevantes do direito social em causa, que não atenda a uma necessidade humana tão essencial. Tal ideia, aliás, pode ser inferida da vinculação direta e imediata dos particulares ao princípio da dignidade da pessoa humana – que é reconhecida até mesmo por alguns adeptos da teoria indireta. (SARMENTO, 2010, p. 304) Consequentemente, a aplicabilidade direta do direito à saúde nas relações do regime privado de saúde, em detrimento da livre iniciativa e da autonomia privada, justifica-se em virtude da essencialidade do bem contratado para proteção ao mínimo existencial dos usuários consumidores dos serviços de saúde. Verifica-se, portanto, que o contrato de plano de saúde não pode ser equiparado a negócios jurídicos com efeitos estritamente patrimoniais, pois naquele está em jogo o bem maior qual seja, a vida. Nessa perspectiva, é possível notar que dada a essencialidade do bem, o direito fundamental social à saúde encontra efeito direto nas relações privadas. Voltando-se para o STF e para o STJ, em matéria de contratos de plano de saúde questiona-se se a essencialidade do bem é invocada para distingui-los daqueles que surtem efeitos tão somente patrimoniais. 36 8 A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE O contrato surge da experiência social de um povo, com base no comportamento da comunidade e no nível econômico da época, e a sua relevância está bem representada por este instrumento que permite e regula a transmissão de valores na sociedade (MARQUES, 2011). Nesse cenário, ao analisar o contrato de assistência privada à saúde como um contrato inserido no mercado consumidor, verifica-se que se trata de um negócio jurídico que almeja a garantia a saúde. Assim, os consumidores que o aderem visam a certeza de que caso necessitem, serão contratualmente amparados pelo sistema privado. Nesse cenário, ao analisar o contrato de assistência privada à saúde como um contrato inserido no mercado consumidor, verifica-se que se trata de um negócio jurídico que almeja a garantia a saúde. Assim, os consumidores que aderem visam garantir, caso necessitem, serão contratualmente amparados pelo sistema privado. Portanto, mesmo com a divisão entre os contratos, o artigo 35-G da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) expõe
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