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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 1 Ginecologia & Obstetrícia SP 2.4: CHEGOU A HORA! 1) DESCREVER AS FASES CLÍNICAS DO TRABALHO DE PARTO TRANSVAGINAL; GUYTON AUMENTO DA EXCITABILIDADE UTERINA PRÓXIMO AO TERMO Parto significa o nascimento do bebê. Ao final da gravidez, o útero fica progressivamente mais excitável, até que, por fim, desenvolve contrações rítmicas tão fortes que o bebê é expelido. Não se sabe a causa exata do aumento da atividade uterina, mas pelo menos duas categorias principais de eventos levam às contrações intensas, responsáveis pelo parto: (1) mudanças hormonais progressivas que aumentam a excitabilidade da musculatura uterina; e (2) mudanças mecânicas progressivas. → Os fatores hormonais que aumentam a contratilidade uterina Maior Proporção de Estrogênios em Relação à Progesterona. A progesterona inibe a contratilidade uterina durante a gravidez, ajudando, assim, a evitar a expulsão do feto. Por sua vez, os estrogênios têm tendência definida para aumentar o grau de contratilidade uterina, em parte porque elevam o número de junções comunicantes entre as células do músculo liso uterino adjacentes, mas também devido a outros efeitos pouco entendidos ainda. Tanto a progesterona quanto o estrogênio são secretados em quantidades progressivamente maiores durante grande parte da gravidez, mas, a partir do sétimo mês, a secreção de estrogênio continua a aumentar, enquanto a de progesterona permanece constante ou até mesmo diminui um pouco. Por isso, já se postulou que a produção estrogênio-progesterona aumenta o suficiente até o final da gravidez para ser pelo menos parcialmente responsável pelo aumento da contratilidade uterina. A Ocitocina Causa Contração do Útero. A ocitocina é um hormônio secretado pela neuro-hipófise que, especificamente, causa contrações uterinas. Existem quatro razões para se acreditar que a ocitocina pode ser importante para aumentar a contratilidade do útero próximo ao termo: 1. A musculatura uterina aumenta seus receptores de ocitocina e, portanto, aumenta sua sensibilidade a uma determinada dose de ocitocina nos últimos meses de gravidez. 2. A secreção de ocitocina pela neuro-hipófise é, consideravelmente, maior no momento do parto. 3. Muito embora animais hipofisectomizados ainda consigam ter seus filhotes a termo, o trabalho de parto é prolongado. 4. Experimentos em animais indicam que a irritação ou a dilatação do colo uterino, como ocorre durante o trabalho de parto, pode causar reflexo neurogênico, através dos núcleos paraventricular e supraóptico, que faz com que a hipófise posterior (a neuro-hipófise) aumente sua secreção de ocitocina. Os Efeitos de Hormônios Fetais no Útero. A hipófise do feto secreta grande quantidade de ocitocina, o que teria algum papel na excitação uterina. Além disso, as glândulas adrenais do feto secretam grande quantidade de cortisol, outro possível estimulante uterino. E, mais, as membranas fetais liberam prostaglandinas em concentrações elevadas, no momento do trabalho de parto, que também podem aumentar a intensidade das contrações uterinas. → Os Fatores Mecânicos que Aumentam a Contratilidade Uterina Distensão da Musculatura Uterina. A simples distensão de órgãos de musculatura lisa geralmente aumenta sua contratilidade. Ademais, a distensão intermitente, como ocorre repetidamente no útero, por causa dos movimentos fetais, pode também provocar a contração dos músculos lisos. Observe, particularmente, que os gêmeos nascem em média 19 dias antes de um só bebê, o que enfatiza a importância da distensão mecânica em provocar contrações uterinas. Distensão ou Irritação do Colo Uterino. Há razões para se acreditar que a distensão ou a irritação do colo uterino seja particularmente importante para provocar contrações uterinas. Por exemplo, os próprios obstetras, muitas vezes, induzem o trabalho de parto, rompendo as membranas, de maneira que a cabeça do bebê distenda o colo uterino mais efetivamente que o usual, ou irritando-o de outras formas. Não se sabe o mecanismo pelo qual a irritação cervical excita o corpo uterino. Já foi sugerido que a distensão ou irritação de terminais sensoriais no colo uterino provoque contrações uterinas reflexas; no entanto, as contrações poderiam ser resultantes da pura e simples transmissão miogênica de sinais do colo ao corpo uterino. O INÍCIO DO TRABALHO DE PARTO - UM MECANISMO DE FEEDBACK POSITIVO PARA O SEU DESENCADEAMENTO Durante grande parte da gravidez, o útero sofre episódios periódicos de contrações rítmicas fracas e Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 2 lentas, denominadas contrações de Braxton Hicks. Essas contrações ficam progressivamente mais fortes ao final da gravidez; então, mudam subitamente, em questão de horas, e ficam excepcionalmente fortes, começando a distender o colo uterino e, posteriormente, forçando o bebê através do canal de parto, levando, assim, ao parto. Esse processo é denominado trabalho de parto, e as contrações fortes, que resultam na parturição final, são denominadas contrações do trabalho de parto. Não sabemos o que muda subitamente a ritmicidade lenta e fraca do útero para as contrações fortes do trabalho de parto. Entretanto, com base na experiência com outros tipos de sistemas de controle fisiológico, propôs-se uma teoria para explicar o início do trabalho de parto. A teoria de feedback positivo sugere que a distensão do colo uterino pela cabeça do feto torna-se, finalmente, tão grande que provoca forte reflexo no aumento da contratilidade do corpo uterino. Isso empurra o bebê para frente, o que distende mais o colo e desencadeia mais feedback positivo ao corpo uterino. Assim, o processo se repete até o bebê ser expelido. Em primeiro lugar, as contrações do trabalho de parto obedecem a todos os princípios de feedback positivo, ou seja, quando a força da contração uterina ultrapassa certo valor crítico, cada contração leva a contrações subsequentes que vão se tornando cada vez mais fortes, até atingir o efeito máximo. A respeito de feedback positivo nos sistemas de controle, é possível ver que se trata da natureza precisa de todos os mecanismos de feedback positivo quando o ganho de feedback ultrapassa o valor crítico. Em segundo lugar, dois conhecidos tipos de feedback positivo aumentam as contrações uterinas durante o trabalho de parto: (1) a distensão do colo uterino faz com que todo o corpo do útero se contraia, e tal contração distende o colo ainda mais, devido à força da cabeça do bebê para baixo; e (2) a distensão cervical também faz com que a hipófise secrete ocitocina, que é outro meio de aumentar a contratilidade uterina. Resumindo, podemos assumir que múltiplos fatores aumentam a contratilidade do útero ao final da gravidez. Por fim, uma contração uterina torna-se forte o bastante para irritar o útero, especialmente no colo, o que aumenta a contratilidade uterina ainda mais devido ao feedback positivo, resultando em segunda contração uterina mais forte que a primeira, uma terceira mais forte que a segunda, e assim por diante. Quando essas contrações se tornam fortes o bastante para causar esse tipo de feedback, com cada contração sucessiva mais forte que a precedente, o processo chega ao fim. Poderíamos questionar a respeito dos muitos casos de trabalho de parto falso, nos quais as contrações ficam cada vez mais fortes e depois diminuem e desaparecem. Lembre-se de que para o feedback positivo persistir, cada novo ciclo devido ao processo de feedback positivo deve ser mais forte que o precedente. Se em algum momento, depois de iniciado o trabalho de parto, as contrações não conseguirem reexcitar o útero suficientemente, o feedback positivo poderia entrar em declínioretrógrado, e as contrações do trabalho de parto desapareceriam. AS CONTRAÇÕES MUSCULARES ABDOMINAIS DURANTE O TRABALHO DE PARTO Quando as contrações uterinas se tornam fortes durante o trabalho de parto, sinais de dor originam-se tanto do útero quanto do canal de parto. Esses sinais, além de causarem sofrimento, provocam reflexos neurogênicos na medula espinal para os músculos abdominais, causando contrações intensas desses músculos. As contrações abdominais acrescentam muito à força que provoca a expulsão do bebê. Mecanismos do Parto As contrações uterinas durante o trabalho de parto começam basicamente no topo do fundo uterino e se espalham para baixo, por todo o corpo uterino. Além disso, a intensidade da contração é grande no topo e no corpo uterino, mas fraca no segmento inferior do útero adjacente ao colo. Portanto, cada contração uterina tende a forçar o bebê para baixo, na direção do colo uterino. No início do trabalho de parto, as contrações ocorrem apenas a cada 30 minutos. À medida que o trabalho de parto progride, as contrações finalmente surgem com tanta frequência quanto uma vez a cada 1 a 3 minutos, e sua intensidade aumenta bastante, com períodos muito breves de relaxamento entre elas. As contrações da musculatura uterina e abdominal combinadas Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 3 durante a expulsão do bebê causam força descendente do feto equivalente a 12 kg, durante cada contração forte. Felizmente, essas contrações do trabalho de parto ocorrem intermitentemente, pois contrações fortes impedem ou às vezes até mesmo interrompem o fluxo sanguíneo através da placenta e poderiam causar o óbito do feto, se fossem contínuas. Na verdade, o uso excessivo de diversos estimulantes uterinos, como a ocitocina, pode causar espasmo uterino em vez de contrações rítmicas e levar o feto ao óbito. Em mais de 95% dos nascimentos, a cabeça é a primeira parte do bebê a ser expelida e, na maioria dos outros casos, as nádegas apresentam-se primeiro. Quando o bebê entra no canal de parto primeiro com as nádegas ou os pés, isso é chamado apresentação pélvica. A cabeça age como uma cunha que abre as estruturas do canal de parto enquanto o feto é forçado para baixo. A primeira grande obstrução à expulsão do feto é o próprio colo uterino. Ao final da gravidez, o colo se torna friável, permitindo-lhe que se distenda quando as contrações do trabalho de parto começam no útero. O chamado primeiro estágio do trabalho de parto é o período de dilatação cervical progressiva, que dura até a abertura cervical estar tão grande quanto a cabeça do feto. Esse estágio, geralmente, tem duração de 8 a 24 horas, na primeira gestação, mas muitas vezes apenas alguns minutos depois de várias gestações. Quando o colo está totalmente dilatado, as membranas fetais geralmente se rompem, e o líquido amniótico vaza subitamente pela vagina. Em seguida, a cabeça do feto se move rapidamente para o canal de parto, e, com a força descendente adicional, ele continua a forçar caminho através do canal até a expulsão final. Trata-se do segundo estágio do trabalho de parto, e pode durar tão pouco quanto 1 minuto, depois de várias gestações, até 30 minutos ou mais, na primeira gestação. Separação e Expulsão da Placenta Durante 10 a 45 minutos depois do nascimento do bebê, o útero continua a se contrair, diminuindo cada vez mais de tamanho, causando efeito de cisalhamento entre as paredes uterinas e placentárias, separando, assim, a placenta do seu local de implantação. A separação da placenta abre os sinusoides placentários e provoca sangramento. A quantidade de sangue limita-se, em média, a 350 mililitros pelo seguinte mecanismo: as fibras dos músculos lisos da musculatura uterina estão dispostas em grupos de oito ao redor dos vasos sanguíneos, onde estes atravessam a parede uterina. Portanto, a contração do útero, depois da expulsão do bebê, contrai os vasos que antes proviam sangue à placenta. Além disso, acredita-se que prostaglandinas vasoconstritoras, formadas no local da separação placentária, causem mais espasmo nos vasos sanguíneos. Dores do Trabalho de Parto A cada contração uterina, a mãe sente dor considerável. A cólica, no início do trabalho de parto, provavelmente se deve, em grande parte, à hipoxia do músculo uterino, decorrente da compressão dos vasos sanguíneos no útero. Essa dor não é sentida quando os nervos hipogástricos sensoriais viscerais, que carregam as fibras sensoriais viscerais que saem do útero, tiverem sido seccionados. Entretanto, durante o segundo estágio do trabalho de parto, quando o feto está sendo expelido através do canal de parto, uma dor muito mais forte é causada pela distensão cervical, distensão perineal e distensão ou ruptura de estruturas no próprio canal vaginal. Essa dor é conduzida à medula espinal e ao cérebro da mãe por nervos somáticos, em vez de por nervos sensoriais viscerais. Involução do Útero depois do Parto Durante as primeiras 4 a 5 semanas depois do parto, o útero involui. Seu peso fica menor que a metade do peso imediatamente após o parto no prazo de uma semana; e, em quatro semanas, se a mãe amamentar, o útero torna-se tão pequeno quanto era antes da gravidez. Esse efeito da lactação resulta da supressão da secreção de gonadotropina hipofisária e dos hormônios ovarianos durante os primeiros meses de lactação, conforme discutiremos adiante. Durante a involução inicial do útero, o local placentário na superfície endometrial sofre autólise, causando uma excreção vaginal conhecida como “lóquia”, que primeiro é de natureza sanguinolenta e depois serosa, mantendo-se por cerca de 10 dias, no total. Depois desse tempo, a superfície endometrial é reepitalizada e pronta mais uma vez para a vida sexual normal não gravídica. FEBRASGO O momento do nascimento é determinado por um ajuste entre a maturação fetal e os mecanismos que deflagram a parturição, processos que ocorrem com características específicas e diferentes entre os mamíferos superiores (primatas). A média da duração da gravidez humana única é de 280 dias (40 semanas) contados a partir do primeiro dia do último período menstrual, sendo definida a gravidez a termo como o período de 259 dias até 293 dias, após o último ciclo (37 a 41 e 6/7 semanas). Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 4 Cumprida essa condição evolutiva biológica, inaugura-se o trabalho de parto (TP), processo fisiológico que envolve uma sequência de eventos integrados e de modificações no miométrio, decídua e colo uterino, que ocorrem gradualmente em período de dias ou de semanas seguidas. Essa sequência deve ser olhada e entendida como um confronto programado de efeitos inibidores alojados no miométrio e um processo ativo mediado por estimuladores sistêmicos das contrações uterinas. Clinicamente, o TP é definido por uma mudança na atividade uterina, que em nenhum momento durante o ciclo gestatório é absolutamente quiescente ou ausente, com a escalada de aumento progressivo de contrações, de maior duração, intensidade e ritmicidade, progressivo esvaecimento, afinamento e dilatação do colo uterino, elementos que se combinam para desencadear os fenômenos passivos indicadores de seu início. Os processos fisiológicos que regulam o processo de parturição e do parto continuam em estudo para serem definidos claramente. Está assentado que o início do evento representa o ápice de uma série de mudanças bioquímicas no colo e no corpo do útero, que provêm de sinais endócrinos e parácrinos emitidos da mãe e do feto de modo simultâneo. Esse mecanismo, que parece ser espécie-relacionado, varia nos diferentes mamíferos, constatação que infelizmente não contribui para a elucidação consistente dosfatores que regulam o parto na espécie humana. O PROCESSO DO PARTO E O PAPEL DO FETO O TP é caracterizado por aumento da atividade miometrial ou, mais precisamente, mudança dos padrões contráteis de baixa frequência e intensidade, para um modelo de contrações de alta intensidade e frequência, resultando em esvaecimento progressivo e dilatação do colo uterino. O TP e o parto não podem ser considerados um processo passivo no qual um motor de contrações empurra um objeto rígido inanimado através de uma abertura fixa. A habilidade do feto em “negociar” o sucesso final de passar por essa trajetória depende de uma complexa interação de três variáveis: • O poder propulsor, fornecido pelas contrações uterinas; • A mobilidade do passageiro (móvel-feto); e • A passagem (trajeto duro e mole do canal de parto). A capacidade do feto em fornecer sinais endócrinos para a iniciação dos fenômenos do parto é descrita há muitos anos em muitas espécies animais. Uma das experiências mais citadas é a realizada por Liggins et al. há mais de 30 anos em ovelhas prenhes, que demonstrou que esse sinal é originado no eixo hipotálamohipófise-adrenal fetal. Há consideráveis evidências de que, na maioria dos vivíparos, são os fetos que controlam o momento exato de deflagrar o TP. Desde um conceito anterior, antigo e ultrapassado, de que fatores mecânicos associados às diferentes posições e movimentos fetais de acomodação na matriz, ao longo da gravidez, e particularmente em seu final, resultariam em sua propulsão através do canal de parto, sucedeu-se um período novo de pensar, no qual se centrou a investigação nas mudanças que ocorrem nos níveis de hormônios na circulação da mãe e do concepto, para determinar seu início e manutenção. Os estudos atuais têm se concentrado no diálogo bioquímico dinâmico entre o feto e a mãe (eventos parácrinos e autócrinos) para compreender os mecanismos moleculares que regulam essas interações. Também a regulação genética desses eventos vem sendo estudada, com resultados promissores. O conceito de que a contratilidade é a principal mentora do sucesso desse evento não encontra suporte na literatura científica. Segundo Norwitz et al. a parturição mais rápida resultaria muito mais da diminuição progressiva da resistência de tecidos moles da pélvis do que da alta atividade miometrial. AS FASES DA FISIOLOGIA DA ATIVIDADE CONTRÁTIL UTERINA De modo didático, a atividade miometrial ao longo da gravidez poderia ser dividida nas seguintes fases. Fase zero: inibição ativa A atividade miometrial inibida: durante a maior parte do período gestacional o útero tem sua cinética quiescente, decorrente da ação atribuída a várias substâncias inibidoras, a saber: • Progesterona; • Prostaciclinas (prostaglandina – PG – 1 e 2); • Relaxina; • Óxido nítrico; • Peptídeos relacionados ao gene da calcitonina; • Peptídeos relacionados ao hormônio da paratireoide; • Adrenomodulina; • Peptídeo vasoativo intestinal. Importante destacar que o útero apresenta atividade contrátil durante toda a gravidez, embora a frequência, localização e intensidade das contrações, cujo somatório define o chamado trabalho uterino (conforme Alvarez e Caldeyro-Barcia descreveram na metade do século passado, 1948), não são suficientes para deflagrar o processo da parturição. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 5 Fase 1: Atividade miometrial Período próximo ao termo, quando o útero começa a reagir às ações de substâncias com poder uterotrópico, por exemplo, os estrogênios. A fase é reconhecida pela ativação dos receptores associados a proteínas (CAP), principalmente os de ocitocina e de PGs, dos canais de íons e aumento das chamadas conexinas-43, que fazem parte das GAP (comunicações intercelulares). Esse processo aumenta a sincronia elétrica miometrial e facilita a efetiva coordenação das contrações. Fase 2 Fase de estimulação, quando o útero, “devidamente preparado”, pode ser estimulado pelos agonistas uterotônicos como as PGs E2 e F2-alfa, as endotelinas- 1 e a ocitocina. Teleologicamente, é razoável considerar que o feto, alcançando suficiência na maturidade de seus órgãos, “sinalizasse” para o processo de parturição se iniciar. O “sinal” que seria emitido pelo concepto não é conhecido ou foi identificado no ser humano, sendo apenas sugerido. Em ovelhas, o “sinal” emitido pelo feto suspenderia a fase zero de completa inibição, fato que coincidiria com a queda vertiginosa da progesterona em circulação. O circuito desse processo caminharia a partir do cérebro, hipófise, adrenais, sangue fetal e trofoblasto. A interrupção da fase zero se faria pelo aumento do cortisol produzido na adrenal fetal, geneticamente codificada para ativar enzimas responsáveis pela esteroidogênese. Alternativamente, nos humanos, o “sinal de partida” poderia ser transmitido dos pulmões ou rins, por meio de secreções ou excreções desses órgãos, para o interior do líquido amniótico – o braço parácrino do sistema de comunicação do binômio mãe-feto. Esta fase do processo poderia ser dividida em três estágios individualizados: A) O primeiro deles começa quando podem ser identificadas contrações com frequência, intensidade e duração suficientes para provocar demonstráveis esvaecimento e dilatação do colo uterino. Terminaria quando a dilatação atingisse suficiente espaço para permitir a passagem do feto, havendo importante liberação da ocitocina no plasma materno nesse momento, mas predominam os níveis de PGs no líquido amniótico e na corrente sanguínea materna, que aumentam de modo significativo durante todo o processo; B) O segundo estágio começaria quando a dilatação atingisse seu máximo e terminaria quando o feto é expulso do ventre materno. Neste momento, a ocitocina plasmática aumenta de modo dramaticamente intenso; C) O terceiro estágio inicia-se imediatamente após o parto do feto, terminando com a expulsão completa da placenta e das membranas e, ao contrário do que se considera em geral, com o prosseguimento regular da atividade uterina, com contrações muito fortes e de alta intensidade, agora desacompanhadas de dores ou desconforto maiores, mas passíveis de serem demonstradas ou até percebidas pela mãe. Há forte retração do volume uterino com a saída de seu conteúdo principal e a placenta se separa, em mecanismo originado pela desproporção de dimensões entre o sítio de sua implantação e do músculo uterino encolhido, clivagem ademais facilitada pela natureza da estrutura esponjosa da decídua subjacente. Acompanhando de modo passivo o processo de redução da superfície uterina, as membranas começam a se descolar submetidas gravitacionalmente pelo peso da placenta, com tração de seu conjunto de páreas e pela forte contração da massa muscular uterina, terminando por serem expulsas, quando, então, se aproximam mais as paredes do útero, restando em aposição, quase obliterando por completo a cavidade. O processo, realizado de modo espontâneo e fisiológico, auxilia de modo poderoso a primeira fase do tamponamento uterino, evitando perdas sanguíneas maiores e desnecessárias. Fase 3 A involução uterina pós-parto é mediada primariamente pela ocitocina. De modo geral, esse neuro-hormônio está em níveis elevados no segundo período do TP (final da fase 3), no início do pós-parto e durante a maior parte do tempo de aleitamento. Sua necessidade torna-se mais evidente no processo final de contração e retração uterinas firmes e persistentes, providências essenciais para evitar as hemorragias pós- parto, após a saída do feto, placenta e membranas. A ocitocina garantiria contrações persistentes e por mecanismos mais complexos, a involução uterina até o fim do puerpério tardio. Para a ejeção láctea, sua presençaé fundamental e a amamentação estimula sua presença permanente e prolongada na circulação, assegurando mais rápido o processo de involução uterina. CASCATA ENDÓCRINA FETAL QUE LEVA AO TRABALHO DE PARTO Esse processo, em sua totalidade, é conhecido como “cascata endócrina da parturição”, quando são removidos os mecanismos de inibição uterina e recrutados os fatores que promovem a modificação da atividade uterina. Esse mecanismo é fundamental para assegurar o processo de manutenção da gestação (e preservação Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 6 da espécie) e desembocar no nascimento. Observa-se um modelo em que cada peça da engrenagem se conecta com a subsequente, caracterizando o típico mecanismo em “cascata”. Não será possível de modo isolado destacar nesse contexto apenas um elemento responsável pelo sucesso da iniciação do TP. HORMÔNIOS ENVOLVIDOS NA PARTURIÇÃO (DETERMINISMO) No processo da iniciação e ativação do TP, independentemente de não poder se afirmar de modo categórico que o “gatilho’ (trigger) está localizado dentro ou fora do feto, existe um caminho final comum e conhecido pela ativação dos tecidos uterinos maternos, em relativo repouso até então, com a suspensão progressiva desta quiescência até o início e regularidade das contrações efetivas. As pesquisas dessa engrenagem ainda estão em andamento, para compreender melhor os sinais fetais que determinam o início do parto. → Prostaglandinas São hormônios predominantemente parácrinos e/ou autócrinos, isto é, atuam em seu próprio sítio de produção ou em células contíguas. O aumento de sua biossíntese é observado tanto nos partos a termo como nos pré-termo, particularmente as PGs das séries de subtipos E e F, dentro do compartimento uterino, com predomínio para as decíduas e para as membranas fetais. As evidências da importância e do papel das PGs podem ser sumariadas: • Os tecidos do útero humano são seletivamente ricos em ácido araquidônico, precursor fundamental para a biossíntese das PGs; • Há aumento das concentrações de PGs durante o parto no líquido amniótico, plasma e urina maternos; • A administração vaginal, intravenosa e intra- amniótica de PG exógena pode iniciar o parto em qualquer época da gravidez e em qualquer espécie animal. Estão envolvidas em três importantes eventos: sincronização das contrações, esvaecimento cervical e aumento da responsividade uterina à ação da ocitocina, devido ao aumento da produção das GAP e da concentração dos receptores da ocitocina. Inibidores de síntese das PGs, como os anti- inflamatórios não hormonais (AINH), podem suprimir a contratilidade uterina in vivo e in vitro e prolongar a duração da gestação. As PGs F2-alfa estão claramente envolvidas no processo de início da atividade miometrial e as PGs E, no processo de esvaecimento e remodelação do colo uterino. → Progesterona A administração de um antagonista desse hormônio, ou a remoção precoce do corpo lúteo, inicialmente o principal produtor de progesterona, antes de sete semanas, induz o aborto, sugerindo sua importância no processo de manutenção da gravidez. Se administrada após a luteotectomia nesta fase, previne o abortamento, comprovando-se sua importância no processo inicial de manutenção da gravidez, em quantidades crescentes pelos ovários, substituídos após algumas semanas pela produção placentária, que passa a ser dominante. Sua função nas fases mais tardias da gestação não está bem compreendida. A queda de seus níveis não acontece antes de iniciado o TP, sendo mesmo semelhantes a seus níveis medidos uma semana antes de seu início. Tampouco sua administração, nesse momento, posterga o início do parto nos primatas, e o uso de antagonistas de seus receptores não é capaz de induzir o TP a termo. Os dados sugerem que sua redução não é pré- requisito para o parto em humanos, ao menos na circulação sanguínea, embora não se possa afirmar que não ocorra em nível dos tecidos uterinos. Sabe-se, por outro lado, que sua administração reduz o risco de parto pré-termo em mulheres de risco para esse evento. Faltam, entretanto, estudos definitivos para a compreensão clara de seu mecanismo de ação. → Estrogênios Sua principal fonte de produção na gestação é a placenta. Não são primariamente causa de contrações miometriais e a administração de estradiol em macacos rhesus não tem efeito na duração da gravidez desses primatas. Por outro lado, são reconhecidos como atuantes na regulação das junções GAP e receptores uterotônicos, incluindo os de ocitocina, criando condições para o miométrio gerar contrações. Importante registrar que a placenta não é capaz de finalizar isoladamente sua produção, necessitando de precursores adicionados pela ação da adrenal fetal, em especial a dehidroepiandrostenediona. → Ocitocina A ocitocina é um hormônio peptídeo produzido no hipotálamo e liberado pela neuro-hipófise, com meia- vida curta de 3 ou 4 minutos, que parece se encurtar ainda mais quando doses grandes são infundidas. É inativada no fígado e nos rins, embora durante a gravidez seja degradada por ação da ocitocinase placentária. Por ser bem conhecida sua capacidade de induzir com sucesso o TP, considerou-se que essa ação fosse a Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 7 maneira lógica de explicar o seu início. Além do mais, é uma uterotonina potente e é encontrada naturalmente em todos os seres humanos. As evidências de seu papel na parturição que se conhecem estão sumariadas abaixo: • É o mais potente agente uterotônico de produção endógena; • A frequência e amplitude de suas contrações induzidas são idênticas às do TP; • Contrações uterinas podem ser provocadas pela estimulação elétrica da hipófise posterior ou por estimulação dos mamilos (o controverso reflexo de Fergunson), com aumento de sua circulação no sangue; • Os análogos de ocitocina que competem por seus receptores, bloqueando-os, inibem o TP; • O número de seus receptores aumenta ao final da gestação nos tecidos deciduais e no miométrio; • A ocitocina age na decídua para promover a liberação de PGs; • Há dados abundantes para sustentar seu papel no segundo estágio do TP, no puerpério imediato e durante o aleitamento. → Relaxina Embora esse hormônio possa desempenhar papel complementar na quiescência uterina, também tem reconhecidos papéis na fase 2 do TP, participando da remodelação da matriz extracelular uterina, do colo, vagina, mamas, bem como da proliferação celular e inibição da apoptose. Considera-se ser possível atuar indiretamente ao promover o relaxamento miometrial pela estimulação da produção das prostaciclinas. Seus níveis estão mais altos entre 8 e 12 semanas, declinando após a substituição do corpo lúteo, onde está a maior fonte de sua produção, e permanecem baixos até o termo. Seu verdadeiro papel e sua forma de agir permanecem controversos. FATORES HIPOTALÂMICOS, PITUITÁRIOS E ADRENAIS O caminho final comum da iniciação do TP em quase todas as espécies passa pelo eixo hipotalâmico- hipófise-adrenal. Envolve vários hormônios. → Hormônio corticotrópico (CRH) A ativação do eixo nas fases finais da gravidez resulta na liberação de importantes quantidades de cortisol fetal, glicocorticoide que é um potente estimulante da liberação da corticotropina placentária. Também aumentam sua produção citocinas, catecolaminas, acetilcolina e ocitocina, enquanto a progesterona e o óxido nítrico têm efeito inverso. Seu crescimento aumenta de modo dramático nas últimas quatro a seis semanas antes do parto. O CRH não tem ação inotrópica direta sobre o miométrio, mas aumenta várias ações sobre o útero a termo: • É secretado dentro do compartimento fetal, onde atua em conjunto com a liberaçãode ACTH pituitário envolvido com o avanço do TP; • Atua localmente na placenta promovendo vasodilatação fetoplacentária; • Estimula diretamente a secreção de DHEA-S na adrenal fetal, via do sistema de proteínas quinases; • Exerce efeitos sobre o útero e cérvix, pela regulação do óxido nítrico e aumento dos efeitos dos estrógenos nos tecidos; • Estimula a produção de PG no âmnio, cório e decídua; • Age potencializando os efeitos da ocitocina sobre o miométrio. → Glicocorticoides Esses hormônios têm várias ações concorrentes a preparar o útero para o TP: • São diretamente envolvidos na regulação da produção de PG nas membranas fetais a termo; • In vitro, o cortisol parece estimular a produção de CRH, o que parece também acontecer in vivo, em estudos envolvendo mulheres que receberam glicocorticoides anteparto para acelerar a maturidade dos pulmões fetais. • Seu aumento entre 28 e 30 semanas de gravidez associa-se ao aumento da chance de desenvolver parto pré-termo. → Outros Vários neuropeptídios e hormônios podem influir na contratilidade miometrial uterina. A concentração de alguns deles muda em vários momentos da gravidez, sugerindo um modelo de atuação endócrino, enquanto outros atuam localmente ou próximo de onde são produzidos, sugerindo um modelo de ação parácrina e autócrina. Estudos experimentais e imunológicos comparam o feto com um aloenxerto, destacando o papel de diferentes populações de linfócitos com papéis definidos na manutenção da gravidez. Citocinas secretadas pelas diferentes populações, que incluem interleucinas, FNT, quantidades de gamainterferona, além do fator de crescimento vascular (VEGF), têm efeitos inflamatórios que tendem a “rejeitar” os enxertos em indivíduos da mesma espécie. CONSIDERAÇÕES FINAIS O TP a termo é evento de natureza multifatorial e seu determinismo envolve vários mecanismos que ocorrem gradualmente por vários dias e semanas, no interior dos tecidos uterinos maternos. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 8 As principais mudanças incluem aumento da biossíntese de PG e sua liberação no útero, aumento das junções GAP e da liberação dos receptores de ocitocina. Quando o miométrio e a cérvix estão preparados, os fatores endócrinos, parácrinos e autócrinos da unidade fetoplacentária modificam seu padrão irregular para regular, iniciando-se a ativação miometrial compatível com a parturição. O feto parece estar no controle do início do TP, coordenando a ligação da produção dos hormônios esteroides sexuais sobre: atividade miometrial, mecanismo de distensão do útero, secreção de hormônios da neuro-hipófise e estimulação da síntese de PGs. FASES CLÍNICAS DO PARTO O trabalho de parto é caracterizado pela presença de contrações uterinas sequenciais capazes de gerar mudanças plásticas do colo uterino e a descida da apresentação fetal. Em alguns fetos com algum grau de má adaptação intraútero e com baixa reserva de oxigênio, considera-se um momento crítico. Reconhecer o início do trabalho de parto é um desafio. A definição de trabalho de parto baseia-se no início das contrações uterinas, apagamento do colo uterino com consequente dilatação cervical e expulsão fetal. Alguns dias antes do início do trabalho de parto, ocorre aumento gradativo das contrações uterinas, dando início a insinuação da apresentação fetal, esvaecimento e dilatação progressiva do colo e distensão do segmento inferior para preparar o útero para o trabalho de parto. A fase preparatória, denominada de pré-parto, precede esses eventos em alguns dias ou semanas. Os sinais mais importantes dessa fase são: descida do fundo uterino geralmente de 2 a 4 cm, eliminação do muco pelas glândulas cervicais podendo vir acompanhado ou não de pequena perda sanguínea, amolecimento do colo com posterior apagamento, modificação do direcionamento do colo para o centro do eixo da vagina, contrações uterinas dolorosas, incoordenadas e irregulares. As fases clínicas do parto são processos fisiológicos que culminarão com o parto propriamente dito, divididos em quatro períodos ou fases clínicas principais: • Primeiro período, ou fase de dilatação; • Segundo período, ou fase de expulsão; • Terceiro período, ou secundamento; • Quarto período, ou primeira hora pós-parto. O início do trabalho de parto pode ser definido no momento da admissão da paciente ao centro obstétrico. A partir do momento que ela chega com membranas íntegras e contrações efetivas, pressupõe- se dilatação cervical de 3 a 4 cm ou mais como sendo dados confiáveis para o diagnóstico do trabalho de parto, momento em que termina a fase de pré-parto e se inicia a fase de dilatação. Laughon (2012) comparou a duração dos trabalhos de parto espontâneos de nulíparas que tiveram parto nos EUA entre 1959 e 1966 com a duração dos partos das parturientes que deram à luz entre 2002 e 2008 e concluiu que a duração do trabalho de parto aumentou em 2 horas. → Primeiro período do trabalho de parto – fase de dilatação Período de esvaecimento e dilatação do colo uterino e formação do segmento inferior do útero e da “bolsa das águas”. Nas nulíparas, geralmente o esvaecimento do colo precede a dilatação, enquanto nas multíparas esses processos são concomitantes. Começa com contrações uterinas (metrossístoles) intensas, dolorosas e regulares que se iniciam a cada 30 minutos e vão aumentando de intensidade e frequência. Para um efetivo trabalho de parto, essas contrações devem apresentar frequência regular entre duas e três contrações a cada 10 minutos, intensidade em média de 40 mmHg e duração entre 30 e 90 segundos (média de 60 segundos). A sensação dolorosa se deve à hipóxia das fibras musculares do útero durante as contrações. Essas contrações, ditas efetivas, provocarão a dilatação do colo devido à tração que as fibras musculares do corpo uterino exercem sobre o segmento inferior e pela apresentação fetal insinuada, que exerce pressão hidrostática sobre a cérvix. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 9 A dilatação do orifício externo do colo tem por finalidade ampliar o canal e completar a continuidade entre o útero e a vagina, sendo assim se formará um espaço entre o útero e a vagina, no qual será coletado o líquido amniótico (bolsa das águas) que auxiliará as contrações uterinas no deslocamento do istmo. A pressão exercida pela apresentação fetal e pela bolsa das águas forma o segundo fator responsável pela dilatação das porções baixas do útero. Friedman, em 1954, descreveu uma abordagem científica que caracterizou um padrão sigmoide para o trabalho de parto ao elaborar um gráfico de dilatação cervical em relação ao tempo. Com base nas observações gráficas, elaborou o conceito de três divisões funcionais do trabalho de parto. Na primeira divisão, divisão preparatória ou de aceleração, mesmo que haja dilatação mínima, já se iniciam alterações plásticas do colo. A analgesia de parto pode interromper essa divisão do trabalho de parto. A divisão de aceleração máxima ou de dilatação, período de dilatação rápida, quando a dilatação vai de 3 a 9 cm, não é afetada pela analgesia de parto. Por fim, a divisão pélvica ou de desaceleração precede a dilatação completa. O padrão de dilatação cervical durante as divisões de aceleração e de dilatação é representado por uma curva sigmoide dividida em duas fases. A fase latente, que corresponde à divisão de preparação, e a fase ativa, que corresponde à dilatação, sendo esta composta, segundo Friedman, em fase de aceleração, fase de aceleração máxima e fase de desaceleração. Fase latente. Friedman (1972) definiu essa fase como o momento em que a parturiente percebe as contrações uterinas regulares, pouco dolorosas. Normalmente, éo período até a dilatação de 3 a 5 cm, definido como limite de dilatação da fase latente e o início da fase ativa. A dilatação nessa fase é em média de 0,35 cm por hora, com duração variável, de difícil delimitação. A fase latente é considerada prolongada quando se estende por mais de 20 horas nas nulíparas e 14 horas nas multíparas. Fase ativa. Fase caracterizada por contrações dolorosas, com aumento gradual de frequência e intensidade, levando à rápida dilatação do colo. As taxas de dilatação cervical, segundo Friedman (1972), variam de 1,2 a 6,8 cm por hora. A fase ativa tradicionalmente se inicia com entre 3 e 4 cm; multíparas evoluem, em média, 1,5 cm por hora, com 2,4 horas (máximo de 5,2 horas) de duração, e nulíparas, 1,2 cm por hora, com 4,6 horas (máximo de 11,7 horas) de duração. As anormalidades da fase ativa ocorrem em 25% das nulíparas e 15% das multíparas em trabalho de parto (Sokol, 1977). Friedman (1972) subdividiu os problemas da fase ativa em taxa lenta de dilatação cervical e descida (protração) e parada; nas nulíparas, menos 1,2 cm por hora de dilatação, ou menos de 1 cm de descida por hora; nas multíparas, menos 1,5 cm por hora, ou menos de 2 cm de descida por hora. A parada da dilatação foi definida como 2 horas sem alterações cervical, enquanto parada de descida, como 1 hora sem descida fetal. Friedman analisou que 30% Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 10 das mulheres com distúrbio de dilatação tinham desproporção cefalopélvica (DCP) e 45%, distúrbio de parada. Zhang et al. (2010) publicaram novas curvas de trabalho de parto em um estudo feito com 62.415 pacientes de 19 hospitais nos EUA, de paridade variada entre os anos 2002 e 2008, que tiveram gestações a termo com partos normais com resultados neonatais normais. Estratificaram por paridade e concluíram que nulíparas e multíparas progrediram de forma semelhante até 6 cm de dilatação. Observou-se que existe dilatação relativamente lenta (< 1 cm por hora), podendo demorar até 7 horas para avançar de 4 a 5 cm e mais de 3 horas para passar de 6 cm. Após 6 cm, o trabalho de parto progrediu mais rapidamente, principalmente nas multíparas, indicando a fase ativa do trabalho de parto. Na fase ativa, analisaram que pode levar 1,4 a 2,2 horas para progredir cada centímetro nas nulíparas e 0,8 a 1,8 hora para as multíparas. A análise dos dados de Zhang et al. (2010) mostra a progressão mais lenta da dilatação do colo dos 4 aos 6 cm, independentemente da paridade da paciente, e demonstrou que, a partir de 6 cm, a velocidade de dilatação aumenta, sendo maior em multíparas quando comparadas às primigestas. As novas curvas de progressão do trabalho de parto permite mostrar uma transição da fase latente para a ativa com 6 cm de dilatação cervical. Antes de 6 cm, a fase latente é mais longa e progride mais lentamente do que a descrita por Friedman. No entanto, a fase ativa do trabalho de parto progride mais rapidamente, em particular nas multíparas. Na curva descrita por Zhang, não há fase de desaceleração próxima a 10 cm. No trabalho de Zhang et al. (2010), foram incluídas apenas gestações de fetos cefálicos em trabalho de parto espontâneo a termo e que tiveram como desfecho o parto normal com resultado perinatal normal. Foram excluídas as pacientes submetidas à cesárea, à indução do trabalho de parto, com duração do trabalho de parto com menos de 3 horas, fetos grandes ou recém-nascidos com baixo peso. Entre as pacientes, 47% utilizaram ocitocina e 71% a 84% foram submetidas à analgesia de parto. → Segundo período do trabalho de parto – fase de expulsão O período se inicia com a dilatação cervical total estendendo-se até o nascimento do feto. Tem duração média de aproximadamente 50 minutos para nulíparas e 20 minutos para multíparas. A evolução de descida do polo cefálico é representada por uma curva hiperbólica e divide-se em fase pélvica e fase perineal. A fase pélvica representa a dilatação total do segmento do colo uterino com apresentação fetal acima do plano +3 de DeLee, já na fase perineal a apresentação encontra-se inferior ao plano +3 de DeLee. Alguns fatores podem influenciar no tempo de duração desse período; no caso de mulheres com pelve contraída, feto grande a para idade gestacional ou com efeito de analgesia, esse período pode tornar-se mais duradouro. Um estudo realizado por Robinson et al. (2011) evidenciou que o índice de massa corporal elevado não interfere no segundo estágio do trabalho de parto. O tempo calculado demonstra, em média, para as nulíparas sem analgesia 0,6 hora e com analgesia 1,1 hora, enquanto para multíparas sem analgesia 0,2 hora e 0,4 hora com analgesia. Considera- se período expulsivo prolongado, segundo a American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), quando em nulíparas o período perdura por mais de 3 horas com analgesia e mais de 2 horas sem analgesia e em multíparas mais de 2 horas com analgesia e 1 hora sem analgesia. O trabalho de Zhang et al. (2010) estabeleceu novos limites superiores da normalidade para a duração do período expulsivo para primigestas, de 3,6 horas com analgesia de parto e 2,8 horas sem analgesia; independente da progressão da descida fetal, acrescentam 1 hora aos estabelecidos por Friedman. → Terceiro período do trabalho de parto – fase de dequitação Período também denominado de secundamento, delivramento ou decedura. Corresponde ao período do nascimento do feto até a expulsão da placenta e membranas. A descida da placenta provoca contrações uterinas pouco dolorosas e novamente sensação de puxos maternos à medida que a placenta vai se aproximando do canal vaginal. O fundo uterino passa a se localizar abaixo do nível da cicatriz umbilical e, com essa diminuição, diminuirá a área de implantação da placenta e forçará que ela seja expulsa do útero, o que Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 11 é facilitado pela estrutura frouxa da decídua esponjosa. À medida que essa separação acontece, forma-se um hematoma entre a placenta com a decídua separada e a decídua que permanece junto ao miométrio. Existem dois tipos de mecanismo de dequitação, conforme o local do útero em que a placenta está inserida. Mecanismos de dequitação: A. Baudelocque Schultze (central) e B. Baudelocque Duncan (periférico) • Baudelocque-Schultze (BS): mecanismo central de decedura, em que a placenta se encontra inserida posteriormente no fundo do útero: no momento do descolamento, ocorrerá primeiro a exteriorização pela face fetal da placenta, para então haver a eliminação do coágulo (hematoma retroplacentário). Acontece em 85% dos casos; • Baudelocque-Duncan (BD): mecanismo periférico, menos comum, de secundamento, a placenta se encontra inserida na parede lateral do útero: no momento do descolamento pela face materna, ocorre primeiro o sangramento e logo em seguida a exteriorização da placenta. Nesse processo de dequitação, independentemente do mecanismo, ocorre perda de sangue de aproximadamente 300 a 500 mL, que normalmente é bem tolerada pela paciente sem comorbidades. O sangramento, em condições fisiológicas normais, cessará após a expulsão da placenta. O processo de dequitação dá-se em média de 5 a 10 minutos em 80% dos casos, sendo considerado prolongado se acima de 30 minutos, quando complicações hemorrágicas se tornam mais frequentes. → Quarto período do trabalho de parto – primeira hora pós-parto Denominado de quarto período de Greenberg, corresponde à primeira hora após a dequitação. Nesse período, após o desprendimento da placenta, ocorre a retração uterina com a formação de coágulos fisiológicos. Deve-se ter cuidado particular nesse período, devido ao fato de que poderão ocorrer hemorragiassignificativas, tendo como causa a atonia uterina. Esse período é caracterizado por mecanismos que atuarão na prevenção fisiológica do sangramento do leito uteroplacentário. O primeiro mecanismo é a contração do útero, pós-dequitação, provocando obliteração dos vasos miometriais pela contração muscular, o miotamponamento, descrito por Pinard e denominado de ligaduras vivas de Pinard. Provocando um tamponamento devido à formação de trombos intravasculares que obliteram os grandes vasos uteroplacentários e de coágulos que preenchem a cavidade uterina, fase conhecida como segunda fase de proteção contra a hemorragia, o trombotamponamento. Conforme Greenberg, a retirada desses coágulos, por manobras de expressão do útero no pós-parto, deve ser evitada e considerada não fisiológica. Na fase de indiferença miouterina, o útero intercala períodos de contração e relaxamento miometrial, podendo haver períodos de sangramento por enchimento de sangue intrauterino. Alguns fatores podem prolongar essa fase de indiferença miouterina e comprometer a hemostasia uterina, como: trabalho de parto prolongado ou excessivamente rápido, gestações múltiplas, fetos macrossômicos ou polidrâmnio, por hiperdistensão uterina. Após 1 hora do parto, o útero evoluirá com a fase de contração uterina fixa, por adquirir maior tônus, mantendo a hemostasia. 2) DESCREVER OS FENÔMENOS MECÂNICOS DO TRABALHO DE PARTO; O parto pelas vias naturais é desencadeado, na maioria das vezes, de forma espontânea, quando o feto atinge sua maturidade e por determinismos que não cabe discutir neste capítulo, com suas nuances diferenciadas nas primíparas e nas multíparas. O feto, considerado nesse processo como o objeto, deve transitar pela pelve, atravessando as partes ósseas e moles, reconhecidas como o trajeto, e esse caminhar ocorre por uma atividade propulsora que, ao mesmo tempo em que promove a cervicodilatação, atua impulsionando o feto pelo canal pelvigenital, sendo esse o terceiro elemento do parto, o qual se chama de motor, que são as contrações. Assim, o nosso objeto em análise (feto), com auxílio do motor (contrações), deve atravessar o trajeto (bacia) e, para tanto, é submetido a uma série de movimentos e fenômenos massivamente passivos aos quais se denomina, no conjunto, mecanismo de parto. O mecanismo de parto, embora ocorra na intimidade da mulher em parturição e de maneira passiva, deve ser do conhecimento de quem a assiste, pois, por meio da propedêutica obstétrica, é possível ser acompanhado e de forma muito correta, assim podendo-se identificar fatores e situações que, desviadas da normalidade, possam interferir no parto, levando a morosidade e dificuldades que possam culminar com agravos maternos e fetais. O feto, no momento do parto, na maioria dos casos, se encontra em situação longitudinal, isto é, somente 1% está em situação transversa. Pela teoria da acomodação e pela ação da gravidade, justifica-se que Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 12 96,5% se encontrem em apresentação cefálica e, desses, somente 1% está defletido, portanto 95,5% das gestantes no momento do trabalho de parto devem estar com seus fetos em apresentação cefálica fletida. Assim, o mecanismo de parto na apresentação cefálica fletida é o mais eutócico possível. O mecanismo de parto nessa condição apresenta os movimentos passivos, fazendo com que haja redução dos diâmetros pela máxima flexão do polo cefálico e, assim, permite a adequação dos diâmetros fetais aos da bacia óssea, de modo que os menores fetais ocupem os menores da bacia e os maiores fetais se adequem aos maiores da bacia, isso em cada estreito da bacia óssea. Essas adequações dos diâmetros fetais aos da bacia em cada estreito são possíveis graças aos movimentos que a cabeça executa na sua descida; são os movimentos cardinais do feto, e é o que se estuda no mecanismo de parto. Relembrando, a bacia obstétrica ginecoide, que corresponde a mais comum e fisiológica, apresenta no estreito superior predomínio do diâmetro transverso e oblíquos sobre o anteroposterior, no estreito médio existe relativa igualdade dos diâmetros e no estreito inferior há predomínio do anteroposterior sobre o transverso. Dessa forma, tendo-se em mente que o feto apresentará seus diâmetros para passar nesse chamado desfiladeiro pélvico, seus maiores diâmetros na área do estreito superior deverão se acomodar ao diâmetro transverso ou oblíquo e, conforme o polo cefálico se aprofundar na bacia, esses diâmetros deverão procurar se acomodar para que, no estreito inferior, se localizem em relação ao diâmetro anteroposterior. Em relação ao feto, na apresentação cefálica fletida, também chamada de apresentação de vértice, o ponto de reparo ou de referência fetal é a fontanela lambdoide ou lambda ou pequena fontanela, que, na nomenclatura obstétrica, se representa como occipício (O). A linha de orientação é a sutura sagital. O diâmetro do polo cefálico que se apresenta ao estreito superior para insinuação é o occipitofrontal (OF) quando numa atitude indiferente e que, na ocorrência da máxima flexão, passa a assumir o menor diâmetro, que é o suboccipitobregmático (SOB), permitindo a insinuação. Com base na lei de Sellheim, dois ovais desiguais (polo cefálico e bacia obstétrica) só podem se orientar conjugando seus maiores diâmetros. O maior diâmetro fetal, que é o occipitofrontal e que, fletindo, por força da pressão axial do feto, passa a ser o suboccipitobregmático, que se orienta num dos maiores diâmetros da pelve, oblíquo ou transverso. É mais frequente a insinuação no diâmetro transverso (60%) e depois nos oblíquos (18,5% no primeiro oblíquo, 16% no segundo oblíquo e 5,5% no anteroposterior, lembrando que o primeiro oblíquo é o estabelecido da eminência ileopectínea esquerda à sinostose sacroilíaca direita e o segundo, da eminência ileopectínea direita à sinostose sacroilíaca esquerda). São mais frequentes os esquerdos, o que se explica pelo fato de estar o útero mais para a esquerda pela escoliose lombar fisiológica da gravidez. DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA APRESENTAÇÃO DE VÉRTICE O palpar obstétrico é tempo propedêutico fundamental, seja o palpar mensurador, pelo qual se obterá a medida da altura uterina, com evidente importância clínica, mas também a identificação da situação fetal, apresentação e posição (Figura 90.1). Nos casos da apresentação cefálica, a identificação do dorso já qualifica, sendo fletida, a possibilidade de se inferir a posição, que seria a relação do ponto de referência fetal, que é o occipício e o ponto de referência materno como esquerdo ou direito. Maiores referências são obtidas pelo exame de toque, assim podese identificar as variedades de posição como a occipitopúbica (OP) quando o ponto de referência fetal está alinhado com a sínfise púbica. Usando a eminência ileopectínea esquerda ou direita como referência materna, identifica-se que o ponto de referência fetal se relaciona com a parte anterior da bacia e é representado como OEA (occipito esquerda anterior) ou ODA (occipito direita anterior). Nos casos em que o occipício se relaciona com o diâmetro transverso da bacia, diz-se OET ou ODT, se o occipício estiver à esquerda ou à direita, respectivamente. Nos casos em que o occipício se relaciona com a sinostose sacroilíaca direita ou esquerda, diz-se ODP ou OEP, respectivamente. Quando o occipício estiver em relação ao sacro, se diz OS (occipitossacra). Conforme já foi explicado, se a linha de orientação do polo cefálico estiver no primeiro oblíquo, pode-se ter um feto em OEA ou ODP e, no caso de estar no segundo oblíquo, em ODA ou OEP. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 13 No toque, além da identificação da linha de orientaçãoe do ponto de referência fetal caracterizando a variedade de posição, deve-se avaliar o grau de descida da apresentação, que trará informações importantes conforme se verá adiante. Para o diagnóstico do grau de insinuação, pode ser usado o sinal de Farabeuf, expressado pela distância entre a cabeça fetal e o períneo, utilizando o toque digital. A avaliação da altura da apresentação também é feita pelo método de DeLee, em que se considera plano zero quando o ponto mais baixo da apresentação está no plano das espinhas isquiáticas e, em centímetros, -1, - 2, -3, quando acima, e +1, +2 e +3, se estiver abaixo desse plano. TEMPOS DO MECANISMO DE PARTO Para Fernando Magalhães, expressando de forma simplista, o mecanismo de parto se desenvolve em três tempos: insinuação ou encaixamento, descida e desprendimento. Entretanto, para tornar-se mais didático, pode-se dividir o mecanismo de parto em seis tempos: insinuação, descida, rotação interna da cabeça, desprendimento da cabeça, rotação externa da cabeça e desprendimento das espáduas. Na verdade, os movimentos são contínuos e sucessivos. Há quem considere a rotação interna da cabeça como um tempo acessório da descida, e não o terceiro tempo do mecanismo de parto. → Primeiro tempo – Insinuação Insinuação é a passagem pelo estreito superior da bacia do maior diâmetro perpendicular à linha de orientação e como no caso em estudo se trata de apresentação cefálica fletida, a insinuação fica caracterizada como a passagem no diâmetro biparietal pelo plano do estreito superior. Na prática, a avaliação real desse feito é permitida se fazer avaliando quando o occipício atinge o plano das espinhas isquiáticas, ou seja, o plano zero de DeLee; então se fala que nessas condições o polo cefálico está insinuado. Nas primíparas, a insinuação pode ocorrer antes do início do trabalho de parto, num período que se chama de pré-parto e pode anteceder o desencadeamento do parto em 15 dias. Nas multíparas ocorre imediatamente antes da descida, normalmente durante o trabalho de parto. A insinuação da cabeça possui dois movimentos: orientação e flexão. Orientação acomoda o diâmetro OF ao diâmetro mais favorável do estreito superior da pelve materna. A flexão se dá pela contração do útero pressionando o fundo uterino sobre a nádega e a coluna vertebral do feto. → Segundo tempo – Descida A descida ocorre utilizando o diâmetro oblíquo ou o transverso ao qual se orientou. A descida pode ser de duas formas: sinclítica – quando os dois parietais descem de forma simultânea e assinclítica – quando acontecem movimentos de inclinação lateral, movimentos em “badalo de sino”, de forma que um dos parietais desce antes que o outro. O assinclitismo pode ser anterior ou posterior. No anterior, desce primeiro o parietal anterior, logo, a sutura sagital fica mais próxima do sacro. É chamado de “obliquidade de Nägele”. No assinclitismo posterior, desce primeiro o parietal posterior, logo, a sutura sagital fica mais próxima do pube. É chamado de “obliquidade de Litzman”. Normalmente, o assinclitismo é transitório e considerado acomodação da apresentação. O assinclitismo permanente configura distocia. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 14 O assinclitismo posterior ocorre mais frequentemente em primigestas, pois a parede abdominal mais firme, tende a levar o feto para trás, fazendo com que o polo cefálico bascule, levando o parietal posterior a descer antes do anterior. Já nas multíparas ocorre o inverso, a flacidez da parede pende o feto para frente e o parietal anterior tende a descer antes, caracterizando o assinclitismo anterior. → Terceiro tempo – Rotação interna da cabeça A cabeça roda procurando adaptar seu maior diâmetro ao maior diâmetro da bacia, que, no estreito inferior, é o anteroposterior. As variedades anteriores rodam 45° e as posteriores, a 135°. O occipital se move gradativamente de sua posição oblíqua ou transversa para a sínfise púbica. É pouco frequente a rotação para o promontório do sacro (rotação posterior ou sacra), quando a expulsão poderá ocorrer em occipitossacra (OS). Nesse caso, leva um tempo mais prolongado. O diâmetro SOB se conjuga com o diâmetro anteroposterior do estreito inferior da pelve materna, que vai do pube ao cóccix. É alcançado o facílimo de flexão, posição ideal para o desprendimento. Normalmente, num movimento turbinal, a rotação interna da cabeça é simultânea à descida até o quarto plano de Hodge ou +3 de DeLee. → Quarto tempo – Desprendimento da cabeça O occipício está abaixo do pube – hipomóclio – ponto de maior flexibilidade, quando se inicia o desprendimento. O occipício fixa um ponto de alavanca no subpube e, por movimento de deflexão, libera a fronte e a face. O desprendimento se realiza por deflexão, chamado movimento de “chifrada”. A cabeça avança e recua a cada contração. Há oposição da vagina, vulva e períneo. Este se abaula e o ânus se entreabre. Aparecem os parietais e a grande fontanela. A base do nariz se encontra em contato com o cóccix. Sai o resto da cabeça com a face voltada para o chão. → Quinto tempo – Rotação externa da cabeça Estando a cabeça fora da pelve, ela tende a adotar a mesma posição que possuía antes da rotação interna, daí o nome de “restituição”. O diâmetro biacromial descreve os mesmos movimentos que a cabeça adotou, portanto, encaixamento, descida e desprendimento. A descida se dá em oblíquo direito. A rotação interna das espáduas ocorre ao chegar no joelho do canal do parto – o biacrômio roda 45º no sentido horário para se conjugar com o diâmetro anteroposterior do estreito inferior, o mais favorável da pelve materna. A rotação interna permite vencer o joelho e colocar o tronco no seu facílimo de flexão. Ombro anterior em hipomóclio, abaixo do pube e ombro posterior na concavidade sacra. Isso ocorre na altura do estreito médio. → Sexto tempo – Desprendimento das espáduas Ao desprendimento da cabeça se segue o desprendimento das espáduas. Primeiro o ombro anterior, por baixo do pube e, depois, o posterior, que distende o períneo. A pelve fetal tem o diâmetro bitrocanteriano como o executante do mecanismo de parto, que apresenta também os três tempos: insinuação, descida e desprendimento. Só que esses tempos se realizam com grande rapidez e normalmente sem problemas. MECANISMO DE PARTO NAS VARIEDADES OCCIPITOPOSTERIORES Nas posições de vértice em oblíquo posterior, a cabeça tem que rodar 135º para chegar a occipitopúbica (OP). Para que ocorra essa rotação, normalmente as contrações têm que ser eficientes, a cabeça deve estar bem fletida e o feto não pode ser grande. Caso contrário, pode haver parada de rotação em oblíquo posterior ou transversa. Muitas vezes, essa ocorrência se confunde com uma apresentação defletida de primeiro grau. Assim, uma apresentação Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 15 em ODP pode simular uma defletida de primeiro grau em BEA e que, no seu processo de rotação de ODP para OP, equivaleria à rotação de BEA, que acaba fletindo nessa manobra. Finalizando, é muito importante que o obstetra tenha habilidade no reconhecimento dessas características, sempre identificando inicialmente pela palpação a apresentação, a posição e, no exame de toque, mesmo com pouca dilatação, identificando a sutura sagital e os pontos de referência fetal, podendo acompanhar esse mecanismo exposto por meio da evolução da apresentação, seja na relação com os pontos de referência maternos, seja na descida da apresentação, além do que a observação da presença de fenômenos plásticos do polo cefálico também poderá orientar sobre possíveis distocias. 3) CARACTERIZAR O PARTOGRAMA, SUA IMPORTÂNCIA E APLICAÇÃO NO SEGUIMENTO DA PARTURIENTE;Partograma é a representação gráfica do trabalho de parto. É um instrumento fácil de ser utilizado, prático e barato que permite documentar sua evolução, diagnosticar alterações e indicar intervenções apropriadas para s correção desses desvios ou distocias, evitando, assim, que se adotem condutas desnecessárias na assistência à parturiente (Brasil, 2001). Como possibilita o registro da evolução do trabalho de parto, o partograma detecta quando ele não está progredindo normalmente e, se adequadamente interpretado, indica quando há necessidade de estímulo desse trabalho de parto ou se há desproporção cefalopélvica. No entanto, a função do partograma vai muito além de possibilitar o diagnóstico de distocias. Ao comportar dados maternos e os relacionados ao controle de vitalidade fetal, o partograma permite que se identifiquem condições de risco do binômio. Com uso possível desde 1970, trata-se de uma ferramenta que serve como um sistema de aviso precoce e auxilia na decisão de transferir a paciente para centros com maiores recursos, de instituir intervenções ou resolver a gestação, além de incrementar a qualidade e regularidade das observações maternas e fetais durante a assistência ao parto. Revisões sistemáticas e metanálises foram realizadas para se determinar o efeito do uso do partograma sobre a morbimortalidade perinatal e materna e recomendações foram feitas com base nesses estudos. Ao se considerarem parturientes que tiveram seu trabalho de parto registrado em partograma com aquelas nas quais não se utilizou esse instrumento, os estudos não demonstraram evidências de diferenças nas taxas de cesárea, de parto vaginal assistido e incidência de índice de Apgar abaixo de 7 no quinto minuto de vida neonatal. Ao se dar ênfase a outros resultados secundários, não se observaram maiores taxas de estimulação do trabalho de parto, parto vaginal espontâneo, analgesia farmacológica, mortalidade perinatal e admissão de recém-nascido à unidade de cuidados intensivos. Os autores desses trabalhos sugerem que não há evidências de qualidade suficiente para recomendar o uso rotineiro do partograma como parte da assistência obstétrica. No entanto, vale destacar que os trabalhos incluídos nesses estudos são considerados de baixa qualidade e com elevada probabilidade de relevantes vieses. No entanto, como o partograma atualmente é de uso generalizado e geralmente bem aceito, os autores recomendam a utilização dessa ferramenta adaptada para cada serviço. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda fortemente o uso do partograma na assistência obstétrica desde 1994. Essa recomendação ficou clara após o lançamento da série de quatro documentos publicados. Em 2014, a OMS reuniu as melhores evidências sobre condutas adotadas na primeira fase clínica do parto e publicou 20 recomendações referentes a diagnóstico, prevenção e tratamento de distocias e cuidados para mulheres submetidas à estimulação do trabalho de parto. De acordo com essas diretrizes, recomenda-se o uso do partograma, com linha de ação de 4 horas (modelo da OMS), para monitorização da evolução da fase ativa da dilatação, com força de recomendação forte, apesar da qualidade de evidência ser muito baixa. No Brasil, o uso do partograma é recomendado desde a instituição do Programa de Humanização do Parto (Portaria/GM nº 569, de 1º de junho de 2000) e publicação do manual “Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher”, em 2001, pelo Ministério da Saúde (MS). Em 2015, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) adotou a Resolução Normativa nº 368, que dispõe sobre a utilização do partograma, entre outros benefícios, no âmbito da saúde suplementar. O artigo 8 o, Capítulo II, Seção II, diz que o partograma é um documento gráfico no qual são feitos os registros do desenvolvimento do trabalho de parto, das condições maternas e fetais e deverá conter, no mínimo, as informações indicadas pela OMS. Em 2016, o MS do Brasil, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), publicou a “Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal” com o objetivo de garantir o melhor cuidado de saúde possível diante do contexto brasileiro e dos recursos disponíveis no Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 16 sistema de saúde. Nesse documento, a utilização de partograma com linha de ação de 4 horas, modelo da OMS ou equivalente, é recomendada para registro do progresso do parto. Por todo o exposto, o partograma é desenhado para uso em qualquer serviço de assistência obstétrica, porém com diferentes funções a depender do nível dessa assistência. Em centros de parto, a principal função desse instrumento é alertar, precocemente, os profissionais que assistem parturientes sobre anormalidades na progressão do trabalho de parto e indicar transferência da mulher para uma unidade hospitalar. Dentro de hospitais, o diagnóstico de distocia no partograma serve para intensificar a vigilância maternofetal e indicar instituição de intervenções que visem à sua correção. COMPONENTES DO PARTOGRAMA Inicialmente, é importante salientar que o partograma deve ser utilizado por profissionais de saúde com treino adequado para conduzir um trabalho de parto normal, que saiba realizar toques vaginais e avaliar corretamente a dilatação cervical e que tenha conhecimento de como preencher essa ferramenta. O partograma pode ser utilizado durante todos os trabalhos de parto conduzidos em ambiente hospitalar e, quando fora dele, apenas em casos de gestação de risco habitual, a termo e com início espontâneo. O modelo de partograma mais utilizado e testado e do qual derivam os vários existentes é o da OMS. Na sua primeira versão (1994), o partograma possuía um local referente à fase latente da dilatação, e a fase ativa começava com 3 cm. Na versão modificada (2000), a fase latente foi excluída e a fase ativa começa com 4 cm. No Brasil, o partograma mais usado é o preconizado pelo MS, que tem semelhanças com o da OMS e é de mais fácil preenchimento. Como já comentado, o partograma torna possível a representação gráfica dos eventos ocorridos no trabalho de parto ao longo do tempo, em horas. Por isso, ele contém três partes. Parte 1: progressão do trabalho de parto Essa seção é destinada à avaliação da progressão do trabalho de parto e compreende o preenchimento do cervicograma e a avaliação das contrações uterinas maternas. No cervicograma se faz o registro da dilatação cervical e altura da apresentação, em função do tempo. Para que o seu preenchimento seja correto, é importante entender os conceitos de trabalho de parto e suas diversas fases clínicas estabelecidos por Emanuel Friedman, nas décadas de 1950 e 1960. Recentemente, as divisões do trabalho de parto propostas por esse pesquisador foram corroboradas pela OMS. → Fase de dilatação Em 1954, ao descrever o trabalho de parto de 500 nulíparas, Friedman demonstrou que a relação entre a progressão da dilatação cervical e o tempo, (na primeira fase clínica do parto ou de dilatação) é representada por uma curva sigmoide. Além disso, essa fase foi historicamente dividida em latente e ativa, a depender da velocidade com que a dilatação ocorre. A fase latente se inicia com o diagnóstico de trabalho de parto, ou seja, com a associação de pelo menos duas contrações rítmicas em 10 minutos e dilatação cervical de 2 a 3 cm, e se estende até 4 cm de dilatação. É a fase mais longa, com duração média de 8 horas, mas podendo ter até 20 horas. Na fase ativa, que se inicia com 4 cm e termina com a dilatação completa do colo, a velocidade da dilatação cervical aumenta significativamente e é de 1 cm por hora, em média. Nessa fase é possível estabeleceros diagnósticos de distocias, também definidos por Friedman. Sendo assim, é importante salientar que, para análise da progressão do trabalho de parto, a fase de interesse para aplicação do partograma é a fase ativa da dilatação. Portanto, o partograma deve ser iniciado no momento em que a parturiente apresenta dilatação Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 17 cervical de 4 cm. A abertura do partograma na fase latente implicaria intervenções desnecessárias. Observações clínicas realizadas nessa fase, caso a parturiente seja internada nesse momento, devem ser anotadas em outro local. Em sua forma mais comum, o cervicograma é documentado em papel quadriculado. Na abscissa (eixo X), coloca-se o tempo, sendo cada divisória correspondente a meia hora no partograma da OMS e a 1 hora no do MS do Brasil. Nas ordenadas (eixo Y) do partograma da OMS, a dilatação cervical e a descida fetal são representadas à esquerda. No partograma do MS do Brasil, a dilatação é representada à esquerda e a descida da apresentação à direita. Em ambos os partogramas, cada divisória das ordenadas corresponde a 1 cm. Na representação da descida fetal, considera-se como plano zero de DeLee (ou plano III de Hodge) aquele das espinhas ciáticas, no estreito médio da pelve materna. Acima desse ponto estão os valores negativos e abaixo, os positivos de DeLee. O modo de utilização do cervicograma pode ser adaptado para diferentes realidades. O mais importante e conhecido foi o realizado por Philpott e Castle (1972), dois professores da universidade da Rodésia (atual Zimbabwe), que atuavam em uma região carente de leitos obstétricos e onde a maioria dos partos era realizada por parteiras. Esses pesquisadores acrescentaram mudanças ao cervicograma na tentativa de identificar pacientes com maior risco de precisarem de pessoal mais capacitado para resolver suas gestações e que, portanto, deveriam ser encaminhadas a hospitais. Com base nos conhecimentos de Friedman, eles construíram duas linhas diagonais no cervicograma e as denominaram linha de alerta e ação. A linha de alerta tem seu início nos 4 cm e tem inclinação suficiente para que a representação da dilatação cervical, em trabalhos de parto normais, coincida com ela ou fique imediatamente à sua esquerda, a depender do partograma utilizado. Quando a dilatação cervical cruzava a linha de alerta, a paciente seria classificada como de maior risco para distocia, seja por contrações ineficazes ou por desproporção cefalopélvica, e deveria ser encaminhada ao hospital mais próximo. A linha de ação foi construída paralela à de alerta, com intervalo de 4 horas. Esse era o tempo suficiente para que a paciente chegasse ao hospital de referência em segurança. Nos dias atuais, a maioria dos partogramas é utilizada em ambiente hospitalar. Logo, não existe a necessidade de instituir intervenções imediatas em casos em que a dilatação cruza a linha de alerta. Esse fato apenas significa que a parturiente e seu feto demandam melhor observação clínica. Medidas não invasivas como mudanças de posturas e liberdade de movimentos podem auxiliar na correção de possíveis distocias nesse momento. Intervenções mais invasivas se tornam necessárias quando a dilatação cervical atinge a linha de ação e elas não são necessariamente cirúrgicas. A revisão sistemática de Lavender et al. (2013), realizada com o objetivo de determinar o efeito do partograma e seu desenho sobre os resultados maternos e perinatais, demonstrou que parturientes que tiveram a fase de dilatação documentada em partogramas com linha de ação a 2 horas da de alerta receberam mais ocitocina quando comparadas a mulheres com partogramas com linha de ação de 4 horas. Mulheres com partogramas com linha de ação de 4 horas também tiveram menores taxas de cesárea quando comparadas àquelas com partogramas com linha de ação de 3 horas. Vale enfatizar que, no cervicograma do partograma do MS, a dilatação cervical é representada por um triângulo colocado na linha que representa quantos centímetros a paciente apresenta no momento de sua avaliação, imediatamente à esquerda da linha de alerta. A apresentação fetal é representada por um desenho que demonstra a variedade de posição. No partograma da OMS, a dilatação cervical é representada por um “x” plotado na intersecção da linha de alerta com a linha que representa quantos centímetros a parturiente apresenta. Em trabalhos de parto com progressão normal, as marcações ficarão na linha ou à sua esquerda. O intervalo em que a paciente é submetida a toques vaginais para seu preenchimento varia de 2 a 4 horas, a depender da parturiente e evolução de seu trabalho de parto. → Período expulsivo O período expulsivo ou segunda fase clínica do parto também deve ser documentado no partograma e, por isso, conceitos referentes a ele merecem ser discutidos. Segundo Friedman, o tempo máximo de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 18 período expulsivo é de aproximadamente 2 horas e 1 hora, considerando nulíparas e multíparas, respectivamente. Mais recentemente, vários pesquisadores têm investigado a relação entre a duração desse período e os resultados maternos e neonatais adversos, na tentativa de se definir o que pode ser considerado “normal”. Com as melhorias na monitorização fetal intraparto, desfechos adversos em RN de primigestas não têm sido associados à duração do expulsivo. Para multíparas, apesar de existirem poucos trabalhos na literatura, parece que resultados adversos neonatais só foram encontrados quando o período expulsivo foi superior a 2 horas. Por outro lado, complicações maternas e maiores taxas de cesárea foram associadas ao prolongamento do expulsivo. No entanto, esses resultados adversos estão mais associados às ações e intervenções realizadas pelos profissionais que assistem a paciente que pela duração desse período por si só. O American College of Obstetricians and Gynecologists sugere manter a tentativa de parto vaginal por pelo menos 2 horas em gestantes multíparas e 3 horas em primigestas, se as condições maternas e fetais assim o permitirem. Períodos mais longos podem ser apropriados e adotados de forma individualizada, em pacientes com analgesia farmacológica e com fetos em apresentações anômalas, desde que a progressão da descida fetal seja documentada. O trabalho de Friedman foi brilhante pela repercussão que teve na assistência obstétrica, entretanto essa assistência mudou muito desde então, assim como as características das parturientes. Vários autores tentaram estabelecer novas curvas com suas populações, mas foram os trabalhos de Zhang et al. que mudaram esse cenário. Em sua publicação de 2002, Zhang et al. avaliaram a curva de evolução da dilatação cervical ao longo do trabalho de parto de primigestas, demonstrando que a transição da fase latente para a ativa é mais gradual do que a observada na curva de Friedman. Além disso, os autores mostraram que, dos 4 aos 6 cm, a velocidade da dilatação cervical é mais lenta que a historicamente descrita, podendo essa transição durar até 10 horas, e que somente após os 6 cm a dilatação ocorre na velocidade relatada anteriormente por Friedman. Por isso, as distocias só poderiam ser diagnosticadas a partir dos 6 cm, quando então se iniciaria a fase ativa do trabalho de parto. Em 2010, Zhang et al. publicaram dados mais robustos do estudo retrospectivo multicêntrico Consortium on Safe Labor, no qual sugeriram novos conceitos para a progressão “normal” do trabalho de parto e correção de distocias. Esse estudo extraiu dados de partos de 62.415 mulheres, de paridade variada, em 19 hospitais nos Estados Unidos da América, nos anos de 2002 a 2008. A análise dos dados coletadosconfirmou a progressão mais lenta da dilatação cervical dos 4 aos 6 cm, independentemente da paridade da paciente e demonstrou que, a partir de 6 cm, a velocidade de dilatação realmente aumenta, sendo significativamente maior em multíparas quando comparadas às primigestas. Além disso, esse estudo estabeleceu novos limites superiores da normalidade para a duração do período expulsivo para primigestas, de 3,6 e 2,8 horas, caso haja ou não analgesia de parto, respectivamente, independentemente de qualquer progressão da descida fetal. Cumpre destacar que esses limites acrescentam 1 hora aos estabelecidos por Friedman. Por fim, com base nesses novos achados referentes ao trabalho de parto, os autores sugerem a adoção de novos partogramas para primigestas diferentes dos recomendados pela OMS e pelo MS do Brasil, cujas construções levam em consideração os conceitos de Friedman. Esses partogramas não teriam linhas de alerta, mas cada parturiente, de acordo com a dilatação cervical detectada em sua admissão, teria sua própria linha de ação (exponencial em degraus) para realização de intervenções. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 19 Observações referentes às contrações são realizadas a cada hora. Considerando um período de avaliação de 10 minutos, devem ser anotadas quantas contrações ocorrem (cada quadrado representa uma contração) e qual é a intensidade dessas contrações. Contrações fortes são representadas por quadrados totalmente preenchidos, contrações moderadas por quadrados preenchidos pela metade e contrações fracas por quadrados vazios. Cumpre lembrar que a presença de mais de cinco contrações em 10 minutos caracteriza condição de anormalidade denominada taquissistolia. Parte 2: condições fetais Essa seção é utilizada para documentar condições fetais evolutivas importantes durante o trabalho de parto. É possível avaliar a vitalidade fetal por meio da ausculta fetal eletrônica intermitente, a integridade das membranas corioamnióticas e, quando rotas, as características do líquido amniótico e fenômenos plásticos do polo cefálico. → Ausculta fetal É crucial que haja abordagem padronizada que permita a melhor forma de controle da vitalidade fetal e que seja capaz de estabelecer intervenções que identifiquem os resultados falsos-positivos de comprometimento do feto. O uso generalizado de ausculta fetal contínua não reduziu resultados adversos relacionados à acidemia quando aplicado em mulheres com gravidez de baixo risco. A metanálise publicada em 2013, que incluiu parturientes com graus variados de risco para acidemia no início do trabalho de parto, demonstrou que a ausculta contínua se associou a maiores taxas de cesárea e de parto vaginal assistido quando comparada a ausculta intermitente. Entretanto, a ausculta contínua reduziu pela metade a incidência de crises convulsivas neonatais precoces, mas sem redução da mortalidade perinatal ou paralisia cerebral. Portanto, a ausculta intermitente é a preconizada para controle da vitalidade no intraparto e definição da linha de base da frequência cardíaca fetal, bem como para identificação de acelerações e desacelerações dessa frequência. Os valores de linha de base considerados normais são 110 a 160. Em pacientes de risco habitual, o ACOG recomenda que a frequência cardíaca fetal seja auscultada a cada 30 minutos durante a fase ativa do trabalho de parto e a cada 15 minutos no período expulsivo. Para gestações de alto risco, esses intervalos seriam de 15 e 5 minutos, respectivamente. No partograma da OMS há espaço para anotações a cada 30 minutos, enquanto no do MS do Brasil há espaço para avaliação horária. Auscultas adicionais, bem como mudanças na forma de ausculta e demais condutas, devem ser anotadas em outro local. A ausculta de qualquer anormalidade demanda a realização de ausculta fetal contínua e instituição de intervenções que visem identificar o feto de alto risco para acidemia. → Características do líquido amniótico No local destinado a documentar esse parâmetro, deve-se colocar: letra I para membranas íntegras. Caso haja rotura, as letras serão as seguintes: C para líquido claro, M para mecônio, S para líquido tinto de sangue e A para ausência de líquido. → Amoldamento do crânio fetal A presença de crânio com amoldamento dos ossos em associação com apresentação fetal alta pode significar desproporção cefalopélvica. Esse parâmetro pode ser representado da seguinte forma: por 0 se os ossos estão separados e as suturas são facilmente palpadas, por (+) se os ossos estão justapostos, por (++) se os ossos se sobrepõem e por (+++) se a sobreposição for muito relevante. Parte 3: condições maternas No partograma da OMS há espaços destinados à documentação, além das contrações uterinas, de sinais vitais e de intervenções maternas importantes na condução do trabalho de parto, tais como: temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca e tipos e posologias de fluidos e/ou drogas que porventura estejam sendo administrados. No partograma do MS, há espaço para a documentação do uso de fluidos, ocitocina e/ou outras medicações e dados sobre analgesia de parto (farmacológica ou não). É importante salientar que esses dados, estando ou não no partograma, devem ser coletados a cada hora ou a intervalos mais curtos a depender do caso. Por isso, cada serviço deve customizar o partograma para que ele seja mais adequado, sempre respeitando seus princípios básicos. 4) CARACTERIZAR PARTO EUTÓCICO E DISTÓCICO, CITANDO AS PRINCIPAIS CAUSAS PARA A INDICAÇÃO DE CIRURGIA CESÁREA; A definição para trabalho de parto ainda não é consenso na literatura. Entender como ele se inicia e qual é a sua evolução natural é importante para evitar intervenções desnecessárias ou negligenciá-las quando necessário. Afinal, estima-se que 60% das cesáreas indicadas nos Estados Unidos da América têm a falha na progressão do trabalho de parto como motivação. A definição mais frequentemente utilizada em nosso meio é a de que podemos considerar a gestante em trabalho de parto quando existirem contrações uterinas rítmicas e capazes de dilatar e esvaecer o colo. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 20 Pode-se definir distocia como qualquer perturbação no bom andamento do parto em que estejam implicadas alterações em um dos três fatores fundamentais que participam do parto: • Força motriz ou contratilidade uterina – caracteriza a distocia funcional; • Objeto – caracteriza a distocia fetal; • Trajeto (bacia e partes moles) – caracteriza a distocia do trajeto. Distocia Funcional: Caracterizada como a alteração na força motriz durante o trabalho de parto, pode estar presente em até 37% das nulíparas com gestações de baixo risco. Utiliza-se a classificação de Goff para descrever as distocias funcionais, a saber: → Distocia por hipoatividade uterina Os elementos da contração encontram-se abaixo do normal, gerando um parto lento. Nestes casos, a conduta necessária é aumentar a força motriz com medidas ocitócicas, como a amniotomia e/ou infusão de ocitocina, separadas entre si por no mínimo 40 a 60 minutos. Pode ser dividida em: • Hipoatividade primária - diagnosticada desde o início do trabalho de parto; • Hipoatividade secundária - inicialmente normal, tornou-se ficou lento ou parou de evoluir. → Distocia por hiperatividade uterina Os elementos da contração estão acima do normal, porém não geram necessariamente um parto rápido. Subdivide-se em: • Hiperatividade com obstrução, como devido à desproporção cefalopélvica, tumor de trajeto prévio, ou sinéquia do colo uterino; • Hiperatividade sem obstrução – a hiperatividade é intrínseca, levando a um parto rápido, ao que se conceitua um parto em 3 horas ou menos – desdeo início do trabalho de parto até a expulsão do produto conceptual e da placenta e suas membranas. → Distocia por hipertonia Gera um parto lento, causado normalmente por: • Uso indevido de ocitocina - é a causa mais frequente de hipertonia. Deve-se suspender seu uso imediatamente. • Sobredistensão uterina - por gemelidade ou polidramnia, por exemplo. Deve-se tentar amniodrenagem ou rotura de uma das bolsas amnióticas, se clinicamente possível. → Distocia por hipotonia uterina Não possui relevância clínica durante a dilatação ou no período expulsivo, mas pode acarretar em uma dequitação retardada. Deve ser corrigida com medidas ocitócicas. → Distocia de dilatação Seu diagnóstico é feito por eliminação. São casos em que a atividade uterina e o tônus são normais, mas a evolução ainda assim não é favorável. O quadro clínico pode se apresentar de duas formas: • Com paciente poliqueixosa, ansiosa - a liberação de catecolaminas na circulação decorrente do estresse pode levar à incoordenação uterina. Deve-se orientar a paciente e oferecer, se possível, analgesia peridural. • Quando não se trata de ansiedade, provavelmente está ocorrendo inversão de gradiente ou incoordenação de primeiro grau idiopáticos. Deve-se adotar medidas ocitócicas, visto que a ocitocina sensibiliza o marcapasso uterino. Distocia Do Trajeto Deve-se à presença de anormalidades ósseas ou de partes moles, o que gera um estreitamento do canal de parto e dificulta ou até impede a evolução normal do trabalho de parto e a passagem do feto. → Distocias ósseas São anormalidades no formato, no tamanho ou nas angulações da pelve, o que torna difícil ou até impede o parto por via vaginal. Para diagnosticá-las, o principal meio de avaliação ainda é clínico, através da pelvimetria, apesar da possibilidade de realização de radiografias de quadril ou ressonância magnética da pelve, para as quais reservamos os casos mais dúbios. TOPOGRAFIA DA DISTOCIA DIÂMETRO ALTERADO PARÂMETRO QUADRO CLÍNICO Estreito Superior Anteroposterior (conjugata diagonalis – entre promontório sacral e ângulo subpúbico) Inferior a 11,5 cm Apresentação alta mesmo com concentrações efetivas; apresentações defletidas e situação transversa são mais comuns. Presença do sinal de Müller. Estreito Médio Transverso bi-isquiático (coincide com o diâmetro bituberoso, entre as tuberosidades isquiáticas) Inferior a 10 cm Partos prolongados, apesar das contrações efetivas ou até aumentadas. Estreito Inferior Coincide com o estreito médio (avaliar o diâmetro bituberoso) Inferior a 8 cm Raro isoladamente; normalmente vem associada à distocia do estreito médio. → Distocias de partes moles São alterações do canal de parto que impedem a progressão do trabalho de parto, excetuando-se as distocias ósseas, a saber: • Vulva e períneo: Varizes, estenose ou edema de vulva, condiloma acuminado de grande extensão. Normalmente não impedem o parto, mas podem Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 21 gerar mais sangramentos vaginais e/ou infecções pós-parto; • Vagina: septos vaginais (transversos ou longitudinais); • Colo: hipertrofia, estenose cervical pós-cirúrgica (conização, cerclagem) ou cicatricial e edema de colo; • Tumores prévios: interpõem-se à apresentação fetal, como miomas ou neoplasias de colo uterino. Distocia do objeto São as anormalidades que ocorrem no trabalho de parto atribuídas ao feto e às relações materno-fetais. → Tamanho fetal O tamanho do feto pode prejudicar uma boa evolução do trabalho de parto quando este for estimado em mais de 4000 g ou quando, mesmo não tendo um peso aumentado, a bacia materna não apresenta diâmetros que permitam a sua passagem, ao que se denomina desproporção cefalopélvica. Deve-se tentar identificar uma distócia pelo tamanho fetal preferencialmente antes do trabalho de parto efetivamente, o que pode ser evidenciado de diversas maneiras: • Altura uterina acima do percentil 95 para idade gestacional; • Presença de edema suprapúbico e membros inferiores sem insinuação do pólo cefálico no estreito superior da bacia; • Estimativa do peso fetal por meio de ultrassonografia obstétrica; • Prova de trabalho de parto – caracteriza-se a parada secundária de dilatação pelo partograma. → Distocia de biacromial Trata-se de complicação grave que pode ocorrer no trabalho de parto, quando a apresentação é cefálica e, após o desprendimento do pólo cefálico, os ombros não se soltam e não há outros fatores que impeçam seu desprendimento. Associa-se frequentemente a obesidade materna, ao pós-datismo e à diabetes gestacional. A distocia de ombros, como também é chamada, pode causar graves consequências à parturiente – como lacerações, atonia uterina, rotura uterina ou disjunção da sínfise púbica – e ao feto – lesões de plexo braquial, fratura de clavícula ou úmero, podendo evoluir para óbito intraparto ou neonatal. OBS.: Diante da impossibilidade de alcançar os ombros, deve-se indicar resolução da gestação por via alta, reintroduzindo a cabeça na pelve materna até as espinhas isquiáticas (manobra de Zavaneli). Diante de uma distocia biacromial, deve-se adotar as seguintes medidas iniciais, em ordem, como descritas abaixo – protocolo ALEERTA, orientado pelo ALSO (Advanced Life Support of Obstetrics): A Chamar ajuda; Avisar a parturiente; Anestesia a postos L Levantar os membros inferiores em hiperflexão (manobra de McRoberts) E Pressão suprapúbica externa (manobra de Rubin I) E Considerar Episiotomia R Remover o braço posterior T Toque para as manobras internas: Manobra de Rubin II; Manobra de Woods; e Manobra do parafuso invertido. A Alterar a posição: paciente em quatro apoios (manobra de Gaskin) → Anormalidades de situação e apresentação Não são tão frequentes no trabalho de parto quanto as distocias já citadas. 5) CARACTERIZAR O PUERPÉRIO; Puerpério (puer = criança, parere = parir): sobreparto ou pós-parto é o período cronologicamente variável, de duração imprecisa, que se inicia logo após o parto e termina quando as modificações locais e gerais determinadas pela gestação no organismo materno retornam às condições normais. Popularmente é também conhecido como resguardo ou quarentena. Duração: no que diz respeito à duração, de acordo com Mello e Neme (1995), é importante considerar o início e o término do puerpério. Quanto ao seu início, existe um consenso geral de que ele se dá logo após a Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 22 expulsão da placenta e das suas membranas ovulares. Para Rezende (1995), a primeira hora após a saída da placenta é denominada de período de Greenberg. Em relação ao seu término, embora não haja uma posição uniforme entre os autores clássicos, observa-se ainda uma tendência da maioria em seguir Eastman (1950), que relaciona o término do puerpério com a sexta semana após o parto. Segundo Vokaer (1955), o tempo de duração normal do puerpério é de 6 a 8 semanas após o parto. Classificação De acordo com Vokaer (1955) e Rezende (1995) o puerpério pode ser dividido em 3 períodos distintos: • Puerpério imediato: tem início logo após a dequitação (saída da placenta) e se estende até o 10º dia pós- parto. Está caracterizado pelo predomínio da crise genital, onde prevalecem os fenômenos catabólicos e involutivos das estruturas hipertrofiadas e hiperplasiadas na gestação, bem como pelas alterações gerais referentes à regressão das modificações determinadas pela gravidez. • Puerpério tardio: vai do 10º dia até o 45º dia. É o período de transição entre a fase da crise e da recuperação genital, mitigando a primeira e ganhando impulso a segunda, especialmente nas mulheres não lactantes. • Puerpério remoto: é o período de duração imprecisa, quetem início no 46º dia e se estende até a completa recuperação das alterações determinadas pela gestação e parto e o retorno dos ciclos menstruais ovulatórios normais. Nas mulheres não lactantes, este período é curto, podendo perdurar entre 50 e 60 dias. Nas lactantes, este período poderá ser maior, dependendo da duração da lactação. Fenômenos puerperais Involução uterina: a diminuição do tamanho do útero é denominada de involução. De acordo com Bowes Jr. (1991), este fenômeno tem sido objeto de inúmeros estudos há mais de cem anos. Na superfície interna, logo após o parto, o sítio placentário constitui-se numa área saliente, de contornos irregulares, cruenta e sangrante, medindo cerca de 10cm de diâmetro. Ao término de dez dias, seu tamanho fica reduzido à metade. Toda a espessura do endométrio se regenera duas a três semanas após o parto, com exceção da área placentária, cuja regeneração completa se dá em torno da sexta e oitava semana pós-parto. Essa área se desprende lentamente pelo crescimento do tecido endometrial subjacente por baixo da zona de inserção. Distúrbios desses processos podem ocasionar hemorragia. A involução uterina tem como causa principal a repentina queda dos níveis de estrogênio e progesterona, que desencadeia a liberação de enzimas proteolíticas no endométrio. Essas enzimas, por meio de um processo de autólise, transformam o material proteico das células endometriais em substâncias que são absorvidas e eliminadas pela urina. A quantidade das células é preservada durante a involução uterina, mas há uma redução do seu volume (tamanho), que passa de 171 micra de comprimento por 11,5 micra de espessura para, respectivamente, 17,5 e 4,5 micra ao término do puerpério. A velocidade deste processo involutivo sofre influência de determinadas condições, podendo ser mais lenta em situações nas quais ocorreram grandes distensões durante a gestação (polidrâmio, gemelaridade), pós-cesárea, nas puérperas não lactantes e na ocorrência de quadros infecciosos. Em geral, a involução uterina ocorre mais rapidamente nas lactantes graças ao reflexo uteromamário determinado pela ação da ocitocina, que é liberada durante as mamadas, agindo sobre o útero provocando contrações. Loquiação: as perdas que escoam pelo trato vaginal após o parto são designadas de lóquios. Constituem-se em secreções resultantes da produção de exsudatos e transudatos misturados com elementos celulares descamados e sangue, que procedem da ferida placentária, do colo uterino e da vagina. Existem variações fisiológicas na quantidade e nas características dos lóquios, principalmente na cor, de acordo com o período puerperal. Deste modo, eles podem ser classificados em três tipos: • Vermelhos ou sanguinolentos (lochia rubra ou cruenta), presentes nos primeiros três a quatro dias, constituindo-se de sangue, tecido decidual necrosado e células epiteliais. Geralmente a quantidade é semelhante à do fluxo menstrual. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 23 • Serosanguinolentos (lochia fusca), presentes a partir do terceiro ou quarto dia até o décimo. Sua coloração passa para rósea/acastanhada resultante de alterações de hemoglobina, diminuição do número de hemácias e elevação dos leucócitos. • Serosos (lochia flava) são observados após o décimo dia, podendo se estender até a quinta ou sexta semana e assumem coloração amarelada ou branca. Apesar de ter sido objeto de inúmeras mensurações, inexiste um consenso entre os autores em relação à quantidade do fluido loquial eliminado, dadas as variações individuais observadas. Supõe-se que o volume de lóquios na primeira semana alcance 500ml. Os lóquios possuem odor característico, sendo descrito como semelhante ao do sangue menstrual; constituindo-se de odor fétido é sugestivo de infecção. Qualquer patologia de endométrio, colo uterino ou vagina modifica as características dos lóquios, seja na quantidade, na cor ou no odor. Em algumas situações pode haver a retenção de lóquios, situação clínica considerada indesejável, pois predispõe à infecção puerperal. Esta intercorrência é designada de loquiometria. 6) DESCREVER A FISIOPATOLOGIA E A EPIDEMIOLOGIA DA DIABETES GESTACIONAL, CITANDO AS SUAS POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES PARA A GESTANTE, O CONCEPTO E A PUÉRPERA; Dados epidemiológicos Atualmente, aproximadamente 415 milhões de adultos apresentam diabetes mellitus (DM) em todo o mundo e 318 milhões de adultos possuem intolerância à glicose, com risco elevado de desenvolver a doença no futuro. O DM e suas complicações estão entre as principais causas de morte na maioria dos países. Estima-se que uma em cada 12 mortes em adultos no mundo possa ser atribuída ao DM, um total de aproximadamente 5 milhões de casos ao ano, o que equivale a uma morte a cada 6 segundos; a proporção de óbitos é ligeiramente maior em mulheres do que em homens. O gasto com DM, na maioria dos países, varia entre 5% e 20% das despesas globais em saúde. Sabe-se que, para mulheres, o principal fator de risco para o desenvolvimento de DM do tipo 2 e de síndrome metabólica é o antecedente obstétrico de DMG. Nesse contexto, a hiperglicemia durante o ciclo gravídico- puerperal constitui um relevante problema da atualidade, não só pelo risco de piores desfechos perinatais e de desenvolvimento de doenças futuras, como também pelo aumento de sua prevalência, seguindo a epidemia de obesidade que tem sido observada em vários países. A prevalência de excesso de peso entre a população adulta é de 56,9%, enquanto a de obesidade chega a 20,8%. Estima-se que aproximadamente 58% dos casos de DM sejam atribuíveis à obesidade, cujas causas são multifatoriais e relacionadas a má alimentação e modos de comer e viver da atualidade. Observa-se nos últimos anos o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, em especial as bebidas açucaradas, cujo consumo tem se mostrado associado ao desenvolvimento do excesso de peso e DM. A hiperglicemia durante a gestação também afeta os filhos dessas mulheres, aumentando os riscos de essas crianças desenvolverem obesidade, síndrome metabólica e diabetes na vida futura. Assim, com o objetivo de diminuir a prevalência desses distúrbios metabólicos, o diagnóstico do DMG deve ser considerado uma prioridade de saúde mundial. Nas duas últimas décadas, houve aumento progressivo do número de mulheres com diagnóstico de diabetes em idade fértil e durante o ciclo gravídico- puerperal, como reflexo do crescimento populacional, do aumento da idade materna, da falta de atividade física e, principalmente, do aumento da prevalência de obesidade. A prevalência de hiperglicemia durante a gravidez pode variar dependendo dos critérios diagnósticos utilizados e da população estudada. Segundo estudos populacionais realizados nas últimas décadas, a prevalência de DMG varia de 1% a 37,7%, com média mundial de 16,2%. Na atualidade, estima-se que um em cada seis nascimentos ocorra em mulheres com alguma forma de hiperglicemia durante a gestação, e 84% desses casos seriam decorrentes do DMG. O Brasil é o quarto país do mundo entre os países com maiores taxas de DM na população adulta, com um total de 14,3 milhões de pessoas de 20 a 79 anos com DM, o que levaria ao gasto anual de pelo menos US$ 21,8 bilhões (International Diabetes Federation, 2015). As estimativas populacionais de frequência de hiperglicemia na gestação no Brasil são conflitantes, porém estima-se que a prevalência de DMG no Sistema Único de Saúde (SUS) seja de aproximadamente 18%, utilizando-se os critérios diagnósticos atualmente propostos na literatura. Definições O DM representa um conjunto de distúrbios endócrinos caracterizados por hiperglicemia consequente à deficiência insulínica. Essa deficiência pode ser decorrenteda produção pancreática reduzida, de inadequada liberação e/ou da resistência periférica ao hormônio. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 24 A caracterização etiopatogênica da disglicemia permite o entendimento da fisiopatologia e proporciona o embasamento para o adequado manejo de cada caso nas diversas fases da vida do indivíduo. Considerando o período gravídico-puerperal, é possível a ocorrência de hiperglicemia tanto em mulheres já sabidamente diagnosticadas como portadoras de DM previamente à gestação quanto em gestantes sem esse diagnóstico prévio. As recentes diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos principais protocolos de manejo de DM recomendam que a hiperglicemia inicialmente detectada em qualquer momento da gravidez deva ser categorizada e diferenciada em DM diagnosticado na gestação (do inglês overt diabetes) ou em DMG. Pode-se, portanto, definir: • Diabetes mellitus gestacional: mulher com hiperglicemia detectada pela primeira vez durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não atingem os critérios diagnósticos para DM; • Diabetes mellitus diagnosticado na gestação (overt diabetes): mulher sem diagnóstico prévio de DM, com hiperglicemia detectada na gravidez e com níveis glicêmicos sanguíneos que atingem os critérios da OMS para o DM em não gestantes; Fisiopatologia A gestação se caracteriza por ser estado de resistência à insulina. Essa condição, aliada à intensa mudança nos mecanismos de controle da glicemia, em função do consumo de glicose pelo embrião e feto, pode contribuir para a ocorrência de alterações glicêmicas, favorecendo o desenvolvimento de DMG nessa fase. Alguns hormônios produzidos pela placenta e outros aumentados pela gestação, tais como lactogênio placentário, cortisol e prolactina, podem promover redução da atuação da insulina em seus receptores e consequente aumento da produção de insulina nas gestantes saudáveis. Esse mecanismo, entretanto, pode não ser observado em gestantes que já estejam com sua capacidade de produção no limite. Essas mulheres têm insuficiente aumento da insulina e, assim, podem se tornar diabéticas durante a gestação. Diagnóstico Considerando-se as especificidades do Brasil, vê-se como importante a proposição de duas estratégias de diagnóstico de DMG para nossa população, na dependência da viabilidade financeira e disponibilidade técnica de cada região. Pretende-se, assim, alcançar a maior cobertura possível e, dessa forma, diminuir a iniquidade de acesso. Em situações de viabilidade financeira e disponibilidade técnica total, deve-se realizar a glicemia de jejum (até 20 semanas de idade gestacional) para diagnóstico de DMG e de DM diagnosticado na gestação. Caso a glicemia de jejum apresente valores inferiores a 92 mg/dL, deve-se realizar o TOTG com 75 g de glicose de 24 a 28 semanas. Se o início do pré-natal for tardio, deve-se realizar o TOTG visando ao diagnóstico com a maior Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 25 brevidade possível. Estima-se que, assim, sejam detectados 100% dos casos. Em situações de viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial, deve-se realizar a glicemia de jejum no início do pré-natal para diagnóstico de DMG e de DM diagnosticado na gestação e, caso o resultado do exame apresente valores inferiores a 92 mg/dL, antes de 24 semanas de idade gestacional, deve-se repetir a glicemia de jejum de 24 a 28 semanas. Estima-se que, assim, sejam detectados 86% dos casos. Conduta da gestante O tratamento da paciente com diabetes é sempre interdisciplinar e inclui, desde o seu início, dieta orientada por nutricionista capacitado e habituado ao atendimento a gestantes, exercício físico e monitoramento glicêmico diário por meio da glicosimetria capilar. Pacientes com DM pré-gestacional precisam de avaliação quanto a possíveis lesões de órgãos-alvo e presença de malformações fetais (ultrassonografia morfológica e ecocardiograma fetal). Deve-se ainda considerar que em casos de vasculopatia materna pode ocorrer insuficiência placentária, sendo necessários o monitoramento da vitalidade fetal com Dopplervelocimetria e o perfil biofísico fetal para avaliar a função placentária. Outro ponto importante a ser avaliado é quanto ao maior risco de infecções do trato urinário ou de bacteriúria assintomática, sendo importante a realização de urocultura a cada dois meses. Para todas as pacientes portadoras de diabetes, independentemente do tipo, deve-se programar avaliação de vitalidade fetal a partir da viabilidade fetal e ultrassonografia obstétrica mensal para mensurar o crescimento fetal. Caso o controle glicêmico permaneça adequado e o peso fetal estimado não seja superior a 4.000g, a gestação é acompanhada até a idade gestacional de 39 a 40 semanas. Se o controle glicêmico for insatisfatório, pode-se considerar a resolução da gestação entre 37 e 40 semanas. Anormalidades nos exame de vitalidade fetal indicam a resolução da gestação. Ocasionalmente, em pacientes com diabetes pré- gestacional, pode ser necessária a antecipação do parto por indicação materna (piora clínica de retinopatia ou nefropatia). Se o peso fetal estimado for maior do que 4.000g, há aumento no risco de óbito fetal e indica-se o parto independentemente da idade gestacional. Consequências para o feto Para o recém-nascido RN de mães com DMG, verifica- se maior morbidade neonatal e maior incidência de obesidade, sobrepeso e distúrbios metabólicos na infância, adolescência e na vida adulta jovem. Segundo estudos, as mães que tiveram DMG relataram síndrome metabólica nos seus filhos. A literatura aponta para maior prevalência de macrossomia fetal como resultado de uma gestação com índices glicêmicos alterados. É identificada através do peso ao nascer, superior a 4.000g. Além do aumento das taxas de partos cesarianos, traumas de canal de parto e distócia de ombro, hipoglicemia, hiperbilirrubinemia e óbito fetal intrauterino, o DMG aumenta o risco de prematuridade. Relata-se nos casos de DMG a ocorrência de anomalias estruturais e funcionais do coração do feto, aumentando o risco de morte fetal e em RN achados freqüentes de cardiomegalia e hipertrofiamento do miocárdio que pode levar à estenose subaórtica transitória e à insuficiência cardíaca congestiva. A proporção de isso acontecer em filhos de mães com DMG é de 20,6 vezes maior do que em filhos de mães não diabética. 7) CARACTERIZAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE VOLTADAS PARA APOIO À GRÁVIDA E A PROMOÇÃO DO PARTO HUMANIZADO E CITAR AS CAUSAS DOS ÍNDICES DE CESÁREA ELEVADOS EM NOSSO MEIO. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), criado pelo Ministério da Saúde em 1984, objetivou fornecer assistência integral às mulheres, no intuito de promover e recuperar a saúde. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 26 Através de atendimentos clínicos e educativos, a equipe se propõe a contemplar tanto as questões biomédicas quanto as psicossociais, em várias fases da vida destas mulheres. Complementar ao programa acima citado foi criado o Programa de Humanização de Pré-natal e Nascimento (PHPN), em 2000. Esta portaria n°569, de 1° de Junho de 2000, considera que “o acesso das gestantes e recém-nascidos a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto, puerpério e período neonatal são direitos inalienáveis da cidadania”. Enfatiza também, a necessidade de ampliar a busca por uma redução na mortalidade materna e de neonatos, através de uma assistência qualificada e integral. Em junho de 2011 o Governo Brasileiro instituiu a Rede Cegonha no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), visando assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e àatenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. Entre os objetivos da Rede Cegonha está o de “fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança com foco na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento da criança de zero aos vinte e quatro meses”. No componente Parto e Nascimento da Rede Cegonha figura como ação a adoção de práticas de atenção à saúde baseada em evidências científicas nos termos do documento da Organização Mundial da Saúde. As Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (2015) nasceram de um esforço do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral de Saúde da Mulher do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, em conjunto com diversas áreas do Ministério e outras instituições, sociedades e associações de profissionais (médicos e de enfermagem) e das mulheres, no intuito de qualificar o modo de nascer no Brasil. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que, com uma taxa de 55%, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking de países com maior porcentagem de cesáreas no mundo, atrás apenas da República Dominicana. Segundo o Conselho Federal de Medicina, no Brasil, o índice de morte materna em casos não-complicados é de 20,6 a cada 1000 cesáreas. Em contrapartida, são 1,73 mortes para 1000 nascimentos de parto normal. “Diante desses números, a situação torna-se absurda”, declarou o procurador regional da República Sergio Lauria. O estudo aponta que quase 70% das brasileiras deseja um parto normal no início da gravidez. Entretanto, poucas foram apoiadas em sua preferência pelo parto normal: nos serviços privados, esse valor foi de apenas 15% para aquelas que estavam em sua primeira gestação. Há certamente uma influência do pré-natal na decisão das mulheres pelo tipo de parto, mas as amigas e os familiares também influenciam. Não se pode, entretanto, deixar de destacar que é uma visão equivocada achar que a cesariana é a forma mais segura para parir.