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A incansável travessia dos tempos: núcleos familiares e o Direito de Família Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Professora Titular da Faculdade de Direito da USP Membro fundador e Diretora nacional do IBDFAM Ex Procuradora Federal. A família na atualidade Um novo conceito de família Novas formações familiares O papel do IBDFAM Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP A foto sobre a lareira Famílias ancestrais, feudais, modernas e pós-modernas – o percurso intenso e incessante. Conversão ou inversão dos valores. Introdução de novos comportamentos e de novos princípios. Abandono de matrizes em desuso. O modelo se altera na foto do velho álbum (figura construída por Luiz Edson Fachin). Principais razões das mudanças Independência da mulher Consagração legislativa do divórcio. Controle da natalidade. Concepção assistida. Reciprocidade alimentar. Papel diferenciado a ser ocupado pelos filhos, no lar. Novo modo de entender a fidelidade: aspiração individualista do amor autêntico, não eivado de mentira ou de mediocridade (Gilles Lipovetsky, “A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos tempos democráticos”). Acima de tudo: o afeto e a afetividade Grande parâmetro modificador das relações familiais. O verdadeiro elo entre as pessoas envolvidas nesse tecido familiar se consubstancia no afeto, como valor jurídico e na afetividade, como princípio norteador. Descortina-se a chance eficaz de realização dos projetos pessoais de felicidade. Família eudemonista Valorizam-se as funções afetivas da família, que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra as pressões econômicas e sociais. É o fenômeno social da família conjugal, ou nuclear ou de procriação, onde o que mais conta, portanto, é a intensidade das relações pessoais de seus membros. (Oliveira e Muniz) Felicidade para Aristóteles Em Ética a Nicômaco (1.12.8.) Aristóteles escreveu, e com toda a razão: “A felicidade é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de nossas motivações.” Afastamento de “posturas ilegítimas” do passado Exemplo de posturas ilegítimas: Excesso de relações sexuais e passatempos amorosos Prática sexual depois dos cinquenta ou sessenta anos Direito ao orgasmo Opção pelo amor livre Prática homossexual, etc. Dessacralização do casamento Tais práticas ilegítimas foram paulatinamente perdendo o grande peso pecaminoso e imoral. Libertação das pessoas: não para o acesso livre e indiscriminado, mas para escolherem as suas preferências. Realização dos projetos pessoais de felicidade. Desmatrimonialização do casamento Significou a superação: Condição matrimonializada das relações de conjugalidade que sempre foi eternizada. Papel da mulher: concepção, geração e criação de filhos. Dogmas da condição matrimonializada: Pureza das mulheres Condenação do adultério Proibição do aborto Recriminação de prática contraceptivas Despatrimonialização da família Significou sobrepor os laços afetivos aos laços sanguíneos, superlativos desde as origens romanas do pater familia. Significou superar o quantum de liberdade que era voltado apenas à aquisição, domínio e transmissão da propriedade. Especialmente desde a Constituição de 1988, a família tornou-se destinatária de normas tutelares que asseguram a liberdade e a igualdade materiais, tornando-a família pós-moderna, como se costuma dizer. Família constitucionalizada “O modelo igualitário da família constitucionalizada se contrapõe ao modelo autoritário do Código Civil anterior. O consenso, a solidariedade, o respeito à dignidade das pessoas que a integram são os fundamentos dessa imensa mudança paradigmática que inspiraram o marco regulatório estampado nos arts. 226 a 230 da Constituição de 1988.” (Paulo Lôbo) A família de hoje tende a ser mais sincera Plural Aberta Multifacetária Globalizada Locus privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana. Família contemporânea Não é melhor nem pior que os modelos familiares de antes. É diferente: é instrumento de realização plena da pessoa humana, e não mais simples instituição jurídica e social, voltada para fins patrimoniais e reprodutivos. Somente por isso é que se justifica, contemporaneamente, a proteção da família – para que se efetive a tutela da própria pessoa humana. (Cristiano Chaves Faria) O afeto como valor jurídico O reconhecimento do afeto como o liame fundamental do inter-relacionamento familiar, conferindo-lhe valor jurídico, promoveu a família de um status patriarcal para um status nuclear. “Reconhecer o valor jurídico do afeto é admitir que os princípios contidos na Constituição Federal efetivamente produzem efeitos sobre a legislação civil como um todo.” (Jose Fernando Simão) Princípios matrimoniais Dignidade humana no Direito de Família Paridade de direitos dos cônjuges Autonomia da vontade Corresponsabilidade familiar Liberdade para a dissolução do casamento Afetividade Monogamia: princípio? A monogamia prossegue sendo um princípio, como no sistema anterior de Direito de Família? Maria Berenice Dias diz tratar-se apenas de uma regra de orientação, ainda que deva coadunar-se com os princípios fundamentais da República. Monogamia: regra de orientação Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk: “Não se trata [a monogamia] de um princípio estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado.” Monogamia: regra de orientação “Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contempla.” Monogamia: regra de orientação “Ao contrário, tanto [a Constituição] tolera a traição que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação, mesmo quando se tratar de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas. Enfim, revela-se a função ordenadora da monogamia, não a elevando, portanto, ao status de princípio ordenador.” Modelos familiares: além dos modelos clássicos Família homoafetiva (constituída por pessoas do mesmo sexo), Família mosaico (modelo pelo qual se reconstitui família pela junção de duas famílias anteriores, unindo filhos de um e de outro dos genitores, além dos filhos comuns que eventualmente venham a ter), Família anaparental (constituída por parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, ou de avós e netos ou de tios e sobrinhos), Modelos familiares: além dos modelos clássicos Família socioafetiva (constituída por pessoas não aparentadas entre si, mas que nutrem interdependência afetiva, como o caso dos chamados “filhos de criação”, ou a relação paterno/filial estabelecida afetivamente entre padrasto e enteado, dando vigor ao princípio da desbiologização da paternidade), Famílias paralelas (modelos familiares de conjugalidades concomitantes, isto é, as famílias conjugais – por casamento e união estável ou por união estável e união estável – paralelas ou simultâneas). (Conf. Paulo Lôbo, Famílias, Saraiva, 2007, p. 57) Para concluir “Não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade” (Luiz Edson Fachin. Elementos Críticos do Direito de Família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.10)
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