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Farmacocinética Aplicada 2 www.eduhot.com.br SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3 VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS ............................................................ 3 ABSORÇÃO DE FÁRMACOS .................................................................................. 11 DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS ............................................................................. 22 DEPURAÇÃO DE FÁRMACOS POR MEIO DA BIOTRANSFORMAÇÃO................ 30 DEPURAÇÃO DE FÁRMACOS PELOS RINS ......................................................... 37 DEPURAÇÃO POR OUTRAS VIAS ......................................................................... 39 ESQUEMAS E OTIMIZAÇÃO DAS DOSAGENS ..................................................... 41 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 51 Farmacocinética Aplicada 3 www.eduhot.com.br INTRODUÇÃO A farmacocinética estuda o que o organismo faz com o fármaco, ao passo que a farmacodinâmica descreve o que o fármaco faz no organismo. Quatro propriedades farmacocinéticas determinam o início, a intensidade e a duração da ação do fármaco: • Absorção: Primeiro, a absorção desde o local de administração permite a entrada do fármaco (direta ou indiretamente) no plasma. • Distribuição: Segundo, o fármaco pode, então, reversivelmente, sair da circulação sanguínea e distribuir-se nos líquidos intersticial e intracelular. • Biotransformação: Terceiro, o fármaco pode ser biotransformado no fígado ou em outros tecidos. • Eliminação: Finalmente, o fármaco e seus metabólitos são eliminados do organismo na urina, na bile ou nas fezes. Usando o conhecimento das variáveis farmacocinéticas, os clínicos podem eleger condutas terapêuticas ideais, incluindo via de administração, dosagem, frequência e duração do tratamento. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS A via de administração é determinada primariamente pelas propriedades do fármaco (p. ex., hidro ou lipossolubilidade, ionização) e pelos objetivos terapêuticos (p. ex., necessidade de um início rápido de ação, necessidade de tratamento por longo tempo, ou restrição de acesso a um local específico). As vias principais de administração de fármacos incluem a enteral, a parenteral e a tópica, entre outras. Representação esquemática de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Farmacocinética Aplicada 4 www.eduhot.com.br Vias comumente usadas para a administração de fármacos. IV, intravenosa; IM, intramuscular; SC, subcutânea. Fármaco e/ou metabólito(s) na urina, bile, lágrima, leite, saliva, suor ou fezes Excreção (saída) 4 Metabólito(s) nos tecidos Fármaco nos tecidos 3 Biotransformação 2 Distribuição Fármaco no plasma Fármaco no local da administração Absorção (entrada) 1 Farmacocinética Aplicada 5 www.eduhot.com.br A. Enteral A administração enteral, ou administração pela boca, é o modo mais seguro, comum, conveniente e econômico de administrar os fármacos. O fármaco pode ser deglutido, por via oral, ou pode ser colocado sob a língua (sublingual) ou entre a bochecha e a gengiva (bucal), facilitando a absorção direta na circulação sanguínea. 1. Oral: A administração oral oferece várias vantagens. Os fármacos orais são facilmente autoadministrados, e a toxicidade e/ou a dosagem excessiva podem ser neutralizadas com antídotos como o carvão ativado. Porém, as vias envolvidas na absorção oral são as mais complicadas, e o baixo pH do estômago inativa alguns fármacos. Uma ampla variedade de preparações orais é disponibilizada, incluindo preparações revestidas (entéricas) e de liberação prolongada. Ótico Ocular Parenteral: IV, IM, SC Ora Bucal Adesivo transdermal Tópica Epidural Sublingual Inalação Farmacocinética Aplicada 6 www.eduhot.com.br a. Preparações revestidas (entéricas): O revestimento entérico é um envoltório químico que protege o fármaco do ácido gástrico, liberando-o, porém, no intestino (menos ácido), onde o envoltório se dissolve e permite a liberação do fármaco. Tais revestimentos são úteis para certos fármacos (p. ex., omeprazol) que são instáveis em meio ácido. Fármacos que são irritantes ao estômago, como o ácido acetilsalicílico, podem ser formulados com revestimento que vai se dissolver no intestino delgado, preservando, assim, o estômago. b. Preparações de liberação prolongada: Medicamentos de liberação prolongada (abreviados como LA, longa ação, ou LL, liberação lenta) têm revestimentos ou ingredientes especiais que controlam a liberação do fármaco, permitindo, assim, uma absorção mais lenta e uma duração de ação mais longa. As formulações LA podem ser administradas com menor frequência e podem aumentar a aderência do paciente. Além disso, as formas de LA podem manter as concentrações na faixa terapêutica por um período longo de tempo, em contraste com as formas de liberação imediata, que podem resultar em picos e vales maiores nas concentrações plasmáticas. As formulações LA são vantajosas para os fármacos que têm meia-vida curta. Por exemplo, a meia-vida da morfina por via oral é de 2 a 4 horas, e ela precisa ser administrada seis vezes ao dia para proporcionar alívio contínuo da dor. Entretanto, são necessárias apenas duas doses ao usar comprimidos LA. Infelizmente, várias das formulações LA foram desenvolvidas somente para obter uma vantagem comercial sobre os produtos de liberação convencional, em vez de vantagens clínicas comprovadas. 2. Sublingual e bucal: A colocação do fármaco sob a língua permite que ele se difunda na rede capilar e, assim, entre diretamente na circulação sistêmica. A administração sublingual tem várias vantagens, incluindo facilidade de administração, absorção rápida, ultrapassagem do ambiente gastrintestinal (GI) hostil e capacidade de evitar a biotransformação de primeira passagem (ver discussão adiante). A via bucal (entre a bochecha e a gengiva) é similar à via sublingual. B. Parenteral Farmacocinética Aplicada 7 www.eduhot.com.br A via parenteral introduz o fármaco diretamente na circulação sistêmica. Ela é usada para fármacos que são pouco absorvidos no trato GI (TGI)(p. ex., heparina) e para os que são instáveis no TGI (p. ex., insulina). Essa administração também é usada no tratamento do paciente impossibilitado de tomar a medicação oral (paciente inconsciente) ou quando é necessário um início rápido de ação. Além disso, as vias parenterais têm maior biodisponibilidade e não estão sujeitas à biotransformação de primeira passagem ou ao meio GI agressivo. Elas também asseguram o melhor controle sobre a dose real de fármaco administrada ao organismo. Contudo, as vias parenterais são irreversíveis e podem causar dor, medo, lesões teciduais e infecções. As três principais vias de administração parenteral são a intravascular (intravenosa ou intra-arterial), a intramuscular e a subcutânea. B 200 5 mg de midazolam por via intravenosa 100 5 mg de 0 midazolam intramuscular 0 30 60 90 Tempo (minutos) Tecido subcutâneo Músculo Injeção intramuscular Epiderme Derme A Injeção subcutânea Farmacocinética Aplicada 8 www.eduhot.com.br Figura -A.Representação esquemática da injeção subcutânea e intramuscular. B. Concentração de midazolam no plasma após injeção intravenosa e ntramuscular. 1. Intravenosa (IV): A injeção IV é a via parenteral maiscomum. Ela é útil para fármacos que não são absorvidos por via oral, como o bloqueador neuromuscular rocurônio. A via IV permite um efeito rápido e um grau de controle máximo sobre a quantidade de fármaco administrada. Quando injetada em bólus, toda a dose de fármaco é administrada na circulação sistêmica quase imediatamente. Se for administrado como infusão IV, o fármaco é infundido em um período de tempo maior, resultando em pico de concentração plasmática mais baixo e em aumento da duração do nível do fármaco circulante. A administração IV é vantajosa para fármacos que podem causar irritação quando administrados por outras vias, porque o fármaco se dilui no sangue rapidamente. Porém, diferentemente dos fármacos administrados por via oral, os que são injetados não podem ser retirados por meio de estratégias como a ligação a carvão ativado. A administração IV pode inadvertidamente causar infecção por meio de contaminação no local da injeção. Ela também pode precipitar constituintes do sangue, causar hemólise ou outras reações adversas se for introduzida muito rapidamente ou se alcançar concentrações elevadas. Por isso, os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados quanto a reações desfavoráveis, e a velocidade de infusão deve ser cuidadosamente controlada. 2. Intramuscular (IM): Fármacos administrados por via IM podem estar em soluções aquosas, que são absorvidas rapidamente, ou em preparações especializadas de depósito, que são absorvidas lentamente. As preparações de depósito, com frequência, consistem em uma suspensão do fármaco em um veículo não aquoso, como o polietilenoglicol. À medida que o veículo se difunde para fora do músculo, o fármaco precipitase no local da injeção. O fármaco então se dissolve lentamente, fornecendo uma concentração sustentada durante um período de tempo prolongado. Exemplos de fármacos de liberação prolongada são o haloperidol e o depósito de medroxiprogesterona. 3. Subcutânea (SC): Esta via de administração, como a IM, oferece Farmacocinética Aplicada 9 www.eduhot.com.br absorção por difusão simples e é mais lenta do que a via IV. A injeção SC minimiza os riscos de hemólise ou trombose associados à injeção IV e pode proporcionar efeitos lentos, constantes e prolongados. Esta via não deve ser usada com fármacos que causam irritação tissular, porque pode ocorrer dor intensa e necrose. Fármacos administrados comumente por via SC incluem insulina e heparina. C. Outras 1. Inalação oral: As vias inalatórias oral e nasal (ver adiante) asseguram a rápida oferta do fármaco através da ampla superfície da membrana mucosa do trato respiratório e do epitélio pulmonar. Os efeitos dos fármacos são quase tão rápidos como os da injeção IV em bólus. Fármacos que são gases (p. ex., alguns anestésicos) e aqueles que podem ser dispersados em aerossol são administrados por inalação. Esta via é particularmente eficaz e conveniente para pacientes com problemas respiratórios (como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica), pois o fármaco é administrado diretamente no local de ação, minimizando, assim, os efeitos sistêmicos. Exemplos de fármacos administrados por inalação incluem os broncodilatadores, como o salbutamol, e os corticosteroides, como a fluticasona. B Fármaco se difundindo do reservatório para os tecidos subcutâneos AANN Cobertura Reservatório de fármaco Membrana libera- dora de fármaco Adesivo de contato Pele A Farmacocinética Aplicada 10 www.eduhot.com.br Figura- A. Representação esquemática de um adesivo transcutâneo. B. Adesivo transcutâneo de nicotina aplicado no braço. 2. Inalação nasal: Esta via envolve a administração de fármacos diretamente dentro do nariz. Incluem-se os descongestionantes nasais, como a oximetazolina, e o corticosteroide anti-inflamatório furoato de mometasona. A desmopressina é administrada por via intranasal no tratamento do diabetes insípido. 3. Intratecal e intraventricular: A barreira hematencefálica retarda ou impede a entrada dos fármacos no sistema nervoso central (SNC). Quando se desejam efeitos locais e rápidos, é necessário introduzir o fármaco diretamente no líquido cerebrospinal. Por exemplo, a anfotericina B intratecal é usada no tratamento da meningite criptocócica. 4. Tópica: A aplicação tópica é usada quando se deseja um efeito local do fármaco. Por exemplo, o clotrimazol em pomada é aplicado diretamente na pele para o tratamento de infecções por fungos. 5. Transdérmica: Esta via de administração proporciona efeitos sistêmicos pela aplicação do fármaco na pele, em geral, por meio de um adesivo cutâneo. A velocidade de absorção pode variar de modo acentuado, dependendo das características físicas da pele no local da aplicação e da lipossolubilidade do fármaco. Essa via é usada com mais frequência para a oferta prolongada de fármacos, como o fármaco antianginoso nitroglicerina, o antiemético escopolamina e os adesivos de nicotina usados para facilitar a interrupção do hábito de fumar. 6. Retal: Como 50% da drenagem da região retal não passa pela circulação portal, a biotransformação dos fármacos pelo fígado é minimizada com o uso desta via. A vantagem adicional da via retal é evitar a destruição do fármaco no ambiente GI. Ela também é útil se o fármaco provoca êmese, quando administrado por via oral, ou se o paciente já se encontra vomitando ou se está inconsciente. Farmacocinética Aplicada 11 www.eduhot.com.br (Nota: a via retal é usada comumente para a administração de antieméticos.) Com frequência, a absorção retal é errática e incompleta, e vários fármacos irritam a mucosa retal. A Figura resume as características das vias de administração comuns. ABSORÇÃO DE FÁRMACOS Absorção é a transferência de um fármaco do seu local de administração para a corrente sanguínea. A velocidade e a eficiência da absorção dependem do ambiente onde o fármaco é absorvido, das suas características químicas e da via de administração (o que influencia sua biodisponibilidade). Excetuando a via IV, as demais podem resultar em absorção parcial e menor biodisponibilidade. VIA DE ADMINISTRAÇÃO PADRÃO DE ABSORÇÃO VANTAGENS DESVANTAGENS Oral • Variável; afetada por vários fatores • Via de administração mais segura e mais comum, conveniente e econômica • Absorção limitada de alguns fármacos • Os alimentos podem interferir na absorção • É necessária adesão do paciente • Os fármacos podem ser biotransformados antes de serem absorvidos sistemicamente Intravenosa • A absorção não é necessária • Pode ter efeitos imediatos • Ideal para dosagens de altos volumes • Adequada para substâncias irritantes e misturas complexas • Valiosa para situações de emergência • Permite a titulação da dosagem • Imprópria para substâncias oleosas • A injeção em bolus pode resultar em efeitos adversos • A maioria das substâncias deve ser injetada lentamente • São necessárias técnicas de assepsia estritas Farmacocinética Aplicada 12 www.eduhot.com.br • Ideal para fármacos proteicos de alta massa molecular e peptídeos Subcutânea • Depende do diluente do fármaco: – soluções aquosas: imediata; – preparações de depósito: liberação lenta e prolongada • Adequada para fármacos de liberação lenta • Ideal para algumas suspensões pouco solúveis • Dor e necrose se o fármaco é irritante • Inadequada para fármacos administrados em volumes elevados Intramuscular • Depende dos diluentes do fármaco: – soluções aquosas: imediata; – preparações de depósito: liberação lenta e prolongada • Adequada se o volume é moderado • Adequada para veículos oleosos e certas substâncias irritantes • Preferível à via IV se o paciente deve se autoadministrar• Afeta certos testes de laboratório (creatinocinase) • Pode ser dolorosa • Pode causar hemorragia intramuscular (evitar durante o tratamento com anticoagulante) Transdérmica (adesivo) • Lenta e prolongada • Evita o efeito de primeira passagem • Conveniente e indolor • Ideal para fármacos lipofílicos e que tem baixa biodisponibilidade oral • Ideal para fármacos que são eliminados rapidamente do organismo • Alguns pacientes são alérgicos aos adesivos, o que pode causar irritação • O fármaco deve ser muito lipofílico • Pode causar atraso no acesso ao local de ação farmacológica • Limitado a fármacos que podem ser tomados em doses pequenas diárias Retal • Errática e variável • Evita parcialmente o efeito de primeira passagem • Evita a destruição pela acidez gástrica • Ideal se o fármaco causa êmese • Ideal para pacientes com êmese ou comatosos • O fármaco pode irritar a mucosa retal • Não é uma via “bem aceita” Farmacocinética Aplicada 13 www.eduhot.com.br Inalatória • Pode ocorrer absorção sistêmica, o que nem sempre é desejado • A absorção é rápida; pode ter efeitos imediatos • Ideal para gases • É eficaz para pacientes com problemas respiratórios • A dose pode ser titulada • Se o alvo do efeito se localiza nos pulmões: são usadas doses menores comparando com as que se usariam por via oral ou parenteral • Menos efeitos adversos sistêmicos • Principal via de adictos (o fármaco pode acessar rapidamente o cérebro) • Os pacientes podem ter dificuldade em regular a dose • Alguns pacientes têm dificuldades no uso dos inaladores Sublingual • Depende do fármaco: – poucos fármacos (p. ex., nitroglicerina) têm absorção sistêmica direta e rápida – a maioria dos fármacos tem absorção incompleta e errática • Evita o efeito de primeira passagem • Evita a destruição pela acidez gástrica • Mantém a estabilidade do fármaco, porque a saliva tem pH relativamente neutro • Pode causar efeitos farmacológicos imediatos • Limitada a certos tipos de fármacos • Limitada a fármacos que podem ser tomados em pequenas doses • Pode perder parte do fármaco se deglutido Padrão de absorção, vantagens e desvantagens das vias de administração mais comuns. Farmacocinética Aplicada 14 www.eduhot.com.br 1 Difusão passiva Difusão passiva Difusão passiva de fármaco hidrosde um fármaco solúvel através de lipossolúvel um canal ou dissolvido na poro aquoso membrana Fármaco Fármaco D Espaço extracelular D D Membrana celular Citosol D 2 Difusão facilitada D Fármaco D D D D Transportador de fármaco D D D 3 Transporte ativo D ATP ADP D Transportador de fármaco D D D D D 4 Endocitose Fármaco com molécula grande Farmacocinética Aplicada 15 www.eduhot.com.br Figura-Representação esquemática de fármacos atravessando a membrana celular. ATP, trifosfato de adenosina; ADP, difosfato de adenosina.tores que influenciam a absorção A. Mecanismos de absorção de fármacos a partir do TGI Dependendo das propriedades químicas, os fármacos podem ser absorvidos do TGI por difusão passiva, difusão facilitada, transporte ativo ou endocitose. 1. Difusão passiva: A força motora da absorção passiva de um fármaco é o gradiente de concentração através da membrana que separa dois compartimentos corporais. Em outros termos, o fármaco se move da região de concentração alta para a de concentração baixa. A difusão passiva não envolve transportador, não é saturável e apresenta baixa especificidade estrutural. A maioria dos fármacos é absorvida por esse mecanismo. Os fármacos hidrossolúveis atravessam as membranas celulares através de canais ou poros aquosos, e os lipossolúveis movem-se facilmente através da maioria das membranas biológicas, devido à sua solubilidade na bicamada lipídica. 2. Difusão facilitada: Outros fármacos podem entrar na célula por meio de proteínas transportadoras transmembrana especializadas que facilitam a passagem de moléculas grandes. Essas proteínas transportadoras sofrem alterações conformacionais, permitindo a passagem de fármacos ou moléculas endógenas para o interior da célula, movendo-os de áreas de alta concentração para áreas de baixa concentração. Esse processo é denominado difusão facilitada. Ele não requer energia, pode ser saturado e pode ser inibido por compostos que competem pelo transportador. 3. Transporte ativo: Esta forma de entrada de fármacos também envolve transportadores proteicos específicos que atravessam a membrana. Poucos fármacos cujas estruturas se assemelham às de metabólitos de ocorrência natural são transportados através da membrana celular usando esses transportadores Farmacocinética Aplicada 16 www.eduhot.com.br proteicos específicos. O transporte ativo dependente de energia é movido pela hidrólise de trifosfato de adenosina. Ele é capaz de mover fármacos contra um gradiente de concentração – ou seja, de uma região com baixa concentração de fármaco para outra com concentração mais elevada. Esse processo é saturável. Os sistemas de transporte ativo são seletivos e podem ser inibidos competitivamente por outras substâncias cotransportadas. 4. Endocitose e exocitose: Estes tipos de absorção são usados para transportar fármacos excepcionalmente grandes através da membrana celular. A endocitose envolve o engolfamento de moléculas do fármaco pela membrana e seu transporte para o interior da célula pela compressão da vesícula cheia de fármaco. A exocitose é o inverso da endocitose. Muitas células usam a exocitose para secretar substâncias para fora por um processo similar ao da formação de vesículas. A vitamina B12 é transportada através da parede intestinal por endocitose, ao passo que certos neurotransmissores (p. ex., norepinefrina) são armazenados em vesículas intracelulares no terminal nervoso e liberados por exocitose. 5. Efeito do pH na absorção de fármacos: A maioria dos fármacos é ácido fraco ou base fraca. Fármacos ácidos (HA) liberam um próton (H+), causando a formação de um ânion (A–): As bases fracas (BH+) também podem liberar um H+. Contudo, a forma protonada dos fármacos básicos, em geral, é carregada, e a perda do próton produz a base (B) não ionizada: Um fármaco atravessa a membrana mais facilmente se estiver não ionizado. Assim, para os ácidos fracos, a forma HA não ionizada consegue permear através das membranas, mas o A– não consegue. Para a base fraca, a forma não ionizada, B, consegue penetrar através das membranas celulares, mas a BH+ protonada não consegue. Por isso, a concentração efetiva da forma permeável de cada fármaco no seu local de absorção é determinada pelas concentrações relativas entre as formas ionizada e não ionizada. A relação entre as duas formas é, por sua vez, Farmacocinética Aplicada 17 www.eduhot.com.br determinada pelo pH no local de absorção e pela força do ácido ou base fracos, que é representada pela constante de ionização, o pKa. (Nota: o pKa é uma medida da força da interação de um composto com um próton. Quanto menor o pKa de um fármaco, mais ácido ele é. Ao contrário, quanto maior o pKa, mais básico ele é.) O equilíbrio de distribuição é alcançado quando a forma permeável de um fármaco alcança uma concentração igual em todos os espaços aquosos do organismo. 6. Fluxo de sangue no local de absorção: Os intestinos recebem um fluxo de sangue muito maior do que o estômago, de modo que a absorção no intestino é favorecida ante a do estômago. (Nota: o choque reduz drasticamente o fluxo sanguíneo aos tecidos cutâneos, minimizando a absorção de administrações SC.)7. Área ou superfície disponível para absorção: Com uma superfície rica em bordas em escova contendo microvilosidades, o intestino tem uma superfície cerca de 1.000 vezes maior que a do estômago; por isso, a absorção de fármacos pelo intestino é mais eficiente. 8. Tempo de contato com a superfície de absorção: Se um fármaco se desloca muito rapidamente ao longo do TGI, como pode ocorrer em uma diarreia intensa, ele não é bem absorvido. Contudo, qualquer retardo no transporte do fármaco do estômago para o intestino reduz a sua velocidade de absorção. (Nota: a presença de alimento no estômago dilui o fármaco e retarda o esvaziamento gástrico. Portanto, quando um fármaco é ingerido com o alimento, em geral, é absorvido mais lentamente.) A Ácido fraco Membrana lipídica H + A– HA H + A– HA Compartimento corporal Compartimento corporal B Base fraca Membrana lipídica BH + H + Farmacocinética Aplicada 18 www.eduhot.com.br Figura -A. Difusão da forma não ionizada de um ácido fraco através da membrana lipídica. B. Difusão da forma não ionizada de uma base fraca através da membrana lipídica. Figura - A distribuição de um fármaco entre sua forma ionizada e não ionizada depende do pH do ambiente e do pKa do fármaco. Para exemplificar, o fármaco nesta figura foi imaginado com um pKa de 6,5. pKa 11 10 9 8 7 6 5 4 2 pH 3 pH > pKa pH < pKa [HA] = [A–] e [BH+] = [B] Quando pH = pKa, A– e B predominam pKa, as formas desprotonadas HA e BH+ predominam pKa, as formas protonadas Quando o pH é maior do que o Quando o pH é menor do que o Fármaco (extracelular) ADP + Pi ATP Fármaco Farmacocinética Aplicada 19 www.eduhot.com.br Figura -As seis alças da glicoproteína P através da membrana formam um canal central para o bombeamento de fármacos da célula, dependente de ATP. 9. Expressão da glicoproteína P: A glicoproteína P é uma proteína transportadora transmembrana responsável pelo transporte de várias moléculas, incluindo fármacos, através da membrana celular. Ela é expressa em tecidos por todo o organismo, incluindo fígado, rins, placenta, intestinos e capilares cerebrais, e está envolvida no transporte de fármacos dos tecidos para o sangue. Ou seja, ela “bombeia” fármacos para fora das células. Assim, nas áreas de expressão elevada, a glicoproteína P diminui a absorção de fármacos. Além de transportar vários fármacos para fora das células, ela também está associada com a resistência a vários fármacos. C. Biodisponibilidade Biodisponibilidade representa a taxa e a extensão com que um fármaco administrado alcança a circulação sistêmica. Por exemplo, se 100 mg de um fármaco são administrados por via oral, e 70 mg desse fármaco são absorvidos inalteradamente, a sua biodisponibilidade é de 0,7, ou 70%. Conhecer a biodisponibilidade é importante para calcular a dosagem de fármaco para vias de administração não IV. 1. Determinação de biodisponibilidade: A biodisponibilidade é determinada pela comparação dos níveis plasmáticos do fármaco depois de uma via de administração particular (p. ex., administração oral) com os níveis plasmáticos obtidos por administração IV. Na administração IV, 100% do fármaco entra na circulação rapidamente. Quando o fármaco é administrado por via oral, somente parte da dose aparece no plasma. Considerando a concentração plasmática do fármaco em função do tempo, pode-se mensurar a área sob a curva (ASC). A ASC Farmacocinética Aplicada 20 www.eduhot.com.br reflete a extensão da absorção do fármaco. A biodisponibilidade de um fármaco administrado por via oral é a relação da ASC após administração oral com a ASC por administração IV (admitindo que as dosagens oral e IV são equivalentes. Figura- Determinação da biodisponibilidade de um fármaco. ASC, área sob a curva; IV, intravenosa. 2. Fatores que influenciam a biodisponibilidade: Em contraste com a administração IV, que confere 100% de biodisponibilidade, a administração oral de um fármaco envolve frequentemente biotransformação de primeira passagem. A biotransformação, além das características físicas e químicas do fármaco, determina a velocidade e a extensão com que ele alcança a circulação sistêmica. a. Biotransformação hepática de primeira passagem: Quando um fármaco é absorvido a partir do TGI, primeiro ele entra na circulação portal antes de Fármaco administrado ASC (oral) Tempo Fármaco administrado por via oral ASC (injetada) Biodisponibilidade = ASC oral x 100 ASC injetada Fármaco administrado por via IV Farmacocinética Aplicada 21 www.eduhot.com.br entrar na circulação sistêmica. Se o fármaco é rapidamente biotransformado no fígado ou na parede intestinal durante essa passagem inicial, a quantidade de fármaco inalterado que tem acesso à circulação sistêmica diminui. Isso é denominado biotransformação de primeira passagem. (Nota: a biotransformação de primeira passagem pelo intestino ou fígado limita a eficácia de vários fármacos quando usados por via oral. P. ex., mais de 90% da nitroglicerina é destruida durante a biotransformação de primeira passagem. Assim, ela é administrada primariamente por via sublingual ou transdérmica.) Fármacos com intensa biotransformação de primeira passagem devem ser administrados em dosagem suficiente para assegurar a quantidade necessária de fármaco ativo no local de ação desejado. b. Solubilidade do fármaco: Fármacos muito hidrofílicos são pouco absorvidos, devido à sua impossibilidade de atravessar membranas celulares ricas em lipídeos. Paradoxalmente, fármacos extremamente lipofílicos são também pouco absorvidos, pois são totalmente insolúveis nos líquidos aquosos do organismo e, portanto, não têm acesso à superfície das células. Para que um fármaco seja bem absorvido, ele deve ser basicamente lipofílico, mas ter alguma solubilidade em soluções aquosas. Essa é uma das razões pelas quais vários fármacos são ácidos fracos ou bases fracas. c. Instabilidade química: Alguns fármacos, como a benzilpenicilina, são instáveis no pH gástrico. Outros, como a insulina, são destruídos no TGI pelas enzimas digestivas. d. Natureza da formulação do fármaco: A absorção do fármaco pode ser alterada por fatores não relacionados com a sua estrutura química. Por exemplo, o tamanho da partícula, o tipo de sal, o polimorfismo cristalino, o revestimento entérico e a presença de excipientes (como os agentes aglutinantes e dispersantes) podem influenciar a facilidade da dissolução e, por isso, alterar a velocidade de absorção. D. Bioequivalência Duas formulações de fármacos são bioequivalentes se elas apresentam biodisponibilidades comparáveis e tempos similares para alcançar o pico de concentração plasmática. Farmacocinética Aplicada 22 www.eduhot.com.br E. Equivalência terapêutica Duas formulações são terapeuticamente equivalentes se elas são equivalentes farmacêuticos, isto é, se apresentam a mesma dosagem, contêm a mesma substância ativa e são indicadas pela mesma via de administração, com perfis clínicos e de segurança similares. (Nota: a eficácia clínica com frequência depende da concentração sérica máxima e do tempo necessário [após a administração] para alcançar o pico de concentração. Portanto, dois fármacos que são bioequivalentes podem não ser terapeuticamente equivalentes.) II. DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS Distribuição de fármacos é o processo pelo qual um fármaco reversivelmente abandona o leito vascular e entra no interstício (líquido extracelular) e, então, nas células dos tecidos. Para fármacos administrados por via IV, onde não existe absorção, a fase inicial (istoé, imediatamente após a administração até a rápida queda na concentração) representa a fase de distribuição, na qual o fármaco rapidamente sai da circulação e entra nos tecidos. A passagem do fármaco do plasma ao interstício depende do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo regional, da permeabilidade capilar, do volume do tecido, do grau de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas e tissulares e da lipofilicidade relativa do fármaco. Os fármacos administrados por via oral são expostos primeiro ao fígado e podem ser extensamente biotransformados antes de alcançar as demais regiões do organismo Os fármacos administrados por via IV entram diretamente na circulação sistêmica e têm acesso direto às demais regiões do organismo IV Farmacocinética Aplicada 23 www.eduhot.com.br Figura -A biotransformação de primeira passagem pode ocorrer com fármacos administrados por via oral. IV, intravenosa. Figura- Concentrações do fármaco no soro após uma injeção única do fármaco. Admite-se que o fármaco se distribui e subsequentemente é eliminado. 1,5 1,25 1 0,75 0,5 Fase de eliminação Fase de 0,25 distribuição 0 1 2 Tempo 3 4 Injeção do fármaco em bolus Farmacocinética Aplicada 24 www.eduhot.com.br A. Fluxo sanguíneo A taxa de fluxo de sangue para os capilares dos tecidos varia amplamente. Por exemplo, o fluxo de sangue para os órgãos ricos em vasos (cérebro, fígado e rins) é maior do que para os músculos esqueléticos. O tecido adiposo, a pele e as vísceras têm fluxo sanguíneo ainda menor. A variação no fluxo de sangue explica parcialmente a curta duração da hipnose produzida por um bólus de injeção IV de propofol (ver Cap. 13). O elevado fluxo sanguíneo, junto com a elevada lipossolubilidade do propofol, permite-lhe distribuição rápida ao SNC e produz anestesia. A subsequente distribuição lenta aos músculos esqueléticos e ao tecido adiposo diminui a concentração plasmática, de modo que a concentração elevada no SNC se reduz, e a consciência é recuperada. B. Permeabilidade capilar A permeabilidade capilar é determinada pela estrutura capilar e pela natureza química do fármaco. A estrutura capilar varia em termos de fração exposta da membrana basal com junções com frestas entre as células endoteliais. No fígado e no baço, uma fração significativa da membrana basal é exposta em razão de os capilares serem descontínuos e grandes, através dos quais podem passar grandes proteínas plasmáticas. No cérebro, a estrutura capilar é contínua, e não existem frestas. Para entrar no cérebro, o fármaco precisa passar através das células endoteliais dos capilares do SNC ou ser transportado ativamente. Por exemplo, um transportador específico leva o fármaco levodopa para o interior do cérebro. Em contraste, fármacos lipossolúveis entram facilmente no SNC, pois se dissolvem na membrana das células endoteliais. Fármacos ionizados ou polares em geral fracassam tentando entrar no SNC, pois não conseguem passar através das células endoteliais, as quais não apresentam junção com frestas. Essas células intimamente justapostas formam junções estreitadas que constituem a barreira hematencefática. C. Ligação de fármacos a proteínas plasmáticas e dos tecidos 1. Ligação a proteínas plasmáticas: A ligação reversível às proteínas plasmáticas fixa os fármacos de forma não difusível e retarda sua transferência para fora do compartimento vascular. A albumina é a principal proteína ligadora e pode atuar como uma reserva de fármaco (à medida que a concentração do fármaco livre Farmacocinética Aplicada 25 www.eduhot.com.br diminui, devido à eliminação, o fármaco ligado se dissocia da proteína). Isso mantém a concentração de fármaco livre como uma fração constante do fármaco total no plasma. 2. Ligação a proteínas dos tecidos: Vários fármacos se acumulam nos tecidos, levando a concentrações mais elevadas no tecido do que no líquido extracelular e no sangue. Os fármacos podem acumular como resultado da ligação a lipídeos, proteínas ou ácidos nucleicos. Os fármacos também podem ser transportados ativamente aos tecidos. Os reservatórios nos tecidos podem servir de fonte principal de fármaco e prolongar sua ação ou causar toxicidade local ao fármaco (p. ex., a acroleína, metabólito da ciclofosfamida, pode causar cistite hemorrágica porque se acumula na bexiga.) D. Lipofilicidade A natureza química do fármaco influencia fortemente a sua capacidade de atravessar membranas celulares. Os fármacos lipofílicos se movemmais facilmente através das membranas biológicas. Esses fármacos se dissolvem nas membranas lipídicas e permeiam toda a superfície celular. O principal fator que influencia a distribuição do fármaco lipofílico é o fluxo de sangue para aquela área. Em contraste, os fármacos hidrofílicos não penetram facilmente nas membranas celulares e devem passar através de junções com fendas. A Estrutura de capilares no fígado Grandes frestas permitem aos fármacos mover-se entre o sangue e o interstício no fígado Fármaco endotelial Junção com fenda Célula Membrana basal B Estrutura de um capilar cerebral Processo podal do astrócito Membrana basal Célula endotelial cerebral Nas junções estreitadas, Farmacocinética Aplicada 26 www.eduhot.com.br d Figura -Corte transversal de capilares hepáticos e cerebrais. E. Volume de distribuição O volume de distribuição aparente, Vd, é o volume de líquido necessário para conter todo o fármaco do organismo na mesma concentração presente no plasma. O Vd é calculado dividindo-se a dose que alcança a circulação sistêmica pela concentração no plasma no tempo zero (C0): V = quantidade de fármaco no organismo C0 Embora o Vd não tenha base física ou fisiológica, pode ser útil para comparar a distribuição de um fármaco com os volumes dos compartimentos de água no organismo. 1. Distribuição no compartimento aquoso do organismo: Logo que o fármaco entra no organismo, ele tem o potencial de distribuir-se em qualquer um dos três compartimentos funcionalmente distintos de água corporal, ou ser Farmacocinética Aplicada 27 www.eduhot.com.br sequestrado em um local celular. a. Compartimento plasmático: Se um fármaco tem massa molecular muito alta ou liga-se extensamente às proteínas, ele é muito grande para atravessar as fendas dos capilares e, assim, é efetivamente aprisionado dentro do compartimento plasmático (vascular). Como resultado, ele tem um Vd baixo que se aproxima do volume de plasma, ou cerca de 4 L em um indivíduo com 70 kg. A heparina tem esse tipo de distribuição. b. Líquido extracelular: Se um fármaco apresenta baixa massa molecular, mas é hidrofílico, ele pode passar através das fendas endoteliais dos capilares para o líquido intersticial. Contudo, fármacos hidrofílicos não podem se mover através das membranas celulares lipídicas para entrar no líquido intracelular. Por isso, esses fármacos se distribuem em um volume que é a soma do volume de plasma com a água intersticial, os quais, juntos, constituem o líquido extracelular (cerca de 20% da massa corpórea, ou 14 L em uma pessoa com 70 kg). Os antimicrobianos aminoglicosídeos mostram esse tipo de distribuição. c. Água corporal total: Se um fármaco apresenta baixa massa molecular e é lipofílico, ele pode se mover para o interstício através das fendas e também passar através das membranas celulares para o líquido intracelular. Esses fármacos se distribuem em um volume de cerca de 60% da massa corporal, ou cerca de 42 L em uma pessoa com 70 kg. O etanol tem este Vd. Volume de distribuição aparente: Um fármaco raramente se associa deforma exclusiva a um único compartimento de água corporal. Ao contrário, a maioria dos fármacos se distribui em vários compartimentos, com frequência ligando-se avidamente a componentes celulares – como lipídeos (abundantes em adipócitos e membranas celulares), proteínas (abundantes no plasma e nas células) e ácidos nucleicos (abundantes no núcleo das células). Por essa razão, o volume no qual o fármaco se distribui é denominado volume de distribuição aparente (Vd). O Vd é uma variável farmacocinética útil para calcular a dose de carga de um fármaco. Farmacocinética Aplicada 28 www.eduhot.com.br Farmacocinética Aplicada 29 www.eduhot.com.br Figura -Concentrações do fármaco no plasma após uma injeção única de um fármaco no tempo zero. A. Os dados de concentração foram lançados em uma escala linear. B. Os dados de concentração foram lançados em uma escala logarítmica. B 4 3 2 Extrapolação até o tempo “0” fornece o C0, o valor hipotético de concentração do fármaco previsto se a distribuição fosse alcançada instantaneamente C0 = 1 0,5 0,4 0,3 0,2 t1/2 0,1 0 1 2 3 Tempo 4 Injeção rápida do fármaco A meia-vida (tempo necessário para reduzir à metade a concentração do fármaco no plasma) é igual a 0,69 Vd/CL Injeção rápida do fármaco 3 4 2 Tempo 0 1 0 1 2 1 Fase de eliminação Fase de distribuição 4 A A maioria dos fármacos apresenta diminuição exponencial na concentração em função do tempo, durante a fase de eliminação Farmacocinética Aplicada 30 www.eduhot.com.br Determinação do Vd: Como a depuração do fármaco geralmente é um processo de primeira ordem, pode-se calcular o Vd. A primeira ordem considera que uma fração constante do fármaco é eliminada por unidade de tempo. Este processo pode ser analisado de modo mais fácil lançando-se em um gráfico o log da concentração do fármaco no plasma (C plasma) em relação ao tempo. A concentração do fármaco no plasma pode ser extrapolada para o tempo zero (o momento da injeção IV) no eixo Y, para determinar C0, que é a concentração que teria sido alcançada se a fase de distribuição tivesse ocorrido instantaneamente. Isso permite o cálculo do Vd da seguinte maneira: V = dose C0 Por exemplo, se 10 mg de um fármaco são injetados em um paciente, e a concentração plasmática extrapolada para o tempo zero (C0) é igual a 1 mg/L, então Vd = 10 mg / 1 mg/L = 10 L. 2. Efeito de Vd na meia-vida (t1/2) do fármaco: O Vd tem influência importante na meia-vida do fármaco, pois a sua eliminação depende da quantidade de fármaco ofertada ao fígado ou aos rins (ou outro órgão onde ocorra a biotransformação) por unidade de tempo. A oferta de fármaco aos órgãos de eliminação depende não só do fluxo sanguíneo, como também da fração de fármaco no plasma. Se o fármaco tem um Vd elevado, a maior parte do fármaco está no espaço extraplasmático e indisponível para os órgãos excretores. Portanto, qualquer fator que aumente o Vd pode aumentar a meia-vida e prolongar a duração de ação do fármaco. (Nota: um valor de Vd excepcionalmente elevado indica considerável sequestro do fármaco em algum tecido ou compartimento do organismo.) DEPURAÇÃO DE FÁRMACOS POR MEIO DA BIOTRANSFORMAÇÃO Logo que o fármaco entra no organismo começa o processo de eliminação. As três principais vias de eliminação são biotransformação hepática, eliminação biliar e eliminação urinária. Juntos, esses processos de eliminação diminuem Farmacocinética Aplicada 31 www.eduhot.com.br exponencialmente a concentração no plasma. Ou seja, uma fração constante do fármaco presente é eliminada por unidade de tempo. A maioria dos fármacos é eliminada de acordo com uma cinética de primeira ordem, embora alguns, como o ácido acetilsalicílico em doses altas, sejam eliminados de acordo com cinética de ordem zero ou não linear. A biotransformação gera produtos com maior polaridade, que facilita a eliminação. A depuração (clearance – CL) estima a quantidade de fármaco depurada do organismo por unidade de tempo. A CL total é uma estimativa composta que reflete todos os mecanismos de eliminação do fármaco e é calculada pela seguinte equação: CL = 0,693 Vd/t1/2 Onde t½ é a meia-vida de eliminação, Vd é o volume de distribuição aparente, e 0,693 é a constante log natural. A meia-vida do fármaco é usada com frequência para medir a CL do fármaco porque, para vários fármacos, Vd é uma constante. A. Cinética da biotransformação 1. Cinética de primeira ordem: A transformação metabólica dos fármacos é catalisada por enzimas, e a maioria das reações obedece à cinética de Michaelis-Menten: Na maioria das situações clínicas, a concentração do fármaco, [C], é muito menor do que a constante de Michaelis, Km, e a equação se reduz para: Farmacocinética Aplicada 32 www.eduhot.com.br Figura -Efeitos da dose do fármaco na velocidade da sua biotransformação. Isto é, a velocidade de biotransformação do fármaco é diretamente proporcional à concentração do fármaco livre, e é observada uma cinética de primeira ordem. Isso indica que uma fração constante do fármaco é biotransformada por unidade de tempo (isto é, a cada meia-vida, a concentração se reduz em 50%). A cinética de primeira ordem também é referida como cinética linear. 2. Cinética de ordem zero: Com poucos fármacos, como o ácido acetilsalicílico, o etanol e a fenitoína, as doses são muito grandes. Por isso, [C] é muito maior do que Km, e a equação de velocidade se torna a seguinte: tração no plasma é menor do que o Km e a eliminação é de primeira ordem, isto é, proporcional à dose do fármaco 0 0 Dose dofármaco Para a maioria dos fármacos, a concen- 50 100 biotransformações são de ordem zero, isto é, constante e independente da dose do fármaco é muito maior do que o Km, e as suas Poucos fármacos, como ácido acetilsalicílico, etanol e fenitoína, têm do sagens muito elevadas. Por isso, a concentração do fármaco no plasma Farmacocinética Aplicada 33 www.eduhot.com.br A enzima é saturada pela concentração elevada de fármaco livre, e a velocidade da biotransformação permanece constante no tempo. Isso é denominado cinética de ordem zero (também denominado de cinética não linear). Uma quantidade constante de fármaco é biotransformada por unidade de tempo. A velocidade de eliminação é constante e independe da concentração do fármaco. B. Reações da biotransformação de fármacos Os rins não conseguem eliminar os fármacos lipofílicos de modo eficiente, pois estes facilmente atravessam as membranas celulares e são reabsorvidos nos túbulos contorcidos distais. Por isso, os fármacos lipossolúveis sao primeiramente biotransformados no fígado em substâncias mais polares (hidrofílicas), usando dois grupos gerais de reações, denominados fase I e fase II. Figura -Biotransformação dos fármacos O fármaco conjugado geralmente é inativo Após a Fase I, o fármaco pode ser ativado, permanecer inalterado ou, com mais frequência, inativado Produtos de conjugação (hidrossolúvel) Fase II hidrólise (polar) Alguns fármacos entram diretamente na Fase II de biotransformação Oxidação, redução e/ou Fase I Fármaco (Lipofílico) CYP2E1 4% CYP2C19 8% CYP2D6 CYP2C8/9 CYP1A2 19% 16% 11% CYP3A4/5 CYP2A6 36% 3% CYP2B6 3% Farmacocinética Aplicada 34 www.eduhot.com.br Figura -Contribuição relativa das isoformas de citocromos P450 (CYP) na biotransformação de fármacos. 1. Fase I: As reações de fase I convertem fármacos lipofílicos em moléculas mais polares, introduzindo ou desmascarando um grupofuncional polar, como –OH ou –NH2. As reações de fase I em geral envolvem redução, oxidação ou hidrólise. A biotransformação de fase I pode aumentar ou diminuir a atividade farmacológica, ou ainda não ter efeito sobre ela. a. Reações de fase I utilizando o sistema P450: As reações de fase I envolvidas com maior frequência na biotransformação de fármacos são catalisadas pelo sistema citocromo P450 (também denominado oxidases microssomais de função mista). O sistema P450 é importante para a biotransformação de vários compostos endógenos (como esteroides, lipídeos) e para a biotransformação de substâncias exógenas (xenobióticos). O citocromo P450, designado como CYP, é uma superfamília de isoenzimas contendo heme presentes na maioria das células, mas principalmente no fígado e no TGI. 1) Nomenclatura: O nome da família é indicado pelo algarismo arábico que segue a sigla CYP, e a letra maiúscula designa a subfamília; por exemplo, CYP3A. Um segundo algarismo indica a isoenzima específica, como em CYP3A4. 2) Especificidade: Como há vários genes diferentes que codificam múltiplas enzimas, há várias isoformas P450 diferentes. Essas enzimas têm a capacidade de modificar um grande número de substratos estruturalmente distintos. Além disso, um fármaco individual pode ser substrato para mais de uma isoenzima. Quatro isoenzimas são responsáveis pela ampla maioria das reações catalisadas pelo P450: CYP3A4/5, CYP2D6, CYP2C8/9 e CYP1A2. Quantidades consideráveis de CYP3A4 são encontradas na mucosa intestinal, respondendo pela biotransformação de primeira passagem de fármacos como a clorpromazina e o clonazepam. 3) Variabilidade genética: As enzimas P450 exibem considerável variabilidade genética entre indivíduos e grupos raciais. Variações na atividade de P450 podem alterar a eficácia dos fármacos e o risco de efeitos adversos. A Farmacocinética Aplicada 35 www.eduhot.com.br CYP2D6, em particular, revela polimorfismo genético. Mutações na CYP2D6 resultam em capacidade muito baixa de biotransformar substratos. Algumas pessoas, por exemplo, não obtêm benefício do analgésico opiáceo codeína, porque não têm a enzima CYP2D6 que o ativa. Polimorfismos similares foram caracterizados para a subfamília CYP2C. Por exemplo, o clopidogrel tem a advertência de que os pacientes que são maus biotransformadores pela CYP2C19 têm maior incidência de eventos cardiovasculares (p. ex., choque ou infarto do miocárdio) quando usam esse fármaco. O clopidogrel é um pró-fármaco, e a ativação pela CYP2C19 é necessária para convertê-lo no metabólito ativo. Embora a CYP3A4 exiba uma variabilidade entre indivíduos maior que 10 vezes, nenhum polimorfismo foi identificado para essa isoenzima P450. 4) Indutores: As enzimas dependentes de CYP450 são um alvo importante de interações farmacocinéticas de fármacos. Uma dessas interações é a indução de isoenzimas CYP-específicas. Xenobióticos (substâncias químicas que não são produzidas nem deveriam estar presentes normalmente no organismo, como poluentes ambientais) podem induzir a atividade dessas enzimas. Certos fármacos (p. ex., fenobarbital, rifampicina e carbamazepina) são capazes de aumentar a síntese de uma ou mais isoenzimas CYP. Isso resulta no aumento da biotransformação de fármacos e pode levar a reduções significativas nas concentrações plasmáticas dos fármacos biotransformados por essas isoenzimas CYP, com concomitante redução do efeito farmacológico. Por exemplo, a rifampicina, um fármaco antituberculose, diminui de modo significativo a concentração plasmática dos inibidores de HIV protease, diminuindo, assim, sua capacidade de suprimir a replicação do HIV. A erva-de-são-joão é um fitoterápico amplamente usado e é um indutor potente da CYP3A4. Várias interações com fármacos são relatadas devido ao uso simultâneo da erva-de-são-joão. A Figura lista alguns dos mais importantes indutores para isoenzimas CYP representativas. As consequências do aumento da biotransformação de fármacos incluem 1) menor concentração do fármaco no plasma; 2) menor atividade do fármaco, se o metabólito é inativo; 3) aumento da atividade, se o metabólito é ativo; e 4) redução do efeito terapêutico do fármaco. Inibidores: A inibição da atividade das isoenzimas CYP é uma fonte importante de interações de fármacos que leva a efeitos adversos graves. A forma mais comum de inibição é pela competição pela mesma isoenzima. Alguns Farmacocinética Aplicada 36 www.eduhot.com.br fármacos, contudo, são capazes de inibir reações das quais nem são substratos (p. ex., cetoconazol), provocando interações. Numerosos fármacos são capazes de inibir uma ou mais vias de biotransformação CYP-dependente da varfarina. Por exemplo, o omeprazol é um inibidor importante de três das isoenzimas CYP responsáveis pela biotransformação da varfarina. Se os dois fármacos são tomados juntos, a concentração plasmática de varfarina aumenta, levando ao aumento do efeito anticoagulante e do risco de sangramentos. (Nota: os inibidores CYP mais importantes são eritromicina, cetoconazol e ritonavir, pois inibem várias isoenzimas CYP.) Substâncias naturais também podem inibir a biotransformação de fármacos inibindo a CYP3A4. Por exemplo, o suco de toranja (grapefruit) inibe a CYP3A4 e leva a concentrações mais altas e/ou maior potencial de efeitos tóxicos de fármacos, tais como nifedipina, claritromicina e sinvastatina, que são biotransformados por esse sistema. Figura - Algumas isoenzimas citocromo P450 representativas. CYP, citocromo P. *Diferentemente da maioria das outras enzimas CYP450, a Isoenzima CYP2C9/10 SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES Varfarina Fenitoína Ibuprofeno Tolbutamida Fenobarbital Rifampicina Isoenzima CYP2D6 SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES Desipramina Nenhum* Imipramina Haloperidol Propanolol Isoenzima CYP3A4/5 SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES Carbamazepina Carbamazepina Ciclosporina Dexametasona Eritromicina Fenobarbital Nifedipino Fenitoína Verapamil Rifampicina Farmacocinética Aplicada 37 www.eduhot.com.br CYP2D6 não é muito suscetível à indução enzimática. b. Reações de fase I que não envolvem o sistema P450: Essas reações incluem a oxidação de aminas (p. ex., oxidação de catecolaminas ou histamina), a desidrogenação do álcool (p. ex., oxidação do etanol), as esterases (p. ex., biotransformação do ácido acetilsalicílico no fígado) e a hidrólise (p. ex., procaína). 2. Fase II: Esta fase consiste em reações de conjugação. Se o metabólito resultante da fase I é suficientemente polar, ele pode ser excretado pelos rins. Contudo, vários metabólitos de fase I continuam muito lipofílicos para serem excretados. Uma reação subsequente de conjugação com um substrato endógeno – como ácido glicurônico, ácido sulfúrico, ácido acético ou aminoácido – produz um composto polar em geral mais hidrossolúvel e terapeuticamente inativo. Uma exceção notável é o glicuronídeo-6-morfina, que é mais potente do que a morfina. A glicuronidação é a reação de conjugação mais comum e mais importante. (Nota: os fármacos que possuem um grupo –OH, –NH2 ou –COOH podem entrar diretamente na fase II e ser conjugados sem uma reação de fase I prévia.) O fármaco conjugado altamente polar é então excretado pelos rins ou pela bile. DEPURAÇÃO DE FÁRMACOS PELOS RINS Os fármacos devem ser suficientemente polares para serem eliminados do organismo. A saída do fármaco do organismo ocorre por numerosas vias, sendo a eliminação na urina por meio dos rins a mais importante. Pacientes com disfunção renal podem ser incapazes de excretar os fármacos, ficando sujeitos ao risco de acumulá-los e apresentar efeitos adversos. Farmacocinética Aplicada 38 www.eduhot.com.br Figura-Eliminação de fármacos pelos rins. A. Eliminação renal dos fármacos A eliminação de fármacos pelos rins na urina envolve os processos de filtração glomerular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva. 1. Filtração glomerular: Os fármacos chegam aos rins pelas artérias renais, que se dividem para formar o plexo capilar glomerular. O fármaco livre (não ligado à albumina) difunde-se através das fendas capilares para o espaço de Bowman como parte do filtrado glomerular. A velocidade de filtração glomerular (VFG) em geral é de 125 mL/min, mas pode diminuir significativamente na doença renal. A lipossolubilidade e o pH não influenciam a passagem dos fármacos para o filtrado glomerular. Contudo, variações na VFG e a ligação dos fármacos às proteínas 1 O fármaco livre entra no filtrado glomerular Cápsula de Bowman 2 Secreção ativa do fármaco Túbulo proximal Alça de Henle 3 Reabsorção passiva de fármacos não ionizados e lipossolúveis, que foram concentrados no interior do lúmen em concentração maior do que a do espaço perivascular Túbulo distal Túbulo coletor Na urina: fármaco ionizado insolúvel em lipídeos Farmacocinética Aplicada 39 www.eduhot.com.br afetam esse processo. 2. Secreção tubular proximal: Os fármacos que não foram transferidos para o filtrado glomerular saem dos glomérulos através das arteríolas eferentes, que se dividem formando um plexo capilar ao redor do lúmen no túbulo proximal. A secreção ocorre primariamente nos túbulos proximais por dois mecanismos de transporte ativo que exigem energia: um para ânions (p. ex., formas desprotonadas de ácidos fracos) e outro para cátions (p. ex., formas protonadas de bases fracas). Cada um desses sistemas de transporte apresenta baixa especificidade e pode transportar vários compostos. Assim, pode ocorrer competição entre fármacos pelos transportadores em cada um dos sistemas. (Nota: prematuros e recémnascidos não têm esse mecanismo secretor tubular completamente desenvolvido e, assim, podem reter certos fármacos no filtrado glomerular.) 3. Reabsorção tubular distal: Enquanto o fármaco se desloca em direção ao túbulo contorcido distal, sua concentração aumenta e excede à do espaço perivascular. O fármaco, se for neutro, pode difundir-se para fora do lúmen, retornando à circulação sistêmica. A manipulação do pH da urina, para aumentar a fração ionizada do fármaco no lúmen, pode ser feita para minimizar a retrodifusão e, assim, aumentar a depuração de um fármaco indesejável. Como regra geral, ácidos fracos podem ser eliminados alcalinizando a urina, ao passo que a eliminação de bases fracas pode ser aumentada por acidificação da urina. Esse processo é denominado prisão iônica. Por exemplo, um paciente apresentando dose excessiva de fenobarbital (um ácido fraco) pode receber bicarbonato, que alcaliniza a urina e mantém o fármaco ionizado, diminuindo, assim, a sua reabsorção. 4. Papel da biotransformação de fármacos: A maioria dos fármacos é lipossolúvel e, sem modificação química, se difundiria para fora do lúmen tubular renal quando a sua concentração no filtrado se tornasse maior do que a do espaço perivascular. Para minimizar essa reabsorção, os fármacos são modificados basicamente no fígado em substâncias mais polares por meio das reações de fase I e fase II (descritas anteriormente). Os conjugados polares ou ionizados são incapazes de difundir para fora do lumen renal. DEPURAÇÃO POR OUTRAS VIAS Farmacocinética Aplicada 40 www.eduhot.com.br A depuração de fármacos pode ocorrer também por intestinos, bile, pulmões, leite, entre outros. Os fármacos que não são absorvidos após administração oral ou fármacos que são secretados diretamente para os intestinos ou na bile são eliminados com as fezes. Os pulmões estão envolvidos primariamente na eliminação dos gases anestésicos (p. ex., isoflurano). A eliminação de fármacos no leite pode expor a criança lactente aos medicamentos e/ou seus metabólitos ingeridos pela mãe, e é uma fonte potencial de efeitos indesejados na criança. A excreção da maioria dos fármacos no suor, na saliva, nas lágrimas, nos pelos e na pele ocorre em pequena extensão. A depuração corporal total e a meia-vida do fármaco são variáveis importantes da sua depuração, sendo usadas para otimizar o tratamento medicamentoso e minimizar a toxicidade. A. Depuração corporal total A depuração corporal total (sistêmica), CLtotal, é a soma de todas as depurações dos órgãos biotransformadores e eliminadores. Os rins, frequentemente, são os principais órgãos de eliminação. O fígado também contribui na depuração dos fármacos por meio da biotransformação e/ou excreção na bile. A depuração total é calculada usando-se a seguinte equação: CLtotal = CLhepática + CLrenal + CLpulmonar + CLoutras em que CLhepática + CLrenal geralmente são as mais importantes. B. Situações clínicas que alteram a meia-vida do fármaco Quando o paciente apresenta uma anormalidade que altera a meia-vida do fármaco, são necessários ajustes na dosagem. Pacientes que podem apresentar aumento da meia-vida de fármacos são aqueles que têm 1) diminuição do fluxo de sangue renal ou hepático (p. ex., choque cardiogênico, insuficiência cardíaca ou hemorragia); 2) diminuição na capacidade de extrair o fármaco do plasma (p. ex., doença renal); e 3) diminuição da biotransformação (p. ex., quando outros fármacos concomitantes inibem a biotransformação, ou na insuficiência hepática, como na cirrose). Nesses pacientes, pode ser necessário diminuir a dosagem ou aumentar o tempo entre as dosificações. Em contraste, a meia-vida de um fármaco pode ser reduzida aumentando o fluxo sanguíneo hepático, diminuindo a ligação às proteínas ou aumentando a biotransformação. Isso pode exigir dosagens maiores ou dosificações mais frequentes. Farmacocinética Aplicada 41 www.eduhot.com.br Figura-Efeito da biotransformação de fármacos na reabsorção no túbulo distal. ESQUEMAS E OTIMIZAÇÃO DAS DOSAGENS Para iniciar o tratamento medicamentoso, o clínico deve selecionar a via de administração, a dosagem e o intervalo das dosificações apropriado. A escolha do regime terapêutico depende de vários fatores do paciente e do fármaco, incluindo Fármaco Fármaco Túbulo proximal Alça de Henle Túbulo distal Reabsorção passiva de fármaco não ioni- zado, lipossolúvel Fármaco Biotransforma- ção de Fase I e II Metabólito ionizado ou polar Farmacocinética Aplicada 42 www.eduhot.com.br quão rápido este deve alcançar os níveis terapêuticos. O regime então é refinado ou otimizado para maximizar as vantagens e minimizar os efeitos adversos. Figura -Efeito da velocidade de infusão na concentração de equilíbrio do fármaco no plasma. Ro, velocidade de infusão do fármaco; Css,concentração de equilíbrio do fármaco. A. Regimes de infusão contínua O tratamento pode consistir em uma dose simples do fármaco, por exemplo, uma dose única de um fármaco indutor do sono, como o zolpidem. Mais comumente, Nota: a maior velocidade de infusão não altera o tempo necessário para alcançar o estado de equilíbrio; somente a concentração de equilíbrio, Css, se altera Região de equilíbrio CSS ) 0 Início da infusão Tempo Alta velocidade de infusão (2 vezes Ro mg/min Baixa velocidade de infusão (Ro mg/min) Farmacocinética Aplicada 43 www.eduhot.com.br os fármacos são administrados continuamente seja como infusão IV ou em doses fixas orais e em intervalos constantes (p. ex., um comprimido cada 4 h). A administração contínua ou repetida resulta em acúmulo do fármaco até alcançar um estado de equilíbrio. A concentração de equilíbrio é alcançada quandoa velocidade de eliminação é igual à de administração, de modo que a concentração no plasma e nos tecidos fique relativamente constante. 1. Concentração plasmática do fármaco após infusão IV: Com a administração IV contínua, a velocidade de entrada do fármaco no organismo é constante. A maioria dos fármacos exibe eliminação de primeira ordem, isto é, uma fração constante do fármaco é eliminada por unidade de tempo. Portanto, a velocidade de eliminação do fármaco aumenta proporcionalmente com o aumento da concentração no plasma. Ao iniciar a infusão IV contínua, a concentração do fármaco no plasma aumenta até alcançar um estado de equilíbrio (a velocidade de eliminação se iguala à de administração). Nesse momento, a concentração plasmática do fármaco permanece constante. a. Influência da velocidade de infusão do fármaco na concentração do estado de equilíbrio: A concentração plasmática no estado de equilíbrio (Css) é diretamente proporcional à velocidade de infusão. Por exemplo, se a velocidade de infusão é duplicada, o Css duplica. Além disso, a Css é inversamente proporcional à depuração do fármaco. Assim, qualquer fator que diminui a depuração, como doença hepática ou renal, aumenta a Css de um fármaco infundido (admitindo que a Vd permaneça constante). Fatores que aumentam a depuração, como o aumento da biotransformação, diminuem a Css. Tempo necessário para alcançar a concentração de equilíbrio do fármaco: A concentração de um fármaco aumenta desde zero, no início da infusão, até alcançar o nível de equilíbrio Css. A constante de velocidade para alcançar o estado de equilíbrio é a constante de velocidade para a eliminação corporal total do fármaco. Assim, 50% da Css do fármaco, observada após o tempo decorrido entre a infusão (t), é igual a t½, em que t½ é o tempo necessário para que a concentração do fármaco se altere em 50%. Após outra meia-vida, a concentração do fármaco alcança 75% da Css. A concentração do fármaco é de 87,5% da Css após 3 meias- vidas, e 90% em 3,3 meias-vidas. Assim, o fármaco alcança o estado de equilíbrio em cerca de 4-5 meias-vidas. Farmacocinética Aplicada 44 www.eduhot.com.br Figura -Velocidade para alcançar a concentração de equilíbrio de um fármaco no plasma após infusão intravenosa. Injeção de duas unidades do 3 fármaco uma vez ao dia Injeção de uma unidade do fármaco duas vezes ao dia 2 1 A B C 0 Infusão contínua de duas unidades de fármaco ao dia 0 1 2 3 Dias Noventa porcento da concentração de equilíbrio são alcançados em 3,3 t½ 1/2 3,3t 0 Temp o 0 0 t1/2 2t1/2 Cinquenta porcento da concentração de equilíbrio são alcan- çados na t½ 3,3t1/ 2 2t1/ 2 A depuração do fármaco é exponencial com a constante de tempo igual a de durante a infusão. Por exemplo, a concentração do fármaco cai a 50% do valor de equilíbrio em t½ Concentraç ão de equilíbrio do fármaco = Css = 100 90 75 50 t1/2 Interrupção da infusão do fármaco; inicia a depuração Início da infusão do fármaco Farmacocinética Aplicada 45 www.eduhot.com.br Figura -Concentração plasmática prevista para um fármaco administrado por infusão. O único determinante da velocidade que faz com que o fármaco alcance o estado de equilíbrio é o t½, e essa velocidade é influenciada somente pelos fatores que afetam a meia-vida. A velocidade para alcançar o estado de equilíbrio não é afetada pela velocidade de infusão. Quando a infusão é interrompida, a concentração plasmática do fármaco diminui até zerar com a mesma trajetória temporal observada para alcançar o equilíbrio. B. Regimes de doses fixas/intervalo de tempo fixo A administração de um fármaco por doses fixas, em vez de infusão contínua, com frequência é mais conveniente. Contudo, doses fixas de medicações IV ou orais administradas em intervalos fixos resultam em flutuações tempo-dependentes nos níveis de fármaco circulante, diferindo do aumento contínuo da concentração do fármaco observada na infusão contínua. Injeções IV múltiplas: Quando um fármaco é administrado repetidamente a intervalos regulares, a concentração plasmática aumenta até alcançar um estado de equilíbrio. Como a maioria dos fármacos é administrada em intervalos mais curtos do que cinco meias-vidas e é eliminada exponencialmente com o tempo, algum fármaco da primeira dose permanece no organismo no momento em que a segunda dose é administrada, algum fármaco da segunda dose permanece no momento da terceira dose, e assim por diante. Portanto, o fármaco acumula até que, dentro do intervalo de dosagens, a velocidade de eliminação do fármaco se iguala à velocidade de administração – isto é, até que seja alcançado o estado de equilíbrio. A. Duas injeções diárias. Farmacocinética Aplicada 46 www.eduhot.com.br B. Ou uma injeção diária. C. O modelo considera a rápida homogeneização em um compartimento corporal simples e uma meia-vida de 12 horas. Figura -Concentrações plasmáticas previstas para um fármaco obtidas por administrações orais repetidas. a. Efeitos da frequência de dosagem: Com administração repetida em intervalos regulares, a concentração do fármaco no plasma oscila ao redor da média. DOSE SIMPLES FIXA Dose simples do fármaco administrada por via oral resulta em um pico único na concentração plasmática, seguido de um declínio contínuo nos níveis do fármaco 70 10 20 30 40 50 60 Tempo (h) 0 0 2,0 1,5 1,0 0,5 DOSE FIXA REPETIDA A administração oral repetida de um fármaco resulta em oscilações nas concentrações plasmáticas, as quais são influenciadas tanto pela velocidade de absorção do fármaco como pela sua velocidade de eliminação Farmacocinética Aplicada 47 www.eduhot.com.br Doses menores e intervalos mais curtos diminuem a amplitude das flutuações na concentração do fármaco. Contudo, a Css não é afetada pela frequência de dosagem (admitindo que a dose diária total administrada é a mesma) nem pela velocidade em que o estado de equilíbrio é alcançado. b. Exemplos de obtenção de equilíbrio usando diferentes regimes de dosagens: A curva B da Figura mostra a quantidade de fármaco no organismo quando uma unidade de um fármaco é administrada por via IV e repetida em intervalos de tempo que correspondem à meia-vida do fármaco. Ao final do primeiro período de dosagem, permanece 0,5 unidade de fármaco da primeira dose quando a segunda é administrada. Ao final do segundo intervalo de dosagem, 0,75 unidade está presente quando a terceira dose é administrada. A quantidade mínima de fármaco remanescente durante o intervalo de dosagem progressivamente se aproxima do valor de uma unidade, enquanto o valor máximo alcança progressivamente duas unidades logo após a administração. Por isso, no equilíbrio, uma unidade de fármaco se perde no intervalo das dosagens, o que é compensado exatamente pela velocidade de administração. Ou seja, a “taxa de entrada” é igual à “taxa de saída”. Como na infusão IV, 90% do valor de equilíbrio é alcançado em 3,3 meias-vidas. 1. Administrações orais múltiplas: Os fármacos administrados a pacientes externos são, em sua maioria, medicações orais tomadas uma, duas ou três vezes ao dia. Ao contrário da injeção IV, a absorção dos fármacos administrados por via oral pode ser lenta, e sua concentração plasmática é influenciada tanto pela velocidade de absorção quanto pela velocidade de eliminação. C. Otimização da dose O objetivo do tratamento com fármacos é alcançar e manter a concentração dentro da janela terapêutica e minimizar os efeitos adversos. Com titulação cuidadosa, a maioria dos fármacos permite alcançar esse objetivo.Se a janela terapêutica do fármaco é estreita (p. ex., digoxina, varfarina e ciclosporina), deve-se ter cautela extra na seleção do regime de dosagem, e monitorar os níveis do fármaco pode ajudar a manter a faixa terapêutica. Regimes de fármacos são Farmacocinética Aplicada 48 www.eduhot.com.br administrados como doses de manutenção. Se for desejado efeito rápido, pode ser necessária dose de carga. Para fármacos com faixa terapêutica definida, a concentração é mensurada para ajustar a dosagem e a frequência, de modo a obter e manter os níveis desejados. 1. Dose de manutenção: Os fármacos em geral são administrados para manter a Css na janela terapêutica. São necessárias 4-5 meias-vidas para um fármaco alcançar a Css. Para alcançar uma dadaconcentração, são importantes a velocidade de administração e a velocidade de eliminação do fármaco. A velocidade de dosificação pode ser determinada conhecendo-se a concentração desejada no plasma (Cplasma), a depuração (CL) do fármaco da circulação sistêmica e a fração (F) absorvida (biodisponibilidade): Figura -Acúmulo de um fármaco administrado por via oral sem a dose de ataque e com uma dose de ataque oral única administrada em t= 0. 2. Dose de ataque: Às vezes, é necessário alcançar os níveis no plasma rapidamente (p. ex., em infecções graves ou arritmias). Portanto, uma dose Com dose de ataque Sem dose de ataque Tempo t½ de eliminação Início da dosagem Farmacocinética Aplicada 49 www.eduhot.com.br de ataque (ou dose de carga) do fármaco é administrada para alcançar com rapidez os níveis plasmáticos desejados, seguida de uma dose de manutenção para manter o estado de equilíbrio. Em geral, a dose de ataque pode ser calculada da seguinte maneira: Para infusão IV, cuja biodisponibilidade é 100%, a equação é: Doses de ataque podem ser administradas como dose única ou em uma série de doses. As desvantagens das doses de ataque são o aumento do risco de toxicidade e a necessidade de um tempo maior para a concentração no plasma diminuir caso se alcance uma concentração excessiva. A dose de ataque é mais útil para fármacos que têm meia-vida relativamente longa. Sem uma dose de ataque inicial, esses fármacos precisam de maior tempo para atingir o valor terapêutico que corresponde ao nível de equilíbrio. 3. Dose de ajuste: A quantidade de fármaco administrada em uma dada condição é estimada com base em um “paciente médio”. Essa conduta negligencia a variabilidade entre pacientes nas variáveis farmacocinéticas, como depuração e Vd, que são muito significativas em alguns casos. O conhecimento dos princípios farmacocinéticos é útil para ajustar dosagens e otimizar o tratamento em certos pacientes. Monitorar o tratamento farmacológico e correlacioná-lo com os benefícios clínicos constitui outra ferramenta para individualizar o tratamento. Ao determinar o ajuste da dosagem, o Vd pode ser usado para calcular a quantidade de fármaco necessária para obter a concentração plasmática desejada. Por exemplo, admita que a insuficiência cardíaca do paciente não esteja bem controlada devido ao nível plasmático inadequado de digoxina. Suponha que a concentração de digoxina no plasma é C1, e a concentração desejada é C2, uma concentração maior. O cálculo seguinte pode ser usado para determinar quanta digoxina deverá ser administrada para levar o nível de C1 até C2. (Vd)(C1) = quantidade de fármaco inicialmente presente no organismo Farmacocinética Aplicada 50 www.eduhot.com.br (Vd)(C2) = quantidade de fármaco necessária no organismo para obter a concentração plasmática desejada A diferença entre os dois valores é a dose necessária para igualar Vd (C2 – C1). A Figura mostra a evolução temporal da concentração do fármaco quando o tratamento é iniciado e quando a dose é alterada. Figura -Acúmulo do fármaco após administração prolongada e após alterações na dosagem. A dosificação oral foi em intervalos de 50% do t½. Tempo t½ de eliminação A dosagem foi diminuída à metade Alteração da dosagem Quando a dosagem é duplicada, diminuída à metade ou interrompida durante a administração equilibrada, o tempo necessário para alcançar novo estado de equilíbrio é independente da via de administração A concentração no plasma durante o tratamento oral flutua em torno da concentração de equilíbrio obtida com o tratamento intravenoso Infusão intravenosa Dose oral Dosagem duplicada C o n ce n tr a çã o d o fá rm a co n o p la sm a Farmacocinética Aplicada 51 www.eduhot.com.br REFERÊNCIAS ANVISA. PESQUISA CLÍNICA: CONSIDERAÇÕES E DEFINIÇÕES PARA PESQUISA CLÍNICA. DISPONÍVEL EM <HTTP://WWW.ANVISA.GOV.BR/MEDICAMENTOS/PESQUISA/DEF.HTM>. ACESSADO EM 13 JULH. 2016. BENET, L. Z.;HOENER, B.. CHANGES IN PLASMA PROTEIN BINDING HAVE LITTLE CLINICAL RELEVANCE. CLINICAL PHARMACOLOGY & THERAPEUTICS, V. 71, N. 3, P. 115–121, MAR. 2002. BREIMER, D.D. 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