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Etiología das más oclusöes: perspectiva clínica (parte II) - fatores ambientáis of nutlocclusions: Clinical perspective (Part H) - environmental factors Daniela Ü.GARÍB* Omar Gabriel da SILVA F/LHO** Resumo Os fatores etiológicos ambientáis, via de regra, sao mais fácilmente identificados pelo ortodontista, e ;ué pelos leigos, ptir terem uma rela- \ùo cau.sa-efeito clara e iniJi.scutível 1.1 lili as más tKlusôes. Simplificando, enquadram-se aqui todos os fatores etiológicos que nao sao genéticos. Eles foram agrupados na seguinte ordem: Traumatismo; Perda précoce de dentés deciduos; Perda de dentés permanentes; Hábitos bucais dele- térios de sucçâo; Pressionamento lingual atípico; e Respiraçao bucal. Ab.stract The environmental etioLigical factors can be easily identified b̂ i orthodon- tists and even for ¡ay people once show a clear cause-effect relationship with malocelusions. Simplifying, the environmental fcKtors )nay include all ntiTi-gt'iit'tic etit)iogical /actors arid they are presented in the follow- ing topics. Traumatism; Early loss of íí<;ciduou.s teeth; Loss of perma- nent teeth; Deleterious oral habits; Tongue thrust; and oral breathing. Palavras-chave: Etiología. Má oclusâo. Hábito. Ambiente. Keywínd.'í: Etiology. Malocelusion. Haíiits. Environment. * Professora Doutora de Ortodontia. Hospital de Reabilitacáo de Anomalias Craniofaciais e Facuidadc d« Odorttologia de Bauru, Universidade de Sao Paulo. * Ortodontista do Hospital de Reabilitaçâo de Anonnalias Craniofacisis. Universidade de Sio Paulo Coord», nador do Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Sociedade de Promoçâo Social do Fissurado Labiopalatal (PROFIS) * Profes6Or Titular e Chefe do Departamento de Odontopediatna. Ortodontia e Saude Coletiva da Faculdad« de Odontologia de Bauru. Universidade de Sao Paulo. Rev Clin Ortod Dental Prev . 2010 jijn.jul:9(3):&1-73 él Etiología das más oclusôes: perspectiva clínica (parte llj - fatores ambientáis INTROOUÇAO Os fatores etiológicos ambientáis constituem influencias nâo genéticas, provenientes do meio ambiente ou do modo de vida, que concorrem para a determinaçâo das más oclu- sóes. Diferentemente dos fatores genéticos, ainda pouco manipulados pelo homem, os fatores ambientáis podem ser melhor controlados pelo profissional. Os fatores etiológicos ambientáis das más oclusóes serâo discutidos individualmen- te nos tópicos seguintes. TRAUMATISMO I • • O impacto do traumatismo sobre os incisivos superiores deciduos, principalmente quando acompanhado de movi- mento de intrusâo, pode induzir desde defeitos superficiais no esmalte dentario até uma alteraçâo posicional no germe dos sucessores permanentes'^ Com o posicionamento al- terado, o incisivo permanente fica inapto a irromper espon- táneamente na cavidade bucal e torna-se retido (Fig. 1). A situaçâo descrita representa uma das causas de disturbios eruptivos na regiâo anterossuperior. PEROA PRECOCE OE DENTES DECÍDUOS A perda précoce de dentés deciduos merece cuidado indi- vidualizado. Normalmente, a perda précoce de incisivos deci- duos se dá por traumatismo e traz como consequência proble- mas principalmente estéticos e funcionáis relacionados á fala e deglutiçâo. A perda précoce de molares deciduos deve-se à carie ou á erupçâo ectópica dos primeiros molares permanen- tes e apresenta vocaçâo para ocasionar más oclusóes. Diante da perda précoce de molares deciduos, os molares permanen- tes tendem a migrar para mesial, reduzindo o perímetro da arcada dentaria. O movimento mesial do primeiro molar per- manente "rouba" o espaço destinado á erupçâo dos dentés do segmento posterior, caninos permanentes e pré-molares (Fig. 2). Esse apinhamento localizado no segmento posterior foi designado de apinhamento secundario, segundo a classi- ficaçâo de Van der Linden''. Portanto, o apinhamento secun- dario pode ter conotaçâo ambiental. Representa, na maioria das vezes, a influencia do ambiente alterando o curso natural do desenvolvimento da oclusao. Diante da perda précoce de molares deciduos, o apinhamento secundario representa uma má oclusao em potencial que pode ser prevenida por meio da utilizaçâo de aparelhos mantenedores de espaço. Figura 1 Retençâo do incisivo central superior esquerdo, em um paciente com histórico de trauma nos dentés deciduos. 62 Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 jun-jul;9(3);61 73 Garib Ou, Silva Filho OG, Jdnion G Figura 2 Apinhamento secundario ou ambiental. PERDA DE DENTES PERMANENTES Muitos pacientes adultos espelham os reflexos de uma era pouco conservadora da Odontologia, quando os primei- ros molares eram extraídos devido a lesôes cariosas. A perda de primeiros molares permanentes ocasiona complexos de- sajustes na oclusäo (Fig. 3). Os segundos molares superiores migram para mesial e desenham uma giroversäo mesiopa- latina. Os segundos molares inferiores migram para mesial, demonstrando uma marcante alteracäo na angulacäo de seu longo eixo. Os pré-molares Inclinam para distal e existe uma tendencia dos incisivos retroindinarem-se. Quando a perda ocorre unilateralmente, a linha média da arcada dentaria ain- da é desviada para o lado da perda (Fig. 3). HÁBITOS BUCAIS DELETÉRIOS DE SUCCÄO Na arquitetura da oclusäo normal, a natureza estabeleceu uma relacäo de interdependencia e equilibrio entre os dentés, as bases ósseas e a musculatura adjacente intra e extrabucal. Nesse contexto, o perfeito engrenamento das arcadas denta- rias depende do posicionamento dentario, da relacäo de pro- porcionalidade entre a maxila e a mandíbula, assim como da funçao normal dos músculos do sistema estomatognático. Os dentés ocupam uma posiçao de equilibrio, correspondente ao local onde forças opostas, provenientes da musculatura intra- bucal (lingua) e extrabucal (bochechas e labios), neutralizam- se*. Quando esse equilibrio é rompido, por meló de qualquer funçao anormal desempenhada pela musculatura bucal, a Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 jun-iul;9(3):61-73 Etiología das más oclusoes: perspectiva clinicd (parte 11) - fatores ambientáis Figura 3 A perda précoce de primeiros molares permanentes ocasiona complexos desajustes oclusais. morfologia da regiâo dentoalveolar é modificada e uma má oclusâo pode ser determinada. As funcóes musculares que rompem o equilibrio e suscitam deformidades oclusais deno- minam-se hábitos bucais deletérios. Convencionou-se em Or- todontia que os hábitos deletérios incluem: os hábitos prolon- gados de sucçâo de dedo e chupeta, o pressionamento lingual atipico e a respiraçâo bucal. Eles têm implicacóes morfológicas distintas, com prognósticos de tratamento e estabilidade pós- tratamento diferentes. Hábitos de sucçâo Desde a vida pré-natal, o ser humano exerce a funçâo de sucçâo de dedos, lingua e labios, numa atitude instintiva dos mamíferos {Fig. 4). Poucos minutos após o nascimento, o bebé já se mostra apto a sugar o seio materno. E essa fun- çâo instintiva desenvolve-se ainda mais ao longo do primeiro mes de vida. Mâe e bebé aprendem juntos, mediante uma cumplicidade intraduzível, de alimentar e ser alimentado. No entanto, a sucçâo n io se destina únicamente á funçâo de alimentaçâo. A sucçâo constitui a maneira mais importante Figura 4 Ensaio da funçâo de sucçâo realizada na vida intrauterina, em imagem de ultrassom. 64 . 2010jun-jul;9(3):ól-73 Garib DG. Silva Fílho OG, Janson G pela quai a criança interage com o meio exterior. A percep- çâo bucal bem desenvolvida nos primeiros anos de vida pro- porciona um sentimento de conforto, segurança e satisfaçâo emocional durante o ato de sugar'^ O aleitamento materno deve ser estimulado pelos seus incontestáveis beneficios ao bebé. O leite materno constituí o alimento ideal com equilibrio desejável de proteínas, gor- duras, carboídratos, vitaminas, sais minerais e anticorpos". Reduz doenças infantis como a diarreia, infeccóes respira- torias, otite média, méningite bacteriana, infeccóes no trato urinario, enterocolites e quadros alérgicos'"*. Os beneficiosdo aleitamento natural estendem-se ás mees. A involuçâo uterina mais acelerada, a reduçâo do sangramento pós- parto, a maior facilidade de retorno ao peso inicial, o efeito anticoncepcional parcial, o aumento da remineralizaçâo ós- sea pós-parto, a reduçâo da prevalência de cáncer de mama, e a proteçâo contra o Diabetes mellitus tipo 2 perfazem a lista de vantagens para a lactante'". Diante dessas constata- cóes, a Organizaçâo Mundial de Saúde e a UNICEF, em 2003, declararam que "Todos os bebés devem ser amamentados exclusivamente com leite materno, desde o nascimento até seis meses de idade; após esse período, as crianças devem continuar sendo amamentadas ao peito, juntamente com ali- mentos complementares, até os dois anos ou mais"'"*. Na impossibilidade da amamentaçâo exclusiva, aconse- Iha-se o uso de complementaçâo alimentar com mamadeiras de bico ortodóntico, pois imitam a anatomia dos seios, visto que estabelecem uma maior superficie de contato com os labios do bebé. A presença de um orificio reduzido para a saida do leite exige esforço do bebé durante a sucçâo, pro- movendo o exercicio muscular. Além disso, a forma achatada do bico ortodóntico permite os movimentos de sucçâo, te- óricamente, sem desalojar a lingua do palato. Atualmente, o mercado disponibiliza mamadeiras que utilizam um fundo perfurado e, pelo principio do vacuo, exigem um esforço grande para a sucçâo. No intervalo entre a alimentaçâo, mesmo diante da sen- saçâo de saciedade nutricional, o bebé apresenta necessi- dade de sucçâo para satisfaçâo emocional. Por essa razâo, os hábitos de sucçâo de dedo e chupeta mostram-se muito prevalentes no primeiro ano de vida. A frequéncia do hábito de sucçâo nao-nutritivo em nosso pais, no estágío da denta- dura decidua, equivale a aproximadamente de 50" a 60-70%*. Com o desenvolvimento de sua maturidade emocional, ocor- re o abandono espontáneo e natural'do hábito na maioria das crianças. Do total de crianças, aproximadamente 24% aban- donam o hábito até os 2 anos, 28% até os 4 anos e somente em 11% o hábito persiste por 5-6 anos ou mais'. A prevalên- cia do hábito de sucçâo é ainda mais expressiva dentre as crianças alimentadas artificialmente. Observa-se um crescen- te número de evidencias que se avolumam mostrando uma associaçâo inequivoca entre uma menor duraçâo de aleita- mento materno e a maior prevalência de aquisiçâo de hábitos de sucçâo"'". Curiosamente, a literatura também aponta que nipobrasileiros apresentam tempo de aleitamento superior ao das demaís etnías no BrasíP, além de uma menor preva- lência de hábito de sucçâo nâo-nutritiva, equivalente a 44%". Apesar da patente relaçâo de causa e efeito entre os hábi- tos de sucçâo prolongada e as más oclusoes, mediante uma visâo holistica do ser humano, a Ortodontia reconhece que os beneficios psicológicos do hábito de sucçâo suplantam seu potencial de originar más oclusoes nos primeiros anos de vida. Mesmo porque a má oclusao de origem únicamen- te ambiental provocada pelos hábitos de sucçâo apresenta prognóstico de tratamento favorável quando abordada no final da dentadura decidua ou na dentadura mista. A única re- comendaçâo concernente ao hábito de sucçâo é que os pais deem preferencia á chupeta ortodóntica, muito embora ine- xista evidencia de que ela minimize o desvio morfológico da oclusao. Os pais devem ser lembrados que, indubitavelmen- te, a chupeta é mais fácilmente abandonada do que o dedo. Mas, afinal de contas, em qual idade devemos recomendar a interrupçâo do hábito de sucçâo nâo-nutritiva? Sob o prisma da Psicologia, a necessidade de sucçâo na criança estende-se até os dois anos de idade. Porém, ao analisar os desvios mor- fológicos ocasionados â oclusao, os ortodontistas sao bem mais condescendentes. Os hábitos de sucçâo devem receber o adjetivo de deletérios a partir do final da dentadura decidua ou, em termos de idade cronológica, a partir dos 5 anos de idade'*. Consideramos que, em regra, até os 5 anos de idade os hábitos de sucçâo fazem parte do desenvolvimento psico- motor normal e nâo devem ser interrompidos com dispositi- vos ortodónticos. Há que se considerar ainda a possibilidade de autocorreçâo da mordida aberta anterior quando o hábito de sucçâo é abandonado ainda na dentadura decidua (Fig. 5). Proffit, Fields e Sarver'̂ consideraram como hábito deletério aquele que persiste além da dentadura decidua, quando os primeiros dentés permanentes apontam na cavidade bucal. A Fonoaudiologia aconselha que os pais tentem reduzir gradati- vamente a frequéncia do hábito por volta dos 2-3 anos de ida- de, sempre enaltecendo as atitudes positivas da criança (pas- sear na casa dos avós sem a chupeta, por exemplo) em vez de depreciar os momentos em que a criança deseja realizar o há- bito. Devemos respeitar a individualidade e a personalidade de cada criança, entendendo que o desenvolvimento da ma- turidade ocorre em épocas distintas para cada uma. Quando a maturidade é alcançada, a criança pode, fácilmente, trocar o hábito por um objeto que deseja conquistar. Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 jun-jul;9(3):61-73 6S Etiotogia das rttás octusôes: perspectiva clinica (parte it] - fatores ambientáis Figura 5 Correçâo espontánea da mordida aberta anterior na dentadura decidua, após o abandono do hábito. Figura 6 Criança mesofacial, na dentadura mista, com hábito persistente de sucçâo de chupeta. Má oclusâo de Classe I com mordi- da aberta anterior bem circunscrita, de caráter eminentemente dentoalveolar, e mordida cru- zada posterior. A mordida cruzada posterior constituí outra irregulari- dade oclusal ocasionada pelo hábito de sucçâo, e pode ser observada muito precocemente em crianças com hábitos'. A atresia da arcada dentaria superior nao mostra autocorreçâo com o abandono do hábito^. Ainda assim, a interceptaçâo dessa má oclusâo apresenta prognóstico excelente quando realizada precocemente. A má oclusâo mais típica relacionada com o hábito de sucçâo, de dedo e/ou de chupeta, é a mordida aberta an- terior circular e circunscrita à regiâo dos incisivos'* (Fig. 6). Ocasionalmente, sobrepöe-se um efeito de inclinaçâo ves- tibular dos incisivos superiores e inclinaçâo lingual dos in- cisivos inferiores, tendendo a acentuar o trespasse horizon- t a l " . Importante lembrar que essas alteraçôes verticais e 66 Rev Clin Ortod Dental Press. 2010iijn-jul;9(3):61-73 Ganb DG, Silva Filho OG, Janson G anteroposteriores observadas na oclusao, conséquentes ao hábito de sucçâo, concentram-se na regiâo dentoalveolar, modelável por influencias ambientáis, o que torna favorável o prognóstico de tratamento, principalmente ñas dentadu- ras decidua e mista. A prevaléncia de Padrâo esquelético II nâo difere em comparaçâo as crianças sem hábitos", o que é fácil de entender, visto que o padrâo esquelético é definido genéticamente e sofre influencia irrisoria do meio ambiente. Outra irregularidade atribuida ao hábito de sucçâo é a atresia da arcada dentaria superior, culminando na mordi- da cruzada posterior'^'* (Fig. 7). A prevaléncia de mordida cruzada posterior na dentadura decidua, em crianças em que o hábito de sucçâo persistiu até a faixa etária dos 4 anos ou mais, equivale a aproximadamente 27%'̂ . Por outro lado, dentre as crianças que abandonaram o hábito até os 2 anos de idade, a prevaléncia de mordida cruzada posterior é de 17% .̂ Ao analisar crianças na dentadura decidua sem histórico de hábito, a mordida cruzada posterior mostra-se presente somente em 5% délas*. Um levantamento epidemiológico na fase de dentadura mista apontou que, dentre as crianças com hábitos prolonga- dos de sucçâo, 48% apresentavam apenas mordida aberta an- terior, 7% apresentavam apenas a mordida cruzada posterior, enquanto 30% apresentavam ambas as irregularidades oclu- sais'̂ (Fig. 8). Mesmo diante de um potente fator etiológico das más oclusóes, representado pelo hábito de sucçâo pro- longado de dedo e chupeta, aproximadamente 15% das crian- cas apresentavam oclusao normal'^. Esses dados demonstram Figura 7 Mordida cruzada posteriorem uma criança com histórico de hábito de sucçâo pro- longado. Nota-se a atresia da arcada dentaria superior que a torna inapta a se ajustar trans- versalmente de uma maneira correta com a arcada inferior. Rev Clin Oítod Dental Press. 2010 jun-jul;9(3):61-73 67 Etiología das más oclusöes: perspectiva clínica (parte II) - faloras a MAA = mordida aberta anterior MCP = mordida cruzada posterior 30,5% MAA -I- MCP 48% MAA Figura 8 Prevaléncia de más oclusóes em crianças na dentadura mista com hábitos persistentes de sucçao nao-nutritivos (Fonte: Silva Filho, Gomes Gloncalves e Maia'^ 1991). que a instalaçao de alteraçôes morfológicas nao depende exclusivamente da presença do hábito, mas também de sua frequéncia, intensidade e duraçâo (Tríade de Graber), assim como do padräo facial. Comparados aos braquifacias, os pa- cientes com padräo de crescimento vertical, ao apresentarem um trespasse vertical reduzido e dimensôes transversas redu- zidas (incluindo a arcada dentaria superior), demonstram uma morfologia facial que os aproxima das más oclusöes de mor- dida aberta anterior e mordida cruzada posterior Dos pacien- tes ortodônticos com padräo vertical e hábito persistente de sucçao, aproximadamente 50% apresentam mordida cruzada posterior quando analisados durante a dentadura mistad Ob- serva-se que, ao se associar um fator ambiental, como os há- bito de sucçao, com um fator genético predisponente, como o padräo de crescimento vertical, aumentam-se as chances de desenvolvimento da referida má oclusäo. Figura 9 Aumento do trespasse horizontal ocasionado por um hábito de sucçao do labio inferior. 68 2010jun-jul;9(3):61-73 Garib DG, Silva Filho CXj. Janson G Hábito de sucçâo labial Um hábito bem mais raro do que a sucçâo de dedo e/ou chupeta é o costume de succionar os labios. A repercussâo do hábito de sucçâo do labio inferior consiste na retroincli- naçâo dos incisivos inferiores, enquanto os incisivos superio- res sao inclinados para vestibular (Fig. 9). Como resultado, define-se um trespasse horizontal aumentado, mesmo dian- te de uma relaçâo sagital normal entre as arcadas denta- rias (relaçâo de Classe I). Neste caso, o trespasse horizonta aumentado apresenta etiologia eminentemente ambiental, representada pelo hábito de sucçâo do labio (Fig. 9). É importante diferenciar a situaçâo descrita no pará- grafo anterior do quadro de interposiçâo do labio inferior em pacientes com má oclusâo Classe II, divisâo 1 (Fig. 10). O erro sagital de Classe II exige uma adaptaçâo funcional no momento da deglutiçâo, com o labio interpondo-se entre os incisivos superiores e inferiores para garantir o selamento bucal. Como consequência, o trespasse hori- zontal, originalmente aumentado, agrava-se. A alteraçâo morfológica inicial, definida eminentemente pela genéti- ca, agora é agravada por influencias ambientáis. Nesse caso, seria erróneo atribuir a má oclusâo de Classe II ao hábito de sucçâo. Figura 10 Postura labial em um paciente com padreo esquelético de Classe II e má oclusâo de Classe II, divisâo 1. Rev Clin Ortod Denial Pie^ . 2010 jun-jul;9(3):61-73 69 Etiologia das más oclusoes: perspectiva clínica (parte 11) - latores ambientáis Pressionamento lingual atípico A interposiçâo da lingua entre as arcadas dentarias du- rante a fonaçâo, deglutiçâo ou postura constitui uma anor- malidade funcional denominada pressionamento lingual atí- pico. Esse hábito bucal deletério relaciona-se com a mordida aberta anterior de duas maneiras distintas: o pressionamento lingual pode ser a causa ou a consequência de uma mordi- da aberta anterior'. No primeiro caso, é classificado como pressionamento lingual atipico primario, uma vez que deter- minou o desenvolvimento da má oclusao. Nessas condicóes, a mordida aberta anterior exibe uma morfologia distinta da- quela causada pelos hábitos de sucçâo. A mordida aberta anterior causada pela lingua tem um formato mais retangular e difuso, podendo déla participar nâo somente os incisivos, como também os dentés posteriores. A correçâo da mordida aberta anterior tem prognóstico de tratamento mais sombrio e exige exercicios fonoarticulatórios para reeducaçâo lingual. O pressionamento lingual primario pode advir de uma hi- potonia generalizada da lingua, da presença de amígdalas palatinas hipertróficas, de disturbios neuromusculares ine- rentes a algumas sindromes e da macroglossia. O pressionamento lingual atípico secundario, como o próprio nome sugere, ocorre em adaptaçâo a uma mordida aberta criada pelo hábito de sucçâo, nesse caso contribuindo apenas para manter ou agravar a alteraçâo morfológica pre- viamente existente (Fig. 11). Deve-se lembrar que, durante o gradativo processo de amadurecimento da deglutiçâo infantil para adulta, ainda no inicio da dentadura mista, a lingua pode se interpor entre os incisivos no momento da deglutiçâo'^. Na ausencia de más oclusoes e da respiraçâo bucal, essa interposiçâo deve ser entendida como caracteristíca normal do processo de ama- durecimento neuromuscular. Figura 11 Pressionamento lingual atipico secundario em uma criança com mordida aberta anterior e hábito persistente de sucçâo de chupeta. Respiraçâo bucal Na normalidade fisiológica, a respiraçâo deve ser realizada predominantemente por via nasal, a fím de que o ar chegue aos pulmóes umedecido, aquecido e filtrado. Nos momentos de maior demanda de energia, como durante grandes esfor- ÇOS físicos ou momentos de estresse, estabelece-se uma res- piraçâo mista, predominada pela ventilaçâo bucal. Diante de obstáculos presentes ao longo das vias aéreas, que as obstruem ou resistem á passagem do ar, a criança passa a respirar através de uma via alternativa, a cavidade bucal. Os obstáculos respiratorios podem localizar-se na cavidade nasal, como a hipertrofia de cornetos, o desvio de septo nasal e as rinites alérgicas fréquentes; na nasofaringe, como a hipertrofia das tonsilas faringeas ou adenoide (Fig. 12); ou na bucofaringe, como a hipertrofia das tonsilas palatinas ou amigdalas (Fig. 13). A respiraçâo bucal exige uma mudança na postura, para assegurar a abertura de uma via aérea bucal. Desse modo, a criança permanece com os labios entreabertos, com a mandi- bula deslocada para baixo e para tras, e a lingua repousando mais inferior e anteriormente, sem contato com a abobada palatina'^. Essas alteraçôes posturais favorecem o desenvol- vimento da atresia da arcada dentaria superior e da mordida aberta anterior''''^. Hipotéticamente, a explicaçâo centra-se no fato de que a rotaçâo da mandibula para posterior defi- ne uma abertura entre as arcadas dentarias em tesoura, com maior distanciamento entre os incisivos se comparado ao dis- tanciamento entre os dentés posteriores'^ Isso exige um de- senvolvimento vertical maior do rebordo alveolar na regiâo anterior, para compensar a mudança esquelética vertical. No entanto, tudo indica que o padrâo facial interfere favorecen- do a respiraçâo bucal nos pacientes com predominio vertical, que caracteriza a face longa (Fig. 14). A face longa representa uma caracteristica morfológica determinada genéticamente onde as dimensóes verticais da face predominam e excedem o equilibrio normal. Esse ex- cesso vertical, localizado especialmente no terco inferior da face, impede o selamento labial passivo, além de expor os incisivos superiores em repouso e a gengiva no sorriso, ca- racterizando o sorriso gengival. Na face longa, a largura e a profundidade da face estâo reduzidas em relaçâo ao normal, favorecendo a obstruçâo do trato respiratorio superior, tanto no nariz como na faringe. Essa condiçâo explica a relaçâo en- tre face longa e respiraçâo bucal. No paciente com padrâo de crescimento vertical, a permeabilidade do trato respiratorio está reduzida, predispondo o paciente à respiraçâo bucaP. Evidencias indicam que nem todo paciente com excesso vertical é respirador bucal. Um estudo de Fields et al." re- velou que 70% dos pacientes com face longa apresentam 70 Rev Clin Or! .2010)jn-jul;9(3):61-73 Cjarib DG. Silva FilhoOG. Janson û Figura 12 Aspecto radiográfico das vias aéreas superiores: A) nasofaringe normal e B) nasofaringe Figura 13 Hipertrofia das tonsilas palatinas estreita devido â hipertrofia das tonsilas faríngeas. aparente na telerradiografía em norma lateral. Figura 14 Paciente face longa: A-C) foto- grafias faciais e D-H) fotografias intrabucais. Nota-se a exposiçâo exagerada dos incisivos na fotografia facial frontal em repouso, assim como a exposiçâo demasiada de gengiva na .4 fotografia facial sorrindo. Rev Clin Ortod Dental Preü. 2010 jijn.jul;9(3):61.73 71 Etiologia das más ociusôes: perspectiva dinica (parte II) - fatores ambientáis respiraçâo predominantemente nasal (60 a 100% do fluxo respiratorio nasal). Por outro lado, pacientes face longa e respiradores bucais, ao resgatar um padrio respiratorio na- sal, mantém essencialmente a mesma morfologia facial e o padrâo de crescimento primordial''". A etiologia da face longa tem na genética o seu fator principal. Pode-se con- cluir que nâo existe uma relaçâo causa-efeito consistente entre respiraçâo bucal e face longa. É mais convincente acreditar que a anatomia da face longa predispóe o indivi- duo á respiraçâo bucal. E por que a literatura sempre atrelou a face longa com a respiraçâo bucal? Tres motivos concorreram para o esta- belecimento dessa associaçâo: 1) Os estudos em humanos e animais mostraram que, de fato, a respiraçâo bucal contribui para acentuar um vetor vertical de crescimento da face'". 2) A observaçâo de uma prevaléncia mais elevada da respi- raçâo bucal dentre os pacientes dolicofaciais, comparada â dos demais tipos faciais, meso e braquifacial. Essa última assertiva se justifica pela constataçâo de que pacientes do- licofaciais, incluindo os pacientes face longa, apresentam dimensóes faciais mais reduzidas no sentido transversal e em profundidade (anteroposterior). A morfologia da naso- faringe e bucofaringe acompanha esse padrâo e mostra-se menos ampia no sentido sagitaP. Quanto mais estreita a fa- ringe, mais fácilmente ela impóe resistencia â passagem de ar diante de alteraçôes anatómicas como a hipertrofia das tonsilas faringeas e palatinas, ou de hiperplasias crónicas da mucosa devido as alergias. Porém, nâo é impossível um pa- ciente mesofacial apresentar um padrâo respiratorio bucal e isso nâo determina a alteraçâo de seu tipo facial ao longo do crescimento. 3) O diagnóstico da respiraçâo bucal baseado exclusivamente na morfologia dentofacial. Sem dúvida, isso leva a uma interpretaçâo equivocada da "respiraçâo bucal". O tratamento ortodóntico das más oclusóes ocasionadas por hábitos bucais deletérios vislumbra uma atuaçâo multi- disciplinar, com participaçâo do ortodontista, do otorrinola- ringologista ou alergista, da fonoaudióloga e, as vezes, do psicólogo. Nessa equipe, o papel do ortodontista consiste em corrigir as alteraçôes morfológicas e encaminhar o pa- ciente para as demais especialidades, quando necessário. O otorrinolaringologista e o alergista cuidam das obstrucóes das vias aéreas. O fonoaudiólogo reeduca a postura e a fun- çâo lingual e ensina o paciente a respirar corretamente. O psicólogo atua auxiliando as crianças que apresentam de- pendencia do hábito e dificuldade de desvencilhar-se dele. Torna-se oportuno salientar que a mordida aberta anterior e a mordida cruzada posterior nâo apresentam etiologia exclu- sivamente ambiental. A mordida aberta anterior pode estar re- lacionada a um padrâo de crescimento facial vertical, a chama- da mordida aberta anterior esquelética. Nesses casos, muitas vezes é dificii fazer o diagnóstico diferencial da participaçâo da lingua: a lingua está causando a mordida aberta anterior ou a lingua está se adaptando ao problema esquelético? In- dependentemente da resposta, o prognóstico de tratamento nesses casos é muito sombrio. Podemos, inclusive, considerar que a lingua é um dos fatores determinantes do prognóstico de tratamento. Da mesma maneira, a mordida cruzada poste- rior pode ser observada em pacientes com erro esquelético genéticamente determinado. No Padrâo esquelético Classe III, mesmo na ausencia de atresia da arcada dentaria superior, pode-se observar uma inversâo da relaçâo transversa interar- cadas, simplesmente devido á posiçâo sagital relativa da arca- da dentaria inferior em relaçâo á arcada superior. Na má oclu- sao de Classe III, a arcada dentaria inferior oclui anteriormente em uma regiâo transversalmente menor da arcada superior, podendo definir uma mordida cruzada posterior REFERENCIAS 1. Almeida RR de, Almeida Pedrin RR, Almeida MR de, Garih DG, Almeida PCMR de, Pinzan A. Etioliigia das más oclusóes - causas hereditarias e congênitas, adquiridas gérais, locáis e proxitnaís: hábitos bucais. Rev Dental Press Ortod Ortop Facial. 2000 nov-de2;5(6):107-29. 2. Azevedo CM. Tempo de amamentaçào e hábitos de sucçâo nâo-tlutritivos em très grupos de ctianças brasileiras. 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