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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Rever a morfofisiologia do fígado e sistema porta; 2- Estudar a epidemiologia, etiologia, fatores de risco, fisiopatologia, manifestações clínicas , diagnóstico e complicações da cirrose hepática; 3- Estudar a etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e diagnóstico da hipertensão portal; 4- Discutir os impactos do abuso de álcool nas relações familiares. Fígado ↠ O fígado é o maior órgão interno do corpo, pesando cerca de 1,36 kg. Ele está localizado no quadrante superior direito do abdome, abaixo da superfície inferior do diafragma (SEELY, 10ª ed.). ↠ As faces do fígado incluem: (GRAY, 2021). • Uma face diafragmática com orientações anterior, superior e posterior; • Uma face visceral com orientação inferior. ↠ O fígado é composto por dois lobos principais, o lobo direito e o lobo esquerdo, que são separados por um septo de tecido conectivo, o ligamento falciforme (SEELY, 10ª ed.). O lobo direito do fígado é o maior lobo, enquanto o lobo esquerdo do fígado é o menor. Os lobos quadrado e caudado são descritos como derivados do lobo direito do fígado, mas funcionalmente são distintos (GRAY, 2021). ↠ Dois lobos menores, o lobo caudado e o lobo quadrado, podem ser vistos a partir de uma vista inferior, junto com a porta (SEELY, 10ª ed.). O lobo quadrado é visível na região anterior da face visceral do fígado e é limitado à esquerda pela fissura do ligamento redondo e à direita pela fossa da vesícula biliar. Funcionalmente, ele se relaciona ao lobo esquerdo do fígado. O lobo caudado é visível na região posterior da face visceral do fígado. É limitado à esquerda pela fissura do ligamento venoso e à direita pelo sulco da veia cava inferior. Funcionalmente, ele está separado dos lobos direito e esquerdo do fígado (GRAY, 2021). ↠ A porta é a superfície inferior do fígado, por onde vários vasos, ductos e nervos entram e saem do fígado. A veia portal hepática, a artéria hepática e um pequeno plexo nervoso hepático entram no fígado pela porta (SEELY, 10ª ed.). APG 12 – “PERFEITO, MAS NEM TANTO” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os vasos linfáticos e os dois ductos hepáticos, um de cada lobo - esquerdo e direito -, deixam o fígado pela porta. Os ductos hepáticos transportam a bile para fora do fígado. Os ductos hepáticos direito e esquerdo unem- se para formar um ducto hepático comum (SEELY, 10ª ed.). O ducto cístico da vesícula biliar une-se ao ducto hepático comum para formar o ducto biliar comum, que se une ao ducto pancreático na ampola hepatopancreática, um alargamento onde os ductos hepático e pancreático se unem. A ampola hepatopancreática abre- se no duodeno na papila duodenal maior. Um esfíncter de músculo liso circula o ducto biliar comum onde ele entra na ampola hepatopancreática (SEELY, 10ª ed.). HISTOLOGIA DO FÍGADO ↠ Uma cápsula de tecido conectivo e o peritônio visceral cobrem o fígado, exceto na área nua, uma pequena área na superfície diafragmática que não possui o peritônio visceral e é envolvida pelo ligamento coronário. Na porta, a cápsula de tecido conectivo envia uma rede ramificada de septos (paredes) em direção à parte central do fígado para dar suporte. Vasos, nervos e ductos seguem os ramos de tecido conectivo que adentram o fígado (SEELY, 10ª ed.). ↠ Placas de hepatócitos irradiam a partir da veia central de cada lóbulo como os raios de uma roda. As placas de hepatócitos são compostas pelos hepatócitos, as células funcionais do fígado (SEELY, 10ª ed.). ↠ Os espaços entre as placas de hepatócitos são canais sanguíneos chamados sinusoides hepáticos. Os sinusoides são revestidos por um endotélio escamoso fino e irregular que é composto por duas populações celulares: (SEELY, 10ª ed.). • células endoteliais esparsas e extremamente finas; • células fagocíticas hepáticas, as células de Kupffer. ↠ Histologicamente, o fígado é composto por vários componentes (TORTORA, 14ª ed.). • Hepatócitos: Os hepatócitos são as principais células funcionais do fígado e realizam uma grande variedade de funções metabólicas, secretoras e endócrinas. São células epiteliais especializadas com 5 a 12 lados que compõem aproximadamente 80% do volume do fígado. Os hepatócitos formam arranjos tridimensionais complexos chamados lâminas hepáticas. As lâminas hepáticas são A irrigação arterial do fígado inclui: A artéria hepática direita da artéria hepatica própria (ramo da artéria hepática comum do tronco celíaco); A artéria hepática esquerda da artéria hepática própria (ramo da artéria hepática comum do tronco celíaco). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck placas de hepatócitos de uma célula de espessura limitada em ambos os lados por espaços vasculares revestidos por células endoteliais chamados sinusoides hepáticos. As lâminas hepáticas são estruturas irregulares altamente ramificadas. Os sulcos nas membranas celulares entre hepatócitos vizinhos fornecem espaços para os canalículos para os quais os hepatócitos secretam bile. A bile, um líquido amarelo, marrom ou verde-oliva secretado pelos hepatócitos, atua tanto como um produto de excreção quanto como uma secreção digestória. • Canalículos de bile: Os canalículos de bile são pequenos ductos entre os hepatócitos que coletam a bile produzida pelos hepatócitos. Dos canalículos de bile, a bile passa para os dúctulos biliares e, em seguida, para os ductos biliares. Os ductos biliares se unem e, por fim, formam os ductos hepáticos esquerdo e direito, que são maiores e se unem e saem do fígado como o ducto hepático comum. O ducto hepático comum junta-se ao ducto cístico da vesícula biliar para formar o ducto colédoco. Por ele, a bile entra no duodeno do intestino delgado para participar da digestão. • Sinusoides hepáticos: Os sinusoides hepáticos são capilares sanguíneos altamente permeáveis entre fileiras de hepatócitos que recebem sangue oxigenado de ramos da artéria hepática e sangue venoso rico em nutrientes de ramos da veia porta do fígado. Recorde-se de que a veia porta do fígado traz o sangue venoso dos órgãos gastrintestinais e baço para o fígado. Os sinusoides hepáticos convergem e entregam o sangue a uma veia central. A partir das veias centrais, o sangue flui para as veias hepáticas, que drenam para a veia cava inferior. Em contraste com o sangue, que flui em direção à veia central, a bile flui na direção oposta. Nos sinusoides hepáticos também estão presentes fagócitos fixos chamados células estreladas do fígado, que destroem eritrócitos e leucócitos envelhecidos, bactérias e outros materiais estranhos do sangue venoso que drena do canal alimentar. Juntos, o ducto biliar, um ramo da artéria hepática e um ramo da veia hepática são chamados tríade portal (TORTORA, 14ª ed.). Os hepatócitos, o sistema de ductos biliares e os sinusoides hepáticos podem ser organizados em unidades anatômicas e funcionais de três maneiras diferentes: (TORTORA, 14ª ed.). • Lóbulo hepático: Durante anos, os anatomistas descreveram o lóbulo hepático como sendo a unidade funcional do fígado. De acordo com este modelo, cada lóbulo hepático tem o formato de um hexágono (estrutura de seis lados). No seu centro está a veia central, e irradiando para fora dele estão fileiras de hepatócitos e sinusoides hepáticos. Localizada nos três cantos do hexágono está uma tríade portal. Este modelo baseia-se em uma descrição do fígado de porcos adultos. No fígado humano é difícil 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck encontrar estes lóbulos hepáticos bem definidos circundados por camadas espessas de tecido conjuntivo. • Lóbulo portal: Este modelo enfatiza a função exócrina do fígado, isto é, a secreção biliar. Por conseguinte, o ducto biliar de uma tríade portal é consideradoo centro do lóbulo portal. O lóbulo portal tem uma forma triangular e é definido por três linhas retas imaginárias que ligam três veias centrais que estão mais próximas à tríade portal. Este modelo não ganhou ampla aceitação. • Ácino hepático: Nos últimos anos, a unidade estrutural e funcional preferida do fígado é o ácino hepático. Cada ácino hepático é uma massa ligeiramente oval que inclui partes de dois lóbulos hepáticos vizinhos. O eixo curto do ácino hepático é definido por ramos da tríade portal – ramos da artéria hepática, veia e ductos biliares – que correm ao longo da margem dos lóbulos hepáticos. O eixo longo do ácino é definido por duas linhas curvas imaginárias, que ligam duas veias centrais mais próximas ao eixo curto. Os hepatócitos do ácino hepático estão dispostos em três zonas ao redor do eixo curto, sem fronteiras nítidas entre eles. As células na zona 1 são as mais próximas aos ramos da tríade portal e as primeiras a receber oxigênio, nutrientes e toxinas que chegam pelo sangue que entra. Estas células são as primeiras a captar a glicose e armazená-la como glicogênio após uma refeição e clivam o glicogênio em glicose durante o jejum. Também são as primeiras a mostrar alterações morfológicas após a obstrução do canal biliar ou exposição a substâncias tóxicas. As células da zona 1 são as últimas a morrer se a circulação for prejudicada e as primeiras a se regenerar. As células da zona 3 são as mais distantes dos ramos da tríade portal e são as últimas a mostrar os efeitos da obstrução biliar ou exposição a toxinas, as primeiras a mostrar os efeitos da circulação prejudicada, e as últimas a se regenerar. As células da zona 3 são também as primeiras a mostrar evidências de acúmulo de gordura. As células da zona 2 têm características estruturais e funcionais intermediárias entre as células das zonas 1 e 3. FISIOLOGIA DO FÍGADO ↠ O fígado realiza importantes funções digestórias e excretoras, estoca e processa nutrientes, detoxifica compostos químicos danosos e sintetiza novas moléculas (SEELY, 10ª ed.). • Produção de bile; • Estoque de glicogênio; • Conversão de alguns nutrientes; • Detoxificação – altera a estrutura de muitas substâncias danosas para torna-las menos tóxicas ou por tornar a eliminação dessas substâncias mais fácil. • Fagocitose de hemácias e leucócitos velhos; • Síntese de proteínas do sangue (albumina, fibrinogênio, globulinas) e fatores de coagulação. CIRCULAÇÃO PORTA ↠ A circulação porta hepática transporta o sangue venoso dos órgãos gastrintestinais e baço para o fígado. Uma veia que transporta o sangue de uma rede capilar para outra é chamada veia porta. A veia porta do fígado recebe o sangue dos capilares dos órgãos do sistema digestório e do baço e este flui para os vasos sinusoides do fígado (TORTORA, 14ª ed.). Após uma refeição, o sangue da veia porta do fígado está rico em nutrientes absorvidos pelo sistema digestório. O fígado armazena alguns deles e modifica outros antes que eles passem para a circulação geral. Por exemplo, o fígado converte a glicose em glicogênio para armazenagem, reduzindo o nível de glicose no sangue imediatamente depois de uma refeição. O fígado também destoxifica substâncias nocivas, como o álcool etílico, que tenham sido absorvidas pelo sistema digestório e destrói as bactérias por fagocitose. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ As veias mesentérica superior e esplênica se unem para formar a veia porta do fígado. A veia mesentérica superior drena o sangue do intestino delgado e partes do intestino grosso, estômago e pâncreas por meio das veias jejunais, ileais, ileocolicas, cólica direita, cólica média, pancreaticoduodenais e gastromental direita. A veia esplênica drena o sangue do estômago, pâncreas e partes do intestino grosso por meio das veias gástricas curtas, gastromental esquerda, pancreáticas e mesentérica inferior. A veia mesentérica inferior, que se abre na veia esplênica, drena partes do intestino grosso por meio das veias retal superior, sigmóidea e cólica esquerda (TORTORA, 14ª ed.). ↠ As veias gástricas direita e esquerda, que se abrem diretamente na veia porta do fígado, drenam o estômago. A veia cística, que também se abre na veia porta do fígado, drena a vesícula biliar (TORTORA, 14ª ed.). ↠ Ao mesmo tempo que recebe sangue rico em nutrientes, mas desoxigenado, por meio da veia porta do fígado, o fígado também recebe sangue oxigenado pela artéria hepática, um ramo do tronco celíaco. O sangue oxigenado se mistura com o sangue venoso nos vasos sinusoides. O sangue acaba deixando os vasos sinusoides do fígado pelas veias hepáticas, que drenam para a veia cava inferior (TORTORA, 14ª ed.). Cirrose Hepática ↠ A cirrose representa a via final comum de uma lesão hepática crônica e persistente em indivíduo geneticamente predisposto e que, independentemente da etiologia, acarretará fibrose e formação nodular difusas, com consequente desorganização da arquitetura lobular e vascular do órgão (ZATERKA; EISIG., 2016). A cirrose caracteriza-se pela presença de nódulos parenquimatosos circundados por faixas densas de fibrose em todo o fígado, convertendo a cápsula hepática normalmente lisa em uma superfície irregular, com áreas deprimidas de cicatrização e nódulos regenerativos protuberantes (KUMAR et. al., 2023). EPIDEMIOLOGIA ↠ A doença apresenta distribuição global, independentemente de raça, idade e gênero. Levando em consideração estudos de autópsia, estima-se que a prevalência de cirrose fique entre 4,5 e 9,5%, o que poderia corresponder a cerca de 100 milhões de acometidos no mundo todo. No entanto, existem acentuadas variações geográficas na incidência e prevalência, dependendo largamente da predominância dos fatores causais (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Até 40% dos pacientes com cirrose são assintomáticos, dificultando assim o diagnóstico precoce e a determinação da exata prevalência da doença (BRITO et. al., 2022). ↠ Analisando as informações obtidas através do banco de dados do DATASUS é possível constatar que a mortalidade por fibrose e cirrose hepática teve maior incidência na região sudeste do território brasileiro (BRITO et. al., 2022). ↠ Analisando a partir do sexo, vale destacar que o maior número de mortes aconteceu no sexo masculino em todos os anos e regiões, devido aos hábitos dos homens e a procura médica (BRITO et. al., 2022). ETIOLOGIA ↠ Em decorrência dos avanços sorológicos e imuno- histoquímicos, a cirrose tem sido classificada de acordo com sua etiologia. A antiga classificação morfológica em micronodular e macronodular (de acordo com o tamanho dos nódulos de regeneração e com a distribuição do tecido fibroso), embora ainda empregada por alguns, não auxilia na compreensão etiopatogênica da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). A razão desse interesse prendeu-se à possibilidade da intervenção sobre o fator causador da lesão hepática e, por meio de sua inibição ou eliminação, de se obter a consequente paralisação do processo de necroinflamação e/ou fibrogênese; ou, até mesmo, a reversão do estado de cirrose com reabsorção das traves de fibrose (QUILICI et. al., 2019). 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os principais agentes etiológicos causadores da cirrose podem ser classificados como: (ZATERKA; EISIG., 2016). • Metabólicos: decorrentes de erros congênitos ou adquiridos do metabolismo e que acometem crianças ou adultos jovens, como na galactosemia, na tirosinemia, na doença de Wilson, ou pacientes de idade mais avançada, como na hemocromatose, deficiência de alfa 1-antitripsina e esteato-hepatite não alcoólica, entre outras. • Virais: ocasionadas pelos vírus B (associado ou não ao vírus D ou Delta) ou C da hepatite. • Alcoólico: principal agente etiológico entre pacientes adultos. Ocorre após períodomédio de 5 a 10 anos de ingestão de quantidade diária superior a 80 g de etanol para os homens e 60 g para as mulheres. • Induzida por fármacos: como metotrexato, isoniazida, oxifenisatina e alfametildopa, entre outras. • Autoimune: consequente à evolução da hepatite ou da colangiopatia autoimune, caracteristicamente afetando mulheres em idade jovem ou na pós- menopausa, com fenômenos autoimunes concomitantes. Atualmente, existem, pelo menos, três tipos de hepatite autoimune (HAI) bem caracterizados que podem ocasionar cirrose. • Biliares: enquanto a cirrose biliar primária representa entidade clínica definida, a cirrose biliar secundária é o processo final de doenças crônicas que acometem a árvore biliar com colangites de repetição, como na colangite esclerosante e na obstrução das vias biliares. • Obstrução do fluxo venoso hepático: causa anóxia congestiva do fígado, como ocorre na síndrome de Budd-Chiari, na doença veno-oclusiva e na pericardite constritiva. • Criptogênicas: a despeito de todo o progresso na identificação etiológica das cirroses, em torno de 5 a 10% delas permanecem com a etiologia indeterminada em todo o mundo. FISIOPATOLOGIA ↠ A fibrose representa o acúmulo relativo e absoluto dos componentes da matriz extracelular, em detrimento do componente celular. Esse acúmulo de tecido conjuntivo no fígado decorre de uma maior síntese e/ ou menor degradação desses componentes (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Os mecanismos que determinam a reparação do tecido ou sua progressão para a fibrose são mediados pelas citocinas decorrentes da necrose e da inflamação local, liberadas pelos linfócitos e monócitos/macrófagos, que podem efetivamente estimular ou inibir a proliferação, a síntese proteica e a movimentação das células responsáveis pela síntese do tecido fibroso (fibrogênese) e de sua degradação (fibrólise). Dentre os fatores citados, encontram-se o TGF-beta 1 (fator transformador do crescimento), o TNF (fator de necrose tumoral), as interleucinas, a fibronectina, o fator de crescimento plaquetário, sendo que destes o TGF-beta 1 parece o principal mediador da fibrogênese (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ As células efetoras do processo são os miofibroblastos que regulam tanto a fibrogênese como a fibrólise. Esses miofibroblastos são originados primariamente pela ativação das células estreladas dos sinusoides ou dos fibroblastos portais, das células derivadas da medula óssea e também da transição epitelial mesenquimal (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Além de sintetizar as proteínas da matriz extracelular, as células estreladas estão diretamente associadas à degradação da matriz. Essa fibrólise depende da ativação das enzimas metaloproteases, como as colagenases. A atividade dessas enzimas é regulada por um sistema em que a ação das substâncias ativadoras das prometaloproteases (como o inibidor da C1-esterase e o PAI-1 – inibidor da ativação do plasminogênio) é contrabalanceada pela ação de substâncias que poderiam inibir sua liberação ou bloquear diretamente sua atividade, como o TIMPs (inibidor tecidual das metaloproteases) e a alfa-2 macroglobulina (ZATERKA; EISIG., 2016). Metaloproteases e TIMPs seriam produzidas pelas células estreladas sob a regulação de citocinas inflamatórias e também pelos macrófagos hepáticos, ou seja, as células de Kupffer, por intermédio da liberação de metaloproteases e citocinas anti-inflamatórias, principalmente a IL-10 (ZATERKA; EISIG., 2016). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Dessa maneira, no caso de uma lesão hepática crônica, a progressão para a fibrose hepática ou para a reparação do tecido dependerá do tipo de estímulo desencadeado pela lesão e da genética do indivíduo (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Outros mecanismos fibrogênicos, além daquele mediado pelas citocinas, também podem ocorrer. Vários estudos têm concordado sobre o papel do sistema de estresse oxidativo (EOx) hepático e da reduzida produção do oxido nítrico (ON), potente agente vasodilatador, na circulação porto-esplênica. Ambos teriam participação direta no processo fibrogênico, bem como na disfunção endotelial hepática que acompanha a progressão da doença até o estabelecimento da cirrose e da hipertensão portal (HP) (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ A ativação do sistema de EOx resulta, em última instância, na produção de espécies reativas de oxigênio, que culminam com a destruição e necrose celular por meio da peroxidação lipídica. Os produtos dessa lipoperoxidação, (especialmente malonaldeído, 4-hidroxinoneal e SOD) apresentam elevado potencial fibrogênico, por meio da estimulação direta das células estreladas. A lipoperoxidação só ocorrerá na dependência de uma “falha” no sistema antioxidante hepático, representado principalmente pelo sistema da glutationa, além de licopenos, betacarotenos e vitaminas E e C, que atuariam como aceptores dos radicais livres, impedindo a lipoperoxidação (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ A redução na biodisponibilidade do ON está diretamente relacionada com a atividade aumentada desse sistema pró-oxidativo, uma vez que o ON que se liga ao superóxido dismutase (SOD) é capaz de modular a produção do peroxinitrito (ONOO-), um potente agente oxidante com fundamental papel na lesão oxidativa hepática (ZATERKA; EISIG., 2016). A participação dos radicais livres e da lipoperoxidação tem sido amplamente documentada na lesão hepática alcoólica, na hepatite crônica C, na doença hepática gordurosa não alcoólica, na hemocromatose primária, entre outras (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Por outro lado, as alterações da matriz extracelular determinadas pela fibrose auxiliam a perpetuar o processo fibrótico. Os componentes da matriz extracelular, os colágenos, proteoglicanos e as glicoproteínas encontram-se em concentração elevada no tecido hepático, seja nos septos fibrosos, seja na fibrose intersticial, e podem interferir no processo fibrogênico, atuando como mediadores desse processo (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Outras áreas maiores do desenvolvimento no processo fibrogênico hepático incluem o papel da microbiota intestinal e da hipóxia tecidual, com o estabelecimento de um microambiente anaeróbico pró- inflamatório, além da influência das modificações epigenéticas na progressão da fibrose (ZATERKA; EISIG., 2016). RESUMO Os processos patogênicos centrais da cirrose consistem na deposição de matriz extracelular (colágeno I e III, proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas), morte dos hepatócitos e reorganização vascular (SANAR). A deposição de colágeno tipo I e III ocorre no espaço de Disse e é consequência da ativação das células estreladas hepáticas pela lesão. Essa deposição forma tratos septais fribróticos e é acompanhada pela perda das fenestrações das células endoteliais dos sinusoides hepáticos, impedindo a troca de solutos entre os hepatócitos e o plasma, uma vez que os sinusóides são responsáveis por realizar essa troca (SANAR). Durante todo o processo de lesão hepática e fibrose, a regeneração dos hepatócitos sobreviventes é estimulada e estes se proliferam dando origem a nódulos esféricos circundados por septos fibrosos (SANAR). O resultado é um fígado nodular e com muitas fibroses, com comprometimento severo do suprimento de sangue para os hepatócitos e da secreção de substâncias no plasma pelos hepatócitos. A degeneração da interface entre o parênquima e os tratos portais também pode obliterar os canais biliares, levando ao desenvolvimento de icterícia (SANAR). Os principais achados morfológicos da cirrose hepática incluem fibrose difusa, nódulos regenerativos, arquitetura lobular alterada e estabelecimento de derivações vasculares intra-hepáticas. Outras características relevantes são capilarização dos sinusoides e fibrose perissinusoidal, trombose vascular e lesões obliterativas no trato portal e veias hepáticas.Juntas, essas alterações são responsáveis pelo 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck desenvolvimento de hipertensão portal e suas complicações (ZATERKA; EISIG., 2016). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E COMPLICAÇÕES Sua história natural apresenta uma fase assintomática, chamada de compensada, seguida por outra, rapidamente progressiva, denominada descompensada e caracterizada pelo desenvolvimento das complicações que estão associadas à hipertensão portal e/ou à insuficiência hepática, trazendo para o paciente sérias limitações ou conduzindo-o à morte (QUILICI et. al., 2019). • Compensada: ocorre na fase inicial da doença. Geralmente o paciente encontra-se assintomático ou apresenta sintomas inespecíficos como fadiga, perda de peso, fraqueza e anorexia. • Descompensada: paciente pode apresentar icterícia, prurido, ascite (manifestação mais comum de descompensação), edema de membros inferiores, diarreia, sangramento gastrointestinal (hematêmese, hematoquezia, melena), confusão mental, entre outros. ↠ O fígado normal produz cerca de 10 g de albumina/dia, nível que se reduz para 4 g/dia nos cirróticos. Essa hipoalbuminemia altera a pressão coloidosmótica plasmática, a qual, associada à hipertensão portal e à presença de substancias vasoconstritoras, leva à menor excreção renal de sódio e água, com formação de ascite. Nessa situação, encontra-se comprometido o transporte plasmático de diversas substancias de baixo peso molecular, dependentes da atuação dessa proteína (DANI; PASSOS, 2011). ↠ Distúrbios hematológicos são frequentes na cirrose hepática, tais como: (DANI; PASSOS, 2011). • anemia, multifatorial causada por hemólise, deficiência na síntese de ácido fólico e absorção do ferro, observada sobretudo nos desnutridos; • leucopenia e plaquetopenia geradas a partir do hiperesplenismo; • redução na síntese dos fatores que compõem o complexo protrombínico (II, VII, IX, X), representada por baixa na atividade e alargamento no tempo de protrombina. Em geral, esses cursam também com baixos valores séricos de fator V, associadamente responsáveis pelo aparecimento de sangramentos espontâneos, equimoses e hematomas presentes ao menor trauma (DANI; PASSOS, 2011). Coagulopatia. Os hepatócitos são responsáveis pela síntese dos fatores da coagulação II (protrombina), V, VII, IX, X, XI e XII, bem como do fibrinogênio. Por conseguinte, na insuficiência hepática, ocorre o desenvolvimento de deficiências de fatores de coagulação e da coagulabilidade. A formação de hematomas é um sinal precoce, que pode progredir para o sangramento intracraniano com risco de vida ou fatal. O fígado também é responsável por ajudar a remover os fatores da coagulação ativados da circulação, e, em alguns casos, a perda dessa função leva à coagulação intravascular disseminada exacerbando ainda mais a tendência ao sangramento (KUMAR et. al., 2023). ↠ A alta incidência de infecções bacterianas em cirróticos pode ser explicada pela existência de importantes alterações nos mecanismos de defesa contra as bactérias, dependentes da depressão funcional do sistema reticuloendotelial e dos granulócitos, baixos níveis de complemento e deterioração da imunidade celular. São pacientes que exibem diminuição de alguns constituintes do plasma que estão envolvidos com a resposta imune, como zinco, albumina e transferrina (DANI; PASSOS, 2011). ↠ A encefalopatia hepática é um espectro de alterações da consciência, que variam desde anormalidades sutis do comportamento até confusão e estupor acentuados, coma profundo e morte . A encefalopatia pode progredir ao longo de vários dias, semanas ou meses após a lesão hepática aguda. Os sinais neurológicos flutuantes associados incluem rigidez e 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck hiperreflexia. A ocorrência de asterix ou flapping, um sinal particularmente característico, consiste em movimentos de extensão-flexão rápidos e não ritmados da cabeça e dos membros, que são bem observados quando os braços são mantidos em extensão, com os punhos em dorsiflexão (KUMAR et. al., 2023). ↠ Acredita-se que a encefalopatia hepática seja causada por níveis elevados de amônia, que apresentam uma correlação com o comprometimento da função neuronal e o edema cerebral. A principal fonte de amônia é o trato gastrintestinal, no qual ela é produzida por microrganismos e pelos enterócitos durante o metabolismo da glutamina. Normalmente, a amônia é transportada na veia porta até o fígado, onde é metabolizada no ciclo da ureia; na presença de doença hepática grave, ocorre falha desse mecanismo de destoxificação. Foram sugeridos vários mecanismos não exclusivos de toxicidade do sistema nervoso central (SNC) pela amônia, incluindo efeitos diretos sobre os neurônios e efeitos indiretos mediados pelo metabolismo de amônia para glutamina nos astrócitos, que parecem contribuir para o edema ao atuar com efeito osmótico (KUMAR et. al., 2023). ↠ Além de icterícia, encefalopatia e coagulopatia (todas também observadas na insuficiência hepática aguda), a insuficiência hepática crônica está associada a várias outras características significativas: (KUMAR et. al., 2023). • Por meio de mecanismos ainda não definidos, a colestase persistente pode levar ao prurido (coceira), que pode ser de grande intensidade. Alguns pacientes podem arranhar a pele, o que leva ao risco de episódios repetidos de infecção potencialmente fatal. O alívio só pode ser obtido por meio de transplante de fígado • O distúrbio do metabolismo dos estrogênios leva à hiperestrogenemia, que tem vários efeitos. Ela produz alterações vasculares que podem levar ao eritema palmar (um reflexo da vasodilatação local) e às aranhas vasculares (angiomas aracneiformes) da pele. Cada angioma consiste em uma arteríola dilatada central e pulsátil, a partir da qual irradiam pequenos vasos. Nos homens, a hiperestrogenemia também pode produzir hipogonadismo e ginecomastia • O hipogonadismo também pode ocorrer em mulheres, devido à ruptura da função do eixo hipotálamo-hipófise, por meio de deficiências nutricionais associadas à doença hepática crônica ou a alterações hormonais primárias. ↠ A instalação da fibrose e da regeneração nodular no fígado acaba por determinar o aparecimento da hipertensão portal, definida pelo aumento dos níveis pressóricos no sistema venoso portal acima de 5 mmHg da pressão da veia cava inferior. Com a instalação desse distúrbio hemodinâmico, forma-se extensa rede de circulação colateral, na tentativa de aumentar o retorno venoso para a circulação cardiopulmonar e aliviar o sistema portal, formando-se, assim, desvios da circulação portal para a sistêmica, representados, sobretudo, pelas varizes esofagogástricas (DANI; PASSOS, 2011). Varizes esofagianas e varizes retais (aumentos tortuosos das veias esofagianas e retais), e o sangue venoso portal é desviado para o sistema da veia cava através da utilização das anastomoses portossistêmicas. Além disso, o ingurgitamento dos canais venosos superficiais nos tecidos subcutâneos da parede abdominal pode surgir como uma cabeça de medusa (varizes subcutâneas tortuosas que se assemelham às serpentes da cabeça da medusa) (HANSEN, 2019). Hipertensão Portal ↠ Se a veia porta do fígado ficar ocluída ou seu sangue não conseguir passar através dos sinusoides hepáticos, um significativo aumento da pressão venosa portal ocorrerá, resultando em hipertensão portal (HANSEN, 2019). A pressão venosa portal normal é de 3 a 6 mmHg, mas pode exceder 12 mmHg (hipertensão portal), resultando em veias dilatadas e tortuosas (varizes) e na ruptura varicosa (HANSEN, 2019). ETIOLOGIA ↠ Os três principais mecanismos são definidos da seguinte forma: (HANSEN, 2019). • Pré-hepático: obstrução do fluxo sanguíneo para o fígado • Pós-hepático: obstrução do fluxohepático do fígado para o coração • Intra-hepático: cirrose ou outra doença hepática, afetando o fluxo sanguíneo sinusal 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck FISIOPATOLOGIA ↠ A fisiopatologia da hipertensão portal é complexa e envolve resistência ao fluxo portal no nível dos sinusoides e aumento do fluxo portal causado pela circulação hiperdinâmica (KUMAR et. al., 2023). ↠ O aumento da resistência ao fluxo portal no nível dos sinusoides é causado pela contração das células musculares lisas vasculares e dos miofibroblastos e pela interrupção do fluxo sanguíneo por cicatrização e formação de nódulos parenquimatosos (KUMAR et. al., 2023). ↠ As alterações das células endoteliais sinusoidais que contribuem para a vasoconstrição intra-hepática associada à hipertensão portal incluem diminuição da produção de óxido nítrico (NO) e liberação aumentada de endotelina-1, angiotensinogênio e eicosanoides (KUMAR et. al., 2023). ↠ O remodelamento sinusoidal e as anastomoses entre os sistemas arterial e portal nos septos fibrosos contribuem para a hipertensão portal ao impor pressões arteriais sobre o sistema venoso porta de baixa pressão. O remodelamento sinusoidal e as derivações intra- hepáticas também interferem na troca metabólica entre o sangue sinusoidal e os hepatócitos (KUMAR et. al., 2023). ↠ Outro fator importante no desenvolvimento da hipertensão portal consiste em aumento do fluxo sanguíneo venoso portal, em decorrência da circulação hiperdinâmica. Isso é causado pela vasodilatação arterial, principalmente na circulação esplâncnica. Por sua vez, o aumento do fluxo sanguíneo arterial esplâncnico leva ao aumento do efluxo venoso no sistema porta. Embora vários mediadores, como a prostaciclina e o TNF, tenham sido implicados na etiologia da vasodilatação arterial esplâncnica, o NO emergiu como a causa mais significativa (KUMAR et. al., 2023). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E COMPLICAÇÕES ↠ As quatro principais consequências da hipertensão portal são: (KUMAR et. al., 2023). • encefalopatia hepática; • ascite; • formação de derivações venosas portossistêmicas; • esplenomegalia congestiva. Ascite ↠ O acúmulo de líquido na cavidade peritoneal é denominado ascite, e 85% dos casos são causados por Principais consequências clínicas da hipertensão portal no contexto da cirrose, mostradas em homens. Nas mulheres, a oligomenorreia, a amenorreia e a esterilidade em consequência de hipogonadismo são frequentes. Os achados de importância clínica estão em negrito. 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck cirrose. Em geral, a ascite torna-se clinicamente detectável quando há acúmulo de pelo menos 500 mℓ. O líquido geralmente é seroso, apresenta menos de 3 g/dℓ de proteína (em grande parte albumina) e um gradiente de albumina entre soro e ascite ≥ 1,1 g/dℓ. O líquido pode conter um número escasso de células mesoteliais e leucócitos mononucleares (KUMAR et. al., 2023). A presença de neutrófilos sugere infecção, ao passo que a presença de eritrócitos indica a possibilidade de câncer intra-abdominal disseminado. Na ascite de longa duração, a infiltração de líquido peritoneal através dos linfáticos transdiafragmáticos pode produzir hidrotórax, geralmente do lado direito. A patogênese da ascite é complexa, envolvendo hipertensão sinusoidal, hipoalbuminemia, aumento do fluxo linfático hepático, vasodilatação esplâncnica e circulação hiperdinâmica (KUMAR et. al., 2023). DERIVAÇÕES PORTOSSISTÊMICAS ↠ Na presença de hipertensão portal crônica, a dilatação vascular e o remodelamento frequentemente levam ao desenvolvimento de derivações venosas de paredes finas entre as circulações porta e sistêmica que contornam o fígado. Essas derivações podem aparecer sempre que as circulações sistêmica e porta compartilharem leitos capilares (KUMAR et. al., 2023). ↠ Os principais locais são as veias ao redor e dentro do reto (cuja manifestação consiste em hemorroidas), a junção gastresofágica (produzindo varizes), o retroperitônio e o ligamento falciforme do fígado (envolvendo colaterais periumbilicais e da parede abdominal). Os colaterais da parede abdominal aparecem como veias subcutâneas dilatadas, que se estendem do umbigo até as margens das costelas (cabeça de medusa) e constituem uma característica clínica típica da hipertensão portal. Embora possa ocorrer o sangramento de hemorroidas, ele raramente é maciço e potencialmente fatal (KUMAR et. al., 2023). ↠ Muito mais importantes são as varizes esofagogástricas, que aparecem em cerca de 40% dos indivíduos com cirrose hepática avançada e causam hematêmese maciça e morte em cerca da metade dos indivíduos afetados. Cada episódio de sangramento está associado à mortalidade de cerca de 30% (KUMAR et. al., 2023). Esplenomegalia ↠ A hipertensão portal de longa duração pode causar esplenomegalia congestiva. O grau de aumento do baço varia amplamente, e o peso do órgão pode alcançar até 1.000 g (cinco a seis vezes o normal), porém não apresenta necessariamente uma correlação com outras características da hipertensão portal. A esplenomegalia pode induzir secundariamente anormalidades hematológicas atribuíveis ao “hiperesplenismo”, particularmente trombocitopenia ou até mesmo pancitopenia, em grande parte devido ao sequestro de elementos sanguíneos na polpa vermelha expandida do baço (KUMAR et. al., 2023). COMPLICAÇÕES PULMONARES DA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA E HIPERTENSÃO PORTAL • A síndrome hepatopulmonar é observada em até cerca de 30% dos pacientes com cirrose hepática e hipertensão portal. A síndrome é causada pela dilatação de capilares e vasos pré- capilares intrapulmonares de até 500 μM de tamanho (KUMAR et. al., 2023). A derivação do sangue da direita para a esquerda através dos vasos dilatados produz desigualdade da ventilação-perfusão e compromete a oxigenação do sangue, manifestando-se na forma de hipoxemia. A dispneia resultante é mais grave na posição ortostática, em comparação com a posição de decúbito, visto que a gravidade exacerba o desequilíbrio de ventilação-perfusão. Os pacientes com essa síndrome apresentam pior prognóstico do que aqueles sem ela. A patogênese ainda não está esclarecida, porém foi postulado que o fígado doente pode não eliminar fatores como a endotelina-1, que estimula as células endoteliais a produzir vasodilatadores, como o óxido nítrico (KUMAR et. al., 2023). • A hipertensão portopulmonar refere-se à hipertensão arterial pulmonar que surge na doença hepática. Ela também não está bem compreendida, mas parece depender da hipertensão portal e da vasoconstrição pulmonar excessiva concomitantes e do remodelamento vascular. As manifestações clínicas mais comuns consistem em dispneia ao esforço e baqueteamento digital (KUMAR et. al., 2023). DIAGNÓSTICO DA CIRROSE HEPÁTICA O diagnóstico da cirrose é, antes de tudo, anatomopatológico; por esse motivo, a forma mais correta de fazê-lo seria por meio da biópsia do fígado, com agulha. Entretanto, em decorrência das alterações da coagulação que esses pacientes apresentam e pelas alterações vasculares hepáticas e peri-hepáticas, há elevado risco de complicações desse procedimento (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Em vários pacientes, por outro lado, as alterações encontradas ao exame físico (como hepatoesplenomegalia, com fígado nodular, sinais periféricos de insuficiência hepática) e/ou no exame de imagem (alteração da ecogenicidade e retração do parênquima com superfície nodular e os sinais de 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck hipertensão portal) e exame endoscópico (varizes esofagogástricas) tornam a biópsia desnecessária e eticamente questionável (ZATERKA; EISIG., 2016). ANAMNESE ↠ Alguns fatores de risco para a doença podem ser questionados (SANARFLIX). EXAME FÍSICO ↠ O paciente portador de cirrose hepática,como já foi destacado anteriormente, poderá apresentar cirrose compensada ou descompensada. Nesta última os sinais clínicos estarão muito evidentes, como a presença de ascite, hérnia umbilical, equimoses, icterícia, aranhas vasculares, edema dos membros inferiores, visceromegalias etc (QUILICI et. al., 2019). EXAMES LABORATORIAIS OBS.: Em função dos riscos da biópsia, vários marcadores não invasivos têm sido empregados no estudo dos pacientes hepatopatas, e é exatamente nos cirróticos que eles têm encontrado sua melhor aplicação (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Existem dois tipos básicos de marcador de fibrose: (ZATERKA; EISIG., 2016). • Biomarcadores diretos: aqueles envolvidos com a síntese e a degradação da matriz extracelular, como ácido hialurônico, pró-colágeno tipo III, metaloproteases etc. Esses marcadores não são utilizados na prática médica. Os melhores resultados foram obtidos com a determinação sérica do ácido hialurônico. • Biomarcadores indiretos: compostos por parâmetros não diretamente relacionados à matriz, mas que refletem as alterações bioquímicas da fibrose, como os níveis de AST, ALT, bilirrubinas, proteínas e contagem de plaquetas. ENZIMAS ASSOCIADAS À LESÃO HEPATOCELULAR ↠ As aminotransferases são enzimas que quando se apresentam com níveis séricos elevados indicam lesão do hepatócito representada pela perda da permeabilidade seletiva ou a morte da célula, sendo portanto associadas à presença de atividade necroinflamatória (QUILICI et. al., 2019). ↠ Nos pacientes cirróticos, as aminotransferases estarão alteradas se o fator etiológico da cirrose e/ou sistema imune estiver ativo, por exemplo, hepatite C, hepatite B, hepatite autoimune, etc. Deve-se chamar a atenção para o fato de que nos pacientes cirróticos, ao contrário do que ocorre nas hepatites virais ou em outras enfermidades agudas do fígado, passará a haver uma predominância dos níveis séricos da aspartato aminotransferase (AST) sobre os níveis séricos da alanina aminotransferase (ALT). Esse fato resulta da diminuição da massa celular hepática produtora de ALT, considerando-se que a ALT ocorre predominantemente no fígado, enquanto a AST estará presente também em outros tecidos, como o músculo esquelético, miocárdio etc. que poderão estar menos comprometidos pela enfermidade presente (QUILICI et. al., 2019). ENZIMAS ASSOCIADAS À COLESTASE ↠ Fosfatase alcalina e gama glutamil transferase (GGT) são enzimas presentes nos colangiócitos. Seus níveis séricos poderão estar alterados nos pacientes cirróticos quando o fator etiológico estiver associado à colestase, 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck por exemplo, colangite biliar primária, colangite biliar secundária, colangite esclerosante, etc (QUILICI et. al., 2019). ↠ A interpretação dos resultados associados a essas enzimas deverá ser feita quando ambas estiverem conjuntamente elevadas, pois elevações isoladas poderão representar condições não associadas ao fígado ou às vias biliares (QUILICI et. al., 2019). INDICADORES DA ATIVIDADE SINTÉTICA DO FÍGADO ↠ As bilirrubinas, a albumina e a protrombina são os verdadeiros indicadores da função hepática, pois representam a capacidade sintética do fígado (QUILICI et. al., 2019). ↠ Quando os níveis séricos das bilirrubinas estiverem elevados, deverá sempre ser identificada qual é a fração predominante, se é a conjugada ou a não conjugada. Em um paciente cirrótico, ocorrendo alteração da bilirrubina com predomínio da fração conjugada, deverá ser considerada a presença de colestase associada ao fígado cirrótico, especialmente se GGT e fosfatase alcalina estiverem elevadas conjuntamente. De outro modo, se em um paciente com cirrose hepática surge icterícia com predomínio da bilirrubina não conjugada, esse fato poderá indicar dificuldade do hepatócito para realizar a conjugação da bilirrubina, indicando a possibilidade de estar presente a insuficiência hepática (QUILICI et. al., 2019). ↠ A albumina é uma proteína produzida exclusivamente pelo fígado e apresenta vida média variando de 19 a 21 dias. Portanto, é um indicador de insuficiência hepática crônica, não prestando para avaliar a insuficiência hepática aguda. Habitualmente, encontra-se com valores abaixo do normal em pacientes cirróticos (QUILICI et. al., 2019). ↠ A protrombina é uma proteína plasmática inativa produzida exclusivamente pelo fígado. Também é referida como fator II da coagulação, sendo precursora da trombina, e tem como cofator a vitamina K. O estudo da protrombina é realizado pelo teste chamado tempo de ativação da protrombina. O prolongamento anômalo do tempo de ativação da protrombina poderá estar associado a duas situações: (QUILICI et. al., 2019). • insuficiência hepática, o que ocorre no fígado cirrótico insuficiente; • deficiência da vitamina K, como poderá ocorrer nas colestases ou nas condições que reduzem a oferta de vitamina K para a luz intestinal EXAMES DE IMAGEM ↠ A cirrose em estágios iniciais pode ter exames de imagem normais. Por isso, os exames só nos ajudam em estágios mais avançados e/ou diante da suspeita clínica (SANARFLIX) ULTRASSONOGRAFIA SIMPLES E COM ESTUDO HEMODINÂMICO POR DOPPLER ↠ Dentre os estudos por imagens, a ultrassonografia (US) é destacada por ser método não invasivo, sem radiação e de baixo custo, além de fornecer os seguintes dados: (QUILICI et. al., 2019). • Tamanho do fígado. • Irregularidade do bordo hepático (serrilhamento). • Consistência do parênquima hepático (ecotextura heterogênea). • Nodularidade da superfície hepática. • Velocidade do fluxo sanguíneo na veia porta. • Calibre da veia esplênica. • Identificação de colaterais. • Identificação de nódulos sólidos no fígado cirrótico. 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck ELASTOGRAFIA HEPÁTICA ↠ Também, conhecido como Fibroscan. Esse é um método não invasivo para a medição da fibrose hepática. Nesse caso, coloca-se um aparelho sobre a pele do paciente na topografia do fígado. O aparelho transmite ondas sonoras através da pele e os dados transitórios de elastografia são coletados para estimar o grau de rigidez do fígado. A rigidez hepática se correlaciona com a quantidade de fibrose ou cicatrização do fígado (SANARFLIX). TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA ↠ A tomografia computadorizada e a ressonância magnética complementam o diagnóstico de hepatopatia crônica com a reprodução de sinais semelhantes aos observados por meio da US – serrilhamento de bordos, heterogeneidade do tecido hepático (QUILICI et. al., 2019). Entretanto, outros dados como o calibre das veias hepáticas, a relação lobo caudado/lobo direito e o diâmetro do baço demonstraram clara diferenciação entre o fígado normal e o fígado cirrótico, mas o principal papel destinado para esses instrumentos diagnósticos é o rastreio e o estudo de nódulos eventualmente presentes no fígado cirrótico cujo tamanho venha a ultrapassar 1 cm, pois poderá tratar-se de um hepatocarcinoma em fase inicial, cujo diagnóstico em fase inicial possibilitará a utilização de terapias curativas (QUILICI et. al., 2019). Impactos do abuso de álcool nas relações familiares ↠ O alcoolismo pode ser classificado como vício de ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, dentro deste quadro é possível observar a dependência, a abstinência, o abuso, a intoxicação, a síndrome amnésica, a demência alucinatória, os delírios de humor, os distúrbios sexuais, a ansiedade, as alterações do sono, entre outros distúrbios (SILVA et. al., 2021). ↠ No Brasil vive-se uma cultura que naturaliza o consumo de bebidas alcoólicas, seja por anúncios publicitários ou em festas de família. O álcool é a droga psicoativa mais utilizada pela humanidade segundo Martins et al, talvez por essa aceitação que a sociedadeconsome essas bebidas em qualquer ambiente (FAQUIM et. al., 2022). ↠ O convívio com um dependente de álcool não é uma convivência fácil para os familiares e amigos, pois os problemas afetam a todos, desgastando as relações. Além de um problema de saúde física é também uma doença social, e o tratamento deve envolver a todos (SILVA et. al., 2021). ↠ Entre outras patologias o alcoolismo se destaca como um grave desajuste no contexto intrafamiliar, prejudicando o desenvolvimento psicossocial, afetando crianças, jovens e adultos (SILVA et. al., 2021). ↠ No que diz respeito à família, o uso de bebidas alcoólicas está associado a consequências negativas tanto ao usuário quando do seu companheiro e filhos, os danos podem vir de diversas formas seja pela saúde física e mental de seus membros, ou pela saúde financeira do lar (FAQUIM et. al., 2022). ↠ O lar que possui um alcoólatra acaba por perder seu elo entre os membros, tornando frágil as relações e o 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck convívio diário, fazendo com que a família se isole da comunidade, podendo desencadear transtornos metais nos indivíduos (FAQUIM et. al., 2022). ↠ Quando a família vivencia a síndrome de dependência dentro do lar, ocorre uma quebra e alteração nos papeis desenvolvidos no grupo familiar, ou seja, quando a figura paterna é usuária de álcool, deixa de ser o líder, atribuindo esse papel a figura materna, ou até mesmo a filhos. Apesar do maior prejudicado pelo uso excessivo de álcool ser o próprio dependente, a família também é afetada pelo abuso da bebida, passando todos seus membros a serem reféns da doença (FAQUIM et. al., 2022). Referências DRAKE, Richard L.; VOGL, A W.; MITCHELL, Adam W M. Gray - Anatomia Clínica para Estudantes. Grupo GEN, 2021. TORTORA, Gerard J. Princípios de anatomia e fisiologia / Gerard J. Tortora, Bryan Derrickson; tradução Ana Cavalcanti C. Botelho... [et al.]. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. REGAN, J.; RUSSO, A.; VVANPUTTE, C. Anatomia e Fisiologia de Seely, 10a ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. QUILICI, Flávio A.; SANTANA, Nelma Pereira de; GALVÃO-ALVES, José. A gastroenterologia no século XXI: manual do residente da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Editora Manole, 2019. DANI, Renato; PASSOS, Maria do Carmo F. Gastroenterologia Essencial, 4ª edição. Grupo GEN, 2011 ZATERKA; EISIG. Tratado de Gatroenterologia da graduação à pós-graduação, 2ª edição. Atheneu, 2016. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Grupo GEN, 2023. HANSEN, John T. Netter Anatomia Clínica. [Grupo GEN, 2019. BRITO et. al. A prevalência de casos de fibrose e cirrose hepática na população brasileira no período entre 2014 a 2018. Brazilian Journal of Development, Curitiva, v. 8, n. 5, 2022. SILVA et. al. Impacto do alcoolismo na vida social e familiar. REVISA, v. 10, n. 3, 2021. FAQUIM et. al. Impactos do alcoolismo na saúde mental familiar: a intervenção da enfermagem no tratamento. Revista Gepesvida, 2022.
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