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FUNDAMENTOS TEÓRICOS E MÉTODOLOGICOS DO SERVIÇO SOCIAL: anteâmbulo para o debate. 1 Cilene Sebastiana da Conceição Braga 2Christiane Pimentel e Silva 3 Olga Myrla Tabaranã Silva 4 Silvana Alves da Silva 5 David William Queiroz Paixão RESUMO: Este trabalho é resultado parcial de pesquisa realizada entre os anos de 2015 a 2017 pelo GEPSS/UFPA. Apresenta síntese do debate apreendido sobre fundamentação teórico-metodológica evidenciada nas falas dos assistentes sociais entrevistados. Objetivou avaliar a formação profissional de assistentes sociais formados sob a égide das novas DCs e que atuam nas Políticas Sociais que compõem a Seguridade Social. Demonstrou que por mais que o projeto de formação profissional hegemônico no Serviço Social esteja efetivamente implantado nas IES brasileiras, há muitos desafios a serem enfrentados pela categoria que defendem um projeto de formação crítico e comprometido com interesses das classes trabalhadoras. Palavras-chave: Serviço Social; Formação Profissional; Fundamentos Teóricos-Metodológicos. ABSTRACT: This work is a partial result of research conducted between the years 2015 to 2017 by GEPSS / UFPA. It presents a summary of the seized debate about theoretical and methodological foundations evidenced in the speeches of the social workers interviewed. The objective was to evaluate the professional training of social workers trained under the aegis of the new DCs and who work in the Social Policies that make up Social Security. He demonstrated that even though the project of hegemonic professional training in Social Work is effectively implanted in Brazilian HEIs, there are many challenges to be faced by the category that defend a project of critical formation and committed to the interests of the working classes. Keywords: Servicio Work; Professional Qualification; Theoretical Methodological Foundations. 1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará. Pós-doutoranda. E-mail: cilenelins@yahoo.com.br. 2 Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará. Doutoranda no PPGSS/UFPA. E- mail: chrissilva@linuxmail.org. 3 Assistente Social. Doutoranda no PPGSS/UFPA. E-mail: olgamyrla@hotmail.com. 4 Bacharel em Serviço Social. Mestranda no Programa de PPGSS/UFPA. E-mail: alvessilvana33@gmail.com 5 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: dav.dequeiroz@gmail.com 1 INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta a síntese do debate sobre a fundamentação teórico- metodológica evidenciada na Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Serviço Social, Política Social e Formação profissional (GEPSS) durante os anos de 2015 a 2017 onde objetivou-se avaliar a formação profissional de assistentes sociais, formados sob a égide das novas diretrizes curriculares e que atuam nas Políticas Sociais que compõem a Seguridade Social. Nesta pesquisa realizaram-se entrevistas com assistentes sociais de Universidades Públicas Presenciais (PPU), Privadas Presenciais (PPR) e Privadas à Distância (PEAD) sobre os vários aspectos da formação profissional instituídos historicamente pelas Diretrizes Curriculares. Dentre esses eixos, destacamos neste artigo o eixo que engloba a fundamentação teórico-metodológica. Temos o intuito de demonstrar e debater neste evento, as perspectivas teóricas que circundam a atuação profissional. Assim, este trabalho está organizado em dois itens. No primeiro faremos um debate sobre as dimensões estruturantes da formação profissional em Serviço Social e no segundo apresentamos os principais resultados encontrados nas entrevistas sobre a fundamentação teórica desses profissionais. Identificamos a presença considerável de conservadorismo no debate, no entanto, ainda prevalecem as análises que valorizam a necessidade de o Assistente Social perpetuar a dimensão crítica em suas perspectivas investigativas e interventivas. 2 AS DIMENSÕES TEÓRICO-METODOLÓGICA, TÉCNICO-OPERATIVA E ÉTICO POLÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL DESENVOLVIMENTO Segundo Guerra (2000), a instrumentalidade no exercício profissional do assistente social se configura como uma propriedade sócio histórica, que diz respeito a uma determinada capacidade constitutiva, um modo de ser que a profissão vai desenvolvendo no âmbito das relações sociais e possibilita com que os profissionais concretizem suas intencionalidades por meio de respostas profissionais Ainda segundo a autora, a instrumentalidade se constitui como um campo de mediações que possui a capacidade de articular as três dimensões profissionais e fazer com que elas se traduzam em respostas profissionais. Como afirma “[...] Em outros termos, ela permite que os sujeitos, em face da sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução das suas finalidades profissionais.” (GUERRA, 2000, p.60). Desta forma, pode-se perceber que a atuação profissional compreende uma relação dialética de unidade entre as três dimensões, nas quais juntas vão possibilitar a concretização dos objetivos profissionais e garantir a legitimidade social da profissão. Partindo da mesma compreensão de Guerra (2000) e Costa (2008) afirmam que a instrumentalidade compreende um conjunto de saberes específicos composto pelas três dimensões profissionais. A dimensão teórico-metodológica diz respeito à capacidade de apreensão do método e das teorias e da relação que estes estabelecem com a prática. A dimensão ético-política refere-se ao desenvolvimento da capacidade de perceber a profissão e a sociedade como um campo de forças contraditórias, na qual deve-se levar em conta o caráter político da atuação profissional, assim como a direção social impressa na intervenção. Já a dimensão técnico-operativa está relacionada aos instrumentos e técnicas utilizados para o desenvolvimento da intervenção profissional. Apesar de as dimensões só existirem em relação umas às outras, a técnico- operativa possibilita visibilidade social à profissão. Ela reproduz a imagem da profissão, carrega as representações sociais e a cultura profissional. A dimensão técnico-operativa diz muito a respeito da orientação ético-política, pois a intervenção profissional não é neutra: ela está permeada de fundamentos teóricos os quais devem permitir com que o profissional compreenda os limites e possibilidades do exercício profissional, no qual estão relacionados com a realidade social (GUERRA, 2012). Com relação aos instrumentos utilizados no trabalho do assistente social, Sarmento (2005) afirma que estes permitem potencializar suas forças em uma determinada direção, que é condicionada pelo projeto profissional que se tem em vista, ou seja, o instrumento está revestido de uma teoria social, sendo usado de forma intencional. No que diz respeito à técnica, ele afirma que está se configura como uma criação do homem que possibilita a concretização da ação em face do objeto, sendo, portanto, “um meio de facilitação das suas realizações” (SARMENTO, 2005, p.16). Desta forma, a técnica se estabelece como um ato político que vai sendo “recriada” de forma a alcançar a intencionalidade da ação. Nesse sentido, a visão de Costa (2008) complementa a de Sarmento (2005), pois a primeira enfatiza que o instrumental é produto de uma escolha consciente e reflexiva. Isto é, não se configura como um elemento exclusivamente técnico, mas também político, porque está vinculado a um projeto de sociedade. Desta forma, fica clara a implicação das demais dimensões sobre a técnico-operativa. Assim, o domínio dessa dimensão é fundamental, mas sozinha não é suficiente, precisa estar sempre articulada às demais capacidades profissionais. Com relação à dimensão teórico-metodológica, Santos (2013) afirmaque a teoria possibilita o conhecimento sobre as determinações que constituem o “objeto” de intervenção do assistente social, na qual a escolha teórico-metodológica do profissional é orientada por valores e ideologias, em que a opção ético-política é determinante. Nas palavras da autora: [...] os profissionais não reagem efetivamente ante os valores segundo as suas concepções teóricas, ao contrário, eles escolhem, mesmo que inconscientemente, seu referencial teórico de acordo com seus valores éticos e morais, o que não significa que a teoria não possa, a posteriori, influenciar os valores (SANTOS, 2013, p. 74). Para a autora, a teoria possibilita conhecer e pensar as mediações e juntamente com os valores dos sujeitos, oferece subsídios para as escolhas entre as alternativas disponíveis, no que diz respeito às finalidades e aos meios necessários para atingir determinado objetivo. É a teoria que vai possibilitar o conhecimento sobre as determinações que envolvem o “objeto” da ação profissional, na qual ajuda a compreender e analisar o real a partir da apreensão dos elementos que incidem sobre esse processo. Nesse sentido, Faleiros (1989) afirma que a metodologia deve ser pensada como uma estratégia de ação flexível no âmbito da profissão situada em um contexto determinado. Para ele, a metodologia dentro do Serviço Social deve ultrapassar a visão formalista que a encara como um conjunto de etapas pré-concebidas envolvidas numa estrutura estática. A visão do empirismo que ele denomina como “vamos-ver o que é que dá” e a visão do ecletismo que se propõe a construir um panorama de ideias diversificadas oriundas de diversas correntes teóricas misturando o marxismo, o funcionalismo e a fenomenologia sem fazer as devidas críticas. Tomamos conhecimento, atualmente, que o Serviço Social possui um claro posicionamento teórico-metodológico pela Teoria Social crítica e tem forte determinação na Teoria Social de Marx, mas não exclusivamente. De acordo com Yasbek (2009), é com a obra de Iamamoto “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil”, de 1982, que se inicia efetivamente a interlocução do Serviço Social com a tradição marxista. O processo de incorporação e hegemonia do marxismo dentro do Serviço Social é complexo, e infelizmente o espaço deste trabalho não nos permite aprofundá-lo. De acordo com Santos (2013), uma análise da realidade pautada na Teoria Social de Marx possibilita uma compreensão crítica da sociedade burguesa e a intervenção nesta realidade poderá apoderar-se dessa crítica, mas sempre lembrando os limites de uma prática profissional. Desta forma, o profissional deve optar por instrumentos que possibilitem uma superação dos “problemas” imediatos trazidos pelos usuários e que também contribuam para que ele consiga interpretar os fenômenos que se apresentam a ele sob uma perspectiva de totalidade complexa. Na visão de Netto (1989), a teoria social de Marx se debruça na análise crítica do surgimento do capitalismo, seu desenvolvimento, sua consolidação e os processos que geram as crises em seu interior. Esta teoria possui um aspecto histórico e ontológico, na qual centra- se na perspectiva de totalidade enxergando a sociedade como uma totalidade dinâmica, contraditória e concreta que é constituída por totalidades de menor complexidade se configurando como um complexo de complexos. Vimos acima que as dimensões profissionais possuem uma relação dialética de unidade e diversidade e que a dimensão ético-política contempla entre outras coisas, o direcionamento da intervenção profissional. Desta forma, nos deteremos agora na compreensão da constituição desta dimensão. Sarmento (2011) afirma que a ética e a política estão intrinsecamente relacionadas à história e à sociabilidade humana, mas se expressam por meio de diferentes concepções determinadas por diferentes visões de mundo, modos de pensar e agir. Desta forma, ele enfatiza que as diferentes formas de compreensão da sociedade influenciam diretamente na formação ético e política dos indivíduos, em seus valores, seu pensar, agir e se organizar. Neste sentido, a dimensão ético-política do Serviço Social está relacionada ao direcionamento político da ação profissional, em seu claro comprometimento com o atendimento das demandas da classe trabalhadora, por intermédio de valores éticos como a liberdade, a emancipação e a cidadania. Essa dimensão se materializa por intermédio do Projeto Ético-político do Serviço Social, do Código de Ética profissional (1993), no Projeto de Formação profissional e nas entidades representativas da categoria (CFESS/CRESS, ENESSO, ABEPSS). Segundo Barata e Braz (2009), o projeto ético-político tem sua gênese na segunda metade da década de 1970. Esse projeto avançou nos anos 1980, se consolidou nos anos 1990 e ainda se encontra em processo de construção, enfrentando desafios decorrentes do direcionamento neoliberal da sociedade e do retorno de posturas conservadoras no âmbito profissional. Este projeto tem em sua essência o reconhecimento da liberdade como valor central que remete a um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Desta forma, está vinculado à construção de uma nova ordem societária sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero (NETTO,1999). Com relação à dimensão política, este projeto se posiciona claramente a favor da equidade e justiça social na perspectiva de universalização do acesso a bens e serviços sociais. Ao mesmo tempo, se mostra sintonizando com valores democráticos quando considera a importância da participação política e da socialização da riqueza socialmente produzida (NETTO, 1999). No que diz respeito ao Código de Ética vigente (1993), Barroco e Terra (2012) afirmam que este possui um direcionamento político voltado para os interesses da classe trabalhadora. Reconhece a liberdade como valor ético central e possui um conjunto de princípios e valores que orientam o trabalho profissional. Além disso, estabelece normas, deveres e proibições, configurando-se como instrumento normativo-jurídico posicionado a favor de uma classe. Para as autoras o Código de Ética vigente configura-se, [...] O CE é um instrumento educativo e orientador do comportamento ético- profissional do assistente social: representa a autoconsciência ético- política da categoria profissional em dado momento histórico. Assim, é mais do que um conjunto de normas, deveres e proibições; é parte da ética profissional: ação prática mediada por valores que visa interferir na realidade, na direção da sua realização objetiva, produzindo um resultado concreto [...] (BARROCO apud TERRA, 2012, p.35) No processo de formação profissional a ética não deve se restringir à dimensão normativa do código, mas deve constituir-se como o exercício da reflexão e atitudes críticas cotidianas a respeito do nosso agir profissional, orientada por valores como a liberdade, a democracia, a justiça social e a equidade, que possibilite a construção de um campo de possibilidades (BARROCO; TERRA, 2012). Desta forma, Guerra (2012) enfatiza que a atuação profissional realiza-se pela articulação das três dimensões, sob condições objetivas e subjetivas determinadas historicamente, sendo limitada pelas forças sociais que expressam os diferentes projetos de sociedade existentes em que a intervenção profissional: [...] é uma ação teleológica que implica uma escolha consciente das alternativas objetivamente dadas e a elaboração de um projeto no qual o profissional lança luzes sobre os fins visados e busca os meios que, a seu juízo, são os mais adequados para alcançá-los .Toda intervenção encontra- se imbuída de um conjunto de valores e princípios que permitem ao assistente social escolhas teóricas, técnicas, éticas e políticas (GUERRA, 2012, p.56). Santos (2013) aponta como fundamental a garantia doestudo e relação entre as três dimensões profissionais no processo de formação em Serviço Social, pois este projeto tem como definição de competência profissional “o trato rigoroso e adequado das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa” (p.72). As abordagens teóricas apresentadas acima nos permitem entender que a atuação profissional compreende uma relação dialética de unidade entre as três dimensões, que juntas vão possibilitar a concretização do direcionamento hegemônico profissional, tal como a efetivação de um exercício profissional crítico e comprometido com o Projeto ético-político. 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA: ASPECTOS TEÓRICOS PARA EFETIVAÇÃO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL Assinala-se, que as atuais Diretrizes Curriculares que norteiam a formação em Serviço Social são expressão de várias discussões realizadas por professores, discentes e assistentes sociais no intento de construir uma proposta de formativa condizente com a realidade social brasileira, e, sobretudo, diante das demandas engrenadas pela Questão Social, caracterizada pelas Diretrizes como matéria prima do trabalho profissional do assistente social. Assim, para verificar se os assistentes sociais, em que pese o pluralismo6 teórico presente na categoria profissional, apreendem as categorias e referenciais teóricos discutidos na formação profissional e levam isso ao âmbito do trabalho profissional como práxis social, é imprescindível que se analise qual a compreensão dos mesmos sobre a categoria “referencial teórico” uma vez que é por meio de um determinado referencial teórico que os assistentes sociais vão elaborar seus processos de trabalho na realidade. Considerando as diferentes posições dos sujeitos da pesquisa, obtivemos um retrato particularizado da realidade, no qual não se verificou divergências teóricas entre os sujeitos. Acredita-se que a fala dos sujeitos retrata uma realidade ainda latente na profissão, a saber, na visão de Netto (2005) a consolidação de um Projeto Ético-Político hegemônico no Serviço Social, defendido amplamente pelas entidades da categoria, não exime que no conjunto do corpo profissional se expressem discursos contraditórios, pelo contrário, pois em que pese a direção social da profissão a questão do pluralismo é uma realidade viva e que se renova no bojo do Serviço Social contemporâneo. Dentre os depoimentos coletados em entrevista, destacamos a fala do sujeito 1PPU, que atua na assistência estudantil de uma Universidade Pública, formado por instituição pública presencial, na qual o mesmo afirma quando perguntado sobre qual o referencial teórico que norteia o seu trabalho profissional que: 6 A questão do pluralismo esta discutida em um texto recente de Forti (2017), bem como para esclarecimentos da diferenciação entre pluralismo e ecletismo ver Coutinho (1991). As vezes a gente fala assim ‘Eu sou materialista histórico dialético’, porque eu não posso um dia ser funcionalista e outro dia materialista? Então, vão ter vários métodos, várias teorias e nenhuma chega onde eu quero, então a gente trabalha mais com a perspectiva de conhecer a família como um todo. É fundamental que tu estejas lendo sempre o Código de Ética, as rotinas diárias, as políticas que te norteiam e buscar outras leituras também (01PPU). Assim, verifica-se por meio da fala do profissional entrevistado que o mesmo considera não ser importante o embasamento teórico no âmbito do trabalho profissional, uma vez que ao relatar que nenhum dos métodos e/ou teorias chegam ao norte que deseja, afirma ser a unidade teoria-prática uma relação não possível. Cabe frisar que essa polêmica da unidade teoria-prática, bem como o jargão de que “na teoria a prática é outra” já possuem um volume significativo na produção intelectual7 do Serviço Social brasileiro, o que desmitifica, na visão da vanguarda profissional, o dilema em tela. Importa sinalizar que a fala do sujeito acima mencionado vai de encontro aos princípios que norteiam o processo de formação profissional na Universidade Federal do Pará o que preconiza um profissional “com capacidade de promover um rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço Social” (FASS, 2005. p.16). Mas, como bem sabemos, o Serviço Social é composto por um corpo profissional heterógeno, o que se comprova no depoimento do sujeito 02, também formado em instituição pública presencial, que atua em Unidade Básica de Saúde (UBS), sobre o referencial teórico que norteia o seu trabalho o mesmo nos relatou que “nem sempre dá certo, mas a gente tenta atender de uma forma crítica, a forma mais crítica possível, tentando analisar o usuário em sua totalidade” (2PPU). Nesses termos, percebe-se que o profissional tenta aproximar-se da categoria central – totalidade - do método materialista histórico dialético. Para Marx a totalidade caracteriza-se como a unidade do diverso, conectado por meio de suas múltiplas determinações e mediações (PONTES, 2010), nas palavras do autor a realidade concreta é concreta porque “é síntese de múltiplas determinações” (MARX, 1974, p.14). São inegáveis os contributos que a tradição marxista pode fornecer a práxis do assistente social, bem como não há dúvidas que a maturidade intelectual dessa área especializada só foi alcançada a medida que se aproximou e aprofundou suas elaborações teóricas com base na tradição marxista, mas, desde o início dessa interlocução a mesma não se deu sem equívocos. Isso se torna evidente na fala do sujeito 4PPU quando o mesmo nos relata que o referencial teórico dele se baseia: 7 Para aprofundamento desse debate ver SANTOS, 2012. [...] na área de Política Social eu lembro muito da Elaine Behring, da Ivanete Boschetti, que escreve muito sobre Política Social. Eu tenho lido alguns textos da Yolanda Guerra que ela fala da instrumentalidade do Serviço Social [...] o assistente social ele tem um campo de intervenção muito amplo e isso faz com que as vezes tu te questiones: ah, mas o que definitivamente é do Serviço Social? (04PPU). Na fala do sujeito entrevistado verifica-se um esforço em buscar conhecimentos teórico na literatura especializada, mas, o mesmo não consegue abstrair o sentido do referencial teórico metodológico para o trabalho profissional, pois o mesmo não consegue explicitar o sentido da unidade teoria-prática no seu cotidiano profissional. Verifica-se que, em alguns pontos, em que pese as particularidades de cada sujeito, as falas convergem no sentido de que é perceptível a dificuldade em abstrair o sentido da teoria e do método para o trabalho profissional. Dentre os entrevistados houve dois que afirmaram ser o referencial teórico que norteia o seu trabalho as legislações pertinentes ao exercício profissional, vejamos: Eu me baseio em todas as legislações referente ao SUS, à Saúde Mental mesmo, mas também referente ao que a gente aprende na acadêmica. O meu referencial teórico é marxista. (3PPU) [...] a gente tem que estar a par das legislações do SUAS, que no caso é o que dá base pra nossa atuação. Tudo o que envolve o SUAS, as leis, até das Políticas Setoriais a gente tem que ter o entendimento pra dar conta da realidade (8EDPR). Ainda que o entrevistado 03 tenha afirmado ser o seu referencial teórico o marxista, não conseguiu ultrapassar o campo da afirmação pela afirmação, não fez qualquer referência da teoria social crítica com o seu trabalho profissional, bem como afirma serem as legislações pertinentes ao exercício profissional sua base de sustentação teórica. Já o sujeito 08 não fez qualquer referência a literatura especializada ou método, cabe frisar que a mesma é formada por instituição privada a distância. Cabe mencionarque os profissionais formados na modalidade de ensino a distância, de acordo com a fala dos sujeitos entrevistados, são os que mais apresentam dificuldade em se reportar as questões teóricas, pois em que pese os equívocos cometidos pelos entrevistados formados na modalidade presencial, quer no ensino público ou privado, os mesmos sinalizam literaturas especializadas as quais buscam ler, bem como alguns apontam/afirmam ser o um ou outro referencial teórico que os norteiam ou não. Já os profissionais da modalidade EAD, em nossa análise, não conseguem ultrapassar o campo do senso comum, na afirmação de que sua intervenção se baseia em leituras, mas sem indicar quais leituras e fontes. Vejamos o entrevistado 7EDPR quando o mesmo afirma que “sempre dou uma lida e, vou buscando, eu já fiz a minha pós-graduação, eu não deixo de ler, eu tenho a minha coleção de livros. Então pelo menos os livros te dão esse parâmetro para você que está atuando”. Quando questionada de como a mesma consegue levar seus conhecimentos teóricos ao campo de trabalho a mesma respondeu “Na prática? Tu fizesses uma boa pergunta viu? Porque realmente, né? (risos da entrevistada) A teoria te norteia, nesse processo da prática, se tu não tiveres os dois, tu não consegues vivenciar”. Assim, verifica-se que a mesma não consegue ultrapassar o campo da afirmação de que existe uma unidade teoria-prática, mas que evidentemente não é levada ao seu cotidiano. Houve dois entrevistados que se formaram na modalidade ensino privada presencial. Entretanto, por problemas de cunho metodológico na aplicação da entrevista a pergunta referente a categoria referencial teórico não foi efetivada em uma das entrevistas, mas, na entrevista em que foi realizada com o profissional dessa modalidade de ensino o resultado não se distanciou em larga escala dos demais, conforme relato abaixo quando perguntado sobre o referencial que embasa a sua atuação profissional, o mesmo respondeu: Não tem como eu dizer um autor. O profissional ele tem que estar sempre ali antenado, sempre lendo, sempre se embasando de alguém, porque ele não é absoluto em nada [...] Olha, Vasconcelos eu gosto, gosto de...deixa eu ver na cabeça, pera lá! Poxa vida, eu estava com tantos autores que eu leio, tantos livros... Daqui a pouco eu lembro e te falo (06 PPR). Sendo perceptível na fala do sujeito em questão certa dificuldade em responder a questão, haja vista que na entrevista ele não conseguiu citar mais de um autor estudado e que colaborasse nos debates teóricos da sua atuação profissional, mesmo que ele tenha defendido atualização nas discussões e leituras realizadas pelo assistente social. 4 CONCLUSÃO Em nossas análises, conclui-se que, ainda que o projeto de formação profissional hegemônico no Serviço Social esteja efetivamente implantado nas instituições de ensino superior do Brasil, ainda há muitos desafios a serem enfrentados, sobretudo, pelas entidades da categoria as quais defendem um projeto de formação crítico e comprometido com os interesses das classes trabalhadoras, projeto esse que vem sendo fortemente ameaçado pelas investidas do capital sobre a educação superior na América Latina. Podemos dizer que no quadro atual o Projeto Ético-Político encontra-se em um momento crucial, pois são nesses tempos que poderemos organizar a categoria para manter ou não as bases teóricas, organizativas e ético-políticas da profissão. Para tal, é necessário que os assistentes sociais tenham uma formação de sólidos conhecimentos teóricos que o proporcionem uma visão ampliada sobre a realidade social. Mas, o enfrentamento da ofensiva do capital sobre o trabalho e a formação crítica, seja na área do Serviço Social ou em quaisquer outra que compartilhe dos princípios de nosso Projeto Ético-Político, não depende somente dos esforços coletivos da categoria de assistentes sociais, ou seja, não depende exclusivamente das vanguardas profissionais. Faz- se necessário que tais princípios se espraiem pelas bases da profissão. De acordo com a tradição marxiana a teoria é uma modalidade peculiar do conhecimento, pois “é o conhecimento do objeto tal como ele é em si mesmo” (MARX, 1982, p.15). Assim, a teoria é para Marx a reprodução real do objeto por meio do pensamento, para tal é necessário o método dialético, pois nas palavras do autor. REFERÊNCIAS ABESS. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro. 1996. ABESS/CEDEPSS. Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional. Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo. Cortez, nº 50, 1996. BARROCO, Maria Lúcia; TERRA, S. Código de Ética do/a Assistente Social comentado. Conselho Federal de Serviço Social. In: CFESS (Org.). São Paulo: Cortez, 2012. COSTA, F. S. M. Instrumentalidade do Serviço social: dimensão teórico-metodológica, ético- político e técnico-operativa e exercício profissional. Dissertação (Mestrado), 2008. COUTINHO, C. N. Pluralismo: dimensões teóricas e políticas. In: Cadernos ABESS n. 4. Ensino em Serviço Social: pluralismo e formação profissional. São Paulo, Cortez, maio 1991. FALEIROS, V. P. A questão da assistência social. 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