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Maria Inez Matoso Silveira Silvio Nunes da Silva Júnior Organizadores MULTIFACES DO TEXTO TUTÓIA-MA, 2021 EDITOR-CHEFE Geison Araujo Silva CONSELHO EDITORIAL Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp) Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI) Diógenes Cândido de Lima (UESB) Jailson Almeida Conceição (UESPI) José Roberto Alves Barbosa (UFERSA) Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL) Julio Neves Pereira (UFBA) Juscelino Nascimento (UFPI) Lauro Gomes (UPF) Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI) Lucélia de Sousa Almeida (UFMA) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB) Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ) Meire Oliveira Silva (UNIOESTE) Rita de Cássia Souto Maior (UFAL) Rosangela Nunes de Lima (IFAL) Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS) Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL) Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB) 2021 - Editora Diálogos Copyrights do texto - Autores e Autoras Todos os direitos reservados e protegidos pela lei no 9.610, de 19/02/1998. Esta obra pode ser baixada, compartilhada e reproduzida desde que sejam atribuídos os devidos créditos de autoria. É proibida qualquer modificação ou distribuição com fins comerciais. O conteúdo do livro é de total responsabilidade de seus autores e autoras. Capa: Geison Araujo Silva / Rawpixel Diagramação: Geison Araujo Silva. Revisão: Autores e Autoras. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG) M961 Multifaces do texto / Organizadores: Maria Inez Matoso Silveira, Silvio Nunes da Silva Júnior – Tutóia, MA: Diálogos, 2021. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-65-994639-7-6 1. Linguística. 2. Linguagem 3. Texto. I. Silveira, Maria Inez Matoso. II. Silva Júnior, Silvio Nunes da. III. Título. CDD 410 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 https://doi.org/10.52788/9786599463976 Editora Diálogos contato@editoradialogos.com www.editoradialogos.com https://doi.org/10.52788/9786599463983 https://doi.org/10.52788/9786599463976 Sumário Apresentação ...........................................................................................................6 Modalidade e modalização ................................................................................. 7 Geison Araujo Silva Silvio Nunes da Silva Júnior Gêneros, suportes e tipos textuais ................................................................ 18 Humberto Soares da Silva Lima Rosana Taciana Portela Nicácio dos Santos Retextualização .....................................................................................................26 Maria Silma Lima de Brito Dayane Rocha de Oliveira Paráfrase, repetição e paralelismo ...............................................................35 Janyellen Martins Santos Romildo Barros da Silva Referenciação ........................................................................................................ 45 Marcos Suel dos Santos Cristiane Santos da Silva Intertextualidade, Interdiscursividade e Polifonia ...............................53 Sandra Araujo Lima Cavalcante Vanessa de Oliveira Silva Ferraz Cabral A Dêixes ................................................................................................................... 61 Maryana Josina Tavares da Rocha Shania Jéssika Cavalcante Rodrigues Gomes Sobre os organizadores ................................................................................... 69 Sobre as autoras e autores ............................................................................... 71 6MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Apresentação Mesmo tendo sido proveniente de seminários de uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas (PPGLL/UFAL) – Linguística Textual – este material tem a simples pretensão de iniciar os interessados nos estudos de alguns tópicos relacionados à textualidade. Consideramos esses tópicos interessantes na medida em que o conhecimento e a reflexão sobre eles podem desenvolver e aprimorar a consciência metatextual de alunos do ensino médio e dos primeiros anos de cursos universitários e assim contribuir para o seu desempenho nas atividades de lectoescritura, componente fundamental do letramento social e acadêmico. Nessa perspectiva, o presente ebook se configura como um material didático para tentar “desmistificar” alguns aspectos da textualização, divulgando-os e abordando os conceitos e definições básicas. De fato, a observância de aspectos da textualidade tais como a modalização, as noções de gêneros versus tipos textuais, a paráfrase e a repetição, a dêixis, a retextualização, a referenciação, a intertextualidade contribuem para a já referida consciência metatextual, que é a habilidade de refletir sobre as propriedades dos textos tanto no macro como micronível. Maria Inez Matoso Silveira Silvio Nunes da Silva Júnior Capítulo 1 Modalidade e modalização Geison Araujo Silva Silvio Nunes da Silva Júnior https://doi.org/10.52788/9786599463976.1-1 https://doi.org/10.52788/9786599463976 8MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Dentre os debates que vêm sendo efetuados nos estudos da linguagem, o tema “Modalidade e Modalização” poucas vezes é mencionado, o que deixa de lado, naturalmente, as suas contribuições para as investigações sobre o texto, o qual tem profícua relação com o discurso. Os estudos sobre modalidade e modalização, mesmo que não sejam numerosos, apresentam uma infinidade de enlaces que merecem destaque numa discussão como a que se propõe neste capítulo. Assim, não objetivando dar conta de todo um amplo panorama de estudos sobre modalidade e modalização na Linguística de Texto e na Teoria da Gramática, intentamos estabelecer um diálogo teórico-prático entre as discussões sobre modalidade e modalização de diferentes linhas de pesquisa com materialidades textuais diversas. Partindo da noção de que o termo modalização expressa um julgamento do falante perante uma proposição (CASTILHO; CASTILHO, 2002), os estudos da linguagem acabam gerando uma relação de sinonímia entre a modalização e a modalidade, isso porque, com a conceituação apresentada, a carga semântica dos dois meandros parece idêntica. Entretanto, Castilho e Castilho (2002), em reflexões sobre a gramática da língua portuguesa, acreditam que é necessário conceituar os dois termos para que cada um seja direcionado a um foco, o que é determinado pelo conteúdo proposicional da oração. As discussões sobre modalização surgiram no âmbito da Retórica aristotélica, através da qual o filósofo buscou sistematizar as regras da argumentação, na tentativa de distinguir os argumentos válidos e inválidos. O ponto central dessa sistematização concentrava-se nos silogismos. De acordo com Sautter (2010, p. 317), um silogismo é uma relação de relações entre termos: nele, uma relação entre dois termos é esclarecida recorrendo-se a um terceiro termo cujas relações com aqueles são conhecidas; o silogismo é uma ‘triangulação’ de termos. Nesse sentido, o silogismo representa a arena em que Aristóteles, numa perspectiva instrumental, definiu as regras da argumentação. O exemplo ilustrativo mais famoso de silogismo é: “Todo homem é mortal. Sócrates é um homem. Logo, Sócrates é mortal”. Desse modo, observamos que a lógica trazida pelos estudos aristotélicos determina dois modos de conceber a validade de uma informação 9MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) dada por uma prática linguística1. Noutros termos, não seria possível, numa simples prática de leitura ou escrita, pensar numa diversidade de opiniões a respeito do discurso. Seria necessário, assim, pensar numa única verdade, uma verdade absoluta que tanto poderia ser predominantemente verdadeira como totalmente falsa. Numa perspectivalinguístico-gramatical, Castilho e Castilho (2002, p. 217) afirmam que A Gramática Tradicional reconhece dois grandes componentes na sentença: o componente proposicional, constituído de sujeito + predicado (=dictum), e o componente modal, que é uma qualificação do conteúdo da forma de P, de acordo com o julgamento do falante (=modus). Esse julgamento se expressa de dois modos: 1) o falante apresenta o conteúdo proposicional numa forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa (polar ou não-polar) e jussiva (imperativa ou optativa); (2) o falante expressa seu relacionamento com o conteúdo proposicional, avaliando seu teor de verdade ou expressando seu julgamento sobre a forma escolhida para a verbalização desse conteúdo. Os dois componentes que circundam a sentença são, justamente, modalidade e modalização. A modalidade, assim, é observada sob o viés da estrutura da língua e não se detém numa observação acerca de como a prática linguística é verbalizada. A esse respeito, Vilela e Koch (2001) lembram que a modalidade apresenta-se mediante lexicalizações de acordo com funções que exerce. Percebemos, com isso, que a modalidade está presente nas sentenças independentemente da posição de seus elementos e se manifesta basicamente por meio de três categorias. Modalidade Assertiva: apresenta o tom positivo ou negativo da proposição. Ex: Certamente o governo irá lançar alguma medida. Nunca haverá política sem corrupção. Convém salientar que os advérbios certamente e nunca demonstram como no início da sentença a modalidade assertiva anuncia o efeito procedente. 1 Estaremos utilizando a denominação “prática linguística” para nos referirmos às atividades de linguagem que servem como base para o estudo da modalidade e da modalização. 10MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Modalidade Interrogativa: possui duas categorias que delimitam a colocação do tom de verdade da produção discursiva, a saber: a modalidade interrogativa polar e a modalidade interrogativa não-polar. Modalidade interrogativa polar: nessa categoria o valor de verdade da frase não fica evidenciado para o interlocutor. Ex:. Então vocês ahn:: têm irmãos? Modalidade interrogativa não-polar: quando a verdade é exposta para o interlocutor e a expressão solicita um complemento da reflexão pré-existente. Ex: Como ela desenha? A polarização ou não das sentenças ocorre no ato da produção e são mais recorrentes, para fins de exemplificações, nas práticas orais dos falantes. Não podemos afirmar, com isso, que o falante planeja a polarização da sua atividade de linguagem, porém a interação entre locutor e interlocutor determina todo o enredo. Modalidade Jussiva: expressa a ideia de ordem do locutor do discurso e pode ser imperativa ou optativa. Modalidade jussiva imperativa: quando o interlocutor tem a obrigação de agir sob o comando do locutor. Ex: Faça o relatório imediatamente! Modalidade jussiva optativa: quando a ordem não precisa ser cumprida de imediato pelo interlocutor. Ex: Limpe a cozinha assim que puder! A modalidade jussiva, por integrar variadas práticas linguísticas, pode ser observada em diferentes suportes verbais. Para Corbari (2013), a modalidade, num contexto mais abrangente, é obrigatória a toda interação verbal, uma vez que considera que o enunciador “Ainda que possa fazer 11MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) escolha entre as formas de dizer, não pode fugir das possibilidades dadas pelo sistema reconhecido pela comunidade linguística e não pode deixar de escolher uma ou outra forma de fazê-lo” (CORBARI, 2013, p. 36). Nesse sentido, após a produção da sentença, o falante tem a possibilidade de reformular os seus dizeres e o estudo da modalidade pode contribuir para tanto. Retomando Castilho e Castilho (2002), assim como existe a categoria de análise que se intenta na percepção da prática linguística estruturada sem contextualização, tem-se a categoria que considera o relacionamento do falante com o conteúdo proposicional: a modalização. Os mesmos autores definem modalização como o termo que expressa um julgamento do falante perante uma proposição. Dando continuidade a esse pensamento, Koch (2008, p. 60) entende que A argumentatividade permeia todo o uso da linguagem humana, fazendo-se presente em qualquer tipo de texto e não apenas naqueles tradicionalmente classificados como argumentativos. Não há texto neutro, objetivo, imparcial: os índices de subjetividade se introjetam no discurso, permitindo que se capte a sua orientação argumentativa. Com base nas considerações da autora, entendemos que toda prática linguística, inserida em qualquer que seja o gênero ou tipologia textual (a depender da orientação teórica), possui uma orientação argumentativa. Nessa perspectiva, considera-se que no ato de produção de um texto, na oralidade ou na escrita, o sujeito imprime nele características de sua subjetividade, tornando-o naturalmente argumentativo. É nesse jogo da construção textual com orientação discursivo-argumentativa que entra em ação a modalização. Segundo Castilho e Castilho (2002): A modalização movimenta diferentes recursos linguísticos, a saber: a prosódia, como nos alongamentos vocálicos e na mudança de tessitura. Ex:. Trabalhei MUIIITO, mas muito MESmo; os modos verbais; os verbos auxiliares, como: dever, poder, querer, e os verbos que constituem orações parentéticas e matrizes, como: achar, crer, acreditar; adjetivos, sós ou em expressões como ‘é possível’, ‘é claro’, ‘é desejável’; advérbios, como: possivelmente, exatamente, obviamente etc.; e sintagmas preposicionados em função adverbial, como: ‘na verdade’, ‘em realidade’, ‘porcerto’ etc.(CASTILHO; CASTILHO, 1992, p. 278) 12MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Assim como a modalidade, a modalização também apresenta categorias nas quais os textos analisados devem estar inseridos, conforme mostra o esquema a seguir, baseado nas definições dos autores supracitados: Figura 1 - Tipos de modalização Fonte: adaptado de Castilho e Castilho (2002). De acordo com Koch (2006, p. 136), os modalizadores epistêmicos “assinalam o grau de comprometimento/engajamento do locutor em relação ao seu enunciado, o grau de certeza com relação aos fatos enunciados.” A partir disso, a autora expõe que o engajamento exercido pelos sujeitos relaciona-se diretamente com as intenções do enunciador e, por reflexo, com o contexto da enunciação de modo geral. Dentro da modalização epistêmica existem os modalizadores asseverativos, os modalizadores quase-asseverativos e os modalizadores delimitadores. Os modalizadores asseverativos indicam que o falante entende como verdadeiro o conteúdo do dito. Usando esse tipo de modalização, o enunciador demonstra absoluta certeza e compromentimento em relação ao conteúdo do enunciado, como por exemplo, Não há duvidas de que a UFAL e demais universidades sofrerão perdas daqui pra frente, pois certamente o governo manterá os ataques à educação. Entretanto, não sucumbiremos de forma alguma. Através dos modalizadores quase-asseverativos, por sua vez, conforme Castilho e Castilho (2002, p. 207), o enunciador assume uma posição de menor adesão em relação ao caráter verdadeiro (ou não) do conteúdo do enunciado. Por consequência, produz efeitos de incerteza, possibilidade e/ ou probabilidade. Como expresso nos exemplos a seguir: 13MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Provavelmente, a UFAL e demais universidades sofrerão perdas daqui pra frente, pois é possível que o governo mantenha os ataques à educação. Já os modalizadores delimitadores estabelecem limites que impõem o tom verídico do enunciado, assim como aparece em: Socialmente falando, as ações do atual governo impactam diretamente sobre as classes mais pobres e quase todosos direitos conquistados estão sendo ameaçados. Diante disso, depreendemos que a modalização epistêmica está direcionada à validade (em maior ou menor grau) das informações passadas pelos enunciados produzidos na fala e/ou na escrita cotidiana. Sob outro ângulo, a modalização deôntica direciona-se às práticas linguísticas que buscam produzir efeito direto sobre o outro através da ênfase na demonstração de um determinado caráter de autoridade, que deve ser reconhecido e respondido. Conforme assinala Lyons (1977, p. 823)o O termo deôntico (do grego ‘déon’: o que é obrigado) é amplamente usado por filósofos para se referir a um ramo particular ou extensão da lógica modal: a lógica da obrigação e da permissão (cf. Von Wright, 1951). (...) modalidade deôntica diz respeito à necessidade ou possibilidade de atos serem executados por agentes moralmente responsáveis. De modo mais específico, o referido autor compreende que Se X reconhece que ele é obrigado a realizar uma ação, logo há usualmente alguém ou alguma coisa que ele reconhecerá como responsável por ele estar sob a obrigação dessa ação. Esta pode ser alguma pessoa ou instituição à qual ele se submete. Isso pode ser algo mais ou menos explícito, formulado por princípios morais ou legais, isso pode ser não mais que uma coerção interna, que ele possa rigidamente identificar e obedecer (LYONS, 1977, p. 824). As modalizações deônticas estão situadas no campo da conduta, isto é, a linguagem das normas, ou, nas palavras de Koch (2008), aquilo que se deve fazer ou que se deseja que seja feito. Para Castilho e Castilho (2002), o uso da modalização deôntica “indica que o falante considera o conteúdo 14MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) de P (proposição) como um estado de coisas que deve, que precisa ocorrer obrigatoriamente” (CASTILHO; CASTILHO, 2002, p. 207). Os principais modalizadores que se enquadram nessa categoria são: você pode, você tem que, eu preciso, você deveria, você deve, eu te aconselho, eu sugiro que, é preciso que etc. Segundo Cervoni (1989), é possível distinguir 4 tipos específicos de modalizadores deônticos: de obrigatoriedade, de proibição, de permissão e de facultação. Dada a dificuldade de distinguir cada um deles, o autor sugere que se leve em consideração o efeito de sentido instaurado na produção de sentidos. Assim, é possível distinguir aqueles em que se expressa diretamente ao interlocutor uma obrigação, uma proibição ou uma permissão, como nos exemplos abaixo: Você deve tomar banho. Você não pode jogar videogame. Você pode passear. Por outro lado, há enunciados em que o modalizador assume um teor impessoal, não estabelecendo diretamente ordem, permissão ou proibição ao interlocutor, adquirindo, assim, um efeito generalizante, como em: É necessário tomar banho. É proibido jogar videogame. É permitido passear. Finalmente, há também os modalizadores em cujo uso se abrangem ambos os sujeitos da enunciação, isto é, tanto o locutor quanto o interlocutor. É necessário que tomemos banho. Não podemos jogar videogame. Não devemos passear. 15MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) [...] Todo mundo sabe que a Prefeitura tem que deixar a cidade organizada, pelo menos limpa, mas com esse prefeito aí, fica muito difícil, é muito roubo, nosso dinheiro vai todo para o bolso dele e as ruas ficam sujas. Certamente, se esse prefeito fosse sério, estaria comprometido com o bem-estar da população, mas, possivelmente, ele nem sabe o que é isso. Eu venho aqui exercer o meu papel de cidadão, o meu direito e o direito de todos os moradores da Ilha, a ter uma cidade limpa e organizada, afinal, todo mundo trabalha, paga esses impostos caros e a prefeitura tem que dar à população uma cidade organizada, limpa. É preciso colocar esse povo todo da secretaria de obras, gari, varredor de rua para trabalhar. [...]2 Nesse sentido, a modalização deôntica não se insere numa perspectiva estrutural, nem carrega somente uma conceituação generalizante. As categorias apresentadas, acompanhadas de suas definições e exemplos, trazem a reflexão de que não é somente pensar em práticas linguísticas determinadas por falantes moralmente responsáveis. É necessário, sobretudo, destacar por quais caminhos o enunciado é estabelecido e, consequentemente, em quais categorias eles se manifestam. Já a modalização avaliativa (ou afetiva) é a que “verbaliza as reações emotivas do falante em face do conteúdo proposicional, deixando de lado quaisquer considerações de caráter epistêmico ou deôntico” (CASTILHO; CASTILHO, 2002, p. 223). No entanto, como destaca Nascimento (2005, p. 64), em uma outra perspectiva teórica, a modalização avaliativa pode revelar mais que um sentimento ou emoção do locutor em função da proposição ou enunciado. Ela mostra, também, uma avaliação da proposição por parte do falante, “emitindo um juízo de valor e indicando, ao mesmo tempo, como o falante quer que essa proposição seja lida”, (NASCIMENTO, 2005, p. 64) como fica evidenciado no exemplo a seguir: Infelizmente, a UFAL e demais universidades sofrerão severas perdas daqui pra frente, pois lamentavelmente o governo manterá os ataques inescrupulosos à educação. Ainda bem que permanecemos unidos e devemos nos esforçar para assim permanecer e resistir. 2 Disponível: https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/ PfEexeXT5TzSXTxZHAyPgYUAMwfMprYpjWh8HnMXStpQEZ37ZA2h/texto-1-para-impressao-sem-polidez- lp06-03sqa07.pdf https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/PY3z9rNnPfEexeXT5TzSXTxZHAyPgYUAMwfMprYpjWh8HnMXStpQEZ37ZA2h/texto-1-para-impressao-sem-polidez-lp06-03sqa07.pdf https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/PY3z9rNnPfEexeXT5TzSXTxZHAyPgYUAMwfMprYpjWh8HnMXStpQEZ37ZA2h/texto-1-para-impressao-sem-polidez-lp06-03sqa07.pdf 16MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Outros modalizadores afetivos/avaliativos que podem ser encontrados em interações cotidianas são: felizmente, pena que, lamentavelmente, ainda bem que, estranhamente, fielmente, curiosamente e tristemente. Percebemos, com isso, que mediante às modalizações epistêmica e deôntica, a afetiva/ avaliativa traz para o enunciado um direcionamento mais efetivo, ou seja, apresenta mais explicitamente as marcas argumentativas do enunciador. Diante do que foi trazido neste capítulo, compreendemos que os estudos da linguagem carecem de discussões mais recorrentes a respeito dos temas modalidade e modalização. Tanto nos estudos sobre texto e discurso, como nas discussões voltadas à gramática da língua portuguesa, pensar nos aspectos de modalidade e nos modalizadores é pertinente para que pesquisadores e professores em atuação possam ter mais subsídios para análises que se amplificam desde a estrutura da língua até as suas respectivas relações de sentido. 17MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Referências CASTILHO, A. T.; CASTILHO, C. M. M. de. Advérbios Modalizadores. In: ILARI, Rodolfo (Org.) Gramática do Português Falado. 2. ed. revista. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. CERVONI, J. A enunciação. São Paulo: Ática, 1989. CORBARI, C. C. Atitudes linguísticas: um estudo das localidades paranaenses de Irati e Santo Antonio do Sudoeste. Tese (Doutorado em Letras), Universidade Federal da Bahia, 2013. KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2008. KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006. LYONS, J. Linguistic semantics: an introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 1977. NASCIMENTO, E. P. A modalização como estratégia argumentativa: da proposição ao texto. In: Congresso Internacional da ABRALIN, 4, 2009, João Pessoa: Editora Idéia, 2010. p. 1369-1376. NASCIMENTO, E. P. Jogando com as vozes do outro: A polifonia – recurso modalizador na notícia jornalística.Tese (Doutorado em Letras), Universidade Federal da Paraíba, 2005. SAUTTER, F. T. A Essência do Silogismo: Uma Abordagem Visual. Cognitio, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 316-332, jul./dez. 2010. VILELA, M; KOCH, I. V. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001. Capítulo 2 Gêneros, suportes e tipos textuais Humberto Soares da Silva Lima Rosana Taciana Portela Nicácio dos Santos https://doi.org/10.52788/9786599463976.1-2 https://doi.org/10.52788/9786599463976 19MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Introdução Este texto é proveniente de um seminário apresentado na disciplina Linguística Textual, no semestre 2019.1, sob orientação da Profa. Dra. Inez Matoso, no Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura – PPGLL, da Faculdade de Letras – FALE. Na ocasião, após a discussão e apresentação do seminário, a professora solicitou um texto que culminasse com a temática que apresentamos aqui. Vamos à temática! Os estudos sobre os gêneros textuais ganharam notoriedade há muito tempo, relacionando as diversas formas de propagação do discurso com as possibilidades dos textos. Se pensarmos no Ocidente, através da observação iniciada por Platão, já se passaram 25 séculos que os estudos sobre os gêneros textuais começaram (MARCUSCHI, 2008). Diante disso, há vários profissionais de diversas áreas que se interessam pelos gêneros textuais, tais como: Teóricos da Literatura, Retóricos, Sociólogos, cientistas da Cognição, Tradutores, Linguistas da Computação, Analistas do Discurso e outros. A expressão “gênero” esteve, na tradição ocidental, ligada aos estudos dos gêneros literários (lírico, épico e dramático), buscava-se compreender as particularidades de cada gênero, na tentativa de propor uma relação sistemática entre eles. Platão, por sua vez, buscou compreender os três elementos do discurso que compõem os gêneros: 1. Aquele que fala 2. Aquilo sobre o que se fala 3. Aquele a quem se fala A partir da compreensão dos elementos constitutivos dos gêneros literários, a abordagem realizada por Platão estava voltada para o entendimento dos textos líricos, épicos e dramáticos, de modo que houvesse uma análise sobre os discursos imbricados nos gêneros. Associados aos gêneros da retórica, Aristóteles, na Grécia Antiga, em se tratando da estratégia e da estrutura, postula três gêneros do discurso retórico: 20MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) 1. Discurso deliberativo – aconselhar e desaconselhar. 2. Discurso judiciário – acusar ou defender. 3. Discurso demonstrativo (epidítico) – elogiar ou censurar. De acordo com Marcuschi (2002; 2008), um dos principais teóricos/ estudiosos que pesquisaram a respeito dos gêneros textuais, quanto ao suporte em que os gêneros circulam, podemos defini-lo como uma superfície física, em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto. Portanto, podemos apresentar vários exemplos de suporte, como se vê abaixo. Figura - Exemplos de suporte em que os gêneros circulam: Em contrapartida, o suporte, segundo Marcuschi (2002; 2008), não deve ser confundido com o contexto nem com a situação, nem tão pouco com o canal e a natureza do serviço prestado, pois são instâncias cujas realidades provocadas ao texto promovem a divulgação da ideia e do argumento. Todavia, o suporte não deixa de operar como um tipo de contexto pelo papel de seletividade. 21MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Assim, faz-se importante que não se confundam os propósitos comunicativos, os serviços com os suportes de gêneros . Os serviços, portanto, implicam a construção de novos textos, utilizando várias linguagens, configurando os chamados textos/gêneros multimodais. Logo, a tecnologia promove ou reconfigura a ideia de novos gêneros, pois a intensidade dos seus usos em relação às interferências comunicativas estão constantemente em interação. Os grandes suportes tecnológicos, por conseguinte, estão propiciando e abrigando novas características aos gêneros, que já são amplamente conhecidos como textos/gêneros virtuais/ digitais. A partir da concepção seminal de gêneros para Bakhtin (1997), esses construtos são consensualmente considerados como “textos relativamente estáveis” elaborados e consolidados pelos usuários nas diversas esferas da atividade humana. Noutras palavras, os gêneros textuais/discursivos tratam de uma multiplicidade de ações mediadas pelos textos e são encontrados a partir das interações humanas em contexto social. Em se tratando da interação humana, associada ao entendimento dos diversos gêneros que circulam na esfera social, temos que considerar os gêneros como construtos que têm materialidade linguística (são antes de tudo, textos) e têm funcionalidade discursiva que realizam ações sociais. Do ponto de vista da materialidade linguística, os textos/gêneros se realizam por meio de formas composicionais que constituem os chamados tipos textuais1, também chamadas de sequências textuais, a saber: a narração, a descrição, a exposição, a argumentação, a injunção e o diálogo. Vejam-se, abaixo, algumas características formais presentes nesses tipos textuais. 1 Convém não confundir gêneros com textuais com tipos textuais. O primeiro construto refere-se aos usos discursivos da linguagem; o segundo refere-se aos aspectos formais e os recursos linguísticos. 22MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) DESCRIÇÃO – Apresenta verbos de natureza estática (verbos de ligação) no presente ou no imperfeito; adjetivação e indicação de lugar. NARRAÇÃO - Caracteriza-se pela sequência temporal e lógica dos fatos no passado. Apresenta verbos no tempo passado e marcadores de temporalidade. É muito frequente nas nossas produções linguageiras orais e escritas através de uma infinidade de gêneros textuais. EXPOSIÇÃO - A exposição caracteriza-se também pelo ato de explicar, de apresentar conceitos, definições, teorias; por isso a exposição aparece nos textos didáticos, acadêmicos, ou seja, em textos de divulgação científica. Trata-se de uma exposição sintética ou analítica. ARGUMENTAÇÃO - A argumentação aparece na defesa de pontos de vista, de uma tese, de opiniões, buscando-se adesão. É uma ação persuasiva, de tentativa de convencimento. No texto, a argumentação é reconhecida pelos marcadores argumentativos pelas modalizações e pela linguagem figurada. INJUNÇÃO - As injunções são marcadas pelo verbo no imperativo, ou no infinitivo. Do ponto de vista retórico-pragmático, dependendo do tipo de interação, as injunções são acompanhadas de fórmulas sociais, atenuadores, modalizadores, etc. Os gêneros em que aparecem seqüências injuntivas são as receitas, as instruções em geral, as bulas de remédio, as preces, os livros de auto-ajuda, os provérbios, etc. DIÁLOGO- A sequência dialogal é, evidentemente, a mais freqüente nas interações da nossa vida cotidiana, pois as conversas de todo tipo estão presentes na nossa comunicação oral em todas as esferas da atividade humana. Na língua escrita, as seqüências dialogais aparecem de forma direta, marcadas por travessão, indicando os turnos; ou com as falas entre aspas, geralmente acompanhadas dos verbos discendi (dizer, afirmar, declarar, responder, etc.). 23MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) EXEMPLOS DE TIPOS TEXTUAIS Descrição Narração 24MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Argumentação Exposição INJUNÇÃO A importância de se trabalhar com os gêneros textuais em sala de aula, nas práticas de língua(gem), encontra-se justamente na multiplicidade de possibilidades tanto em relação à produção de texto, quanto à construção do senso crítico dos estudantes, pois, só através do conhecimentoe do contato com a diversidade dos gêneros textuais que se tem repertório para (re)construir novas ideias e argumentos. Além disso, quanto mais gêneros o aluno conhece, maior será seu nível de letramento. Marcuschi (2002; 2008), quanto à discussão da produção de texto e análise linguística, defende um posicionamento do professor de língua(gem) que esteja voltado para a construção e a identificação dos diversos gêneros, 25MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) atrelando o reconhecimento dos gêneros com o conhecimento gramatical. Caso não seja essa finalidade, o processo de ensino e aprendizagem da língua fica apenas centrado na norma, ou seja, no ensino infrutífero da gramática. Referências MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs.) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 19-36, 2002. Capítulo 3 Retextualização Maria Silma Lima de Brito Dayane Rocha de Oliveira https://doi.org/10.52788/9786599463976.1-3 https://doi.org/10.52788/9786599463976 27MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Este trabalho tem por objetivo apresentar um estudo sobre a retextualização proposta por Marcuschi (2010), apresentando sua importância e possíveis contribuições para o ensino de Língua Portuguesa. Será exposto um breve percurso dos paradigmas que envolvem a fala e a escrita para que haja uma compreensão a respeito de suas aproximações nos mais variados contextos, sejam os de produção textual escrita ou simplesmente interacional/ discursiva. A partir deste estudo, propõem-se atividades de retextualização da fala para a escrita, colocando em ação o que foi apresentado por Silveira (2006). Marcuschi (2010), em seu livro Da fala para escrita: atividades de retextualização, analisa as operações mais relevantes presentes nesse processo singular e de grande importância que é a retextualização, vista pelo autor como recurso metodológico que não pode faltar nas aulas de Língua Portuguesa, como também em vários eventos comunicativos. No referido texto, o pesquisador inicia falando sobre o avanço nos estudos entre língua falada e língua escrita, sobre os quais faz algumas considerações importantes. Deixando claro que a escrita não é simplesmente uma representação da fala, o autor afirma que as duas modalidades são diferentes, mas que as diferenças são “graduais e contínuas”. Assim, a retextualização é um recurso para entender às especificidades da fala e da escrita, como afirma Marcuschi: A retextualização não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de textualização. Trata-se de um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-compreendidos da relação oralidade- escrita. (2010, p. 46). O estudioso esclarece, ainda, que o processo de retextualização não implica uma espécie de ajuste da fala para o texto escrito, pois “o texto oral está em ordem na sua formulação e no geral não apresenta problemas para a compreensão [...]. Portanto, a passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos para a ordem: é a passagem de uma ordem para outra ordem” (op. cit. p. 47). Para que haja essa passagem do oral para o escrito é preciso que, antes, ocorra uma atividade cognitiva chamada compreensão, visto que, para se dizer de outro modo o que foi dito por alguém, é preciso compreender o que esse alguém disse. Vejam-se as várias possibilidades de retextualização: 28MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Quadro1. Possibilidades da retextualização 1. Fala Escrita (entrevista oral entrevista impressa) 2. Fala Fala (conferência tradução simultânea) 3.Escrita Fala (Texto escrito exposição oral) 4.EscritaEscrita(Texto escrito resumo estrito) Quadro 1 - Possibilidades da Retextualização São diversos os casos em que o ato de retextualizar está presente em nossas vidas e não nos damos conta de que esse processo é diariamente produzido por nós, dos contextos mais simples aos mais complexos, como mostra o quadro acima, em concordância com Marcuschi: É fácil imaginar vários eventos linguísticos quase corriqueiros em que atividades de retextualização, reformulação, reescrita e transformação de textos são envolvidos. Por exemplo: (1) a secretária que anota informações orais do (a) chefe e com elas redige uma carta; (2) o (a) secretário(a) de uma reunião de condomínio (ou qualquer outra) encarregado(a) de elaborar a ata da reunião, passando para a escrita um resumo do que foi dito; (3) uma pessoa contando à outra o que acabou de ler no jornal ou na revista; (4) uma pessoa contando à outra o que acabou de ouvir na TV ou no rádio; (5) uma pessoa contando à outra o filme que viu no dia anterior ou o último capítulo da novela, ou as fofocas da vizinhança; (6) alguém escrevendo uma carta relatando o que ouviu no dia anterior; (7) o(a) aluno que faz anotações escritas da exposição do(a) professor(a); (8) o juiz ou o delegado que dita para o escrevente a forma final do depoimento, e assim por diante (2010, p. 49). Ademais, o pesquisador expõe que “a oralidade traz certas características peculiares que a escrita poderia imitar sem deixar de ser escrita” (p. 53), entretanto, aborda que as línguas faladas e escritas possuem processos de usos diversos. Outrossim, o autor conceitua quatro variáveis e explica cada um delas (MARCUSCHI, 2010) • O propósito ou objetivo da retextualização; • A relação entre o produtor do texto original e o transformador; • A relação tipológica entre o gênero textual original e o gênero da retextualização; • Os processos de formulação típicos de cada modalidade. 29MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) No ato de retextualizar, existem propósitos e intenções que necessitam ser pré-estabelecidas, observando-se, assim, que não é apenas resumir um texto; vai muito além disso. Vejamos os aspectos envolvidos no processo de retextualização, sintetizados nos quadros propostos por Marcuschi (2010, p. 69). Aspectos-linguísticos-textuais-discursivos cognitivos (A) (B) (C) (D) idealização reformulação adaptação compreensão eliminação acréscimo tratamento da inferência completude substituição da sequência inversão regularização reordenação dos turnos generalização Quadro 2 - Aspectos envolvidos nos processos de retextualização Marcuschi define que o texto base designa a produção original; o texto transcodificado seria uma simples transcrição e o texto final é versão final com as operações realizadas ao longo do percurso. Acima, a transcrição é definida por ele como algo fiel e indefinido quanto ao padrão; sobre a retextualização, é representada neste ponto como uma transformação com base em operações mais complexas. Abaixo, citamos as operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o escrito. Marcuschi (2010, p. 75): 1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais (hesitações, porexemplo). 2ª operação: Introdução de pontuação. 3.ª operação: Retirada de repetições, reduplicações, redundâncias. 4ª operação: Introdução de parágrafos e pontuação detalhada. 5ª operação: Introdução de marcas metalingüísticas, dêitico. 6ª operação: reconstrução de estruturas frasais truncadas, concordância, reordenação sintática. 7ª operação: tratamento estilístico. 8ª operação: reordenação tópica do texto e reorganização da seqüência argumentativa. 9ª operação: agrupamento de argumentos condensando as idéias. 30MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Evidentemente, esse modelo operacional, alerta o citado autor, não pode, às vezes, ser aplicado na sua totalidade, de forma mecânica, em todos os textos; mas, pelo menos alguns elementos e operações podem ser usados na tarefa de retextualização. Para uma retextualização ser bem sucedida, não é necessário que se efetivem todas as operações e, sobretudo, não necessariamente na ordem proposta” (p.76). Exemplo das nove operações de retextualização propostas por Marcuschi (2010) e exemplificadas por Pantaleoni (2013). Estratégia de eliminação baseada na idealização linguística 1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras. L2 — e ela mora lá… mas ela é… bem velhinha… maluca né? ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela:: a mim ela sabe… mas eu invento história pra ela… e ela acredita em todas as história que eu invento… perturba mui:to a vida de minha irmã porque não tem… os conceitos de higiene dela já sumiram… só gosta de andar mulamba… L1 — ((riu)) L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba Estratégia de inserção em que a primeira tentativa segue a sugestão da prosódia 2ª operação: introdução da pontuação com base na intuição fornecida pela entoação das falas. L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha,maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento,perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. https://nilviapantaleoni.wordpress.com/author/nilviapantaleoni/ 31MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Estratégia de eliminação para uma condensação linguística 3ª operação: retirada de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos. L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha,maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento,perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha,maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas,perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene,dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. Estratégia de inserção 4ª operação: introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da ordem dos tópicos discursivos. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha,maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas,perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene,dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas.Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene,dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba. Operações de transformação Estratégia de reformulação objetivando explicitude 5ª operação: introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos por dêiticos. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha,maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas.Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene,dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. 32MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Estratégia de reconstrução em função da norma escrita 6ª operação: reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática, encadeamentos. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Estratégia de substituição visando a uma maior formalidade 7ª operação: tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções léxicas. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha. Estratégia de estruturação argumentativa 8ª operação: reordenação tópica do texto e reorganização da sequência argumentativa. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapi- lha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. 33MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Estratégia de condensação 9ª operação: agrupamento de argumentos condensando as ideias. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapilha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias e ela acreditaem todas. Maria mora na casa de minha irmã e perturba muito sua vida porque anda suja e maltrapilha. A velhinha parece maluca, pois esquece os nomes das coisas e das pessoas e acredita nas histórias absurdas que eu invento. Quadro 3 - Operações de regularização e idealização. Conclusões A conscientização sobre o fenômeno da retextualização é de grande valia para o ensino e a prática da leitura e da escrita na escola. Com certeza, pode-se dizer que, junto com a noção de gêneros textuais, a idéia e a prática da retextualização são estratégias de ensino e de aprendizagem que podem colaborar no incentivo ao exercício da escrituta na escola. De fato, o professor, ao proporcionar a prática da retextualização na sala de aula, leva o aluno-aprendiz a perceber não só os aspectos formais da língua ao utilizar os inúmeros recursos estilísticos e de textualização, como também pode colaborar para o letramento desse aluno. Afinal, o contato com os diferentes tipos de textos e de gêneros textuais, obviamente com diferentes propósitos comunicativos, ajuda o aluno a desenvolver e diversificar suas estratégias de leitura e, com a mediação do professor, pode desenvolver uma consciência metalingüística em relação à pratica das atividades da escrita. Com base em Silveira (2006), propomos uma atividade prática1, cujo propósito é retextualizar um aviso escrito numa placa tosca de madeira (Fig. 1) colocada na entrada do banheiro de um camping, que passou a ser administrado por uma organização não-governamental. A proposta é 1) a elaboração de um pequeno cartaz sucinto, feito com material resistente, com 1 Trata-se de uma contribuição da Profa. Nílvia Pantaleoni da PUC-SP, disponível no sítio: http://www.paratexto. com.br/filles/0003/ALO doc. http://www.paratexto.com.br/filles/0003/ALO http://www.paratexto.com.br/filles/0003/ALO 34MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) letras grandes, a ser impresso e afixado na porta do banheiro; 2) um aviso mais detalhado a ser colocado no quadro de aviso da cabana da administração do camping e 3) um folder para a divulgação e propaganda do camping entre turistas. “ALO - ATENÇÃO QUANDO VOÇE SAIR DO BANHEIRO APAGAR A LUZ POR FAVOR OBRIGADO| - - - - OUTRAS COIZAS VOÇEIS QUE FUMÃN POR FAVOR NÃO JOGUE BITUCA DE CIGARROS EN QUAU QUER LUGAR - - NÃO É PERMITIDO VOÇE ANDAR FUMANDO MACONHA DENTRO DO CAMPIMG. RESPEITE A REGRA DO CAMPIMG. OBRIGADO NÃO ANDAR - GRITANDO NEIN DE DIA NEIN DINOITE. OKEI TODOS – VÃO GOSTAR DE VOÇE PRINCIPALMENTE O CAMPIMG VOÇE É UMA PESSOA BEM EDUCADA ENTÃO FAÇA ISTO QUE VOÇE VAI EN QUAL QUER LUGAR VOÇE CERA BEM VINDO OU BEM – INDO. NOEL AGRADECE A TODOS _ A COMPRIENÇÃO E QUE – DEUS NOSSO CRIADOR A BEMSSOIE A TODOS AMÉM OBRIGADO< < < < < < 2005” Fig. 1 – Texto escrito numa Placa encontrada na porta do banheiro de um camping. Referências MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita : atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2010. PANTALEONI, Nílvia. Aplicação das nove operações de retextualização propostas por marcuschi. Disponível em <https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/ aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao propostas-por-marcuschi/.> 01/04/2013. Acesso em:julho de 2019 SILVEIRA, M. Inez Matoso. Análise de gênero textual: concepção sócio-retórica. Maceió: Edufal, 2005. SILVEIRA, M. Inez Matoso. Retextualização – aspectos teóricos e práticos. Artigo apresentado em mesa-redonda durante o V ELFE – Encontro Nacional de Língua Falada e Escrita –Maceió, novembro de 2006. https://nilviapantaleoni.wordpress.com/author/nilviapantaleoni/ https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao-propostas-por-marcuschi/ https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao-propostas-por-marcuschi/ https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao propostas-por-marcuschi/ https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao propostas-por-marcuschi/ https://nilviapantaleoni.wordpress.com/2013/04/01/aplicacao-das-nove-operacoes-de-retextualizacao-propostas-por-marcuschi/ Capítulo 4 Paráfrase, repetição e paralelismo Janyellen Martins Santos Romildo Barros da Silva https://doi.org/10.52788/9786599463976.1-4 https://doi.org/10.52788/9786599463976 36MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Paráfrase: uma definição De origem grega, o termo paraphrasis significa repetição ou continuidade de uma sentença (SANT’ANNA, 2003). Dessa forma, o uso da paráfrase permite dizer o mesmo de outra forma, mantendo o sentido original, pois se trata de uma reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra escrita. “Uma paráfrase pode ser uma afirmação geral da ideia de uma obra como esclarecimento de uma passagem difícil. Em geral ela se aproxima do original em extensão (BECKSON; GANZ, 1965 apud SANT’ANNA, 2003, p. 17). Em relação ao seu uso, pode-se dizer que a paráfrase é um fenômeno que pode ser trabalhado tanto na linguagem verbal (no nível do texto e no nível da frase), quanto na linguagem não verbal (PINTO, 2016). Sant’anna (2003, p. 26) salienta que, para que a paráfrase seja compreendida pelo leitor, é necessário que este tenha “um repertório ou memória cultural e literária para decodificar os textos superpostos.”. Recursos da paráfrase A paráfrase pode ser realizada a partir de alguns recursos, como os sinônimos: Ex.: Américo mudou a decoração de seu quarto/Américo transformou a decoração de seu quarto. (PINTO, 2016); por meio de nominalizações:1 Ex.: O time exigiu a suspensão do jogador./O time exigiu que o jogador fosse suspenso; a alteração da voz verbal (ativa para passiva ou vice-versa):2 Ex.: A secretária escreve relatórios claros e sucintos. / Relatórios claros e sucintos são escritos pela secretária. Antunes (2005) também destaca o uso de expressões parafrásicas, como: noutras palavras, em outros termos, isto é, ou seja, quer dizer, em resumo, em suma, em síntese. A paráfrase na linguagem não verbal Como já foi dito anteriormente, a paráfrase pode ser usada na linguagem verbal e na linguagem não verbal. Observe o exemplo3 abaixo: 1 Exemplos retirados da monografia de Oliveira (2012). 2 Exemplos retirados de Gedrat e Silva (2008). 3 Exemplos retirados de Pinto (2016) 37MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Ex.: Obra original Paráfrase 4 As meninas, de Diego Velázquez (1656). As meninas, de Pablo Picasso (1957). Nesse exemplo, Picasso fez uma releitura da obra de Diego Velázquez, na qual introduziu elementos geométricos e um tom mais monocromático nas cores, porém é possível relacioná-la com a obra original. A paráfrase no nível da frase No enunciado a seguir, o autor utilizou expressões parafrásicas para esclarecer algo que havia dito antes, parafraseando seu texto.4 Ex. “Para uma pessoa obter o título de doutor [...], ela tem de trazer uma grande pesquisa na sua área de conhecimento [...]. E essa pesquisa tem de ser inédita, isto é, ela precisa trazer alguma contribuição nova àquele campo de estudos (BAGNO, 1989, p.20). A paráfrase no nível do texto Veja os fragmentos de textos a seguir: Canção do exílio (Gonçalves Dias) [...] Nosso céu tem mais estrelas, 4 Exemplo retirado de Antunes (2005). 38MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Pode-se dizer que o hino nacional é uma paráfrase do poema de Gonçalves Dias, pois há diversas expressões que remetem à exaltação da fauna e da flora do Brasil, como no poema. Paráfrase x paródia Paráfrasee paródia apresentam características diferentes e, sendo assim, é importante destacá-las a fim de evitar problemas na sua identificação nos textos. Pinto (2016, p. 165) afirma que “as paródias são recriações de textos [...] cujas mensagens são alteradas para produzir efeito irônico ou cômico.”. Seu uso é bastante frequente em textos humorísticos e publicitários para “fazer críticas ou divulgar produtos, aproveitando a popularidade de músicas, poemas etc.” (PINTO, 2016, p. 165). A paráfrase, por seu turno, consiste na refomulação de um texto ou suas partes. É um recurso que possibilita a expressão de um conteúdo de maneiras diferentes. (GEDRAT; SILVA, 2008). Em suma, a paródia apresenta a mesma forma, mas conteúdo diferente; a paráfrase mostra o mesmo conteúdo, porém de forma diferente (PINTO, 2016). Nesse sentido, Sant’anna (2003) afirma que a paráfrase é um discurso em repouso, apresentando um efeito de condensação; a paródia é o discurso em progresso, apresentando um efeito de deslocamento. “Numa há o reforço, na outra a deformação. Com a condensação, temos dois elementos que se equivalem a um. Com o deslocamento, temos um elemento com a memória de dois” (SANT’ANNA, 2003, p. 28). Assim, o autor destaca que é por isso que se pode falar do caráter ocioso da paráfrase e do caráter contestador da paródia. Na paráfrase alguém está abrindo mão de sua voz para deixar falar a voz do outro. Na verdade, essas duas vozes, por identificação, situam-se na área do mesmo. Na paródia busca-se a fala recalcada do outro. (SANT’ANNA, 2003, p. 29, grifo do autor). Diante disso, o leitor “deve estar sempre atento ao fato de que, ao estabelecer as relações intertextuais, o autor pode ter alterado o sentido do texto original no texto que produziu.” (PINTO, 2016, p. 180). 39MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Repetição: definição A “repetição é a produção de segmentos textuais idênticos ou semelhantes, duas ou mais vezes no âmbito de mesmo evento comunicativo” (MARCUSCHI, 2015, p.209). O autor salienta que existe uma diferença entre repetir um mesmo item e dizer a mesma coisa. Repetição na fala e na escrita Marcuschi (2015, p. 208), em relação à paráfrase destaca, também, a diferença do uso da repetição na fala e na escrita. Na fala, “as repetições apresentam características de um planejamento linguístico on-line com traços de um texto relativamente não planejado.” O autor ressalta a grande presença desse recurso na fala, já que a cada cinco palavras, uma é repetida. Na escrita, por sua vez, como há a revisão e a editoração dos textos, a versão final de um texto escrito não apresenta muitas repetições. (MARCUSCHI, 2015). O que evidencia sua frequente presença nos textos orais. Aspectos funcionais De acordo com Marcuschi (2015), as repetições na fala podem atuar na coesividade, compreensão, continuação tópica, argumentatividade e interatividade. Na coesividade, segundo Marcuschi (2015), a repetição é um recurso utilizado tanto na sequenciação quanto na referenciação. Podem-se observar os seguintes recursos: Listagem, amálgamas sintáticos e enquadramento sintático-semântico. No que diz respeito à compreensão, a repetição pode facilitá-la e promovê-la por meio das seguintes funções: intensificação, transformação de rema em tema e esclarecimento. Na organização tópica, por sua vez, a repetição pode introduzir, reintroduzir, manter ou delimitar tópicos. As repetições também demarcam posicionamento e argumentatividade, podendo reafirmar, contrastar ou contestar argumentos. A interatividade na repetição se manifesta por diversos aspectos, como na expressão de opinião, no monitoramento da tomada de turno, na ratificaçãodo papel do ouvinte e na incorporação de sugestões. 40MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Aspectos da repetição na escrita Reiteração Além dos aspectos mencionados, Antunes (2005), descreve que a repetição é um dos constituintes do fenômeno da reinteração. “A reiteração é a relação pela qual os elementos do texto vão de algum modo sendo retomados, criando-se um movimento constante de volta aos segmentos prévios – o que assegura ao texto a necessária continuidade de seu fluxo” (ANTUNES, 2005, p.52, grifos da autora). Repetição Para Antunes (2005), a repetição é um recurso da coesão que inclui a paráfrase, o paralelismo e a repetição propriamente dita. Além disso, “pelo procedimento da repetição, recorremos à estratégia de voltar a um segmento anterior do texto, mantendo algum elemento da forma ou do conteúdo.” (ANTUNES, 2005, p. 60). Repetição propriamente dita É a “ação de voltar ao que foi dito antes pelo recurso de fazer reaparecer uma unidade que já ocorreu previamente.” (ANTUNES, 2005, p. 70). Paralelismo: conceitos “O paralelismo é um recurso muito ligado à coordenação de segmentos que apresentam valores sintáticos idênticos, o que nos leva a prever que os elementos coordenados entre si apresentem a mesma estrutura gramatical.” (ANTUNES, 2005, pp. 63-64). É, dessa maneira, “uma diretriz de ordem estilística – que dá ao enunciado uma certa harmonia – e constitui ainda um 41MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) recurso de coesão – que deixa o enunciado numa simetria sintática que é por si só articuladora.” (ANTUNES, 2005, p. 64). Por essa razão, o paralelismo se dá de maneira sintática e semântica: o sintático acontece utilizando “as mesmas estruturas sintáticas, preenchidas com itens lexicais diferentes” (KOCH, 2014, p. 56); o semântico ocorre quando as ideias se associam “numa correlação lógica ou argumentativa, guardando- se o princípio de simetria de planos, de níveis ou de domínios para os quais essa ideia remetem” (ANTUNES, 2005, p. 68). Exemplo de paralelismo sintático 1 Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? 2 Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, 3 mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. 4 Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. (BÍBLIA, Gênesis, 3, 1-4). Nesse exemplo, os verbos assumem a mesma forma, no que concerne à variação verbal, seguindo uma simetria sintática, ou seja, seguem o paralelismo sintático. Exemplo de paralelismo semântico D - Olha... eu queria perguntar... candidato... sobre::... a educação... A educação é prioriDAde no meu governo... eh.. se considerar eu e o presidente Lula nós triplicamos o:: valor gasto na educação... da creche a pós graduação... gostaria de saber... candidato... o que o senhor acha de um programa como o PRONATEC?... um programa... que foi baseAdo nas escolas técnicas que nós... acabamos com a proibição feita durante o seu governo... por isso... durante o governo Fernando Henrique Cardoso vocês construíram Onze escolas técnicas... no meu governo... eu construí.. e:: está funcionando... candidato... duzentos e oito escolas técnicas... isto... ésim:plesMENte mil e seiscentos por cento mais... foi por causa dessas escolas técnicas... que nós puDEmos dar oportunidades para 42MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) os JOvens de fazer um curso TÉCnico... pros/ adultos também... o PRONATEC é isso... é baseado nessas escolas EM:: parceria com o sistema S... ((sorriso)) (24min.26seg. ) Debate político televisionado do segundo turno. 2014) Os termos em destaque são provenientes do mesmo campo semântico (educação). Ao utilizar tais termos, o debatedor mantém a unidade temática e faz, intuitivamente, o paralelismo semântico. Isso comprova duas afirmações de Antunes (2005, p. 54): a primeira sobre a existência permanente “por mais tênue que seja, de alguma ligaçãosemântica entre as palavras de um texto.”; e a segunda a respeito da constatação de que “todo texto é necessariamente marcado por uma unidade temática, isto é, pela concentração em um único tema, embora desenvolvido, às vezes, em subtemas diversos”. A partir do exposto, notou-se que o paralelismo está presente em muitos textos para organizar sua estrutura interna e promover seus sentidos. Assim, independente do gênero textual, o paralelismo se estabelece pela simetria entre estruturas e ideias e, portanto, “constitui um recurso bastante relevante para o estabelecimento da coesão e da coerência.” (ANTUNES, 2005, p.69-70). Referências ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1983. BÍBLIA, A. T. Gênesis. In BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. 2. ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008. p. 5. GEDRAT, Dóris Cristina; SILVA, Mozana Rossetto. A paráfrase. In: Comunicação e expressão. Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)(org.). Curitiba: Ibpex, 2008. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix. 1973. KOCH, Ingedore G. V. A coesão textual. 22. ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. MARCUSCHI, Luiz Antônio. A Repetição. In: In: JUBRAN, Clélia Spinardi. A construção do texto falado. São Paulo: Contexto, 2015. OLIVEIRA, Sara de. Mecanismos de Paráfrase. Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, da Universidade de Brasília, 2012. 43MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) PINTO, Deise Cristina de Morae. Paráfrase e paródia. In: PINTO, Deise Cristina de Moraes; COELHO, Fábio André Cardoso; RIBEIRO, Roza Maria Palomanes. Introdução à semântica. V. único. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2016. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & cia. 7ª ed. 5ª impressão. São Paulo: Editora ática, 2003. SANTOS, Maria F. Oliveira. Os saberes construídos no processo da pesquisa. Maceió: Edufal, 2013. 44MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Anexo Capítulo 5 Referenciação Marcos Suel dos Santos Cristiane Santos da Silva https://doi.org/10.52788/9786599463976.1-5 https://doi.org/10.52788/9786599463976 46MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Este texto sintetiza alguns aspectos sobre a referenciação, temática exposta em seminário para a disciplina Estudos em Linguística Textual, do Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura (PPGLL), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), no período 2019.1. A discussão teórica em tela objetiva apresentar, por meio de exemplificações, algumas estratégias de que o leitor lança mão no momento da leitura, baseando-se nas pistas fornecidas pelo texto que levam à construção de sentidos no modelo textual. A referenciação tem se destacado enquanto objeto de estudo entre os estudiosos (Apothéloz, Kleiber, Charolles, Reicher-Béguelin, Mondada e Dubois, Koch, Marcuschi, dentre outros) da Linguística Textual desde meados da década de 1990, cujo foco de investigação consiste em discutir como se dá o processo de construção de sentidos numa perspectiva sociocognitiva e interacionista da linguagem (CAVALCANTE, 2017). A referenciação é um fenômeno textual-discursivo relevante para a produção e compreensão de sentidos do texto, sendo, portanto, um processo que consiste na construção e na reconstrução de objetos de discurso ou referentes. Estes são de ordem cognitiva e discursiva, percebidos na intersubjetividade dos sujeitos, ou seja, na relação compartilhada de negociações, conforme sinalizam Mondada e Dubois (2014). À medida que esses objetos são dinâmicos, operam no texto em modulações, sendo ativados ou reativados, categorizados e/ou recategorizados de modo que a progressão textual se estabeleça. No exemplo (1) a seguir, vejamos como ocorre a referenciação. Everton diz ter oferta, mas Grêmio nega. Everton Cebolinha diz ter oferta concreta para deixar o Grêmio e a saída pode ocorrer nas próximas horas. Hoje (13), depois do jogo contra o Vasco, o camisa 11 afirmou que a presença em partida diante do Bahia, na quarta-feira, é uma incógnita. Minutos depois, a diretoria do clube gaúcho afirmou não ter propostas, contudo manteve brecha para transferência. A lista de interessados no atleta é grande e o Arsenal é dos times que fizeram sondagem. Disponível em: <https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/07/13/everton-diz-ter- oferta-mas-gremio-nega-arsenal-e-um-dos-interessados.htm>. Acesso em: 14 jul.2019. No texto, o principal objeto de discurso Everton Cebolinha, depois de introduzido, é retomado em dois momentos: o camisa 11 e o atleta. Pode-se concluir que a escolha dos referentes reativados não ocorreu por acaso, mas 47MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) de forma a enaltecer o jogador, como um dos melhores atualmente. A escolha da expressão o camisa 11 não se deu de forma aleatória, mas com a intenção comparativa de que os jogadores que usam esse número se destacam como os melhores, a propósito de Romário, ex-jogador da seleção brasileira de futebol e duas vezes bicampeão mundial. Nesse caso, a reconstrução do objeto de discurso demanda do interlocutor o acionamento dos conhecimentos prévios, ou seja, há uma negociação para a construção de sentido desses referentes. Estratégias de referenciação A construção de referentes pressupõe o envolvimento de estratégias, as quais, segundo Koch e Elias (2011), são: introdução, retomada e desfocalização. Tais estratégias configuram--se imprescindíveis à plurilinearidade textual. • Introdução – estratégia que introduz no texto um “objeto” ainda não mencionado, sendo que a expressão linguística que o representa é posta em foco, ou seja, o referente fica saliente no modelo textual. • Retomada – essa estratégia retoma, reativa um referente já introduzido no texto, permitindo que o objeto de discurso permaneça em foco. Além disso, essa operação é responsável pelas cadeias coesivas do texto e, consequentemente, pela progressão referencial. • Desfocalização – essa estratégia tem como objetivo desfocalizar o objeto de discurso principal já introduzido no texto, deixando-o permanecer em estado de ativação parcial (stand by), podendo ser retomado a qualquer momento. O novo referente (o desfocalizador) passa, então, a ocupar a posição focal no modelo textual. No exemplo (2) a seguir, verificaremos como essas estratégias são construídas. Torloni critica ação do governo Bolsonaro na Amazônia: "Não me representa" Christiane Torloni está estarrecida com as queimadas na floresta amazônica. A atriz conheceu a fundo os problemas enfrentados na região Norte do país durante a produção do documentário Amazônia - O Despertar da Florestania. O longa, de 108 minutos, da Globo Filmes, marca a estreia da artista como diretora ao lado de Miguel Przewodowski. 48MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) No texto, a introdução do objeto de discurso posto em foco é Christiane Torloni, uma vez retomado de forma categorizada em a atriz e recategorizado como a artista e diretora. No entanto, esse objeto é desfocalizado, ou seja, é posto à margem, ficando em stand by e pode ser acionado quando necessário. No texto, a desfocalização ocorre quando surge o objeto de discurso ainda não mencionado o longa, de 108 minutos, da Globo Filmes, marca a estreia. Formas de introdução de referentes Na esteira dessa discussão, Koch e Elias (2011) admitem haver dois tipos de introdução de referentes no texto: a ativação ancorada e ativação não- ancorada. A ativação ancorada ocorre quando um novo objeto de discurso é introduzidono texto, com base em elementos associativos em algum cotexto ou contexto sociocognitivo. Além disso, os objetos de discurso desse tipo de introdução podem ser chamados de anáforas indiretas – quando no cotexto não há indícios de um antecedente claramente explicitado, mas pela relação de ancoragem, ou seja, é altamente inferível. No exemplo (3) a seguir, verificaremos como ocorre esse tipo de introdução. Disponível em: <https://www.fabiocampana.com.br/2012/05/charge-do-erasmo/>. Acesso em: 15 set. 20119. Na charge, a anáfora indireta ocorre por meio do novo referente a cachoeira, pois esse termo relaciona-se ao termo barco. Este funciona como um suporte para que o leitor interprete corretamente o sentido do objeto de discurso a cachoeira, colocando-o em uma nova posição focal. https://www.fabiocampana.com.br/2012/05/charge-do-erasmo/ 49MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Para Koch e Elias (2011), as anáforas associativas consistem da introdução de um novo objeto de discurso no texto, considerando as relações meronímicas, isto é, quando algum elemento é ingrediente de outro. No exemplo (4) a seguir, verificaremos como ocorre esse tipo de introdução. 1) Entrei no restaurante, e o garçom veio me atender. 2) Comprei três livros ontem. Os autores estarão fazendo uma sessão de autógrafos amanhã. No exemplo 1, o novo objeto de discurso o garçom é introduzido no texto a partir do termo no restaurante, pois depreende-se que em um restaurante a figura do garçom é essencial. Em 2, os autores está associado a três livros, porque livros são escritos por alguém, os autores. Nos dois exemplos, fica clara a presença da anáfora associativa, uma vez que os referentes estão de algum modo associado a outros já mencionados no texto por meio de relações meronímicas. A ativação não-ancorada ocorre quando um novo objeto de discurso é introduzido no texto. Quando esse objeto é uma expressão nominal, tem-se uma categorização do referente. No exemplo (5) a seguir, verificaremos como ocorre esse tipo de introdução. A grande maioria das espécies de sapos não morde. Esses animais se defendem de várias formas: se fingem de mortos, usam veneno ou tentam fugir. Mas alguns sapos podem morder, sim. Principalmente os sapos de chifre, de um gênero denominado Ceratophrys popularmente chamados de sapos-pacman. No exemplo, o novo objeto de discurso a grande maioria das espécies de sapos é introduzido no texto por meio de uma expressão nominal. Quando isso ocorre, tem-se um referente categorizado e recategorizados por meio de outras expressões nominais. Além das formas de introdução de referentes no texto, há também as retomadas ou as manutenções que ocorrem ao longo do texto. Assim, corroboramos com Koch e Elias (2011) quando reafirmam que a retomada é um mecanismo responsável pela manutenção do objeto de discurso já mencionado; além disso, agem na progressão referencial, constituindo-se como essencial às cadeias coesivas. 50MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) As autoras também afirmam que a realização dessas retomadas está de alguma forma presente no texto por meio de recursos de ordem gramatical (pronomes, elipses, numerais, advérbios locativos) e lexical (reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais). Assim, no texto, as retomadas podem ocorrer por meio de: • uso de pronomes ou formas de valor pronominal – recurso conhecido como pronominalização de elementos contextuais, isto é, realiza-se no texto por meio de pronomes. • uso de expressões nominais definidas – ocorre quando um artigo definido ou pronome demonstrativo precede um substantivo. Para Koch (2011, p. 68) “as expressões ou descrições nominais definidas [...] caracterizam-se por operar uma seleção, dentre as diversas propriedades caracterizadoras de um referente, daquelas que são relevantes para os propósitos do locutor”. • uso de expressões nominais indefinidas – esse tipo de expressão atua como função anafórica, de modo que a introdução de novos referentes não é um elemento característico e necessário, pois a retomada, geralmente, ocorre por meio da repetição do referente anteriormente introduzido. No exemplo (6) a seguir, verificaremos como ocorre a retomada das expressões. A velha contrabandista Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha. Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela: - Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco? Inicialmente, observa-se o uso da expressão nominal indefinida uma velhinha que retoma a expressão do título. Em seguida, o pronome pessoa ela reporta-se a velha contrabandista e a uma velhinha, ou seja, ao fazer uso do pronome tem-se uma pronominalização. No final do primeiro parágrafo, o referente da velhinha exemplifica um caso de uso de expressões nominais definidas, já que o artigo definido antecede o nome velhinha. A categorização e recategorização (vovozinha e senhora) também são exemplo de retomadas de referentes no modelo textual. 51MULTIFACES DO TEXTO | SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR E MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA (ORGS.) Ativação e reativação de referentes Essas expressões nominais desempenham funções fundamentais na progressão referencial dos textos, sinalizando elementos de ativação e reativação de novos referentes na memória do leitor ou do ouvinte, de modo que as remissões contribuam para a construção de sentido do texto. Assim, operam para isso as recategorizações e os encapsulamentos. Para Lima (2009, p. 40), “o processo de recategorização não necessariamente é homologado por uma relação explícita entre um item lexical e uma expressão recategorizadora na superfície textual, estando a sua (re) construção, em maior ou menor grau, sempre condicionada pela ativação de elementos inferidos do plano contextual”. Nesse sentido, as recategorizações mantêm as mesmas características e propriedades do referente retomado. Segundo Koch (2011), o encapsulamento funciona no texto como um mecanismo particular das nominalizações, tendo ainda como função sumarizar as informações em determinados segmentos do texto. No exemplo (7) a seguir, verificaremos como ocorrem a recategorização e o encapsulamento. O maior transatlântico do mundo atracou no Rio de Janeiro com ameaça de motim a bordo. O problema começou quando foi anunciado o cancelamento de três escalas, do trajeto entre Nova York e Rio de Janeiro, devido à quebra de um dos motores. O Estado de São Paulo, 29 de janeiro de 2006. O referente o problema funciona no texto como uma recategorização e como um encapsulamento. Ao encapsular, o referente sintetiza a expressão anterior e a interpretação é possível porque o leitor é capaz de inferir da expressão o novo referente que, por sua vez, é recategorizado, pois retoma toda a informação expressa em o maior transatlântico do mundo atracou no Rio de Janeiro com ameaça de motim a bordo. De modo geral, essa discussão teórica refletiu acerca de alguns aspectos da referenciação e da progressão referencial, enfatizando a importância da construção e da reconstrução de sentido dos referentes ou dos objetos de discurso no modelo textual. Faz-se necessário reportar que alguns exemplos presentes nesse texto foram retirados das obras mencionadas nas referências. 52MULTIFACES DO TEXTO | MARIA INEZ MATOSO SILVEIRA E SILVIO NUNES DA SILVA JÚNIOR (ORGS.) Considerações finais A referenciação é um elemento muito importante para a qualidade do texto escrito, pois proporciona maior fluidez na leitura,
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