Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

TEORIAS DA HISTÓRIA
CAPÍTULO 1 - O QUE É TEORIA DA
HISTÓRIA, AFINAL?
INICIAR
Introdução
Neste capítulo, você refletirá sobre a definição de Teoria da História e sua
importância para o ofício do historiador. Afinal, é possível pesquisar e escrever a
História sem alguma concepção teórica? A Teoria da História é um campo de
estudos que busca por respostas convincentes às seguintes questões: “O que é a
História”? Quais são os métodos e parâmetros válidos em uma pesquisa histórica?
Como os historiadores constroem seu conhecimento? Como é possível apreender o
passado e ter conhecimento confiável sobre ele? Pensar sobre estas interrogações é
importante, pois muitas vezes os historiadores adotam uma postura empirista que
prioriza a prática de pesquisa em arquivos, dispensando as discussões teóricas. Ao
longo deste capítulo, além de buscarmos uma definição mais aprofundada do que é
Teoria da História, também veremos qual a diferença entre Teoria da História e
Filosofia da História. Além disso, abordaremos o pensamento de duas das mais
importantes Filosofias da História construídas ao longo do século XIX: o
hegelianismo e o positivismo. Logo de início, é importante prestar atenção no duplo
sentido do conceito de história, que pode designar: (a) realidade dos
acontecimentos do passado (nível dos eventos e processos); (b) o registro e a
interpretação dos acontecimentos (nível da história científica e das narrativas sobre
o passado). Em linhas gerais, o campo da Teoria História propõe uma reflexão sobre
os modos como interpretamos os eventos históricos, isto é, refere-se ao segundo
sentido do conceito de história, enquanto que a Filosofia da História aponta para o
primeiro sentido. Bons estudos!
1. 1 O papel da Teoria da História na formação do historiador
Neste primeiro tópico, nossas atenções se voltarão para a importância da Teoria da
História na formação do historiador ou da historiadora. A Teoria da História está
enraizada na prática da escrita da história e, portanto, está relacionada ao lugar
social no qual o historiador está inserido (CERTEAU, 2008). Além disso, vamos
examinar alguns argumentos usados ainda hoje por historiadores que são
resistentes em relação às discussões teóricas e metodológicas. Em geral, a
resistência à Teoria da História é justificada com uma defesa da pesquisa em
arquivos. Para os historiadores empiristas o debate teórico tem pouca utilidade, pois
afastaria o historiador da realidade do passado. Não é difícil ouvirmos nas salas de
aula dos cursos acadêmicos de História: “lugar de historiador é no arquivo”. Há
ainda aqueles para quem o pesquisador cuja investigação se delimita em
“problemas teóricos”, sem ir aos arquivos ou fontes primárias, não seria um
historiador de verdade (REIS, 2011). 
Diante disso, poderíamos nos questionar: para haver conhecimento histórico
relevante basta fazer leitura e interpretação de documentos? Apenas a crítica dos
documentos é suficiente para a construção de conhecimento histórico? É
importante lembrarmos que as fontes não falam por si mesmas. Os documentos
históricos só podem nos trazer informações sobre o passado porque o historiador as
interroga com questões adequadas. Toda observação da documentação é feita a
partir de problemas e hipóteses prévias, que são criadas pelo historiador ou
historiadora, com base em um conjunto de pressuposições teóricas. Ou seja, a
discussão teórica deve ter um lugar central na formação do historiador. Aliás, uma
sólida formação teórica pode, inclusive, auxiliar o historiador a analisar as fontes
primárias de forma mais pertinente (REIS, 2011).
VOCÊ QUER LER?
No artigo O lugar da Teoria-Metodologia na Cultura Histórica (REIS, 2011), o historiador e filósofo José
Carlos Reis, professor aposentado da UFMG, discute a importância da reflexão teórica na formação do
historiador e da historiadora. Sua tese central é que a Teoria da História não deve se restringir aos
especialistas, mas deve interessar a todos os profissionais da área de História. Disponível em:
<https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143
(https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143)>.
Levando em consideração a importância da Teoria da História, Jörn Rüsen tem
desenvolvido importantes reflexões. Segundo ele, a tarefa da Teoria da História é
analisar a pretensão de racionalidade do pensamento histórico. Todavia, os estudos
teóricos jamais podem deixar de manter uma “relação umbilical” com a prática da
pesquisa. Dessa forma, a Teoria da História examina a própria pesquisa realizada
pelos historiadores, destacando o embasamento teórico que eles utilizaram para
chegar a determinados resultados (RÜSEN, 2010).
Vejamos agora quais são as principais funções da Teoria da História. Rüsen sublinha
que a base da Teoria da História é o cotidiano do historiador, as questões e dilemas
que ele enfrenta em seu ofício de buscar compreender o sentido do passado. Ou
seja, a reflexão teórica sobre o pensamento histórico está fundamentada no
trabalho prático do próprio historiador. Uma das contribuições que os estudos
teóricos podem trazer para a formação dos historiadores é uma visão de conjunto
da História como ciência. Sem essa visão prévia do panorama da historiografia, a
especialização em um determinado campo de estudos perderia o sentido (RÜSEN,
2010).
Podemos sistematizar, didaticamente, as principais funções da Teoria da História do
seguinte modo:
https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143
1) Função propedêutica: aqui a Teoria da História funciona como uma introdução
ao estudo da história, ela auxilia o historiador a ter uma visão panorâmica do
conhecimento histórico antes que ele se especialize em alguma das subáreas da
historiografia;
2) Função coordenadora: a Teoria da História reflete sobre a especificidade e limites
do conhecimento histórico. Por isso, ela pode coordenar a aproximação e o diálogo
da história com outras disciplinas, impedindo que aconteça uma mistura confusa
entre os campos científicos;
3) Função organizadora: a Teoria da História é importante para gerenciar a
organizar a grande quantidade de material de pesquisa existente; 
4) Função de fundamentação e seleção: a Teoria da História contribui para formar
a capacidade de reflexão dos historiadores sem a qual não é possível conciliar uma
pesquisa científica de fôlego com as restrições de tempo e espaço; 
5) Função mediadora: a Teoria da História, na perspectiva de Rüsen, coloca em
evidência o vínculo entre a ciência da história e a vida quotidiana. Em virtude disso,
a história não pode fazer abstração completa da vida humana concreta e se refugiar
em uma torre de marfim. Os resultados das pesquisas históricas precisam ter
relevância prática.
Na parte final deste primeiro tópico, iremos acompanhar os argumentos de Jörn
Rüsen sobre a matriz disciplinar do conhecimento histórico, sendo que por matriz
disciplinar o autor entende o “conjunto sistemático dos fatores ou princípios do
 Figura 1 -
Algumas funções da Teoria da História para Jörn Rüsen. Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
pensamento histórico determinantes da ciência da história como disciplina
especializada” (RÜSEN, 2010, p. 29). Ou seja, depois de apresentarmos a definição
de Teoria da História, nada melhor que verificar, na prática, a síntese de uma
instigante reflexão teórica sobre a história. Assim, acreditamos que daremos mais
um passo na busca de responder a pergunta contida no título do nosso capítulo: o
que é Teoria da História, afinal? Para Rüsen, a matriz disciplinar do conhecimento
histórico possui cinco pontos que estão diretamente inter-relacionados: (1) carência
de orientação na vida prática; (2) perspectivas orientadoras da interpretação da
experiência do passado (Ideias); (3) métodos da pesquisa empírica; (4) formas de
apresentação; (5) funções de orientação.
A tese central da Teoria da História de Rüsen sustenta a existência de um forte
vínculo entre a vida prática e a ciência da história. No que diz respeito a relevância
prática do pensamento teórico,uma das questões essenciais à Teoria da História é
por que os homens fazem história? A resposta a esta questão passa pela carência
humana de orientação da ação que sofre os efeitos da passagem do tempo.  Nos
mais diferentes contextos os seres humanos se colocaram a pensar sobre a sua
existência na história por meio das seguintes perguntas: “de onde viemos?”, “Como
Figura 2 - A matriz disciplinar da Teoria da História de Jörn Rüsen.
Fonte: RÜSEN, 2010, p. 35.
chegamos até aqui?”, “Para onde estamos indo?”. Como não existem respostas fixas
a esses dilemas, as culturas humanas se viram diante do desafio de elaborar sentido
para a passagem do tempo. O ponto de partida do processo de produção de sentido
começa com a percepção das mudanças temporais que desafiam a consciência
humana, a entender o que está acontecendo. É a partir dessa carência de orientação
que é possível constituir uma ciência da história. Assim, o pensamento histórico é
visto como uma proposta intelectual de solução dessa carência de orientação.
Dizendo de outra forma, o fundamento da história como ciência está na nossa vida
prática (RÜSEN, 2010). 
Como já ficou claro, Rüsen coloca na vida prática o fundamento da ciência da
história. Assim, o ponto de partida são os interesses da história, os interesses que os
homens têm de orientar sua vida no fluxo do tempo, apropriando-se do passado
pelo seu conhecimento no presente. Entretanto, para que seja construído o
conhecimento histórico, tais carências de orientação precisam ser articuladas
segundo critérios de sentido. Esses critérios são chamados por Rüsen de ideias e
forma o segundo ponto da matriz disciplinar da história. Nesta perspectiva, as ideias
serão tomadas, portanto, como critérios para a produção de significados na práxis
da vida humana. As ideias auxiliam a transformação das carências motivadoras em
interesses que conferem direção para o agir humano. Na medida em que as
experiências do passado são interpretadas e orientam a práxis humana, o passado
adquire a qualidade de “histórico”. Mas isso não significa, que o simples fato de
pertencer ao passado, faz com que algo seja histórico. O passado se refere a tudo o
que aconteceu antes do presente. A história é um estudo sobre o passado. Ela
seleciona determinados aspectos do passado e realiza um recorte para responder a
certas questões com base em teorias e métodos historiográficos. Por exemplo, tudo
o que aconteceu no ano de 1926 está no passado, mas somente aqueles aspectos
que podem responder a questões levantadas pelos historiadores, se transforma em
história acadêmica.
O terceiro fator da matriz disciplinar do conhecimento histórico, é formado pelos
métodos de pesquisa empírica. Os métodos influenciam o modo pelo qual as ideias
são concebidas. São eles que colocam as ideias, as perspectivas interpretativas em
contato com as fontes. O quarto fator da matriz disciplinar sãos as formas de
apresentação, elas desempenham um papel tão importante quanto o dos métodos
de pesquisa. Aqui estamos diante da dimensão estética e retórica da ciência da
história. Tal dimensão, não deve ser vista como algo externo aos fundamentos
científicos ou de menor importância. O conhecimento histórico empírico, obtido a
partir da aplicação de métodos às fontes, está orientado por princípio, a se tornar
historiografia, isto é, escrita da história. Os conteúdos empíricos reconstruídos por
meio da pesquisa, precisam ser expostos em uma representação narrativa que
estabeleça uma continuidade temporal entre passado, presente e futuro. Dessa
forma, torna-se possível comunicar o sentido das experiências do passado. 
O quinto fator da matriz disciplinar da história são as funções de orientação
existencial. A orientação está relacionada tanto com a motivação, quanto com a
finalidade do conhecimento histórico, ou seja, ela está no princípio e no fim da
história. Já vimos que para Rüsen, a história surge para responder um estímulo
gerado pelas carências de orientação. O conhecimento histórico é uma resposta
cultural ao fato dos homens existirem no fluxo do tempo, em circunstâncias que não
conseguem dominar completamente. Assim, fica claro que as narrativas históricas
não se preocupam apenas com o passado, mas também estão relacionadas com a
vida prática no presente e com as expectativas em relação ao futuro. Nessa
perspectiva, há uma íntima ligação entre as experiências do passado e a construção
de identidade no presente. 
Como você percebeu, o campo da Teoria da História, trabalha com questões
reflexivas e filosóficas. Por causa disso, muitas vezes podemos ser levados a
confundir a Teoria da História com a Filosofia da História. O próximo tópico
procurará esclarecer as semelhanças e diferenças entre os dois campos.
1.2 A diferença entre Filosofia da História e Teoria da História
Sem dúvida um dos campos com os quais a Teoria da História mais dialoga em suas
reflexões é a Filosofia. No entanto, é preciso atenção para não confundirmos a
“Teoria da História” com a “Filosofia da História”. Retomando a distinção que
estabelecemos no início do capítulo, a Teoria da História está ligada ao segundo
sentido do conceito de História e procura investigar as condições de possibilidade
das interpretações que os historiadores fazem sobre o passado. A “Filosofia da
História”, por sua vez está ligada ao primeiro sentido do conceito de história, é uma
reflexão sobre a história em si, isto é, sobre o sentido da própria realidade dos
eventos do passado. A pergunta sobre o sentido e a finalidade da história, é
elemento principal da Filosofia da História e a distingue da Teoria da História
(PECORARO, 2009).
Nas palavras do pensador Karl Löwith, podemos definir a Filosofia da História como
uma “interpretação sistemática da história universal, de acordo com um princípio,
segundo o qual os acontecimentos e sucessões históricos se unificam e dirigem para
um sentido final” (LÖWITH, s/d, p. 15). Em geral, no fim dessa marcha da história
humana estaria a redenção ou realização de uma ideia, como os ideais de liberdade
(Hegel) ou igualdade (Marx). 
  Porém, ainda durante o século XIX, o desenvolvimento da História como ciência
autônoma, tornou cada vez mais difícil acreditar em um sistema de pensamento que
abarcasse todo o processo histórico, como era a proposta das Filosofias da História.
Um primeiro conjunto de críticas foi desferido pelo historicismo alemão, uma
corrente historiográfica que propunha a ênfase no particular e na individualidade
como sendo as especificidades do método histórico. Partindo deste pressuposto, os
Figura 3 - Contraste entre as ‘Filosofias da História’ e as ‘Teorias da História’. Fonte: Barros, 2012, p. 377.
historiadores construíam suas análises sobre o contexto de uma época, a partir das
descobertas empíricas e da crítica documental e não de generalizações filosóficas
universalizantes.
As críticas dos historiadores às Filosofias da História, ficaram ainda mais intensas no
século XX. Para evitar confusão entre a Teoria da História e a Filosofia da História
vários autores Raymond Aron, Henri Marrou e W. Walsh, passaram a usar o termo
“Filosofia Crítica da História” para designar suas reflexões teóricas. Em um livro
datado de 1938, o pensador francês Raymond Aron defendia que era possível
construir uma outra apreensão filosófica da história que não fosse especulativa e
apriorística. Assim, a Filosofia Crítica da História não é uma visão panorâmica do
conjunto da história humana, mas uma análise sobre as condições de possibilidade
do conhecimento histórico (ARON, 1950). Dizendo de forma mais clara, a “Filosofia
Crítica da História” é semelhante ao que chamamos de “Teoria da História”.
Segundo R.G. Collingwood o termo “Filosofia da História” tem pelo menos, três
significados.  O primeiro, remonta ao filósofo Voltaire que criou o termo no século
XVIII. Filosofia da História é o título do primeiro capítulo de sua obra chamada Ensaio
sobre os costumes e o espírito das nações, publicada originalmente em 1756.
Influenciado pelo Iluminismo e suacrítica às tradições. Voltaire define a Filosofia da
História como uma investigação histórica crítica ou científica, na qual o historiador
resolve as questões por si próprio, sem precisar repetir as histórias já contadas
anteriormente e sedimentadas na tradição. O objetivo do filósofo iluminista, era
contrapor a história em que predominava o princípio da vontade e soberania divina
à uma concepção de História em que prevalecesse a vontade e a razão humanas
(LÖWITH, s/d). O segundo significado do termo Filosofia da História, está ligado ao
filósofo alemão Hegel. No século XIX, Hegel apresentou sua filosofia da história, que
era uma investigação sobre a História Universal. Hegel propôs uma investigação
sistemática sobre o curso da história. Para ele, o processo histórico é racional e está
orientado em direção a um fim determinado. O terceiro significado do termo
Filosofia da História, está ligado ao positivismo de Augusto Comte. O principal
intuito da filosofia positivista da história é descobrir as leis gerais que governam o
curso dos acontecimentos. Abordaremos, adiante, com mais detalhes o positivismo
de Comte.
Com o objetivo de tornar ainda mais clara a diferença entre a Filosofia da História e
a Filosofia Crítica da História, iremos conhecer melhor os argumentos propostos por
Collingwood. Além de filósofo, Collingwood também era arqueólogo e se
interessava muito por história. Sua principal obra chamada Ideia de História, foi
publicada postumamente, com base nos cursos que ministrou na universidade de
Oxford. Para ele, mais importante do que descobrir o sentido do passado em si
mesmo, é investigar a forma como os historiadores pensam o passado e constroem
o conhecimento histórico. 
Na parte final deste tópico, vamos expor quais são as quatro principais questões
sobre as quais a Filosofia Crítica da História deve refletir, segundo Collingwood. As
quatro questões são: a definição de História, o objeto da História, o procedimento
ou método histórico e, por fim, a finalidade da História. 
Comecemos pela primeira, a definição de história. Collingwood destaca, que a
História é uma modalidade especifica de investigação científica. Assim como as
demais ciências, ela trabalha com a lógica “pergunta e resposta”. Ou seja, a História
parte de um problema, e busca respostas para ele a partir de uma pesquisa nas
fontes. Os documentos históricos, devem ser interpretados como respostas a
problemas e não devem ser analisados de maneira isolada. As pesquisas cientificas
se concentram em aspectos pouco conhecidos do passado e procuram conhece-los
melhor. Um conhecimento cientificamente válido, propõe uma nova organização
para o conhecimento já estabelecido e sugere uma resposta à pergunta feita no
início da pesquisa. 
A segunda questão da qual a Filosofia Crítica da História se ocupa, é o objeto da
História, que segundo Collingwood, é bastante simples: o objeto da História é
formado as ações humanas praticadas no passado”. 
A terceira questão da Filosofia Crítica da História, tem como tema os procedimentos
metodológicos da História. A respeito do método histórico, Collingwood afirma
que ele é uma interpretação das provas e documentos históricos. Por documento,
Collingwood entende algo que existe em um determinado lugar e tempo, e que
pode fornecer informações sobre o passado quando é submetido às perguntas feitas
pelo historiador. 
A quarta e última questão é a mais simples e, talvez, a mais difícil de responder:
para que serve a História? Esta pergunta é tão complexa, que muitas vezes nem é
colocada durante a formação dos historiadores. No entanto, acreditamos ser
fundamental refletir sobre a finalidade do conhecimento histórico. Assim como
Collingwood, acreditamos que a finalidade do conhecimento histórico é o
autoconhecimento humano. Segundo o autor, quando estudamos história
conhecemos melhor a natureza humana e quem temos sido ao longo do tempo.
Conhecer a si mesmo é saber o que se pode fazer: “E como ninguém sabe o que
pode fazer antes de tentar, a única indicação para aquilo que o homem pode fazer, é
aquilo que já fez. O valor da história está então, em ensinar-nos o que o homem tem
feito e, deste modo, o que o homem é” (COLLINGWOOD, s/d, p. 22).
No artigo “Teorias da História e Filosofias da História: considerações sobre o contraste entre dois espaços
de reflexão sobre o fazer histórico”, o historiador brasileiro José D’Assunção Barros (2011) sistematiza, de
forma didática, a diferença entre os campos da Teoria e da Filosofia da História. Disponível em:
<https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784
(https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784)>.
No próximo item, iremos conhecer, como funcionam as Filosofias da História de dois
grandes pensadores do século XIX, Auguste Comte e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
VOCÊ QUER LER?
1.3 As ideias fundamentais de Auguste Comte e a Filosofia Positivista
O assunto deste tópico seria o positivismo e a Filosofia da História construída por
Auguste Comte. Logo de início é importante lembrar que Comte está inserido em um
contexto marcadamente cientificista, isto é, uma época que acreditava na
superioridade da ciência sobre os outros modos de interpretar a realidade. Nossa
abordagem está dividida basicamente em duas frentes. Na primeira,
apresentaremos as principais características do positivismo como um modelo
epistemológico no âmbito das ciências humanas. Na segunda, nosso foco incidirá
sobre a filosofia da história desenvolvida pelo fundador do positivismo, o filósofo
francês Auguste Comte (1798-1857).
https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784
O positivismo foi um dos paradigmas mais importantes das ciências humanas
surgidos no século XIX. O termo “positivismo” foi criado por Auguste Comte e
remete a necessidade de que todo o julgamento sobre a realidade seja confirmado
pela experiência. Dessa forma, Comte acreditava ter livrado a ciência da influência
tanto da teologia, quanto da metafísica. Em linhas gerais, o positivismo é um projeto
científico cujo cerne é a defesa da experiência empírica e observável como o
principal fundamento da produção de conhecimento (DOMINGUES, 2004). No
paradigma positivista, o domínio do conhecimento se restringe aos fenômenos
empiricamente observáveis e às relações entre eles. Ou seja, a tese é de que não se
pode conhecer nada para além da experiência humana, não há qualquer garantia
científica nos discursos que pretendem revelar as essências ou causas finais dos
fenômenos (GARDINER, 2008).
 Figura 4 - Selo em homenagem ao
centenário de morte do fundador do Positivismo, Augusto Comte. Fonte: Mohamed Monem,
Shutterstock, 2018.
O filósofo brasileiro Ivan Domingues, importante estudioso da epistemologia das
ciências humanas, sistematizou o paradigma positivista em três passos:
1) abordagem objetiva dos fenômenos tal como eles se oferecem à observação e à
experiência empírica. Isso significa estar isento de preconceitos e não buscar por
detrás dos fenômenos, nenhuma essência metafísica ou religiosa, o cientista deve
buscar ser objetivo e neutro.
2) estabelecimento de nexos causais entre os acontecimentos (dizer que um evento
aconteceu por causa de outro) e determinar as leis gerais que explicam os
fenômenos.
3) comprovação dos nexos causais e das leis gerais por meio de sucessivas teses e
experiências empíricas (DOMINGUES, 2004).
O programa positivista para as ciências humanas, incluindo a história, consistia na
extensão dos métodos das ciências naturais às ciências humanas. O principal
objetivo era unificar as ciências sob o paradigma da física moderna, baseado na
observação empírica e no estabelecimento de leis gerais. Mas como o historiador
poderia fixar uma lei geral? Em 1942, o filósofo da ciência neopositivista Carl
Hempel, escreveu um artigo defendendo que as leis gerais têm funções semelhantes
nas ciências naturais e na história. Para ele, a principal função das leis gerais é
combinar os eventos em fórmulas que levem à explicação e à previsão. Nesta lógica,
o historiador não produzuma mera descrição de eventos únicos e irrepetíveis do
passado, pois, ao explicar esses acontecimentos, ele já pressupõe, mesmo que
discretamente, um “esboço de lei” (HEMPEL, 2008). Por exemplo, quando ao
explicar a ocorrência de uma revolução (como a Revolução Francesa ou a Revolução
Mexicana), o historiador aponta a insatisfação social como uma causa, ele estaria
pressupondo uma regularidade geral: sempre que há descontentamento
generalizado da população a tendência é que se produza movimentos
revolucionários de revolta social.
CASO
Aline é professora e pesquisadora de Teoria da História em uma universidade. Na sua aula sobre o
positivismo, ela cita que para este modelo científico é possível encontrar algo como uma lei ou
regularidade na história. Como seus alunos ficaram espantados com este raciocínio, Aline decidiu
recorrer a um exemplo prático, citando o filósofo e historiador José Carlos Reis. Para Reis, os
historiadores trabalham com uma regularidade implícita quando constroem explicações para os
acontecimentos, dizendo que um ocorreu por causa do outro, como, por exemplo, quando afirmam:
“os lavradores do Nordeste migraram para São Paulo porque a seca contínua, torna a sua vida
precária. Regularidade subentendida: as populações tenderão a migrar para regiões que ofereçam
melhores condições de vida” (REIS, 1996, p. 109). Assim, a turma entendeu melhor como os
historiadores, apesar de trabalhar com acontecimentos singulares, também utilizam tendências ou
regularidades implícitas. 
Agora, na segunda parte do nosso tópico, nossas atenções se voltarão para a
filosofia da história desenvolvida pelo positivista Auguste Comte. Como todas as
filosofias da história, o positivismo parte da premissa básica de que a história é um
processo dotado de sentido. A filosofia da história positivista, combina uma teoria
do progresso com um interesse prático pelos problemas de organização social e
política. Tudo isso, guiado pelo anseio de aplicar o método científico no estudo das
sociedades humanas (GARDINER, 2008).
Auguste Comte viveu entre 1798 e 1857. É considerado como o fundador do Positivismo e da Sociologia.
Sua formação aconteceu na Escola Politécnica de Paris, onde estudou medicina. Foi secretário do
socialista utópico Saint-Simon, com quem rompeu relações em 1825. Seu projeto político era reorganizar
a sociedade a partir da liderança de cientistas e técnicos.
Como dissermos acima, após a realização de sucessivas observações empíricas, o
positivismo visa descobrir uma lei geral que explica os acontecimentos particulares.
Para Comte, a lei geral do movimento histórico mostra que a história é um processo
evolutivo dotado de sentido. Portanto, toda realidade histórica passa, necessária e
invariavelmente, por três estados: (1) Teológico ou Fictício; (2) Metafísico ou
Abstrato; e (3) Científico ou Positivo. Esses três estágios formariam a lei fundamental
da marcha progressiva do espírito humano ao longo do tempo. Nesse esquema, o
primeiro estágio é o ponto de partida necessário e o terceiro, é o ponto de chegada
definitivo, sendo que o segundo tem a função de realizar uma transição entre o
primeiro momento e o terceiro (COMTE, 2008).
VOCÊ O CONHECE?
Vamos estudar os principais traços de cada estágio. No primeiro estado chamado de
teológico ou fictício, o espírito humano está preocupado em descobrir as causas
primeiras e as causas finais de tudo o que acontece. Para tanto, o pensamento
recorre a agentes sobrenaturais, como deuses, anjos, demônios e seres mitológicos,
cuja ação explicaria tudo o que acontece no universo. O segundo estado é uma
espécie de modificação do primeiro. No estágio metafísico os agentes sobrenaturais,
são substituídos por princípios abstratos, tais como, as ideias de espírito, natureza e
energia. No terceiro estado, o estágio positivo, segundo Comte, não há qualquer
preocupação em explicar a origem ou o destino do universo. Em vez disso, o
objetivo é descobrir as leis gerais que governam os acontecimentos. Para o fundador
do positivismo essa mesma sequência pode ser observada na história pessoal de
cada pessoa, cujo itinerário seria “teológico na infância, metafísico na juventude e
físico na sua maturidade” (COMTE, 2008, p. 93).
Figura 5 - O positivismo como paradigma científico e como Filosofia da História. Fonte: Elaborado pelo
autor, 2017.
VOCÊ QUER VER?
No documentário O Rio de Janeiro da Belle Époque: Ciência, Lazer e Educação (BARRETO, 2015), Luiz Otávio
Ferreira, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, explica os principais aspectos da influência
do positivismo na história brasileira. Para assistir acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=-
yiVQTZrRfg&t=177s (https://www.youtube.com/watch?v=-yiVQTZrRfg&t=177s)>.
Para encerrar, vejamos as implicações políticas do pensamento positivista. Nesse
sentido, é importante destacar a profunda influência desta filosofia no contexto
brasileiro, sobretudo, em meados do século XIX e princípios do XX, como é possível
perceber, inclusive, em nossa bandeira. A dimensão política do positivismo pode ser
sintetizada nos seguintes lemas: “O Amor por princípio, a ordem por base, o
progresso por fim” (BOSI, 2004, p. 19).
Assim, vemos na atual bandeira do Brasil um lema positivista. Para Comte, o
progresso aconteceria quando se passa de uma situação de desequilíbrio ou
desordem, para um estado de justa proporção entre os elementos do conjunto: a
ordem.
Figura 6 - Na bandeira do Brasil, a expressão “Ordem e Progresso” representa um lema positivista.
Comte defendia que para haver Progresso era necessário haver Ordem. Fonte: Globe Turner,
Shutterstock, 2018.
https://www.youtube.com/watch?v=-yiVQTZrRfg&t=177s
Intelectuais brasileiros, chegaram a interpretar a passagem da monarquia à
república, como sendo a transição do estágio metafísico ao estágio positivo na
história brasileira já que, Comte sustentava que a monarquia estava presa às fases
teológica e metafísica da História. A fase positiva, que sucede naturalmente as
anteriores, seria constituída pelo trabalho livre e pela ditadura republicana.
No texto "O positivismo no Brasil:  uma ideologia de longa duração", o crítico literário e membro da
Academia Brasileira de Letras, Alfredo Bosi (2004), analisa a influência do ideal positivista nos períodos do
segundo reinado e da primeira república. O artigo está disponível no site da Academia Brasileira de
Letras: <http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf
(http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf)>.
No Brasil os positivistas foram adeptos fervorosos do republicanismo, pois
acreditavam que a monarquia e o seu mito do “direito divino dos reis”, isto é, a ideia
de que o monarca seria um representante de Deus na terra, não passava de uma
expressão do estágio metafísico. Em contrapartida, o republicanismo seria o regime
político mais adequado ao contexto industrial e de avanço da ciência e tecnologia
(BOSI, 2004).
VOCÊ SABIA?
Além de ser um paradigma científico e uma filosofia da história, o positivismo também fundou uma
religião de caráter cientificista. Os seguidores de Comte fundaram A Igreja Positivista do Brasil em
1881, no Rio de Janeiro. O templo foi muito frequentado no final do século XIX e princípio do século
XXI e possuía filiais no Rio Grande do Sul e no Paraná. Para saber mais sobre a igreja positivista no
Brasil, acesse: <http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-
do-brasil/ (http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-
brasil/)>.
VOCÊ QUER LER?
http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf
http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/
Neste tópico, você pôde perceber um pouco da grande influência da Filosofia da
História positivista no século XIX. Entretanto, existiram outros modelos de Filosofia
da História que também foram bastante influentes. No próximo item, você
conhecerá melhor os detalhes do pensamento hegeliano sobre a história.
1.4. O pensamento de Hegel esua Filosofia da História
No último tópico deste capítulo, vamos estudar os argumentos de uma das
principais Filosofias da História criadas no século XIX: o hegelianismo. Certamente,
Hegel não foi o primeiro a propor uma Filosofia da História, mas, ainda assim, sua
obra é a que oferece o material mais instigante. Em sua obra póstuma chamada
Lições sobre a filosofia da história (publicada originalmente em 1837) ele afirmava
que o único pensamento trazido pela filosofia para o pensamento da história, é a
ideia de que a razão governa o mundo, e portanto, a história universal é também um
processo racional. Isso significa que cada evento ocorre porque é necessário para o
desenvolvimento da história. Ou seja, nenhum acontecimento pode ser
compreendido se não for inserido em uma totalidade de sentido.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1831. Hegel é um dos mais
importantes representantes do idealismo alemão e seu sistema filosófico influenciou inúmeros
pensadores como Karl Marx, Friedrich Engels, Wilhelm Dilthey, Giorgy Lukács, Theodor Adorno, Walter
Benjamin e Slavoj Zizek. Sua obra mais importante é A fenomenologia do Espírito, de 1807 na qual
desenvolveu os fundamentos de seu método dialético.
Vejamos qual o contexto histórico e intelectual de emergência do pensamento de
Hegel. A filosofia hegeliana, está inserida no período da história da Filosofia
conhecido como Idealismo Alemão. O Idealismo Alemão é uma corrente filosófica
que se originou após o período de Kant e tem profundas relações com o
romantismo. Embora seja uma perspectiva eminentemente especulativa, não
devemos pensar que o idealismo de Hegel seja um sistema filosófico meramente no
plano das ideias, sem interesse nos fenômenos da realidade concreta. O idealismo
foi bastante influenciado por duas revoluções: a francesa e a kantiana. Da revolução
VOCÊ O CONHECE?
francesa, o principal legado é a ideia de universalidade da liberdade civil e igualdade
dos direitos políticos. Da obra de Kant, o principal legado é o princípio segundo a
qual a razão humana deve ser tomada como a única autoridade legítima para o
conhecimento e a ação. Esses dois conceitos – liberdade e razão – são fundamentais
para a filosofia hegeliana da história. 
VOCÊ SABIA?
O jovem Hegel ficou tão entusiasmado com a Revolução Francesa, que quando Napoleão Bonaparte
passou em sua cidade natal, Iena, no território alemão, ele teria dito: eis aí o Espírito montado a
cavalo!
Para analisarmos a filosofia da história hegeliana, vamos nos deter no texto A razão
na história. Esse texto é uma introdução à obra Lições sobre a filosofia da história, que
foi publicado postumamente, a primeira edição data de 1837, sendo que o filósofo
morrera em 1831. Hegel não deixou nenhum manuscrito preparado sobre o tema,
mas apenas anotações que utilizava na aula. Estas notas de aula foram
suplementadas por anotações feitas pelos seus alunos.
Dito isso, nosso primeiro objetivo será delinear os contornos da Filosofia da História
hegeliana. O pressuposto básico é: “tudo o que é real, é racional e tudo o que é
racional, é real”. Desde a primeira frase de A razão na história, Hegel deixa claro quais
são seus interesses. O tema destas lições é a filosofia da história universal. A
Filosofia da História hegeliana é uma reflexão sobre a natureza da história em si,
sobre a questão do sentido do processo histórico. Retomando a distinção que
fizemos no início do capítulo, trata-se de um pensamento sobre o primeiro sentido
do conceito de história. Antes de apresentar sua proposta, a história filosófica ou
filosofia da história, o filósofo alemão elenca outras formas de escrita da história. A
primeira delas é a chamada História original, que se detém na descrição da ação e
dos acontecimentos, sem se preocupar com uma reflexão filosófica, seu sentido
último. A História original se caracteriza pela escrita de fatos vividos e
testemunhados pelo próprio historiador. Nesse caso, o historiador compartilha do
espírito da época em que o evento ocorreu. No entanto, segundo Hegel, sua
abrangência temporal é limitada, o que a torna uma história bastante concreta e
imediata, ainda quando recorre a relatos e testemunhos de outras pessoas. Esta
seria a perspectiva da tradição iniciada por Heródoto e Tucídides. Hegel deixa clara
que esta história não é reflexiva, pois o historiador vive o mesmo espírito dos
acontecimentos e não consegue ultrapassá-lo. 
O segundo método é chamado por Hegel de História refletida. Essa perspectiva
organiza o material histórico de tal forma a se preocupar com uma reflexão sobre a
história universal. A história refletida pode ser de alguns tipos. Ela pode ser, por
exemplo, uma história geral de um país, de uma cultura ou mesmo de toda a
humanidade. Como a reflexão sobre a História Universal abarca longos períodos, o
historiador precisa abrir mão da narração detalhada dos eventos, lançando mão de
abstrações. Outro exemplo de história refletida, é a chamada história pragmática.
Essa história é escrita com finalidades morais, isto é, busca-se reanimar a história do
passado em busca de reflexões morais que possam guiar a vida no presente.
Segundo o historiador alemão, Reinhart Koselleck, a crença que era possível
aprender lições com história, foi um pensamento de longa duração, que teve início
na antiguidade clássica e perdurou até o século XVIII. Assim, a história foi vista com
um saber por meio do qual os homens podiam aprender a serem sábios e
prudentes, sem incorrer nos erros do passado (KOSELLECK, 1999). Hegel era
totalmente contrário a esta perspectiva da História mestra da vida e chegou a se
referir a ela de forma irônica, como podemos ver na passagem abaixo:
Em geral se aconselha a governantes, estadistas e povos a aprenderem a
partir das experiências da história. Mas o que a experiência e a história
ensinam é que os povos e governos até agora jamais aprenderam a partir da
história, muito menos agiram segundo suas lições. Cada época tem suas
próprias condições e está em uma situação individual; as decisões devem e
podem ser tomadas apenas na própria época, de acordo com ela (HEGEL,
2008, p. 15).
Enfim, chegamos ao terceiro método de se escrever a História, para Hegel: a História
Filosófica e Universal. Nessa perspectiva a ênfase recai sobre o Espírito que orienta o
fluxo e o sentido dos acontecimentos da história do mundo. Além disso, embora os
métodos da História e da Filosofia pareçam ser muito distintos – um está
subordinado aos dados da realidade empírica e o outro produz suas ideias a partir
da especulação, sem levar em conta os dados. Segundo Hegel, existe uma
apreensão filosófica da História que não ameaça a autonomia desta em sua ligação
com a matéria prima factual. Na concepção hegeliana, a história possui um objetivo
universal. Nesse sentido, ele sustenta que: “o único pensamento que a filosofia
aporta é a contemplação da história; é a simples ideia de que a razão governa o
mundo, e que, portanto, a história universal é também um processo racional”
(HEGEL, 2008, p. 17).
 Figura 7 - Selo em
comemoração ao centenário de nascimento de Hegel na Alemanha. Fonte: wantanddo, Shutterstock,
2018.
Isso implica que cada evento, ocorre porque é necessário para o desenvolvimento
da história. Ou seja, nenhum acontecimento pode ser compreendido se não for
inserido em uma totalidade de sentido. Como estamos vendo, para Hegel, tudo que
acontece na história do mundo ocorre racionalmente, atende a um propósito. Nessa
perspectiva, a razão é vista como a substância de todos os acontecimentos
históricos. A substância é aquilo no qual, e através do qual toda a realidade tem seu
ser e existência. A razão se nutre de si mesma, e realiza sua finalidade ao se
exteriorizar na história do mundo. Aqui estamos diante do projeto ocidental da
modernidade, pois a Razão é autossuficiente e tem em si mesma sua meta final. Em
outras a palavras, a razão é autônoma e busca em si mesmo sua normatividade.
No vídeo Hegel e a razão histórica como justificação dodrama histórico, o filósofo e professor da USP,
Franklin Leopoldo Silva (2011) explica as principais características da Filosofia Hegeliana da História.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg (https://www.youtube.com/watch?
v=hxFhMvy2FMg)>.
Na perspectiva hegeliana, tudo o que acontece na história tem como objetivo e meta
principal, fazer a consciência da liberdade progredir e avançar. Mesmo as catástrofes
e as guerras podem ser usadas como meios para a realização dessa meta. Mas será
mesmo que o mal e o sofrimento humanos, podem contribuir para o
desenvolvimento da razão no mundo? A resposta será sim, se adotarmos o método
dialético desenvolvido por Hegel. O termo dialética, em sua origem, expressa a ideia
de dualidade. Na lógica dialética a realidade é, fundamentalmente, processo e
mudança. A dialética é formada pela dualidade entre realidades contraditórias. Ela
está dividida, basicamente, em três momentos: a tese (ou identidade), a antítese (ou
negação) e a síntese (ou negação da negação). Hegel aplica a lógica dialética ao
curso da História em si. Assim, até mesmo as contradições e conflitos da História, os
momentos que parecem não ter nenhum sentido como uma guerra, por exemplo,
são usados pelo Espírito como um impulso para o desenvolvimento da liberdade e
da razão. Para que novos estágios da História surjam, é necessário que outros
VOCÊ QUER VER?
https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg
morram. “A consequência mais imediata da mudança, é que ela ao mesmo tempo
em que implica dissolução, traz também consigo, o surgimento de uma vida nova, e
que se a morte sai da vida, também a vida sai da morte” (HEGEL, 2008, p. 67).
Na lógica dialética hegeliana, a destruição do existente parece cumprir um
propósito para o avanço do desenvolvimento do processo histórico. Portanto,
parece haver um sentido para as transformações e mudanças ocorridas. Na verdade,
a mudança não é nada mais que a manifestação do Espírito se desenvolvendo e
aperfeiçoando na história. O desenvolvimento dialético da história, consiste em
negar as particularidades de cada estágio até que haja apenas a universalidade do
espírito absoluto, a consciência total da liberdade. 
Por fim, vamos compreender porque, para Hegel, um meio privilegiado da
realização do espírito é o Estado. Na Filosofia do direito, o Estado aparece como a
instância que realiza os indivíduos na condição de cidadãos. Tal realização, ocorre
devido a observância das leis e das instituições que afirmariam a liberdade
individual. Nessa perspectiva não há oposição entre a liberdade individual e a
instância estatal. De modo semelhante, na Filosofia da História, Hegel diz que o
Estado é bem organizado quando seus objetivos gerais se conjugam com o interesse
particular do cidadão. 
O Estado é a realidade na qual o indivíduo tem e desfruta sua liberdade (HEGEL,
2008). Em outras palavras, o Estado é visto como a forma histórica específica, na
qual a liberdade adquire uma existência objetiva e usufrui de sua objetividade. Para
Hegel, o Estado é o espaço que conjuga a moralidade particular com a moralidade
universal. A História universal hegeliana, toma como objeto somente os povos que
formaram um Estado. Uma das principais influências da filosofia hegeliana sobre a
historiografia é, exatamente, a preferência pela história política, isto é, a escolha de
tomar o Estado como o objeto mais apropriado da História. 
Na verdade, a relação entre Hegel e os expoentes da escola histórica alemã foi
ambivalente. Não obstante as críticas que apresentavam ao teleologismo de Hegel,
Ranke – importante historiador germânico – assinalava que uma das exigências do
ofício do historiador, era a escrita de uma História Universal, pois ainda que
contingente, o processo histórico seria dotado de sentido, ou seja, existiria a noção
de um desenvolvimento, um vínculo que conecta os acontecimentos particulares a
um contexto mais amplo, à sua própria época (RANKE, 2010).
Síntese
Chegamos ao fim deste conteúdo. Vimos aqui a importância da Teoria da História
para o ofício do historiador e suas principais características, e conhecemos alguns
historiadores e suas correntes filosóficas e teóricas. 
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
compreender a definição de Teoria da História;
distinguir as características da Teoria da História e da Filosofia da História;
relacionar os principais pontos do positivismo como paradigma científico e
filosófico, que influenciou a Teoria da História;
compreender as bases da Filosofia da História de Hegel e sua influência sobre
a Teoria da História.
Referências bibliográficas
ARON, R. La philosophie critique de l’histoire: essai sur une théorie allemande de
l’histoire. 2. Ed. Paris: J. Vrin, 1950.
BARRETO, M. R. O Rio de Janeiro da Belle Époque: Ciência, Lazer e Educação.
Direção e Produção: Maria Renilda Barreto. Rio de Janeiro, 2015.
BARROS, J. A. Teoria da História. Volume 1: Conceitos e princípios fundamentais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BARROS, J. A, ‘Teorias da História’ e ‘Filosofias da História’: considerações sobre o
contraste entre dois espaços de reflexão sobre o fazer histórico. Anos 90 (UFRGS), v.
20, p. 111-121, 2012. Disponível em:
<http://www.seer.ufrgs.br/anos90/article/downloadSuppFile/15756/17704
(http://www.seer.ufrgs.br/anos90/article/downloadSuppFile/15756/17704)> Acesso
em: 27/01/2018.
BOSI, A. O positivismo no Brasil: uma ideologia da longa duração. In MOISÉS, Leyla
Perrone (org). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
http://www.seer.ufrgs.br/anos90/article/downloadSuppFile/15756/17704
CERTEAU, M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
COLLINGWOOD, R. G. A ideia de história. Lisboa: Editorial Presença, s/d.
COMTE, A. A filosofia positivista e o estudo da sociedade. In GARDINER, P. (Org.).
Teorias da História. 6. ed. Trad. Vítor Matos e Sá. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2008.
DOMINGUES, I. Epistemologia das ciências humanas: Tomo 1: Positivismo e
Hermenêutica. Durkheim e Weber. São Paulo: Edições Loyola: 2004.
GARDINER, P. (Org.). Teorias da História. 6. ed. Trad. Vítor Matos e Sá. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
HEGEL, G. W. Filosofia da história. 2ª edição. Brasília: Editora da UnB, 2008.
HEMPEL, C. G. A função de leis gerais em história. In: GARDINER, Patrick (Org.).
Teorias da História. 6. ed. Trad. Vítor Matos e Sá. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2008. 
KOSELLECK, R. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês.
Rio de Janeiro: Eduerj, 1999.
LÖWITH, K. Sentidos da História. Lisboa: Edições 70, s/d.
PECORARO, R. Filosofia da história. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
RANKE, L. O conceito de História Universal. In MARTINS, E. (org). A história pensada:
teoria e método na historiografia europeia do século XIX. São Paulo: Contexto,
2010.
REIS, J. C. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Editora Ática, 1996
REIS, J. C. O lugar da Teoria-Metodologia na Cultura Histórica. In: Revista de Teoria
da História, Ano 3, Número 6, dez., p. 25-51, 2011. Disponível em:
<https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/1614
(https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/1614)3>. Acesso em:
20/12/2017.
RÜSEN, J. Tarefa e função de uma Teoria da História. In: Razão Histórica. Teoria da
história: fundamentos da ciência histórica. 1ª reimpressão, p. 25-51. Brasília:
Universidade de Brasília: 2010. 
SILVA, F. L. Hegel e a razão dialética como justificação do drama histórico.
YouTube, publicado em 8 de novembro de 2011. Arquivo de vídeo. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg
https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/1614
https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg
(https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg)>. Acesso em: 27/01/2018.
TEMPLO DA HUMANIDADE. A igreja positivista no Brasil. Disponível em:
<http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-
do-brasil/ (http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/)>. Acesso em: 27/01/2018.
https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg
http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/

Mais conteúdos dessa disciplina