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1 CURSO: Geografia DISCIPLINA: Mundo Contemporâneo I CONTEUDISTA: Acácia Regina Pereira, Ronald Coutinho Santos e Gabriel Siqueira Corrêa AULA 5 – COLONIZAÇÃO E IMPERIALISMO NA ÁFRICA META DA AULA: Nessa aula pretendemos apresentar ao estudante o processo de colonização e implementação da lógica imperialista na África. Para melhor compreensão dos impactos territoriais durante esse período, serão ressaltadas múltiplas estratégias de resistências africanas frente ao processo de invasão e partilha do continente, assim como, os impactos que o colonialismo e imperialismo. OBJETIVOS: Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, o estudante seja capaz de: 1. Analisar os contextos anteriores da colonização e do imperialismo; 2. Discutir o imperialismo europeu sobre o continente africano; 3. Distinguir e compreender as diferentes formas de resistência ao imperialismo; 4. Identificar as mudanças e consequências que o imperialismo impôs a organização social e política do continente africano. PRÉ-REQUISITOS: Para se ter um bom aproveitamento desta aula, é importante você relembrar os conceitos de Colonialismo e Imperialismo apresentados nas aulas 2 CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 2 e 3, e o debate sobre o processo de “roedura” da aula 4. Além disso, salienta-se a importância de conhecer as regionalizações do continente africano. INTRODUÇÃO Como foi abordado nas aulas anteriores, a mobilização do racismo historicamente serviu para justificar a diferenciação de grupos e criação de novas identidades sócio raciais (geograficamente referenciadas). Assim como destaca Grosfoguel (2012), junto à mobilização do racismo, existe a construção político- histórico-social de uma racionalidade de mundo, onde o hemisfério sul está subordinado em relação ao hemisfério norte. Essa hierarquização atinge diversas dimensões, uma vez que, para além do poder político e econômico, também se estabelecem hierarquizações dos saberes, formas de se relacionar com a natureza, dentre outros pontos. Esse movimento ajuda a promover uma invisibilização da diversidade e consequente homogeneização de formas de organização político-social das diversas sociedades, facilitando assim a sua dominação física e epistêmica. Dessa forma, podemos dizer que o processo de colonização (nas Américas) e o neocolonialismo (África, Ásia e Oceania) instaurado na modernidade, constitui- se em um processo espacial que torna homogêneo, invisibiliza, desempodera, retira o protagonismo, hierarquiza experiências sociais e controla as formas de produção e intervenção da realidade espacial. Esse processo constrói um racismo epistémico que acaba perpetuando uma monocultura do saber, uma monocultura que inventa um tempo linear e promove invisíveis sociais ao mesmo passo que produz espaços produtivistas e espaços de poder. Essa monocultura do saber faz com que se naturalize as relações de poder, promovendo a história dos vencedores e invisibilizando as dos perdedores. Tal processo pode ser visto na expansão do imperialismo europeu sobre o continente africano, que de 1880 a 1935, ou seja, em cerca de 55 anos promoveu um dos maiores processos de transformação espacial, político e social que o mundo já viu. 3 Mas como as lideranças do continente africano lidaram com o início e posterior consolidação da colonização europeia? Houve resistência? Quais as estratégias adotadas para manter a soberania sobre as próprias nações? Quais as mudanças que a política imperialista promoveu no continente? Que papel essa África construída vai ocupar no mundo? Para ajudar a compreender esse período da história da África, nos próximos momentos, retomaremos o debate sobre o contexto anterior ao novo processo de colonialismo e constituição da política imperialista, até as mudanças estruturais ocorridas no continente – passando para isso, pelas estratégias de dominação (europeia) e resistência (africana). 1. Apontamentos sobre a colonização e do imperialismo europeu na África Antes de iniciarmos o debate sobre a colonização da África, é importante destacar que utilizaremos a periodização adotada pela coleção de livros “História Geral da África”. Essa coleção propõe que estudemos o imperialismo no continente africano a partir de três períodos históricos: i) 1880-1919: Marcado pelo (a) processo de conquista (1880-1900) e (b) ocupação (1900-1919) europeia; ii) 1919-1935: marcado pela adaptação ao sistema colonial, e a mobilização de estratégias para protestar e/ou resistir ao domínio colonial; e iii) a partir de 1935, sendo considerado o marco para os movimentos de independência, que iremos discutir na próxima aula BOXE MULTIMÍDIA Fonte: http://portal.mec.gov.br/images/stories/noticias/2010/hist_africa.jpg 4 Resultado do trabalho coletivo de mais de 350 especialistas, coordenados por outros 39 especialistas (dois terços deles africanos), a coleção História Geral da África tem como o principal objetivo contar a história da África a partir de uma visão africana, reconstruindo assim a historiografia africana, eliminando o máximo de estereótipos possíveis. Para tal, a coleção que conta com quase dez mil páginas, foi dividia em oito volumes, tendo em média 30 capítulos cada. Estes volumes possuem um recorte cronológico que cobre a história da África da sai pré-história, até o século XX: • Volume I: Metodologia e Pré-História da África • Volume II: África Antiga • Volume III: África do século VII ao XI • Volume IV: África do século XII ao XVI • Volume V: África do século XVI ao XVIII • Volume VI: África do século XIX à década de 1880 • Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 • Volume VIII: África desde 1935 A coleção completa está disponível no site: http://www.dominiopublico.gov.br FIM DO BOXE MULTIMÍDIA O cientista social Godfrey N. Uzoigwe (2010) destaca que foi durante o primeiro período assinalado anteriormente, que o continente africano foi retalhado e desestrutura, a partir da submissão e fragmentação do território sob o domínio e ocupação política e territorial européia. O autor ainda indica que os historiadores, apesar de apontarem que este foi um período marcado por transformações fundamentais, não conseguiram dimensionar as reais consequências políticas, econômicas e sociais para os países africanos (UZOIGWE, 2010, p.21) Cabe nessa direção retomar algumas informações presentes na aula anterior, e destacar principalmente a forma como foi estabelecida a expansão européia sobre a África. Como abordamos, mesmo antes da partilha do continente africano, países como Espanha, Portugal, Inglaterra e França já dominavam 5 determinadas áreas. E usurpavam desde o século XV da liberdade, riquezas, matérias primas e valores culturais dos povos africanos. Contudo, apesar da presença europeia ser bem anterior ao século XIX, até 1880 (antes da partilha do continente) cerca de 80% do espaço africano ainda era governado por seus próprios reis e rainhas e/ou chefes de clãs e possuía grandes reinos e impérios – que assim como em qualquer continente, possuíam uma diversidade de línguas, culturas, costumes e religiões. Mesmo com os 20% restante do continente dominado por europeus, podemos dizer que os estes até o período do Imperialismo, não tinham chegado ao interior da África, colonizando somente áreas situadas na costa africana. Essa ocupação de áreas na costa africana começa com os portugueses, já no século XV. A primeira área ocupada por Portugal foi a cidade de Ceuta em 1415 que era um importante centro comercial no norte da África e era dominado por muçulmanos. Em seguida, a costa ocidental da África (como as ilhas de Madeira, Açores e Cabo Verde), principalmente devido a necessidade de cereais para abastecer a economia de subsistência edesenvolvimento da produção da cana de açúcar. Contudo, a função de ocupar áreas no litoral, muda com a chegada das Grandes Navegações e posterior colonização do continente americano. Isso ocorre, pois com as Grandes Navegações e tentativa de criar uma nova rota para as Índias, essas áreas na costa africana acabam servido como armazéns e entrepostos comerciais. Além disso, com a posterior colonização da América, essas áreas também para a comercialização de negros escravizados. Mas o que fez com que depois de três séculos, os países europeus mudassem de uma estratégia de negociações, para uma estratégia de dominação territorial? Ao fazer um apanhado geral sobre a partilha do continente africano, e a expansão imperialistas sobre o mesmo, Godfrey N. Uzoigwe (2010) ressalta que existem diferentes teorias que tentam explicar o que levou o continente a ser partilhado. Ao sistematizar as diferentes formas de tratar o imperialismo, o autor indica que tradicionalmente existem quatro formas de compreender o 6 imperialismo: i) teorias econômicas, ii) teorias psicológicas, iii) teorias diplomáticas, e iv) teorias a partir de uma dimensão africana. Com muitos seguidores na ciência geográfica, os adeptos das teorias econômicas enxergam o imperialismo como fruto exclusivo da expansão capitalista sobre o mundo. Ou seja, foi devido ao (a) baixo consumo presente dos países que já haviam passado pela industrialização, (b) ao excedente de capital oriundo da exploração capitalista, (c) e a superprodução proporcionada pelas inovações promovidas com a Revolução Industrial que as nações imperialistas se viram impelidas a ampliar a sua área de influência política e econômica – em busca mais matérias-primas e maior mercado consumidor. Por outro lado as teorias psicológicas podem ser consideradas a junção dos teóricos que tentam explicar o imperialismo a partir do darwinismo social, da atuação do cristianismo evangélico (missões religiosas) e do ativismo social. Em comum, esses teóricos apontam a mobilização de pensamentos de cunho hierarquizantes e racistas, como justificativa para dominar o continente. Com isso, a expansão europeia sobre o continente africano se torna um processo natural e humanitário, seja para levar a civilização ao continente (Darwinismo Social), seja para levar a salvação (Cristianismo Evangélico), seja para cumprir os desejos mais primitivos dos seres humanos (Ativismo Social). INÍCIO DO BOXE EXPLICATIVO Darwinismo Social é uma teoria que tenta explicar a sociedade através da teoria de seleção natural, do naturalista inglês Charles Robert Darwin. Essa teoria aponta a capacidade de adaptação e a luta pela vida como a principal responsável pela origem, perpetuação e diversificação dos seres vivos. Com o passar do tempo, defensores da supremacia branca, passaram a utilizar essa teoria para classificar as diferentes sociedades humanas. Ativismo Social essa teoria tem como perspectiva central, que as sociedades humanas possuem elementos psicológicos que as forçam a sempre expandir os seus domínios. Logo, o imperialismo é uma expressão dos desejos mais primitivos dos seres humanos, não tendo assim questões econômicas por traz. 7 FIM DO BOXE EXPLICATIVO Contudo, por mais que as teorias psicológicas consigam explicar diversos pontos que levaram a partilha da África, elas acabam sendo incongruentes em outros. Como exemplo, podemos citar a dificuldade em explicar que fatores motivaram os europeu a partilharem do continente somente no século XIX, e não anteriormente. Já as teorias diplomáticas, buscam retirar o viés econômico do imperialismo e apresenta-lo como reflexo de políticas que buscavam: i) a manutenção ou ampliação do prestígio da nação; ii) garantir o equilíbrio das forças; ou iii) assegurar uma estratégia global que possibilitasse salvaguardar a posição da Europa. Apesar de dar lastro para as teorias psicológicas, essas teorias, apresentam somente justificativas políticas, enfraquecendo assim o entendimento mais complexo sobre o que foi o imperialismo. Como podemos observar, essas teorias enxergam o imperialismo e a própria África como um reflexo da história da Europa. Diferente dessas teorias europeias, as teorias de dimensão africana, buscam compreender a partilha da África e consequentemente a implementação do regime imperialista a partir da perspectiva da história do próprio continente. Para o desenvolvimento da presente aula, apresentaremos o imperialismo a partir da perspectiva africana, uma vez que essa forma de olhar esse sistema: i) entende a partilha tanto a partir dos fatores europeus quanto africanos; ii) nega a colonização como inevitável para o desenvolvimento da África, observando as consequências do processo desde a dominação dos séculos anteriores; iii) entende que a colonização se deu unicamente por motivos econômicos e não vinculados a interesses humanitários; iv) e que esse processo se acelerou no final do século XIX devido as resistências que começavam a aparecer contra a invasão européia. (GODFREY, 2010, p.31). [INÍCIO DAS ATIVIDADES 1 e 2] 8 Atividade 1 - Como base no que você leu nesse tópico, podemos chamar as teorias econômicas, psicológicas e diplomáticas de eurocêntricas? Explique. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Atividade 2 – Como podemos ver no decorrer do tópico, Godfrey (2010) indica a existência de diferentes teorias que ajudam a explicar o imperialismo promovidos pelos europeus e a partilha da África. Apresente as principais características de cada uma das teorias. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ RESPOSTAS COMENTADAS 1 – Por serem teorias que apresentam a África como um simples palco processo de expansão imperialista – econômica, política e social – da Europa, essas teorias acabam apresentando um forte teor eurocêntrico. 2 - A teoria econômica tem como principal característica a justificativa que o imperialismo começou devido: ao baixo consumo dos países industrializados; a superprodução promovida pela Revolução Industrial; e a necessidade dos países 9 industrializados de ampliar a sua área de influência com a intenção conquistar mais recursos e maior mercado consumidor. Já a teoria psicológica tem como característica a mobilização de pensamentos de cunho racista, como justificativa para dominar o continente, relativizando assim o viés econômico presente na teoria anterior. A teoria diplomática, por sua vez, se caracteriza por usar explicações políticas, como – a manutenção e/ou ampliação do prestígio das nações europeias, e/ou a tentativa de garantir o equilíbrio das forças – para justificar as políticas imperialistas oriundas da Europa. Para finalizar temos a teoria a partir de uma dimensão africana que tem como característica, a tentativa de compreender a partilhada África e consequentemente o imperialismo a partir da perspectiva da história do próprio continente. [FIM DAS ATIVIDADES 1 e 2] 2. Partilha e Imperialismo na África: perspectiva africana Como falado anteriormente, a presença europeia no continente africano, data do início do século XV, contudo, uma série de fatos faz com que a forma de relação e dominação indireta (preferência da Inglaterra e da Alemanha), mude para uma forma de dominação direta. Para Godfrey (2010), esse conjunto de relações de poder começa a mudar a partir de três fatos acontecidos entre 1876 e 1880 que demonstram esse jogo de poder e interesse europeu sobre o espaço africano. Usaremos as próprias palavras do autor para descrever estes fatos: O primeiro foi o novo interesse que o duque de Brabante, coroado rei dos belgas em 1865 (sob o nome de Leopoldo I), demonstrava pela África, o que se expressou na chamada Conferência Geográfica de Bruxelas, por ele convocada em 1876, a qual redundou na criação da Associação Internacional Africana e no recrutamento de Henry Morton Stanley, em 1879, para explorar os Congos em nome da Associação. Essas medidas culminaram na criação do Estado Livre do Congo, cujo reconhecimento por todas as nações europeias Leopoldo obteve antes do término das deliberações da Conferência de Berlim sobre a África ocidental. 10 As atividades de Portugal, a partir de 1876, constituíram a segunda série de acontecimentos importantes. Melindrado por só ter sido convidado para a conferência de Bruxelas no último minuto, Portugal deu início a uma série de expedições que levaram a coroa portuguesa a anexar, em 1880, as propriedades rurais afro‑portuguesas de Moçambique, até então quase independentes. Assim, para os portugueses e para o rei Leopoldo, a Corrida começou em 1876. O terceiro e último acontecimento a rematar a partilha foi, sem dúvida alguma, o caráter expansionista da política francesa entre 1879 e 1880, manifestado pela participação da França junto com o Reino Unido no controle do Egito (1879), pelo envio de Savorgnan de Brazza ao Congo, pela ratificação de tratados com Makoko, chefe dos Bateke, bem como pelo restabelecimento da iniciativa colonial francesa tanto na Tunísia como em Madagáscar. (GODFREY, 2010, p.32) A esses fatores, podemos acrescentar assim como indica o historiador e político ganês Albert Adu Boahen (2010) o desenvolvimento tecnológico e econômico propagado pela Revolução Industrial, ocorrida décadas antes do domínio europeu sobre a África, na Europa. Esse acréscimo é importante, pois durante a Revolução Industrial, além do aumento da produção, foram inventados produtos que revolucionaram a velocidade e intensidade do transporte (com os motores a vapor e a combustão), da comunicação (com o telégrafo), e o poder de fogo do poderio militar (com a primeira metralhadora da história, a Maxim), possibilitando assim, que europeus tivessem uma base sólida para ampliar a sua dominação sobre o mundo, e ao mesmo tempo, necessitassem de mercados para comercializá-los. Ou seja, a pressão política proporcionada por ações de nações que estavam perdendo o protagonismo como Portugal, e em processo de ascensão como a Bélgica, junto com i) a demanda econômica oriunda da expansão da Revolução Industrial; ii) os pensamentos hierarquizantes de base racista como o darwinismo social; e iii) o aumento na capacidade bélica; e iv) a abertura das sociedades africanas para fazer acordos com representantes europeus devido a conflitos regionais, possibilitou que as nações europeias abandonassem a forma de domínio informal e passassem a promover um controle efetivo dos territórios. O que vai acarretar na anexação de territórios na África oriental, ocidental e meridional a partir do final de 1883. A intensificação do processo de colonização direta da África vai fazer com que Portugal, um dos principais protagonistas na colonização da América, se sinta 11 em um papel de coadjuvante, propondo assim a convocação de uma conferência internacional com o objetivo de resolver as disputas territoriais na África central. Essa proposta vai ser encampada por Otto von Bismarck, que de 15 de novembro de 1884 a 26 de novembro de 1885, vai sediar na cidade de Berlin a conferência historicamente conhecida como Conferência de Berlin. Início do Verbete Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundes archiv_Bild_146-2005-0057,_Otto_von_Bismarck.jpg Autor: Jacques Pilartz Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen, (1815-1898) também conhecido como o chanceler de ferro, pode ser considerado o principal o estadista da Alemanha do século XIX. Entre as suas ações, pode- se citar a unificação da Alemanha, tornando-se o seu primeiro chanceler (1871-1890). Para formar a unidade alemã, Iniciou várias reformas administrativas internas, criou uma moeda comum para todo o estado, instituiu um banco central e promulgou um código civil e um código comercial comuns a toda a Alemanha. Fim do Verbete Sobre a referida conferência, é importante destacar que ela serviu para estipular princípios gerais que deveriam evitar conflitos entre as potências que objetivavam colonizar a África. Dessa forma, mesmo que não tivesse como objetivo realizar uma partilha, a conferência acabou ganhando a função de distribuição dos territórios, além de determinar: i) a livre navegação tanto no Níger como no Benue, e ii) regras no que diz respeito a ocupação dos territórios na costa africana, divididas principalmente pelo artigo 34 e 35 do ato de Berlim. O primeiro dizia que qualquer país europeu que ocupasse um território nessa região, deveria informar aos outros membros que assinaram o ato, com o intuito de 12 ratificar seu domínio territorial, seu “hinterland”. Em outras palavras, todas as nações que ocupassem uma região no litoral do continente africano, obteria o direito de controlar seu interior, para tal, bastava garantir que sua presença estivesse consolidada. O segundo buscava determinar que o aviso feito pela metrópole europeia ocupante, fosse acompanhado de provas sobre as condições de domínio na colônia, para o seu estabelecimento e a garantia da liberdade comercial. Assim configurava-se um padrão de “ocupação efetiva”, que deveria ser seguido por todas as potencias colonialistas (GODFREY, 2010, p.33-34). Com a promulgação e os acordos estabelecidos na Conferencia de Berlin, os tratados afro-europeus (entre africanos e europeus) e bilaterais (entre os europeus) tornaram-se os principais os instrumentos para oficializar a partilha do continente africano. Um dado interessante, é que apesar do acordo ser político e entre as nações europeias, esses tratados podiam ser realizados tanto por representantes do governo, quanto por representantes de organizações privadas, que em um momento posterior repassava a posse para o governo. Se por um lado os europeus assinavam os tratados buscando vantagens comerciais e políticas, por outro, os africanos buscavam através desses tratados garantir interesses do povo e estabelecer vantagens dentro das relações de poder no próprio continente africano. Essas relações de vantagens eram vistas em situações em que, por exemplo, um Estado africano encontrava-se em posição de submissão a outro Estado vizinho e através de acordos/tratados com os países europeus poderiam se dissociar dessa submissão. Da mesma forma, o acordo poderia ser feito para reafirmar uma posição superior em relação aos povos vizinhos. Por fim, ainda há as situações em que os lideres dessas regiões acreditavam que ao celebrar estes tratados conseguiriam se manter independentes, evitando a invasão de outros países europeus, o que se mostrou em muitos casos um erro de estratégia. Segundo Godfrey, esses tratados foram essenciais na fase final da partilha da África. (GODFREY, 2010, p.36) Dessa forma, diversos tratados assinadospor autoridades africanas eram estratégias para manter a soberania do país (ou era o que eles pregavam). Em 13 suma, uma das diversas formas de resistir as complexas relações de poder que se instauravam na África durante o final do século XIX. Ainda sobre, a organização e os reflexos da Conferência de Berlin, Tenense O. Ranger (2010) destaca que “praticamente todos os tipos de sociedades africanas resistiram, e a resistência manifestou-se em quase todas as regiões de penetração europeia”. (RANGER, 2010, p.54). Sobre isso falaremos no próximo tópico. [INÍCIO DAS ATIVIDADES 3, 4 e 5] Atividade 3 – Com base nos apontamentos apresentados pela perspectiva africana, explique que fatores fizeram com que os Europeus mudassem as formas de se relacionar com o continente africano. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Atividade 4 – Como as lideranças africanas receberam essa tentativa de mudança no status quo estabelecido entre as nações europeias e africanas? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 14 __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Atividade 5 – Com base na deliberações presentes na Ata Geral da Conferencia de Berlim, responda as perguntas a seguir: a) Quais garantias que a Conferência de Berlim conferiu ao comércio ultramarino europeu? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ b) Como os europeus reivindicavam novos territórios no continente africano? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ RESPOSTAS COMENTADAS 3 - Após três séculos do colonialismo, os países europeus mudaram de uma estratégia de negociações, para uma estratégia de dominação territorial. Alguns dos fatores que podem explicar essa mudança são; i) a demanda econômica oriunda da expansão da Revolução Industrial; ii) os pensamentos hierarquizantes de base racista como o darwinismo social; iii) a pressão política proporcionada por ações de nações que estavam perdendo o protagonismo como Portugal, e em processo de ascensão como a Bélgica, e que com o aumento na capacidade bélica possuíam condições de manter um controle direto da terra; e iv) a abertura das sociedades africanas para fazer acordos com representantes europeus devido a conflitos regionais. A comunhão desses fatores, possibilitou que nessa dado momento histórico, as nações europeias abandonassem as negociações bilaterais e domínios informais e passassem a promover um controle efetivo dos territórios. 4 - Os dirigentes e autoridades africanas não aceitaram de bom grado a mudança no status quo estabelecido até então. Apesar de terem reagidos de formas 15 diferenciadas, em sua grande maioria, eles afirmaram que não abririam mão de sua soberania e lutariam por sua independência. 5 – a) O conferência garantiu o livre comercio para as nações europeias e navegação da zona marítima atlântica até o Oceano Indico. 5 – b) Para garantir novas terras os países europeus precisavam ocupar as terras e dar garantias que provassem que conseguiriam manter a área ocupada sobre controle. Concomitantemente a isso, deles solicitavam a aprovação para os países signatários da Conferencia de Berlim. [FIM DA ATIVIDADE 3, 4 e 5] 3. Iniciativas africanas contra o Imperialismo: as resistências Como indicamos ao final do tópico anterior, as formas de resistência estiveram por toda a África, tanto no momento de intensificação da ocupação européia, quanto durante o funcionamento do sistema colonial. Contudo, foram comuns os equívocos nos estudos sobre estes processos pela historiografia ocidental, que pouco exploraram como essas resistências se manifestaram. Entre esses equívocos podemos assinalar: i) os poucos estudos realizados sobre resistência, pois se partia de uma concepção de que os africanos teriam aceitado pacificamente a colonização européia; ii) classificação das revoltas armadas, como insurreições de caráter local, isoladas e desorganizadas, que pouco geravam danos ao sistema colonial, e; iii) um entendimento de que as organizações africanas que não possuem uma hierarquia rígida e um sistema político centralizado, seriam naturalmente pacificas, o que não se sustenta nas análises históricas. Partindo de outras bases, é possível identificar focos de resistência, principalmente no período de expansão da influência européia na África, motivadas especialmente pela “(...) perda de soberania, a quebra da legitimidade, as idéias religiosas, o desproposito de mecanismos econômicos e a corrosão e a repressão as manifestações culturais” (HERNANDEZ, 2008, p.111). 16 Esses processos, que eram fruto das variadas formas de organização colonial, resultam em diferentes iniciativas de resistências engendradas pela população africana. Podemos destacar duas formas de resistência resultantes desse processo: i) as resistências que geraram revoltas (e poderiam ser motivadas por questões culturais e religiosas) e ii) as resistências através de acordos com o objetivo de “garantir” a soberania. Quanto as primeiras, elas foram variadas. Entre os focos que podem ser destacados estão as revoltas sudanesas entre 1880 e 1904, egípcias entre 1860 e 1882, e somalis entre 1884 e 1894, contra os exércitos coloniais ingleses. Muitos desses grupos, de religião islâmica, lutavam não apenas pela sua soberania política e controle territorial, mas também contra a submissão a uma potência de base cristã. Assim, em muitas dessas lutas armadas, a religiosidade funcionou como uma espécie de catalisadora das insatisfações, contribuindo para a organização ou favorecendo contextos de resistência e revolta em muitos momentos durante o domínio colonial. Isso aconteceu através de revoltas de lideres religiosos no Senegal contra o domínio francês, em que os nativos se recusavam a viver sob um domínio não islâmico, principalmente o grupo dos soninkes. Outras revoltas aconteceram em Gana contra o domínio britânico realizadas pelos ashantis, após a deposição de vários chefes locais que pertenciam a grupos religiosos tradicionais, causando insatisfação e motivando outros grupos a se rebelarem. Um caso em que a religiosidade não foi motivo da revolta, mas funcionou como um símbolo de luta comum foi na atual Tânzaniia com a etnia maji-maji, que ao se verem sendo obrigados a abandonar a sua economia doméstica, em função da obrigatoriedadedo trabalho nos cultivos de algodão sob o domínio alemão, se juntaram a outros grupos tendo como traço comum as crenças religiosas. Esse foi um dos primeiros movimentos de resistência que uniu grupos étnicos e lingüísticos diferentes, em um processo de luta contra autoridades coloniais. A religiosidade não foi o único motivo para gerar insatisfações. As construções políticas do colonialismo (como confisco de terras, cobrança de impostos e formas compulsórias de trabalho) e as formas de expropriação 17 adotadas, também geraram conflitos. A historiadora Leila Hernandez (2008) relata o caso provocado pela cobrança de impostos da palhota (residências) em Serra Leoa no final do século XIX. Dois importantes grupos se uniram (Temnes e Mendes) contra a perda de terras, obrigatoriedade de trabalho para o Estado colonial, obrigatoriedade de criação de uma força armada composta por nativos para defender os interesses coloniais, e principalmente, sobre a cobrança de impostos por habitações (chamadas de palhotas). Esse foi um dos primeiro movimentos que conseguiu causar danos a administração colonial, e mesmo sufocado e em pouco tempo, se estendeu por vários territórios. Da mesma forma outros movimentos ocorreram entre os acholis em Uganda, dos Akambas no Quênia motivados por explorações econômicas. Como última referência (mas sem esgotar todas as revoltas) cabe citar a revolta de Bambata (1906-1908), vinculada a luta dos Zulus contra os britânicos. Essa revolta armada foi uma reação a imposição de elementos culturais e religiosos de matriz ocidental pelos missionários britânicos, em que os Zulus resistiram, e mantiveram suas práticas. Já sobre a resistência através de acordos com nações e instituições europeias, é importante destacar que alguns povos africanos viam nos acordos com os europeus uma forma de se libertar de sangrentas e longas guerras com sociedades vizinhas. Além disso, na visão de algumas lideranças, essa opção se mostrava viável, uma vez que no período que precedeu a intensificação da política imperialista, ocorriam diversas negociações entre os governantes europeus e africanos. Em parte devido a isso, Boahen (2010), destaca que [...] a fase da conquista efetiva foi precedida por anos de negociações entre essas potências e os dirigentes africanos e por colóquios que redundaram em tratados. Cumpre insistir nessa fase de negociações, pois ela mostra que as potências europeias originalmente aceitavam a contraparte africana como igual e reconheciam a soberania e a independência das sociedades e dos Estados africanos. (BOAHEN, 2010, p.10) Outra forma iniciativa de resistência empregada por nações africanas era a resistência de cunho cultural caracterizada, sobretudo, pela resistência religiosa. Considerada uma das últimas estratégias para não perder as suas características, 18 esta forma de resistir está ligada a estratégias que sociedades construíam para não largar suas religiões em detrimento as religiões do colonizador. INÍCIO DO BOXE DE CURIOSIDADE Como exemplo dessa forma de resistência, podemos citar a utilização de ideias religiosas cristãs para mostrar sua soberania sobre os colonizadores. Ou seja, alguns povos como os Xhosa, reelaboram teorias racistas de base cristã para se defenderem da opressão dos “brancos”. É o que podemos ver na citação de Ranger (2010). De certa maneira, o ensinamento de Makana era uma versão africana da ideologia cristã protestante de soberania, que, mais tarde, deu a Wittboi a fé no direito divino dos “capitães vermelhos”. Makana explorou as diferenças fundamentais entre brancos e negros – diferença de costumes, de divindades, de destinos. O criador era Dali’dephu, grande ancestral dos Xhosa, que tinha feito Uthixo para ser o deus dos homens brancos. Uthixo era inferior a Dali’dephu, e os brancos eram moralmente inferiores aos Xhosa – continuamente atormentados pela ideia do pecado. Mas essas diferenças não tinham importância até o momento em que os dois universos morais entraram em contato e em conflito; então, Dali’dephu impôs-se para garantir que seus filhos, os Xhosa, e seu modo particular e superior de vida triunfassem sobre os poderes superficiais dos brancos. Makana apelava à unidade pan-xhosa, à confiança em seu universo moral. Dali’dephu iria varrer os brancos; os Xhosa defuntos regressariam. “Uma nova era se anunciava.” (RANGER, 2010, p. 61) Essa era uma forma de resistência em que a sociedade africana se apresentava superior a sociedade branca européia, a partir das ideias religiosas fazendo uma nítida referência a teorias racistas como a Maldição de Cam. Segundo essa maldição, por ter sido ridicularizado ao ser visto nú e alcoolizado, Noé teria amaldiçoado Canaã (filho de Cam) a ficar negro e seus descendentes a seres escravizados. Essa interpretação racista de uma história bíblica vai dar lastro para a escravização e a exploração da África pelo Reino de Portugal. A maldição de Cam também influenciar nas teorias de branqueamento, tendo suas ideias reproduzidas por artistas ao retratarem o branqueamento como uma forma de redenção dos pecados da população (imagem ao lado) e 19 cientistas com teorias eugênicas – que no Brasil vai impactar em diversas políticas governamentais. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d3/Redenção.jpg/864px- Redenção.jpg Autor: Modesto Brocos (1852–1936) Título: A REDENÇÃO DE CAN FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE Essas formas de resistência, que poderiam se transformar ou não em processos de revolta, foram citadas com o objetivo de ampliar nossa leitura sobre os tensionamentos a dominação colonial na África. Longe de listar todas as formas de revoltas e lutas documentadas, essas situações representam lutas em variados espaços coloniais, contra diferentes administradores, e ainda, de distintas naturezas. Após isso tudo, será que é possível manter uma opinião/estigmatização que nega as formas de resistência? Será que ainda vamos repetir que o processo de colonialismo se deu de forma natural, sem que houvesse tensão nesse processo? [INICÍO DA ATIVIDADE 6] Atividade 6 – Atende ao Objetivo 3 Atividade 6 – Sobre a resistência africana, explique a afirmação de Ranger (2010) “Se o processo da conquista e da ocupação pelos europeus era claramente irreversível, também era altamente resistível”. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 20 __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA Entende-se que o processo de conquista e ocupação pode ser considerada irreversível, pois os europeus tinham como vantagem sobre as sociedades africanas, um forte poderio bélico. Além disso, as inovações tecnológicas que propiciaram a invenção e ampliação de ferrovias, telegrafia e navios a vapor também possibilitaram um maior controle dos territórios dominados, uma vez que possibilitavam melhorias na comunicação dentro e fora da África. Por outro lado, era resistível por conta da força e necessidade das sociedades africanas em restabelecer suas sociedades. A diversidade de povos e nações, a superioridade numérica da população, a grande extensão territorial, o melhor conhecimento sobre o território são exemplos de fatores que possibilitavam o processo de resistência a invasão e colonização europeia.[FIM DA ATIVIDADE 6] 4. Mudanças na organização social e política do continente africano. Passadas as invasões, veio a consolidação e consequente organização administrativa das colônias presentes na África. Nesse tópico vamos dialogar sobre como essa consolidação envolve diferentes modelos político- administrativos, para no próximo, entendermos as ações políticas na administração. Sobre a administração colonial, é importante destacar que ela variava de colonizador para colonizador, entre políticas de autonomia administrativa até formas mais autoritárias, e ainda políticas de diferenciação e de assimilação. (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.356) Contudo, ainda que variassem, elas orbitavam em torno de duas formas/modelos de organização política do continente africano: i) Uma dominação relativamente indireta, em que a metrópole tinha controle do território colonizado, mas buscava (em certas áreas, condições e momentos) 21 dar autonomia e fomentar a administração, a medida que ela fosse favorável a política colonial criada, deixando espaço para representação dos grupos locais. Adotada em determinados momentos nas colônias britânicas, a primeira forma de dominação era considerada “barata” para manter o império, uma vez que a metrópole não desembolsava grandes quantias, e ao mesmo tempo tinha os seu desejos cumpridos.; ii) uma dominação direta, em que a metrópole optava pela integração do governo local ao governo central. Assim se organizava de modo mais centralizado, hierarquizado e verticalizado. Nessa forma de colonização, foi marcante a posição de Portugal (o primeiro colonizador a chegar e o último a sair) que foi chamado de “ultracolonialista”, pois envolvia as práticas mais primitivas e autoritárias, com impacto mais extremo na população das colônias. Não a toa, entre as potências européias foi a que mais demorou a sair do continente africano, participando de longas guerras contra movimentos emancipatórios. Vale destacar que a organização desses sistemas políticos, independente do modelo adotado, era extremamente complexa, e se organizava a partir de ministros das colônias, governadores, administradores distritais, conselheiros e chefias locais. Este último era de extrema importância, pois realizava em dados contextos, a mediação entre colonizadores e colonizados, sendo essencial para o funcionamento da burocracia colonial, já que através dos laços de confiança mantinha o controle da ordem. Contudo em várias situações essas chefias eram substituídas, principalmente as tradicionais, por trazerem um risco a administração colonial. Sua atuação também variava de acordo com o contexto e proposta colonial adotada. No modelo inglês, em dados momentos, o papel dos chefes locais eram fundamentais para manter a dominação e conseguir a cooperação das lideranças locais. Os adeptos dessa forma de dominação buscavam mexer o mínimo possível na ordem social desses países, pois reconheciam que a manutenção das instituições e da chefia local, constituía parte da tradição dos grupos, e a sua permanência era importante para o bom funcionamento da colônia. (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.357) 22 Outra característica desse processo de colonização é a forma de organização política do país. Nesse modelo de dominação indireta, as nações colonizadoras estabeleciam assembléias que aos poucos passaram de uma função consultiva, para uma função legislativa. Com isso, construiu-se uma via de devolução do poder político para as nações colonizadas que mantinham as estruturas de poder construídas pelas metrópoles colonizadoras. Ainda sobre a forma de dominação indireta, que repetimos não era homogênea e nem sempre existente, podemos destacar as ordens da coroa britânica, que desejava gestões em que a posição dos chefes africanos era reconhecida de forma equivalente as autoridades britânicas, ou seja, detinha importante poder, exercendo, em algumas oportunidades a função executiva, “seguindo diretrizes bem precisas, mas não rígidas, da administração colonial.” (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.360) Por outro lado, a forma de dominação direta, adotado por portugueses, belgas e franceses, apostava na “[...] centralização da administração colonial [e] reservava o poder legislativo à metrópole” (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.359). Ao contrário do regime inglês, em que os chefes africanos tinham papel na política colonial, nesse modelo ele era considerado um auxiliar, agente administrativo em função da ordem colonial. Em caso de não cumprimento de suas funções, como recolhimento de impostos, realização de recenseamentos, e recrutamento de mão de obra, eles poderiam ser substituídos por outras lideranças (o que poderia gerar revoltas e resistências). Essas situações eram mais comuns nas colônias francesas e portuguesas, em que muitas vezes os chefes escolhidos tinham papel político que não cabia ao seu exercício tradicional. (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.364). Porém, cabe a compreensão de que as chefias que se colocavam contrários as diretrizes coloniais, independente da forma de administração, usualmente eram substituídas. Ainda sobre o papel administração política na mudança das sociedades africanas, cabe destacar que, “mesmo nos territórios onde foram implantadas instituições parlamentares com vistas à criação de um governo colonial dotado de 23 certos poderes, ainda assim visava-se garantir a supremacia dos brancos” (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.374). Esse processo acontece, por exemplo, na Argélia, em que a participação no sistema eleitoral era maior para os participantes europeus do que para os participantes árabes. Na África do Sul, (de colonização inglesa), era vedado o acesso dos africanos aos trabalhos no parlamento. Quando a legislação passou por uma mudança, ela foi restrita aos sul-africanos brancos, que naquele contexto descendiam dos europeus (ingleses e holandeses principalmente), e poderiam se eleger como representantes dos interesses indígenas (termos frequentemente adotado para designar os povos originários africanos). Em ambos os contextos, “(...) a minoria demográfica [branca] constituía de fato a maioria política, excluindo dessa forma qualquer semelhança com um governo democrático de modelo europeu.” (BETTS; ASIWAJU, idem). 5. Organização econômica do colonialismo Até aqui ficou claro que para os países colonizadores, as colônias deveriam ser capazes de fornecer condições favoráveis de comercio, gerando lucro para metrópole. Por outro lado, a colônia também deveria ser financeiramente autônoma. Essa situação se estabelecia de forma contraditória, afinal, como ser financeiramente autônoma se o contexto de trocas comerciais era sempre desfavorável? Outra pergunta que podemos fazer, é referente as estratégias de organização e administração das atividades econômicas. Quais foram as práticas adotadas pela administração colonial para obtenção de lucro? Essas perguntas podem ser respondidas de forma genérica, por ser impossível nesse espaço tratarmos cada um dos mais de quarenta casos. Mas de qualquer forma os mecanismos são muito semelhantes em todos os sistemas coloniais. Segundo Leila Hernandez(2008) eles são quatro: I) Subvenções e meios de financiamento: este primeiro mecanismo era baseado no oferecimento de subsídios para que empresas privadas localizadas nas regiões metropolitanas se responsabilizassem pelas atividades comerciais essenciais estabelecidas na troca entre países africanos e europeus. Nesse 24 sentido a rede de bancos que financiava o processo detinha o monopólio dessa atividade de financiamento. As metrópoles ganhavam á medida que detinha para si os impostos alfandegários, já que grande parte do que era produzido tinha como finalidade a exportação. Essas mudanças trouxeram diversos impactos para economia africana, principalmente para a produção de subsistência que foi deixada delado, frente aos financiamentos oferecidos para os grandes produtores latifundiários. O avanço das companhias estrangeiras também trouxe uma competição desigual com os comerciantes locais, que viram sua atuação comercial ficar cada vez mais restrita. ii) Confisco de terras: diversas parcelas de terra férteis foram confiscadas a partir de três ações:a) as guerras internas, em que não só a terra era perdida para grupos associados a lideranças das metrópoles, mas também as cabeças de gado; b) o processo que envolvia a exigência de registros de propriedades, estranhos a grande parte dos grupos que detinham a terra; c) tomada por parte das Metrópoles das terras consideradas do Estado, ou que eram usadas coletivamente, sendo estas concedidas a empresas que só poderiam negociar os produtos com a metrópole. iii) Formas compulsórias de trabalho: em muitos espaços, o trabalhador era obrigado a exercer longas jornadas, não só para arcar com seu sustento, mas também para cumprir uma “função social” para o Estado. Em alguns casos era estabelecido um tempo mínimo que poderia durar até seis meses por ano em áreas de influência portuguesa. Ainda que em determinadas situações esse processo fosse empregado apenas em serviços públicos, o Estado também repassava os trabalhadores para empresas privadas. Dessa forma o serviço obrigatório, e por vezes forçado, configurando-se como uma forma de escravidão, também foi empregado nesse período com um suposto caráter “educativo”. Em alguns países, principalmente os de influência francesa, foi criado um código de trabalho que buscava regulamentar o trabalho obrigatório, estabelecendo a duração do contrato que variava entre dois e três anos, o salário que poderia ser pago em mercadorias ao invés de moedas, a alimentação, que nem sempre era 25 em quantidade necessária, e multas que visavam punir qualquer forma de infração. IV) Cobranças de impostos: quando o valor dos impostos alfandegários não era mais suficiente para sustentar o lucro das metrópoles, foram criados impostos adicionais que incidiam tanto nos colonos europeus; nos africanos do sexo masculino; e sobre as habitações que variavam conforme o número de cômodos. Esses impostos além de muitas vezes serem arbitrários e exagerados, poderiam ser revestido em trabalho compulsório nos campos de cultivo, obrigatórios ou governamentais. Esse trabalho também poderia acontecer em obras de infra- estrutura, e foi um mecanismo mobilizado em muitas situações por moradores que não tinha condição de arcar com impostos arbitrários. Esses mecanismos agem na maioria das situações de forma combinada, e podem estar mais presentes dependendo do sistema colonial empregado, e das próprias atividades internas desenvolvidas. [INÍCIO ATIVIDADE 7] Atividade 7 – A implantação e consolidação do sistema de colonização do continente africano perdurou pouco mais de 35 anos, e provocou profundas mudanças nas relações políticas e econômicas entre colonizadores e colonizados. Explique que mecanismos foram utilizados para extrair as riquezas das colônias e enviar para as metrópoles. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA 26 7 - Sobre os mecanismos utilizados para extrair as riquezas das colônias, podemos citar: Subvenções e meios de financiamento, o confisco de terras, a utilização de formas compulsórias de trabalho, e as cobranças de impostos. Este primeiro mecanismo era baseado em acordos comerciais, para que empresas privadas localizadas nas regiões metropolitanas se responsabilizassem pelas atividades comerciais essenciais estabelecidas nas trocas comerciais (afro- europeias). O segundo foi baseado no confisco terra férteis através de: guerras internas; tratados afro-europeus e registros de propriedades (muitas vezes estranhos a grande parte dos grupos que detinham a terra; e tomadas por parte das Metrópoles. Sobre as formas compulsórias de trabalho, é importante destacar que apesar de em diversos casos o trabalhador receber, eles eram obrigados a exercer longas jornadas, não só para arcar com seu sustento, mas também para cumprir uma “função social” para o Estado. Por fim, outro mecanismo utilizado para transferir as riquezas de países do continente africano para a Europa, era a cobranças de impostos. [FIM DA ATIVIDADE 7] 6. CONCLUSÃO Após 1935, com a organização da resistência e os problemas encontrados na estrutura imperialista, o regime imperialista começou a ruir. Contudo, O sistema colonial – e aí está o elemento mais importante de toda a história do período de entre as duas guerras – fixou o quadro administrativo geral no qual o governo nacional devia inserir‑se durante a primeira década de independência. A incipiente normalização da vida política no contexto de uma estrutura organizada à europeia constitui o aspecto principal da modernização que os europeus introduziram então na África, mas para servir a seus próprios desígnios. (BETTS; ASIWAJU, 2010, p.375) Dessa forma, o regime imperialista que parecia se constituir em uma perda política irreversível, se mostrou relativamente rápido, e em 1970 a maior parte território africano já havia se libertado do imperialismo europeu. Como indica 27 (Boahen, 2010) o empreendimento imperialista enquanto política em escala continental durou pouco cerca de cem anos, iniciando na década de 1880 tendo seu encerramento na década de 1960. Se colocarmos em uma escala temporal, 80 anos é um período muito curto para se comparar com a milenar história da África e mesmo para a história de uma civilização. Contudo, como vimos anteriormente, o imperialismo provocou profundas mudanças na organização territorial, social, política e econômica do continente africano. Em um contexto tão devastador, como o colonialismo foi erradicado de uma forma tão “rápida”? A resposta para tal questão será respondida na próxima aula. Todavia, para o esforço de sistematização da presente aula, cabe ressaltar alguns dos impactos do colonialismo no continente africano. Sobre esse ponto, existem duas correntes de pensamento: i) os que defendem o imperialismo enquanto uma política que possibilitou levar avanços para o continente africano, e transformar a cultura do continente; e ii) os defensores do imperialismo enquanto uma política que impôs um dos continentes mais ricos do mundo, a um subdesenvolvimento estrutural. Para Boahen (2010), existe a necessidade de ser construir uma terceira leitura, ou seja, uma leitura que possibilite enxergar pontos positivos e negativos. Para o autor: No entanto, há que salientar desde o início que a maior parte dos efeitos positivos não é de origem intencional: trata-se antes de consequências acidentais ou de medidas destinadas a defender os interesses dos colonizadores, [...] ou resultantes de mudanças inerentes ao sistema colonial em si, ou ainda [...] os efeitos positivos do colonialismo são efeitos “por erro, pela lei de ferro das consequências indesejadas”. Do lado negativo, há ainda que assinalar ter havido razões, boas, más ou indiferentes, pelas quais certas coisas não se realizaram; pelas quais, por exemplo [...], se recorreu ao trabalho forçado, não se desenvolveu a indústria, não se diversificou a agricultura nem se criaram serviços médicos adequados. Começaremos assim examinando qual é a herança política do colonialismo, primeiro em sua dimensãopositiva e, depois, em seus aspectos negativos. (BOAHEN, 2010, p.921-922) 28 Início ATIVIDADE FINAL Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/de/Colonial_Africa_1913_ map.svg/1099px-Colonial_Africa_1913_map.svg.png Autor: Eric Gaba Título: Mapa colonial da África em 913 Atividade Final – Atende aos objetivos 1, 2, 3 e 4. O colonialismo e imperialismo empregado pela Europa sobre a África, nos anos finais do século XIX e iniciais do século XX, sujeitou diversas sociedades ao controle de países europeus. Como base no que você estudou durante esta aula, identifique os interesses dos países europeus no controle de regiões africanas no século XIX. Durante a sua resposta, apresente duas regiões do continente africano e apresente: i) países que disputaram seu controle e ii) as resistências empregadas pelas forças locais. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 29 __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ RESPOSTA COMENTADA O estudante pode apresentar que o imperialismo promovido pelas potencias europeias, estavam relacionados a interesses econômicos, políticos e culturais. Esses interesses se relacionavam tanto com a necessidade de expansão do capitalismo devido aos avanços tecnológicos e com isso, necessidade de mais matérias-primas de origem mineral (como minério de ferro), mão de obra e mercados consumidores. Além da questão econômica o aluno pode citar: a) questões políticas como a tentativa de controlar territórios estratégicos, tanto na costa ocidental, quanto na costa oriental africana do continente africano; e b) questões sociais, como a tentativa de ampliar a influência cristã em um continente majoritariamente mulçumana. Em virtude desses interesses, a partilha das regiões africanas foi caracterizada por divergências e enfrentamentos entre europeus, investidores e africanos. Como exemplos, os estudantes podem citar as disputas entre França e Inglaterra pelo controle do Egito, França e Alemanha pelo controle da Tunísia e Bélgica e Alemanha pelo controle do Congo. Como conflitos entre africanos e europeus, os 30 alunos podem citar as revoltas sudanesas entre 1880 e 1904, egípcias entre 1880 e 1882, e somalis entre 1884 e 1894, contra os exércitos coloniais ingleses; guerras e rebeliões malgaxes em 1883-1885, 1894-1895 e nas décadas de 1900, 1910 e 1920, contra coloniais franceses. [FIM DA ATIVIDADE FINAL] RESUMO Ao analisar os contextos da colonização e do imperialismo, o aluno pode perceber que o conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais possibilitou a ocorrência da partilha da África nesse momento histórico e não em outro. Mais do que isso, a opção metodológica e os referenciais bibliográficos adotados, conferem ao aluno o contato com a perspectiva africana. Após compreender os contextos, investiu-se em entender como o imperialismo foi capaz de subjugar todo um continente. Para tal, o entendimento sobre a Conferencia de Berlin, e os acordos entre europeus e africanos se tornam fundamentais para a compreensão da iniciativa imperialista sobre a África. Da mesma forma, ao compreender as formas de dominação europeia, formas de resistência também se evidenciam. Durante a apostila pode-se ver a existência de resistências armadas, resistências através de acordos e resistências de cunho cultural. Por fim, para identificar as consequências que o imperialismo impôs ao continente africano, optou-se compreender as mudanças nas formas de organização política, social e territorial do continente africano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTS, Raymond F. (revisão de A. I. Asiwaju). A dominação europeia: métodos e instituições. In.: História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880- 1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. BOAHEN, Albert Adu. A África diante do desafio colonial. In.: História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. 31 __________________. O colonialismo na África: impacto e significação In.: História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A Africa na sala de aula : visita a história contemporánea / Leila Leite. Hernandez . - 2. ed. rev. — São Paulo : Selo Negro, 2008 RANGER, Terence O. Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista. In.: História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880- 1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. UZOIGWE, Godfrey N. Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral. In.: História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. LEITURAS RECOMENDADAS CATANI, Afranio Mendes. O que é Imperialismo - Coleção Primeiros Passos. Editora: Brasiliense CESAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978. HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Editora: Forense Universitária MACEDO, José Rivair. História da África. Editora: Contexto VESENTINI, Jose William. Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica Global. Editora: Papirus