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Giovane Antonio Scherer (Organizador) JUVENICÍDIO, TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS RASTROS DE SANGUE NA CIDADE DE PORTO ALEGRE Livro Geovane Scherer v2final2.indd 1Livro Geovane Scherer v2final2.indd 1 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Copyright © Editora CirKula LTDA, 2022. 1° edição - 2022 Revisão, Normatização e Edição: Mauro Meirelles Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles Capa: Luciana Hoppe Impressão: Gráfica da UFRGS Tiragem: 1000 exemplares pra distribuição on-line Todos os direitos reservados à Editora CirKula LTDA. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98). Editora CirKula Av. Osvaldo Aranha, 522 - Bomfim Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190 e-mail: editora@cirkula.com.br Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br Este livro foi submetido à revisão por pares, conforme exigem as regras do Qualis Livros da Capes. O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta- do do Rio Grande do Sul - FAPERGS / This study was financed in part by the Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 2Livro Geovane Scherer v2final2.indd 2 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 2022 Giovane Antonio Scherer (Organizador) JUVENICÍDIO, TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS RASTROS DE SANGUE NA CIDADE DE PORTO ALEGRE Livro Geovane Scherer v2final2.indd 3Livro Geovane Scherer v2final2.indd 3 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Livro Geovane Scherer v2final2.indd 4Livro Geovane Scherer v2final2.indd 4 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Esse livro é dedicado para cada jovem assassinado pela dinâmica do juvenicídio nas periferias brasileiras. A presente produção, que reflete sobre o rastro de san- gue deixado pela dinâmica dos homicídios, fala de morte para que se possa desnaturalizar a barbárie e lutar pela vida! Livro Geovane Scherer v2final2.indd 5Livro Geovane Scherer v2final2.indd 5 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Livro Geovane Scherer v2final2.indd 6Livro Geovane Scherer v2final2.indd 6 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 CONSELHO EDITORIAL César Alessandro Sagrillo Figueiredo José Rogério Lopes Jussara Reis Prá Mauro Meirelles CONSELHO CIENTÍFICO Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universidade da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade Católica Argentina. André Luiz da Silva (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Humano da UNITAU. Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I, Pós- -Doutor pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales e Professor Titular da UFRGS. Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro- fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal. Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne. Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação e pesquisadora da An- tonio Meneghetti Faculdade (AMF). Giovane Antonio Scherer (Brasil) - Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e professor no Instituto de Psico- logia da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul. Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM). Jaqueline Moll (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Titular da UFRGS, do PPG em Educação em Ciências da UFRGS e do PPG em Educação da URI. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 7Livro Geovane Scherer v2final2.indd 7 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Uni- versidade Católica de São Paulo. Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFLCH- USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia (UFRGS) e Professor da Fa- culdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia (UFRGS) e Professor do PPG Interdisciplinar Ciências Humanas da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo IPPUR/UFRJ e professora da Esco- la Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e Professora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP). Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação, Pós-Doutora pela UNED/Madrid e Professora Associada da UFRGS. Maurílio Castro de Mattos (Brasil) - Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e Pesquisador do Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (UFRGS). Stefania Capone (França) - Doutora em Etnologia pela Universidade de Paris X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre. Tatiana Reidel (Brasil) - Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universida- de Católica do Rio Grande do Sul e Professora Associada do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação, Professor do PPG em Educação da UFFS e do PPG Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFFS. Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela Uni- versite de Paris XII, em Science Sociale pela Université Paris 1 e Professora Titular da UFRGS. Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Programa de Pós- -Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade LaSalle (Unilasalle). Livro Geovane Scherer v2final2.indd 8Livro Geovane Scherer v2final2.indd 8 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Sumário 13 15 23 29 33 53 79 107 Agradecimentos Prefácio [Do encontro com José Manuel Valenzuela Arce] José Manuel Valenzuela Arce ApreSentAção Karla Aveline de Oliveira Um convite à leitura Ilana Paiva, Gabriel Miranda notAS introdutóriAS: o Juvenicídio pArA Além dAS “SombrAS” Giovane Antonio Scherer Seguindo oS rAStroS de SAngue: AS mArcAS do Juvenicídio nA reAlidAde brASileirA e SeuS rebAtimentoS no rio grAnde do Sul e nA cidAde de porto Alegre Giovane Antonio Scherer, Laís Silva Staats A (difícil) conSolidAção dA proteção SociAl Juvenil: políticAS públicAS de/pArA/com AS JuventudeS nA reAlidAde contemporâneA Maurício da Silva César, Maurício Perondi, Monique Fernandes Silveira, Paula de Fátima Moura dos Santos produção doS territórioS violentAdoS: A tríAde perverSA entre gentrificAção, fAvelizAção e Juvenicídio noS territórioS com mAioreS índiceS de mortAlidAde Juvenil nA cidAde de porto Alegre Ana Patricia Barbosa, Nicole Kunze Rigon, Laura Barcelos de Valls, Giovane Antonio Scherer Livro Geovane Scherer v2final2.indd 9Livro Geovane Scherer v2final2.indd 9 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Livro Geovane Scherer v2final2.indd 10Livro Geovane Scherer v2final2.indd 10 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 137 171 205 235 267 301 331 349 A (des)protecão juvenil nos territórios com maiores índices de mortalidade em Porto Alegre Maurício Perondi, Oriana Holsbach Hadler, Ivana Oliveira Giovanaz, Mariana Porto Ruwer de Azambuja trAçoS de vidA e morte: percorrendo oS rAStroS JuveniS nAS políticAS públicAS Alex da Silva Vidal, Bruna Rossi Koerich, Renata Maieron Turcato “não tem recurSoS prA Juventude”: precArizAção, frAgmentAção e AuSênciA de políticAS públicAS Gisele Ribeiro Seimetz, Cristina BettioBragagnolo tráfico de drogAS e precArizAção exiStenciAl dAS JuventudeS:Juvenicídio nAS periferiAS do cApitAl Vanelise de Paula Aloraldo, Cíntia Florence Nunes criminAlizAção dA pobrezA e Juvenicídio: A violênciA do eStAdo penAl em umA conJunturA de (deS)proteção SociAl Giovane Antonio Scherer rAciSmo eStruturAl como pilAr do Juvenícidio: AS fAceS de genocídio dA Juventude negrA Giovane Antonio Scherer, David Petar da Conceição Mantalof frente de enfrentAmento à mortAlidAde Juvenil: SociedAde civil, políticAS públicAS e reSpoStAS coletivAS David Petar da Conceição Mantalof, Maria Fernanda Landim, Joice Lopes da Silva, Maurício Perondi Sobre oS AutoreS e AS AutorAS Livro Geovane Scherer v2final2.indd 11Livro Geovane Scherer v2final2.indd 11 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Livro Geovane Scherer v2final2.indd 12Livro Geovane Scherer v2final2.indd 12 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 13 AgrAdecimentoS A construção do presente livro se constitui como produto de um resultado coletivo que contou com a participação de um grande número de sujeitos e instituições que contribuíram para que essa pesquisa pudes- se ocorrer. Agradecemos a Fundação de Amparo a Pesquisa no Rio Gran- de do Sul – FAPERGS, pelo recurso aplicado na investigação por meio do Edital ARD 2019. O presente recurso foi essencial para a construção da investigação e a produção deste livro. À equipe da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS que trabalha na produção dos dados do Sistema de Informação de Mor- talidade – SIM, em especial Simone Lerner e Patrícia Conzatti Vieira. Agradecemos aos profissionais Marta Nileni Alves Gomes, Eliane Teresinha Mombach, Adriana Possas Mesenburg, Artur Prati Neto e Ivo- nize Nascimento Albino da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (FASE-RS); Maria Fernanda Landim, David Pe- tar da Conceição Mantalof e Mariana Ruwer Azambuja da Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre (FASC); Joice Eliane Lopes da Silva, da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED); Cristiane Gobbato, da Secretaria Estadual de Educação (SE- DUC-RS); Salete Basso de Lima Alminhana e Ana Cristina Medeiros de Lima, do Conselho Tutelar de Porto Alegre. Nossa profunda gratidão a todas as equipes: do Centro da Ju- ventude – CJ do bairro Restinga em Porto Alegre/RS, em especial ao Pablo Geovani dos Santos (Coordenador Centro Juventude Restinga) e Patrícia Lane Reis (Diretora Técnica Amurt-Amurtel). A equipe do Centro da Juventude – CJ da Lomba do Pinheiro em Porto Alegre/ RS, em especial para Everton Silveira (Diretor Pedagógico), Frei Lu- ciano Elias Bruxel (Diretor Geral) e Paula de Fátima Moura dos San- tos (Coordenadora Geral Centro da Juventude/Lomba do Pinheiro). À equipe do Centro Cultural Marli Medeiros, instituição que desenvolve Livro Geovane Scherer v2final2.indd 13Livro Geovane Scherer v2final2.indd 13 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 14 o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem no território da Região Norte de Porto Alegre, em especial André Luís dos Santos Teixeira (Coordenador Técnico). Agradecemos, também, a todos que contribuíram de forma di- reta ou indireta com a investigação. Em especial aos autores dos capítu- los que traduziram, por meio de sistematizações científicas, a luta pela vida das juventudes. Por fim, em especial, queremos agradecer a todos os participantes da pesquisa, que puderam contribuir com suas percep- ções e histórias de vida para que a presente pesquisa pudesse ocorrer. Agradecemos, sobretudo, aos jovens, familiares de jovens e trabalhado- res das políticas públicas pelos relatos orais. Suas vozes foram e são fun- damentais nessa construção. Em tempos de sufocamentos e mordaças, tais vozes são gritos necessários para esperançar diante da barbárie! Livro Geovane Scherer v2final2.indd 14Livro Geovane Scherer v2final2.indd 14 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 15 prefácio do encontro com JoSé mAnuel vAlenzuelA Arce José Manuel Valenzuela Arce é mexicano, do norte do México, da fronteira com os EUA. Dediquei boa parte de sua vida ao trabalho de or- ganização de comunidades e de trabalhadores. Foi operário desde muito pequeno, desde os seus 16 anos, em uma grande empresa de cervejaria, da linha de produção, e depois se dedicou muito tempo ao trabalho de organização de operários e de comunidades. Seu ingresso no mundo aca- dêmico foi muito acidental, por acidente, pois como ele mesmo diz: De fato, comecei a trabalhar e escrever meus primeiros dois livros antes de entrar na Universidade. Seu primeiro livro sobre jovens se chama A la brava ése!: cholos, punks, chavos banda, o qual, foi escrito com quinto grau preparatório, e depois, logo em seguida, como ele mesmo coloca, se entregou ao mito acadêmico – a sua mitopráxis – uma vez que, havia sido tirado da fábrica de onde trabalhava e fazia trabalho político. E, assim, a partir dos anos de 1980, começou a trabalhar com movimentos juvenis, sobretudo com jovens dos bairros precarizados. Era o grande movimento dos Cholos. Jovens descriminalizados que vinham do fenômeno do Pachuco dos anos de 1940 e 1950, pois havia uma série de medidas nesse momento que buscavam não somente criminalizar, senão, justificar o assassinato de muitos destes jovens. No caso de Cholismo que foi massivo no Norte Mexicano e no Sul dos EUA, a intenção era legitimar ataques racistas, baseando-se no suposto comba- te contra os Cholos que representavam a encarnação de um mal pré-cri- minalizado. Estes cenários eram brutais. Este tipo de cenário de crimi- nalização era muito forte e através de sua midiatização busca-se justificar medidas e mecanismos punitivos contra os jovens. Foi tendo por base esse pano de fundo que, Valenzuela Arce, começou a fazer seu trabalho com jovens dos bairros populares no Norte Mexicano e depois no resto do país, os chamados CHAVOS BANDA, e, posteriormente, ampliando Livro Geovane Scherer v2final2.indd 15Livro Geovane Scherer v2final2.indd 15 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 16 para outros contextos, como é o caso do Rio de Janeiro quando, este, de ocupou de estudar as favelas e o Movimento Funk. No início de 2010, passou a se ocupar mais com o tema de femini- cídio que, nesse momento, era muito visível em função do caso da cidade de Juárez por o que envolvia “As Mortas de Juárez”, ou seja, uma série de mulheres desaparecidas e assassinadas. Nesse momento, o conceito de “Mortas de Juárez” era uma palavra que convocava a condolência, que convocava o agravo, a dor ou a tristeza, mas que não implicava em um ato homicida e tão pouco implicava em responsáveis. E, então, a partir do que foi um conceito da literatura estadunidense no século 19, “Fe- micide” de Diana Russell, este, vai adquirindo novos contornos e a ser usado para designar os casos que envolviam o assassinato sistemático de mulheres. Nasce aí o conceito de feminicídio. Mauro Meirelles: E ideia de juvenicídio, vem de onde, como construíste o conceito? Valenzuela Arce: Trabalhar com o tema feminicídio na cidade de Juárez neste período, era colocar acento e dar destaque que o feminicídio im- plicava em ato homicida e, em considerar, ao ator do homicídio como alguém quer não deveria ser objeto de condolência. Tal movimento implicava, portanto, na possibilidade de se construir uma ação política em torno de um evento de ordem social que neste caso teria que ver com a violência de gênero. Como primeira abordagem, poderíamos di- zer que a partir desta perspectiva de feminicídio, eu trabalhei desde en- tão com uma perspectiva de feminicídio como ato limite, ato misógino ao limite que arrebata a vida das mulheres. Então, o que me parece que é central, mais que o ato homicida são os processos de precarização da vida que possibilita que certas pessoas, com certas características, sejam assassinadas. Era preciso focar na violência e, com isso, constatei que a principal causa de morte de jovens na América Latina são as violências onde, o assassinato prematuro,sujo e sistemático de jovens, me pos- sibilitou ampliar os horizontes e aquilo que já estava trabalhando em relação as mulheres, mas agora, me ocupando dos jovens, de processos de juvenicídio. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 16Livro Geovane Scherer v2final2.indd 16 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 17 Maurício Perondi: Mas então, onde estaria o ponto de partida de tal abordagem e modo de pensar o juvenicídio? Valenzuela Arce: Acredito que a ordem patriarcal é o ponto de partida indispensável para entender o feminicídio. A articulação da ordem pa- triarcal com a ordem capitalista, essa é a segunda grande ordem que nos permite compreender como estamos vivendo e a terceira, obviamente, passa pelo Colonial. São elementos que se trabalham de forma muito apropriada no livro que vocês estão por publicar. Este livro que realiza- ram: Juvenicídio, território e políticas públicas no rosto de sangue na cidade de Porto Alegre, porque me parece que esta tese se coloca de maneira mui- to clara e que não somente os coloca como elementos de uma plataforma heurística-interpretativa, mas que, também é um trabalho organizado a partir de uma vinculação muito importante entre a informação socio- lógica, o trabalho etnográfico, as histórias de vida e o que são os regis- tros, os informes oficiais e institucionais que permitem, definitivamente, construir uma interpretação muito digna para entender estes processos de precarização da vida dos jovens no Brasil e quais são os elementos que os definem, que lhes caracterizam. Dito isto, para mim, dentro do que foi o desenvolvimento de conceito de juvenicídio, resultava em colocar uma grande importância nisto, na articulação dos elementos que pos- sibilitam o assassinato de jovens, como ocorre no caso do feminicídio. Então, definitivamente, o conceito de juvenicídio surge a partir deste trabalho realizado em 2012, intitulado “Sed de Mal”, o qual, buscou explorar e refletir sobre essa realidade de vulnerabilidade, de desamparo, de assassinato e mortes sistemáticas de jovens. Acredito que um dos grandes acertos do livro que vocês estão pro- pondo é que ele coloca de maneira muito evidente, por um lado, o que são os elementos de ordem sócio-histórico e cultural econômico que de- finem as trajetórias de vida e as obliterações das trajetórias de vida dos jo- vens no Brasil. E, por outro lado, a regionalização que é muito pertinen- te, no caso de Porto Alegre, pois, vocês estão realizando e tecendo enlaces entre a dimensão nacional e a dimensão regional. Em terceiro lugar colo- ca, destaco a condição de proxêmica que me parece fundamental a partir de um pouco do que vocês utilizam, não tão forte, mas basicamente na Livro Geovane Scherer v2final2.indd 17Livro Geovane Scherer v2final2.indd 17 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 18 abordagem da nova chamada sociologia francesa, ou seja, da compreen- são de espaço vivido, de espaço concebido e de espaço representado; mas também, como efetivamente a construção social do espaço, do território, do espaço habitado por esses jovens é uma expressão das relações sociais que os constituem. Isso me parece uma parte muito importante do traba- lho de vocês que vão desenvolvendo, porque efetivamente não é mais um tema da criminalização de certos grupos juvenis, senão, como um con- junto os âmbitos (bi)proxêmicos em que eles habitam que implicam em formas de relações sociais precarizadas e estigmatizadas que os colocam em condição de vulnerabilidade e em situação de desamparo. Também colocam o que seria a vulnerabilidade específica que fazem os jovens desde esta condição de juvenicídio onde há ordena- mentos racializados. Por isso, me parece muito importante o questio- namento que vocês fazem a esta ilusão da democracia a partir de uma suposta, digamos, igualdade desatenta das diferenças a partir da descri- ção racializada, como tem sido e questionado no caso de outros países latino-americanos, o mito de miscigenação, como se tudo de repente entrasse nessa ordem. Também é interessante o modo como vocês abor- dam a questão de gênero e condição LGBTQIA+ como um elemento muito importante para compreender esse processo de articulação que para mim seria central. Assim, o que posso dizer é que estamos frente a processos amplos de juvenicídio que só podemos entender através destas lógicas articu- ladas quando se conjugam repertórios sociais identitários precarizados que são os que permitem e possibilitam esta morte suja, precoce, siste- mática, persistente de jovens em nossos países. Isso é o que eu poderia dizer de entrada. Mauro Meirelles: Manuel, gostaria de perguntar duas questões. Uma é pensar, do ponto de vista de Achille Mbembe, da necropolítica. Nós podemos dizer que a morte se mostra de modo geracional. Primeiro se matam as mães e, depois, os filhos destas que habitam sobre o território. E, como diria Goffman, é como se as crianças nascessem com uma marca corporal, porque nasceu sobre esse território, então, será morto. E que hoje, pelo ponto de vista política, da política e da polícia, se vê como algo Livro Geovane Scherer v2final2.indd 18Livro Geovane Scherer v2final2.indd 18 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 19 natural, que determinado território seja território de morte. É possível dizer que desde esse ponto de vista o juvenicídio é uma forma de con- trole – de um estética da existência, como diria Foucault – e, portanto, o viver desses jovens é uma forma de resistência e nesta direção poderíamos pensar também que mais adiante aqueles jovens que resistem, ou seja, não morrem, seriam aqueles que no campo da política, educação, se tor- naram os defensores dos mortos, com vista a se garantir uma mudança futura em que a morte dos jovens e das mulheres não seja vista de uma forma banal e, sim, como problema sociológico. Nesse ponto, gostaria de pensar em relação a esse movimento, ao mesmo tempo que eles morrem, aqueles que vivem, pensam sobre isto, não? José Manuel Valenzuela Arce: O conceito de estigma que trabalha Er- ving Goffman, de fato, no primeiro momento tem como objetivo criar certas marcas com as quais se significava certos corpos com penalizações, os tornando corpos proscritos que vão além do raspar a cabeça no caso dos presos no presídio, de formas de identificação, estamos aqui falando de marcas culturais que geram identidades desacreditadas. Diante disso, tem-se que estes jovens afro, primeiro pela cor de pele e, depois, pela mera condição de pobreza, são criminalizados sem que necessariamente cometam nenhum tipo de delito, de fato, como coloca Mauro. Então, como coloca Achille Mbembe, de fato, o que temos é que estas formas, estas perspectivas estigmatizantes operam na construção do que seria a significação dos corpos prescindíveis. São construções culturais baseadas em preconceito, esta ideia antecipada, esta pré-noção, esta construção baseada na ignorância, quando muitas vezes essas pessoas não conhecem a esses outros e essas outras, mas tem já um posicionamento sobre eles. E, portanto, estamos frente a estereótipos. Já o racismo tem a ver com formas de relações estruturadas, ins- tituídas e estimuladas a partir da qual um grupo social, as quais, tem a capacidade de produzir e reproduzir uma condição de desigualdade e de subalternização de outro grupo social. O racismo não é só uma perspec- tiva, é uma forma de organização social que através sua reprodução e do uso de narrativas de miscigenação cultural serve unicamente para ocultar essa forma de dominação e subalternização de uma classe sobre a outra. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 19Livro Geovane Scherer v2final2.indd 19 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 20 No livro de vocês, isso é muito bem trabalhando quando vocês demonstram que ainda persistem na sociedade brasileira muitas formas inerciais de desigualdade social construídas a partir de um processo de racialização da pobreza e da cor da pele que servem apenas para fortale- cer acondição prescindível de certos setores sociais e fortalecer esta ideia que as vidas destes jovens efetivamente não importam, pois eles, se pode matar que não acontece absolutamente nada. E mudar isso, passa efeti- vamente por se pensar as próprias políticas de Estado em relação a esses grupos sociais tidos como prescindíveis, de grupos sociais tidos como precários, de grupos sociais marcados vulnerabilidade social e por sua cor da pele. Assim, quando observamos os testemunhos, as histórias de vida, as narrativas que vocês recuperam neste importante trabalho e aproveito e abro um parêntese para dizer que considero que Juvenicídio, território e políticas públicas. Rastros de sangue na cidade de Porto Alegre é uma obra fundamental para a compreensão não somente do que são os processos de precarização da vida e da morte que ocorrem em Porto Alegre e no Brasil, senão uma obra fundamental para compreender grande parte do que seriam estes traços de sangue e fogo, esses traços de sangue e lodo, traços esses que definem a precarização da vida e o assassinato sistemático de jovens na América Latina. Portanto, o que quero destacar aqui antes de encerrarmos é que essa obra tem um tramado teórico conceitual muito bem elaborado, muito claro e pertinente com as apostas metodológicas, as abordagens metodológicas desde as quais se constroem este conhecimento dialógico, não é uma obra extrativista, é um trabalho bem pensado, trabalhado, no qual se faz e se pensa a realidade a partir do acompanhamento dos atores sociais com os quais trabalham. E, de fato, a potência dessa obra reside na sua reflexividade e no fato de romper com as ferramentas utilizadas tradicionalmente pela aca- demia. Está é uma obra pensada desde as lógicas de horizontalidade onde se busca com isso se romper as formas heteronômicas de pensamento e si- tua-se numa perspectivas de construção de pensamento, de reflexão com as/os jovens dos bairros precarizados no Brasil, das/os jovens favelados, e as experiências que deles emanam, suas narrativas, seus testemunhos, mas também os testemunhos de suas famílias, daqueles com os quais Livro Geovane Scherer v2final2.indd 20Livro Geovane Scherer v2final2.indd 20 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 21 eles vivem. Portanto, eu lhes diria que este trabalho se deve recomendar de maneira muito ampla para uma leitura não somente para os leitores acadêmicos, não somente para os pesquisadores do tema juventude, mas também para aqueles que trabalham no campo dos estudos sobre a cida- de, sobre os bairros e os territórios, nos temas da proxêmica social, mas também para quem trabalha o tema da Educação, algo vocês discorrem. Uma vez que, em muitos casos, a Educação tem servido como um dispo- sitivo da produção e reprodução da desigualdade social, como também nos demonstram que os presídios, estas máquinas punitivas de que nos fala Foucault efetivamente também funcionam como um maquinário, mas o que fazem, é, apenas, reproduzir o que seria uma interminável ca- deia de criminalização das pessoas pobres e com corpos racializados que passam por esses espaços do presídio, porque, efetivamente, o presídio e o estigma de presídio nunca terminam. Maurício Perondi: Muito obrigada, professor Valenzuela, pelas suas pa- lavras acerca da produção do livro. Sabes que para nós, é uma inspiração, tanto pelo conceito na investigação, o livro Juvenicídio, que tenho aqui é uma inspiração para nós. E penso também que nós temos, assim como em quase toda a América Latina, um problema muito grande que é gera- do por toda esta complexidade... José Manuel Valenzuela Arce: Obrigada, Maurício. Assim, espero que assim como o meu livro inspirou vocês, o de vocês, inspire outros. Uma boa leitura a todos. José Manuel Valenzuela Arce Livro Geovane Scherer v2final2.indd 21Livro Geovane Scherer v2final2.indd 21 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 Livro Geovane Scherer v2final2.indd 22Livro Geovane Scherer v2final2.indd 22 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 23 ApreSentAção Karla Aveline de Oliveira1 Pensar Porto Alegre reparando, com acuidade, nos rastros de san- gue que escoaram/escoam em seus territórios desde sua fundação – e lá se vão 250 anos – pode ter como pano de fundo áudio amplamente di- vulgado através do WhatsApp, no mês de março do corrente ano, dando conta do início de mais uma violenta guerra dos coletivos criminais que exploram o narcotráfico na capital gaúcha. O recado que nos informa do início de outra intensa disputa por domínio territorial, disseminada em mais de 17 bairros, vilas e comunidades porto-alegrenses, com insta- lação de toque de recolher, deslocamentos forçados, atentados, despejos de corpos dilacerados em cemitérios clandestinos ou no “Rio Guaíba”, cancelamento de atividades comunitárias, entre outras violências, fina- liza com a ameaça de que, enquanto determinada facção não tomar o território dominado pela outra, a guerra persistirá. Ainda sob o impacto dessa comunicação, recebi a notícia, em um dos processos que estão sob minha jurisdição, da entrada de mais de um adolescente, ferido com arma de fogo, em um hospital da cidade. É desse sangue ainda morno, denso, que escorre sem cessar, escondido de modo proposital por e para alguns, e alardeado, nas redes sociais para outros, que a presente pesquisa vai se debruçar, pensando como o juvenicídio – esse processo que implica em condições precarizadas e persistentes que têm custado a vida de centenas de milhares de jovens, tem relação com a ausência/insuficiência de políticas públicas nas comunidades. Segundo Renato Dornelles e Tatiana Sager, produtores do pre- miado documentário Central e escritores do livro Paz nas Prisões Guer- 1 Juíza da 3º Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. Especialista e Mestre em Derechos Humanos, Interculturalidad Desarrollo - Universidad Pablo de Olavide, Se- villa, España. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 23Livro Geovane Scherer v2final2.indd 23 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 24 ras na Ruas (Porto Alegre, Falange Produções, p. 50, 2021), em 2016, as quadrilhas e facções haviam se expandido por Porto Alegre e demais cidades da região metropolitana, a ponto de estarem presentes em pelo menos 38 bairros, de um total de 81, incluídos os mais populosos, afetando, assim, direta ou indiretamente, cerca de 900 mil pessoas, ou seja, 64% dos moradores da capital sofriam e/ou sofrem as consequên- cias dessa situação. A inexistência de políticas públicas intersetoriais e eficazes, em um horizonte de crescimento do número de mortes da juventude negra e periferizada (tanto que já se denuncia o genocídio da juventude negra desde, pelo menos, 1978) e de encarceramento juvenil por envolvimento de adolescentes com o narcotráfico, merece ser pensada criticamente. Nesse contexto de precarização de vidas, as desigualdades raciais nos falam de encarceramento e morte de pessoas não brancas e passam a fazer sentido quando se pensa no projeto colonial do Século XVI que se estende ao presente momento – ano de 2022. Diversos indicadores sociais demonstram que há um lugar específico designado à população negra na sociedade brasileira, qual seja, sem emprego ou subocupada, com alto índice de analfabetismo, sem ocupar cargos de poder ou de saber, presa ou morta: desumanizada, hierarquizada, empobrecida e sob intenso controle social. Cabe aqui a pergunta: qual o papel dos brancos e brancas nesse cenário? Antes e agora? Apesar da superação do conceito da superioridade racial desde o ponto de vista biológico, ou seja, mesmo tendo em conta que a ciên- cia demonstrou, à saciedade, que raça não existe e que são irracionais as crenças baseadas na superioridade e inferioridade raciais dos grupos humanos, a raça continua sendo o elemento chave no processo de hierar- quização entre as pessoas, sobretudo desde a escravidão. Assim, impõe-se visibilizar que, quanto ao recorte racial, no âmbi- to sul-rio-grandense,levando-se em conta os dados compilados no Plano Decenal do RS, entre os anos de 2002 e 2016, 53% dos adolescentes que cumpriram medida socioeducativa eram brancos; 16% pretos e 18% pardos. Contudo, adolescentes brancos representam 76% da população gaúcha, ao passo que pretos correspondem a 6,2% e pardos a 17,3%, de modo que os pretos, seguidos dos pardos, proporcionalmente, são os que Livro Geovane Scherer v2final2.indd 24Livro Geovane Scherer v2final2.indd 24 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 25 mais ingressam no sistema socioeducativo. Também os dados do Atlas da Violência 2019 e do Mapa do Encarceramento Juvenil, evidenciam importante paralelo entre as mortes e o encarceramento de dezenas de milhares de jovens negros com a atividade desenvolvida pelas organiza- ções criminosas que exploram o narcotráfico. Os valores produzidos e reproduzidos mediante o uso da violên- cia, aliados à produção de consensos a respeito da “raça negra” forjaram e mantêm um mundo onde se naturalizou a existência de raça como elemento central de controle social, como, por exemplo, observa-se do fenômeno do superencarceramento no Brasil ou nos Estados Unidos da América resultado da construção da figura do homem negro como in- dolente, violento e perigoso, construção que se dá através da estética racista, da literatura racista, dos cientistas racistas e de todo esse processo histórico de violência desumanizadora. Por tudo, impõe-se afastar-se da leitura particular e parcial da rea- lidade que não leva em conta o racismo institucional, o racismo estru- tural e o quanto a construção social da raça negra têm implicação no encarceramento e morte da juventude negra. Como se extrai, todas as vidas, brancas e negras, estão imbricadas em um mesmo processo já que presente uma relação assimétrica de poder em que o grupo racial domi- nante – o branco – permanece usufruindo, historicamente, de vantagens e privilégios materiais e imateriais às custas do sofrimento, da exclusão, da opressão e da violência produzida contra o povo negro. Nesse sentido, parece importante perquirir como o Direito Penal (e juvenil), próprio de um estado policialesco, absolutamente violento e violador de direitos, sustentando como bandeira a chamada “Guerra às Drogas”, construiu o traficante de drogas como inimigo número um da sociedade, seja ele criança, adolescente ou jovem e como as instituições que compõem o sistema de justiça predominantemente branco (Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário) produzem e reproduzem subjeti- vidades que simplificam de modo radical situações complexas e passam a entender que a criminalização e o encarceramento poderão erradicar as drogas do planeta, tal qual a estratégia de repressão com foco na redução da oferta de drogas ilícitas, combate à produção e comercialização, elabo- rada por Richard Nixon, em 1971, então Presidente dos Estados Unidos. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 25Livro Geovane Scherer v2final2.indd 25 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 26 E nessa simplificação, matar e encarcerar a juventude empobrecida, em sua maioria negra, que vive em um contexto de violação de direitos em face da insuficiência das políticas públicas nos territórios, como a presente pesquisa sobejamente demonstrou, apresenta-se desejável ou razoável. O laudo de necropsia, a que chamo as pesquisas que ora são apresen- tadas, atentando-me à linha de investigação desse espesso rastro de sangue que mancha indelevelmente a consciência de todos e todas, revela a inefi- ciência/insuficiência das políticas públicas em Porto Alegre e escancara as consequências nefastas que ceifam vidas e ferem de morte um projeto de nação que já se pretendeu emancipadora, democrática, igualitária, justa, como se vê do idílico preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Nessa linha de raciocínio, permito-me responder em face do pri- meiro quesito do laudo de necropsia – “se houve morte?”, SIM, centenas, talvez milhares; ao segundo quesito – “qual a causa da morte” e ao ter- ceiro quesito – “qual instrumento ou meio que produziu esta morte?”, menciono, procurando desvendar outras realidades dessa Porto não tão Alegre, documento produzido e apresentado aos/a candidatos/a ao car- go de Prefeito/a em 2020, pelo Conselho Gestor do Serviço de Medidas em Meio Aberto de Porto Alegre intitulado “Pacto pela Socioeducação”, o qual, ao se referir às políticas públicas que os adolescentes em cumprimen- to de medida socioeducativa em meio aberto necessitam acessar, retrata as deficiências da rede (PACTO PELA SOCIOEDUCAÇÃO, 2020)2. O estudo lembra que a dificuldade de acesso ao trabalho e renda e a falta de investimentos em políticas públicas de proteção social impacta diretamente a população periferizada, em especial, jovens, mulheres e população negra, ressaltando que os jovens estão alijados do trabalho em maior proporção, a indicar a necessidade de que esforços e recursos se- jam empreendidos para garantir a inserção dos adolescentes e jovens nas diversas políticas públicas necessárias para a construção dos seus projetos de vida e exercício da cidadania. O Conselho Gestor, na Carta, sustenta a necessidade de fortaleci- mento da política pública de assistência social prevenindo, assim, situações de risco social; da política pública de educação, garantindo aos jovens a esco- 2 Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/static/2020/11/PACTO-PELA-SOCIOE- DUCAC%CC%A7A%CC%83O-1.pdf Livro Geovane Scherer v2final2.indd 26Livro Geovane Scherer v2final2.indd 26 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 27 larização, com foco específico na evasão escolar e com vistas à diminuição da distorção idade/série (nos CREAS de POA percebeu-se que 74% dos jovens ali atendidos encontram-se com distorção idade/série); da política de saúde, em especial na política de Saúde Mental, em razão da falta de perspectiva dos adolescentes e jovens das comunidades empobrecidas e pe- riferizadas, circunstância que agrava o risco de suicídio, de depressão e de abusivo uso de álcool e substâncias psicoativas, da política de qualificação e inserção profissional, ainda mais quando todas as estatísticas demonstram que adolescentes em situação de vulnerabilidade social (em sua maioria do sexo masculino, negros e moradores da periferia) são os que, em maior número, restam cooptados pelas organizações criminosas que exploram o narcotráfico para trabalhar em uma das piores formas de trabalho infantil, segundo Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP) e Con- venção 182 da OIT; da política de cultura, lazer e esporte, propiciando o acesso a programações culturais, teatro, literatura, dança, música, artes, com construção de espaço que oportunize vivência de diferentes atividades culturais e artísticas que favoreçam à qualificação artística. Especificadamente, quanto à intersecção entre tráfico de drogas e adolescências, analisada sob o amplo prisma que o conceito de juveni- cídio proporciona, verifica-se como a juventude brasileira, sem acesso a outros meios de sobrevivência e sujeita às políticas públicas ineficientes/ inexistentes, serve de força de trabalho para grandes organizações crimi- nosas e encontra remuneração, encarceramento e morte nessa atividade considerada uma das piores formas de trabalho infantil! É absolutamente premente que se discuta sobre tal prática que produz morte e encarceramento da juventude racializada, periferizada e empobrecida desse país, ainda mais quando cabe às instituições que formam o sistema de justiça, enfrentar juridicamente, alijando-se dos seus preconceitos, visões distorcidas e discriminatórias de mundo, o fato incontestável de que a prática do tráfico de drogas, consistente na explo- ração por parte das organizações criminosas, do trabalho de crianças e adolescentes desassistidos pelo Estado, constitui-se em trabalho infantil. Aliás, de ressaltar que o Brasil, ao assinar a Agenda 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), aprovadapelas Nações Unidas em 2015, comprometeu-se em erradicar todas as formas de trabalho infantil até Livro Geovane Scherer v2final2.indd 27Livro Geovane Scherer v2final2.indd 27 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 28 2025 (Objetivo 8.7), contudo, segue a juventude racializada, empobre- cida e periferizada sendo duplamente penalizada, em desacordo com o regramento legal, tudo a refletir valores e práticas de um passado recente e nada glorioso, regido pelo antigo Código de Menores, pois, mantém-se a visão punitivista e olvidam-se das medidas protetivas e das políticas públicas de Assistência Social. Por fim, seguindo a linha de raciocínio do laudo de necropsia que investiga o juvenicídio em Porto Alegre, através da licença metafórica que o título do presente livro me convocou, em relação ao quarto que- sito – “se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por meio insidioso ou cruel (resposta específica): sim, a resposta é sim. Centenas, milhares de mortes provocadas por ASFIXIA; provocadas pelo neoliberalismo, pelo racismo estrutural, pelo racismo institucional, pelo machismo, entre outras tantas causas amplamente dis- secadas nas pesquisas aqui produzidas, cujo substrato ora apresento aos e às atentos/as leitores/as. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 28Livro Geovane Scherer v2final2.indd 28 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 29 um convite à leiturA Caros/as leitores/as, O livro “Juvenicídio, Território e Políticas Públicas: rastros de san- gue na cidade de Porto Alegre”, organizado pelo Dr. Giovane Antonio Scherer, constitui-se como uma obra imprescindível para o debate sobre juventude(s) e violência. Ao longo dos dez capítulos que compõem o pre- sente trabalho, é possível encontrar um conjunto de textos que se destacam tanto por um elevado rigor teórico-conceitual quanto pelo trato de temas que apresentam profunda relevância social no contexto brasileiro, marca- do pelo aprofundamento das condições que conduzem largos setores da juventude a processos de mortificação simbólica, social e biológica. Assim, utilizando como eixo central os dados referentes à letalida- de juvenil em Porto Alegre nos últimos dez anos, os capítulos da presente obra nos fornecem um qualificado diagnóstico acerca das determinações que se encontram involucradas com o juvenicídio na referida capital. Todavia, o esforço empreendido em perceber de que maneira o universal e o singular se relacionam fazem desta obra uma produção não apenas local e contemporânea, mas com importantes subsídios para auxiliar na compreensão de distintos cenários – no Brasil e além – e em diferentes tempos históricos. Dentre os inúmeros predicados que podem ser atribuídos ao pre- sente livro, destaca-se o esforço realizado para retirar o juvenicídio das sombras, isto é, colocá-lo em uma posição central nos debates públicos e acadêmicos acerca da distribuição desigual da violência. Tal empreendi- mento implicou tanto colocar em evidência esse perverso processo social – por vezes invisibilizado – quanto expor a maneira como ele se encontra atrelado às contradições do capitalismo brasileiro. Desse modo, seguindo os rastros de sangue deixados na cidade de Porto Alegre, o livro destaca o processo de precarização das políticas Livro Geovane Scherer v2final2.indd 29Livro Geovane Scherer v2final2.indd 29 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 30 sociais endereçadas à juventude, bem como a consequente intensificação dos aparatos penais de controle penal do refugo da sociedade de mer- cado e das expressões da assim chamada “questão social”. Conforme é demonstrado no decorrer da obra, a juventude pauperizada se constitui como principal agente social alvo desse processo, que tem o seu itinerário marcado por uma relação de iminência com a morte, seja pelas precárias condições de vida, pela militarização da questão social ou pelo racismo, que impõe a jovens não brancos uma condição contínua de risco. Dessa maneira, retirando o juvenicídio das sombras, vê-se como o modo de produção capitalista, o avanço do neoliberalismo, a consolida- ção dos mecanismos de gestão penal da pobreza, a política proibicionista de drogas, a política urbana da segregação e o racismo são mediações que se relacionam com os rastros de sangue da juventude pobre e negra, seja em Porto Alegre, seja em outras cidades brasileiras ou até mesmo em becos e vielas da América Latina que permanecem encobertos pelas sombras da indiferença. Juvenicídio tem sido o termo que diversos especialistas têm utili- zado para compreender e denunciar o assassinato sistemático de jovens. Trata-se de uma plataforma acadêmica, ética e política para assinalar o que está ocorrendo com mortes prematuras de jovens no Brasil e em toda a América Latina. Importa aqui estudar e desvelar os contextos que possibilitam que atos homicidas contra jovens ocorram e que sigam se reproduzindo, sem o devido direito à reparação, memória e justiça. Como dissemos, o que está no centro desses fenômenos são os marcos de precarização da vida, nas suas mais diversas formas: desigual- dade estrutural, pobreza e racismo estrutural, precarização no acesso à justiça e às políticas sociais. Além disso, ressalta-se a precarização simbó- lica, tendo em vista que os jovens que mais morrem de “morte matada” são profundamente criminalizados, convertidos em extermináveis, matá- veis, não sujeitos. A origem do conceito está inspirada nas discussões sobre os Fe- minicídios na Ciudad Juárez e suas derivações na América Latina, bem como no assassinato dos 43 estudantes de Ayotzinapa no México. Na discussão sobre o juvenicídio, reconhece-se, também, a importância de colocar no centro do debate o assassinato sistemático e persistente de jo- Livro Geovane Scherer v2final2.indd 30Livro Geovane Scherer v2final2.indd 30 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 31 vens, buscando desnudar as raízes profundas dessa violência, imbricadas com anos de precarização de vida a qual são submetidos os jovens latino- -americanos. Jovens que vivem no fogo cruzado da violência, vítimas de atores do próprio estado, da violência policial e da paralegalidade – como as milícias e os mercados ilegais de drogas. Em uma sociabilidade que afirma direitos humanos, mas que os torna irrealizáveis, uma máquina necrocapitalista de triturar gente, que impede que as pessoas se realizem como sujeitos e sujeitas, o presenteís- mo intenso captura os jovens nessas redes de morte. Há expropriação completa da esperança, não há o que pensar – ou pesar – sobre o futuro, e a banalização morte, a brevidade da vida, já fazem parte do seu reper- tório cotidiano. Superar o juvenicídio e construir políticas para o seu enfrenta- mento pressupõem ter à disposição um diagnóstico sobre as causas da produção da morte dos adolescentes e jovens, sobretudo daqueles que compõem os setores mais pauperizados da classe trabalhadora. Eviden- te que, sem qualquer ilusão herdada do positivismo, sabe-se que o co- nhecimento sobre o real deve estar endereçado não à contemplação do mundo, mas à sua transformação, em um movimento que a teoria e prática possam atuar de maneira articulada, constituindo, assim, uma filosofia da práxis. O livro que agora o(a) leitor(a) tem em mãos nos fornece esse diagnóstico e sugere caminhos de ação. Que possamos, então, utilizá-lo como como um potente instrumento para fomentar políticas públicas e ações atreladas a processos de resistência e enfrentamento às diferentes estratégias que o capitalismo se apropria, evoca e ressignifica dia após dia para exercer o seu poder de matar. Nesse sentido, há que se chamar a atenção para as redes de vida e os movimentos sociais que, na contra mola que resiste, também capturam as juventudes. Nos últimos anos, em toda a América Latina, assistimos à reação de resistência protagonizada por jovens, por diversos movimentos juvenis que denunciam as tramas do colonialismo, do racismo e do sexis-mo, estruturantes da sociabilidade capitalista. A contraofensiva às políti- cas de morte pode ser vista nas mobilizações para uma nova constituinte no Chile e no regresso do MAS na Bolívia. Na Colômbia, no corrente Livro Geovane Scherer v2final2.indd 31Livro Geovane Scherer v2final2.indd 31 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 32 ano, a esquerda ganha as eleições pela primeira vez no país, após anos de conflitos políticos violentos. No Brasil, por sua vez, diversos jovens têm saído às ruas contra o governo Bolsonaro e seu projeto ultraconservador. Desejamos que façam um excelente proveito dessa obra que é im- prescindível para os estudos sobre juventudes! Ilana Paiva Gabriel Miranda Natal (RN), julho de 2022. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 32Livro Geovane Scherer v2final2.indd 32 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 33 notAS introdutóriAS: o Juvenicídio pArA Além dAS “SombrAS” O tema da mortalidade juvenil se constitui como um fenômeno que vem ganhando visibilidade em diversos meios, porém, muitas vezes, esse debate é realizado de forma fragmentada, reproduzindo discursos que se calcam em uma perspectiva neoconversadora e criminalizatória dos seg- mentos sociais que mais vivenciam tais processos. Nesse sentido, analisar o tema dos homicídios de jovens para além das “sombras”, significa com- preender esse fenômeno para superar os inúmeros estigmas que são asso- ciados a esse tema, na perspectiva de apreender criticamente os complexos processos que envolvem a mortalidade juvenil provocada por homicídios. O termo juvenicídio surge como uma importante categoria ana- lítica dessa realidade, sendo cunhado pelo pesquisador mexicano José Manuel Valenzuela para designar o fenômeno da mortalidade juvenil por meio dos homicídios. Para Valenzuela (2015) o juvenicídio se constitui de diversos fatores que incluem a precarização, pobreza, desigualdade e a estigmatização, tendo como eixo central a estratificação social baseada em relações de subalternização. Nesse sentido, o juvenicídio inicia com a precarização da vida dos jovens, a ampliação da sua vulnerabilidade e a diminuição das opções disponíveis para que possam desenvolver seus pro- jetos de vida (VALENZUELA, 2015). Conforme Rocha (2020) o termo juvenicídio vem do latim juvene [pessoa jovem] + excidium [destruição], se relacionando a forma destrutiva de tratar a juventude enquanto um fe- nômeno social que compõe a constituição das relações sociais brasileiras historicamente. É importante destacar que o juvenicídio se constitui na interrupção de vidas jovens, de forma violenta por meio dos homicídios, provocados, especialmente, pela condição de precarização existencial ge- rada pela violência estrutural que impossibilita a construção de projetos de vida e futuro (SCHERER, 2018). A análise presente nas linhas que se seguem dá viabilidade para o fenômeno do juvenicídio como uma expressão da questão social, enquan- Livro Geovane Scherer v2final2.indd 33Livro Geovane Scherer v2final2.indd 33 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 34 to resultado trágico das violações de direitos que vem atingindo grande parte a juventude brasileira. Desta forma, evidencia-se a necessidade de relacionar o tema do juvenicídio com políticas públicas, uma vez que, como será debatido nos capítulos que seguem, a falta de proteção social se constitui como um dos elementos propulsores da mortalidade juvenil. Tal dado já é demonstrado em diversos estudos, dentre eles destaca-se a Nota Técnica Indicadores Multidimensionais de Educação e Homi- cídios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios (IPEA, 2016), onde demonstra-se que para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de assassinatos. A análise dos territórios que concentram os maiores índices de mortalidade juvenil é reveladora para compreender a dinâmica dos processos sociais que se estabelecem de forma geográfica, típicas da divisão capitalista do espaço, nos termos de Harvey (2005). O presente livro, ao abordar a tríade juvenicídio, território e política pública, busca uma análise densa dos diversos aspectos que se relacionam a mortalidade juvenil por homicídios, compreendendo esse fenômeno como pluridimensional, que se configura a partir de relações sociais e de sociabilidade que tem a desigualdade social como eixo central. Eviden- temente, tal análise não pode ser realizada descolada dos processos his- tóricos que o constituem de modo que o juvenicídio no Brasil pode ser compreendido como um constructo social fundado na processualidade histórica da sociedade brasileira. Do ponto de vista histórico tem-se que o capitalismo brasileiro se consolidou por meio de um processo constitutivo que guarda mar- cas profundas ligadas ao seu passado colonial, enquanto uma colônia de exploração, reabsorvendo e redefinindo as desigualdades presentes nas relações raciais do passado escravista por meio do advento do trabalho “livre” e de novas condições sócio-históricas (FERNANDES, 2008). O desenvolvimento do capitalismo no Brasil se deu mantendo os “elemen- tos arcaicos” (FERNANDES, 2008), consolidando reformas na perspec- tiva que tornassem inalteradas a dinâmica da desigualdade social histó- rica e mantendo a dependência com países de capitalismo central. As mudanças para a implantação do capitalismo brasileiro foram feitas “pelo alto”, com pouca participação popular em suas decisões (IAMAMOTO, Livro Geovane Scherer v2final2.indd 34Livro Geovane Scherer v2final2.indd 34 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 35 2007). Nos termos de Gramsci (2005), vivenciou-se no Brasil uma “re- volução passiva”, onde a hegemonia se adianta em qualquer movimento contra-hegemônico, desenvolvendo reformas na perspectiva de garantir a manutenção do poder. Em uma síntese dialética entre o arcaico e o novo, o Brasil constrói a sua história mantendo intacta a dinâmica da desigualdade social, sendo que a lógica genocida do passado se reapresenta no presente com novas roupagens, mas mantém a perspectiva da reificação da vida humana para as classes subalternas. Com o desenvolvimento das forças produtivas na realidade brasileira, que mantém intocável os privilégios de uma burguesia submissa aos desígnios do capital internacional, reforça-se a prerrogativa dos atributos das coisas em detrimento das relações sociais que as qualifi- cam (IAMAMOTO, 2007). Reifica-se a vida humana quando esta é trans- formada em um objeto, sem utilidade, descartado na lógica da produção mercantil de valores na dinâmica do capital em seu atual momento históri- co. Tal lógica é fruto das relações sociais pautadas a partir dos interesses do capital, as quais, possuem particularidades diversas em países de desenvol- vimento capitalista dependente e periférico, como é caso do Brasil. Evidentemente, a lógica da descartabilidade da vida humana na atual sociedade brasileira atinge diversos segmentos sociais, porém, di- versos dados de pesquisa demonstram que as juventudes se constituem como os segmentos sociais que vivenciam mais intensamente tais pro- cessos. Como refere o Atlas da Violência 2021, no Brasil a violência é a principal causa de morte dos jovens. No ano de 2019, de cada 100 jovens entre 15 e 19 anos que morreram no país, 39 foram vítimas da violência letal; sendo que entre aqueles que possuíam de 20 a 24, foram 38 vítimas de homicídios a cada 100 óbitos e, entre aqueles de 25 a 29 anos, foram 31 (CERQUEIRA et Al., 2021). O mesmo estudo demonstra que dos 45.503 homicídios ocorridos no Brasil em 2019, 51,3% vitimaram jo- vens entre 15 e 29 anos, isso é 23.327 jovens tiveram suas vidas ceifadas prematuramente, em uma média de 64 jovens assassinados por dia no país. Os números de guerra demonstram a barbárie que as juventudes, especialmente aquelas que possuem morada nos territórios periféricos, vivenciam em seu cotidiano; sendo essa realidade, na maioria das vezes, invisibilizadade inúmeras formas. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 35Livro Geovane Scherer v2final2.indd 35 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 36 A compreensão de juventude que norteia a presente discussão, não desconsidera, mas visa superar a simples análise etária do segmento ju- venil. Conforme a Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013, que institui o Estatuto da Juventude, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. Mais do que “pa- râmetros etários”, fundamentais no que se referem às políticas públicas, as juventudes se constituem em uma construção social, tecida ao longo do tempo, que se relaciona a inúmeros elementos que se condensam na concepção de “juventude”. Importante considerar que as juventudes se constituem, como expressão da diversidade humana que encontra na própria relação social, pactuada e construída por cada sociedade, as for- mas e possibilidades de convivência e de crescimento humano, que as viabilizam ou as reprimem (CALIARI, 2021). Savage (2007) destaca que a visibilidade da categoria juventude foi produto de um processo histórico, resultado de diversas transformações que a sociedade vivenciou, culminando nas concepções sobre juventudes que foram desenvolvidas ao longo do século XX. A construção social da visibilidade da categoria juventude começa a ser instituída na segunda me- tade desse século, especialmente no pós-guerra, no bojo do desenvolvi- mento e das transformações do modo de produção capitalista, e se inicia o processo de construção social da juventude, tendo como elemento central as mudanças ocorridas no mundo do trabalho (SCHERER, 2017). Ao abordar o conceito de juventude, é importante salientar a premis- sa da diversidade, já bastante consolidada nos estudos acerca da temática, como os de Dayrell (2003) e Sposito (2009), com a defesa de um olhar para as similaridades encontradas nessa parcela da população e que não encubram especificidades de classe, gênero e raça/etnia. Isso significa des- tacar a necessidade de compreender as cadeias de mediações presentes nas relações sociais tecidas no atual contexto histórico, considerando a cen- tralidade do debate de luta de classes na análise dos fenômenos ligados a juventude, mas sem desconsiderar as diversas manifestações juvenis no que diz respeito a raça/etnia, gênero, diversidade sexual, bem como diversos elementos que caracterizam esse segmento social (SCHERER, 2020). No que se refere ao juvenicídio, evidencia-se a necessidade de se explorar as íntimas mediações desse fenômeno com o racismo estrutural, Livro Geovane Scherer v2final2.indd 36Livro Geovane Scherer v2final2.indd 36 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 37 enquanto um dos principais pilares de sustentação do juvenícidio na rea- lidade brasileira. Como serão evidenciados no livro, os jovens negros vi- venciam com maior intensidade a dinâmica da violência homicida, sen- do que o genocídio da juventude negra é categoria recorrente em grande parte dos estudos sobre o tema. Tais estudos também demonstram a di- nâmica da descartabilidade da vida humana, que se sustenta no racismo estrutural e encontra seu amparo e fundamento no neoconservadorismo neoliberal. Neste sentido, Correia (2020) aponta que à questão social no Brasil, expressa, de forma inegável, determinações do racismo estrutural que fundamentam as relações sociais e sustentam a desigualdade socior- racial. Diante desta realidade, mostra-se fundamental analisar como essa dinâmica homicida se particulariza em diversos lugares do Brasil, a fim de compreender com maior densidade as particularidades da dinâmica homicida em um país com extensões continentais. A presente obra, portanto, se constitui como resultado de uma in- vestigação que teve como o objetivo analisar o modo como vem se cons- tituindo a relação entre os altos índices de mortalidade juvenil e o acesso das juventudes às políticas públicas no Rio Grande do Sul, a fim de sub- sidiar ações no âmbito da proteção social para esse segmento. Observa-se que no estado do Rio Grande do Sul houve aumento na quantidade de jovens assassinados, apontando o crescimento de 58% referente no in- tervalo de 10 anos, entre 2006 e 2016. Nesse sentido, aponta-se que em 2006 a taxa de homicídios do Estado estava em 18% e que em 2016 sobe para 28,6%, quantitativo esse que em números absolutos refere-se a 1983 ocorrências para um total de 3225 homicídios (IPEA/FBSP, 2018). Sendo assim, o presente estudo procura problematizar a realidade das juventudes para além dos números anunciados cotidianamente pelos atuais meios de comunicação, buscado problematizar alguns fatores que incidem nesse quadro de violações de direitos humanos. Além de levantar quantitati- vamente os dados acerca da realidade de Porto Alegre/RS, enquanto a cidade escolhida como amostra para esse estudo. No que se refere às mor- tes por homicídios das juventudes, busca-se analisar a sua trajetória no âmbito das políticas públicas, bem como, valorizar a análise da realidade da violência homicida pelos jovens e familiares que a vivenciam nos terri- tórios com os maiores índices de mortalidade juvenil na cidade. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 37Livro Geovane Scherer v2final2.indd 37 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 38 O estudo que dá origem ao presente livro tem o intuito de con- tribuir para a qualificação de políticas públicas que possam materializar o papel de uma proteção social efetiva para as juventudes, na busca pela garantia do maior de todos os direitos: o direito à vida! A cidade de Porto Alegre foi escolhida para a realização desse estudo por ser a capital do Estado e por ter um dos mais altos índices de mortalidade juvenil do Rio Grande do Sul. Desta forma, apesar desse recorte, a presente pesqui- sa visa contribuir com o debate acerca da mortalidade juvenil em todo o Rio Grande do Sul, bem como, para o debate sobre o juvenicídio na realidade brasileira, uma vez que, apesar de particularidades locais, obser- vam-se tendências comuns nos estudos acerca do tema. O livro que o leitor tem em mãos é fruto de um movimento co- letivo, escrito por diversas mãos, por meio de um esforço conjunto de pessoas que buscaram, ao longo de três anos, investigar o fenômeno do juvenícidio por meio de um cuidadoso e complexo processo de pesquisa. A investigação foi desenvolvida a partir de uma articulação entre o Gru- po de Estudos em Juventudes e Políticas Públicas – GEJUP, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Política Social e Serviço Social da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e a Frente de Enfren- tamento Mortalidade Juvenil em Porto Alegre – FEMJUV; unindo esforços entre universidade e movimentos sociais, na perspectiva da construção de um saber com o intuito de incidir na garantia à vida das juventudes. O GEJUP/UFRGS se constitui como um dos espaços de produção de conhecimento dedicado à discussão e produção científica acerca de di- versos debates relacionados às juventudes, em especial, no que tange a análise das expressões da questão social que esse segmento social vivencia e as políticas públicas voltadas para esse público. Tendo como perspectiva de análise o método dialético-crítico, o referido grupo de pesquisa busca compreender em profundidade os fenômenos vivenciados por essas ju- ventudes e como, esses jovens, são impactados pela lógica de produção e reprodução do capital, em especial, a partir dos avanços neoliberais e neoconservadores que trazem consigo rebatimentos particulares para esse segmento social, não só no Brasil, mas em toda América Latina. A Frente de Enfrentamento à Mortalidade Juvenil em Porto Alegre/ RS – FEMJUV configura-se como uma rede de profissionais vinculados Livro Geovane Scherer v2final2.indd 38Livro Geovane Scherer v2final2.indd 38 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 39 às políticas públicas ligadas a Assistência Social, a Saúde, ao Atendimento Sociojurídico, a PrevidênciaSocial e a Educação, bem como ao trabalho desenvolvido junto aos movimentos sociais, aos grupos juvenis, a outros grupos de pesquisa, dentre outros. Nesse sentido, constitui-se enquanto um espaço de articulação entre a sociedade civil e o poder público para pensar de maneira coletiva, propostas que possam realizar o enfrentamen- to à mortalidade juvenil no município de Porto Alegre, desde agosto de 2016. A presente Frente tem por objetivo dar visibilidade à mortalidade de jovens na cidade de Porto Alegre, bem como propor ações que consi- gam fazer o enfrentamento a essa realidade. Os participantes da frente re- latam diversas formas de violação de direitos que as juventudes vivenciam em seu cotidiano, bem como, um intenso processo de mortalidade juvenil que, muitas vezes, passam despercebidos diante da opinião pública. Desse modo, um dos eixos centrais de atuação da Frente de Enfren- tamento à Mortalidade Juvenil em Porto Alegre é justamente voltar-se à visibilidade destes jovens não como sujeitos perigosos, mas sim como sujeitos de direitos que vêm sendo atingidos brutalmente pela violência estrutural. Para, além disso, tem também por objetivo pensar de maneira coletiva propostas que possam realizar o enfrentamento à mortalidade juvenil no município a partir de seminários, conferências, espaços de for- mação e qualificação profissional, pesquisas, produção de conhecimento, sugestões às políticas públicas de juventude, entre outros. A proposta da investigação nasce por meio do diálogo coletivo en- tre GEJUP e FEMJUV, na construção de um projeto de pesquisa que pudesse trazer respostas na perspectiva de subsidiar políticas públicas de enfrentamento a mortalidade juvenil. A investigação foi possível de ser realizada por meio do financiamento público mobilizado por meio do edital ARD/2019 da Fundação de Amparo à Pesquisa no Rio Grande do Sul – FAPERGS que possibilitou os aportes1 para a execução do estudo, bem como para que o presente livro pudesse chegar às mãos do público de forma gratuita. 1 Importante ressaltar que a presente investigação também contou com os aportes da Bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) por meio da concessão voltada para o coorde- nador do estudo Prof. Dr. Giovane Antonio Scherer. Livro Geovane Scherer v2final2.indd 39Livro Geovane Scherer v2final2.indd 39 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 40 A pesquisa que dá origem ao presente livro foi constituída por meio de três etapas, buscando responder aos objetivos específicos elenca- dos para o presente estudo, através de uma investigação de enfoque misto, que considera dados quantitativos e qualitativos ao longo do estudo. O enfoque misto, para Prates (2012) mostra-se como apropriado para co- nhecer e subsidiar políticas públicas que contemplem contingentes po- pulacionais mais amplos, tendo mostrado vigor e qualidade científica. A primeira etapa do presente estudo buscou aprofundar o tema, bem como encaminhar o presente projeto para a avaliação junto à Co- missão Científica – COMPESQ do Instituto de Psicologia da Universi- dade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, na perspectiva de garantir a cientificidade da investigação. Nessa etapa, também o estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS e do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Ressalta-se que a investigação, ao longo de todas as suas etapas e divulgação de seus resultados observou com atenção as orienta- ções e normativas éticas em vigência no país, com especial destaque para a Resolução n. 510/2016 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Portanto, a ética na pesquisa se constituiu em elemento trans- versal em todo o desenvolvimento do estudo, estando sempre pautado na observância de todos os direitos dos participantes da pesquisa. Nessa etapa da investigação, com as aprovações éticas necessárias para o andamento do estudo, buscou realizar uma análise dos dados de mortalidade juvenil no Brasil e no Rio Grande do Sul. Para a sua realiza- ção foram incluídos intencionalmente na investigação dados públicos e já publicados por institutos de pesquisa como: Instituto de Pesquisa Econô- mica Aplicada – IPEA, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e demais dados públicos acerca dos monitoramentos acerca da violência letal em território nacional. Na perspectiva de compreender com maior profun- didade acerca das particularidades da dinâmica do juvenicídio na cidade de Porto Alegre/RS foi realizada análise documental dos dados brutos do Sistema de Informação de Mortalidade – SIM. A pesquisa documental se constitui no levantamento e análise de dados advindos de documentos de fontes primárias, isto é, todos os materiais ainda não elaborados, escritos Livro Geovane Scherer v2final2.indd 40Livro Geovane Scherer v2final2.indd 40 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 41 ou não, que pode servir como fonte de informação para a pesquisa cien- tífica (MARCONI e LAKATOS, 2001). O Sistema de Informação Sobre Mortalidade – SIM desenvolvido pelo Ministério da Saúde, em 1975, é produto da unificação de mais de quarenta modelos de instrumentos utilizados, ao longo dos anos, para coletar dados sobre mortalidade no país. Possui variáveis que permitem, a partir da causa mortis atestada pelo médico, construir indicadores e processar análises epidemiológicas que contribuam para a eficiência da gestão em saúde (BRASIL, 2017). No âmbito desse sistema, após a aprovação ética, foi realizada análise dos dados específicos de mortalidade juvenil, dos jovens de 12 até 29 anos, vitimizados na cidade de Porto Alegre nos anos de 2015 a 2019. Buscou-se realizar diversos cruzamentos de dados, com o instituto de perceber com mais profundidade como vem se constituindo o fenô- meno da mortalidade juvenil (perfil dos jovens mortos, territórios onde ocorreram as mortalidades, principais causas, entre outros). A opção pela análise de adolescentes a partir dos 12 anos de idade se constitui em uma demanda dos participantes da Frente de Enfrentamento a Mortalidade Juvenil, uma vez que a experiência profissional de muito membros indi- cava a observância que a dinâmica do juvenicídio vem atingindo cada vez mais cedo as trajetórias de vida, também, na adolescência. A partir dos dados tabulados pelo Sistema de Informação de Mor- talidade – SIM, foi possível construir uma Cartografia da mortalidade juvenil em Porto Alegre, levantando dados sobre a situação dos territó- rios mais particularmente afetados pela mortalidade juvenil. Como lócus dessa prática cartográfica, foram selecionados os três bairros da cidade com os maiores índices de mortalidade juvenil. Desta forma, buscou-se mapear os territórios com maiores incidências de mortalidade, a fim de construir um mapa das dinâmicas homicidas e de compreender como vem se constituindo o acesso às políticas públicas nos territórios de maior incidência de mortes de adolescentes e jovens. Nesse sentido, a cartogra- fia é compreendida como valiosa ferramenta de investigação, exatamente por abarcar a complexidade que envolve se investigar o coletivo de forças em cada situação, sendo mais do que procedimentos metodológicos deli- mitados, mas um modo de conceber a pesquisa e o encontro do pesquisa- dor com seu campo (ROMAGNOLI, 2009). A prática cartográfica é uti- Livro Geovane Scherer v2final2.indd 41Livro Geovane Scherer v2final2.indd 41 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 42 lizada no âmbito desta pesquisa como forma de apreender os territórios onde ocorreram os homicídios de jovens, compreendendo a dinâmica territorial como espaço vivo onde são tecidas as relações sociais. Para que fosse possível a prática cartográfica, além da análise dos dados de mortalidade juvenil, o estudo buscou coletar dados históricos da construção dos territórios, informaçõesgeográficas, dados acerca de políticas públicas disponíveis nas localidades e sua forma de acesso, bem como, contou com contribuições de relatos orais de moradores. A pri- meira etapa da pesquisa, nesse sentido, buscou identificar o perfil, a dinâ- mica da mortalidade e a constituição dos territórios onde ocorrem as si- tuações de mortalidade, tendo como referência a cidade de Porto Alegre. A segunda etapa da pesquisa buscou analisar as trajetórias de jovens vítimas de homicídios na cidade de Porto Alegre no âmbito das políticas públicas de Assistência Social, Educação e Socioeducação (no que se refe- re ao cumprimento de medida socioeducativa), por meio de uma análise documental nos registros de tais políticas. Para a realização dessa etapa foram selecionados, de forma aleatória, seis jovens vítimas de homicídios no ano de 2018 nas três regiões mais afetadas pela mortalidade juvenil na cidade de Porto Alegre (somando 18 jovens). Tais informações foram coletadas por meio dos dados fornecidos pela Secretaria de Saúde e pre- sente nos bancos de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade – SIM. Com base nos dados pessoais das 18 jovens assassinados, foi rea- lizada a análise documental nos registros das políticas públicas no âmbito dos serviços da rede de Assistência Social, Educação, Conselho Tutelar e Socioeducação; objetivando levantar informações acerca das trajetórias desses jovens no âmbito dessas políticas públicas, com o intuito de anali- sar os acessos e as lacunas no âmbito da proteção social juvenil. Foram analisados prontuários e demais documentos dos jovens e de seus familiares junto a Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Estadual de Educação, Conselho Tutelar e Fundação de Atendimento Socioedu- cativo do Rio Grande do Sul – FASE, a fim de perceber como se deu o atendimento, ou o não atendimento, desses jovens no âmbito das políti- cas públicas, bem como identificar elementos de suas trajetórias de vida. Importante considerar que todas as instituições autorizaram o acesso aos Livro Geovane Scherer v2final2.indd 42Livro Geovane Scherer v2final2.indd 42 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 43 seus registros, tendo atentado para as questões éticas no que diz respeito ao sigilo dos dados manipulados pela equipe de pesquisa. No âmbito desta investigação, todos os nomes e informações pessoais que possam identificar os jovens ou seus familiares foram substituídos por nomes fictícios, buscando atender as normativas da ética em pesquisa e demais legislações em vigor. Na terceira e última etapa da investigação foi planejado a realização de grupos focais com jovens e familiares moradores dos territórios com maior concentração de índices de mortalidade juvenil na cidade de Porto Alegre, porém houve a necessidade de alteração na metodologia do estu- do, devido à necessidade de distanciamento social em razão da pandemia de COVID-19. Importante considerar que o presente estudo foi desen- volvido durante essa pandemia, o que colocou inúmeros desafios para a equipe de pesquisa, não somente nessa etapa, mas em todo o desenvol- vimento do estudo, tornando mais complexa a sua execução. O estudo teve inicio no final de 2019, sendo desenvolvido no momento em que os índices de contaminação estavam mais elevados; o que demandou a prorrogação do cronograma da investigação. A pandemia de COVID-19 impactou as juventudes de inúmeras formas, além do impacto em sua saúde física, o vírus aprofundou questões relacionadas à histórica desi- gualdade social vivenciada por esse segmento social. No que se refere à coleta de dados da investigação, sua principal al- teração metodológica se deu na forma da coleta de dados dos relatos orais da juventude e de seus familiares na perspectiva da compreensão desses sujeitos acerca da realidade do juvenicídio nos territórios. Os grupos focais previstos não foram efetivados, sendo realizadas entrevistas semiestruturadas on-line com jovens e familiares nos territórios com maior índice de morta- lidade juvenil na cidade de Porto Alegre, bem como com os profissionais da rede assistencial das três regiões com maiores incidência nos índices de mortalidade juvenil, visando analisar a sua percepção a respeito da violên- cia letal. A entrevista semiestruturada pode congregar perguntas abertas e fechadas, abrindo possibilidades ao sujeito entrevistado para que pense e fale sobre o tema em questão sem que o mesmo fique preso somente à per- gunta formulada pelo pesquisador, além de ser um procedimento utilizado para construir informações sobre determinado objeto (MINAYO, 2002). Livro Geovane Scherer v2final2.indd 43Livro Geovane Scherer v2final2.indd 43 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 44 A fim de tornar exequível a realização da entrevista on-line com mo- radores dos territórios com maiores índices de mortalidade juvenil, reali- zou-se articulações com instituições da rede socioassistencial que estavam realizando atendendo presencialmente aos moradores das localidades. Tal articulação mostrou-se necessária diante das dificuldades de conectividade que grande parte da população vivencia, o que inviabilizaria qualquer tipo de coleta on-line, devido à falta de acesso a equipamentos e a internet. Foram convidados para participar do estudo, somente, usuários desses ser- viços que estavam em atendimento presencial, isso é: nenhum participante será deslocado do seu local de moradia para participar do estudo, sendo convidado para participar da pesquisa após o atendimento no serviço. Nesse sentido, as instituições parceiras participaram de reuniões com a equipe de investigação, onde foram explicitados os objetivos do estudo, cuidados éticos e planejamento para a coleta de dados, assinando um termo de autorização institucional para a realização da pesquisa. Res- salta-se que o objetivo da investigação não era a análise do serviço, mas sim, as vivências da população com relação ao território e sua experiência com relação ao tema do juvenicídio. As instituições se comprometeram a participar do estudo, convidando os usuários dos serviços para parti- ciparem da pesquisa após o atendimento realizado, sendo que se o par- ticipante se interessasse em participar da pesquisa ele era encaminhado para uma sala com um computador com conexão de internet, onde se encontrava virtualmente com um membro da equipe de pesquisa. As instituições se comprometeram a reservar uma sala que tivesse condições de manter o sigilo na investigação, sem nenhuma outra pessoa presente no recinto e com condições mínimas de isolamento acústico. Todos os trabalhadores e usuários tomaram todos os cuidados sanitários necessá- rios para evitar a contaminação em um contexto pandêmico. Diante desse contexto, ao longo do estudo, foram entrevistadas vin- te e três (23) participantes que contribuíram com seus relatos orais para uma compreensão mais aprofundada acerca da realidade do juvenicídio na cidade de Porto Alegre. Compuseram esse grupo nove (9) trabalhado- res de políticas públicas que atuam nos territórios com maiores índices e mortalidade juvenil na cidade de Porto Alegre; três (3) responsáveis por jovens que residem em cada um dos territórios investigados e dez (10) jo- Livro Geovane Scherer v2final2.indd 44Livro Geovane Scherer v2final2.indd 44 22/11/2022 14:5022/11/2022 14:50 45 vens com idades entre 14 e 24 anos moradores dos territórios com maio- res índices de mortalidade juvenil. Ao longo do presente livro as juventu- des participantes das entrevistas serão identificadas por um nome fictício, sendo escolhido2 pelos participantes do estudo no momento da entrevis- ta. Os demais participantes serão identificados pelos termos “familiar” ou “profissional”, seguindo do número de identificação da entrevista. A presente investigação utilizou a Análise de Conteúdo para inter- pretar os dados coletados. Esta técnica visa obter, por procedimentos
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