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Objetivos: OBJETIVO 1: Revisar a morfofisiologia das estruturas associadas a formação e consolidação da memória OBJETIVO 2: Entender quais são os tipos de memória (classificação) OBJETIVO 3: Compreender as alteracoes patologicas qualitativas e quantitativas da memória MORFOFISIOLOGIA DAS ÁREAS ASSOCIADAS A FORMAÇÃO DA MEMÓRIA: Bases Neurológicas da memória: Para a formação da memória (fenômeno de memorização) são fundamentais estruturas como: as estruturas límbicas temporomediais, principalmente relacionadas ao hipocampo, à amígdala e ao córtex entorrinal. Elas atuam, em especial, na consolidação dos registros e na transferência das unidades de memória de curto e médio prazos (intermediária) para a de longo prazo (estocagem da memória remota). O substrato neural da memória de longo prazo (registros bem consolidados) repousa basicamente no córtex cerebral, ou seja, nas áreas de associação neocorticais, principalmente frontais e temporoparietoccipitais. Há evidências de que o processo neuronal de memorização difere entre memórias recentes (minutos a horas) e memórias de longo prazo (meses a anos). Nas memórias recentes, há mudanças e consolidações de sinapses neuronais relacionadas a complexas cascatas de eventos moleculares e celulares necessárias para a primeira estabilização de informações recentemente adquiridas, nas redes neuronais coordenadas pelo hipocampo. Em contraste, nas memorizações lentas e de longo prazo, a consolidação das memórias se baseia em processos de nível sistêmico (redes neuronais), lentos, tempo-dependentes, que convertem os traços lábeis de memória recente em formas mais permanentes, estáveis e ampliadas, baseadas na reorganização de redes neurais de suporte à memória, também coordenadas pelos hipocampos (Harand et al., 2012) A interrupção bilateral do circuito hipocampo-mamilo-tálamo-cíngulo pode determinar a incapacidade de fixação de novos elementos mnêmicos, produzindo, assim, a síndrome amnéstica, de maior ou menor intensidade. As estruturas mais importantes para a memória são, certamente, os hipocampos. Alterações da Memória Módulo II - Neurologia CLASSIFICAÇÃO DA MEMÓRIA: Definição Básica: a memoria se caracteriza como a capacidade de codificar, armazenar e evocar experiencias, impressões e fatos que acontecem em nossas vidas. Tudo que uma pessoa aprende no período de sua existência está intimamente relacionado a memória. A capacidade especifica de memorizar algo depende de vários fatores, tais como: • Nível de consciência e atenção • Estado emocional • Interesse motivacional • Lugar, momento, com que pessoas, qual tipo de atividade, a fase da vida em que a pessoa se encontra, armazenamento e evocação de informações Para Iván Izquierdo (2002), “somos aquilo que recordamos ou que, de um modo ou de outro, resolvemos esquecer”. Perder a memória, segundo Squire e Kandel (2003), “leva à perda de si mesmo, à perda da história de uma vida e das interações duradouras com outros seres humanos”. Tipos de memória: Para os seres humanos, as memórias podem ser distinguidas como: 1. Memória psicológica: diz respeito a memória cognitiva ou psicológica; está diretamente associada ao SN e permite ao individuo codificar, conservar e evocar a qualquer momento dados aprendidos de acordo com a experiencia própria 2. Memória genética e epigenética: esse tipo de memória abrange conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie e ao longo das vivencias do individuo e seus ancestrais, contido no material biológico (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias, mudanças epigenéticas) dos seres vivos. 3. Memória imunológica: associada ao sistema imune, reúne informações registradas e potencialmente recuperáveis no organismo. 4. Memória coletiva, social ou cultural: envolve conhecimentos e práticas sociais e culturais produzidas e mantidas por um grupo social (relacionadas a costumes, valores, praticas, linguagem , estilo de vida, ideologia, rituais, gesticulações, etc); esse tipo de memoria tem uma grande importância na sociedade humana, pois sem ela os grupos sociais perderiam sua identidade básica, a possibilidade de perceber o sentido da sua existência, a gratidão e crítica em relação ao passado e a esperança e prudência em relação ao futuro. Memória psicológica: No contexto estudado, daremos maior ênfase na memoria psicológica/cognitiva. Nas ultimsa décadas, evidencioi-se dois fatores importantes sobre a memória psicológica: 1. A memória não é um processo unitário: ela é composta por inúmeros elementos, que podem ser organizados e expostos de formas diferentes e exigem redes e estruturas cerebrais diferentes. 2. A memória não é um processo passivo: ela é um processo ativo, em que vários elementos do indivíduo participam da codificação e evocação, como elementos sensoriais, imaginativos, semânticos e afetivos. A memória é frequentemente reeditada, ou seja, as informações de eventos, cenas e acontecimentos do passado que já foram armazenadas podem ser reconfiguradas com o acréscimo de elementos novos (vividos ou imaginados pelo próprio indivíduo ou instigados por estímulos externos, conscientes ou não). Deste modo, há um processo de recriação e reinterpretação no arquivo de longo prazo de nossas memórias. Elas frequentemente não são “o filme realista do que aconteceu”, mas “reedições criativas” de vários “diretores” que influem no conteúdo do arquivo de memórias. Fases ou Elementos Básicos da Memória: A memória é dividida em três elementos básicos, sendo eles: 1. Codificação: é a construção da memória, ou seja, o ato de captar e codificar informações 2. Armazenamento: é a capacidade de reter as informações de modo fidedigno 3. Recuperação ou evocação: é o ato de recordar/lembrar da memória, é a fase em que as informações são recuperadas para determinados fins. A codificação (1ª etapa da construção da memória) é o processo inicial da memorização e depende muito da atenção. A evocação (capacidade de acessar novamente a memória) é a etapa final do processo da memória, nela, tem- se dois aspectos distintos, a disponibilidade e a acessibilidade (as vezes tentamos lembrar do nome de algo, sentimos que está “na ponta da língua”, sabemos a primeira silaba, se o nome é curto ou longo, mas o nome inteiro não vem à cabeça, isso porque a memória a longo prazo está disponível, mas não está acessível no momento exato em que queremos lembrar). A lembrança é a capacidade de acessar informações a longo prazo. O reconhecimento por sua vez, pe a capacidade de identificar uma informação apresentada ao sujeito com informações já disponíveis na memoria de longo prazo. O esquecimento é quando não há possibilidade de se evocar uma memória. Classificação da memória de acordo com o tempo de aquisição, armazenamento e evocação: A memoria pode ser dividida em quatro momentos temporais, sendo eles: 1. Memória sensorial e deposito sensorial (Até 1 segundo): as memórias sensoriais são ricas em conteúdo, geralmente sendo expostas por estímulos visuais (memoria icônica), auditivos (memoria ecoica) mas muito breves pelo fato de o indivíduo captar de modo não consciente, ou seja, elas são guardadas apenas por um período de tempo muito curto. Há um depósito sensorial, que funciona abaixo do limiar de consciência, em apenas 50 milissegundos, quando se deve “decidir” (quase sempre de modo inconsciente) se devemos voltar nossa atenção para certos estímulos ou se esses serão apagados. Por exemplo, em uma festa, passamos por um grupo, nosso nome é rapidamente falado por alguém, e, às vezes, mesmo sem perceber conscientemente, passamos a dirigir a atenção para a fala desse grupo. 2. Memória imediata ou de curtíssimo prazo (de poucos segundos até 1-3 minutos): É a capacidade de reter o material (palavras, números, imagens, etc) imediatamente após ser percebido, comoreter um número de telefone para em seguida discar. Possui uma capacidade limitada e depende da concentração, da fatigabilidade e de certo treino. Dependem sobretudo da integridade das áreas pré-frontais. 3. Memória recente ou de curto prazo (de minutos a 3-6 horas): é a capacidade de reter informações por curto período, é limitada assim como as anteriores. Muitas vezes, as memórias de curto prazo e de curtíssimo prazo são consideradas simplesmente como memória de curto prazo. 4. Memória de longo prazo ou remota (dias, meses ou até muitos anos): é a função de transferência de informações para depósitos de longo prazo . ela se relaciona a evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado, geralmente após muito tempo do evento (pode durar a vida toda). É um tipo de memória muito mais ampla que a imediata e a recente. Esse tipo de memória é guardada de forma organizada em sistemas que proporcionam uma estrutura organizacional, ou seja, são arquivadas e conservadas de acordo com seu significado em redes semânticas nas quais conceitos semelhantes são armazenados de maneira vinculada, próximos uns dos outros. Sendo assim, o significado das memorias proporciona a organização das mesmas no arquivo de longo prazo; assim podemos ouvir uma história, com varias frases distintas e meses depois sermos incapazes de reproduzir as frases corretamente, contudo, o significado geral da historia foi armazenado e pode ser evocado. Acredita-se que a memória remota se relacione tanto ao hipocampo, no processo de transferência de memórias recentes para memórias de longo prazo, como implicando também, para o armazenamento de longo, amplas e difusas áreas corticais de associação em todos os lobos cerebrais (mas principalmente nos frontais) (Kroll et al., 1997; Gazzaniga; Heatherton, 2005). Fatores associados ao processo de memorização: O processo de memorização depende de elementos como: • Nível de consciência e estado geral do organismo: o individuo deve estar desperto, não muito cansado, calmo e em bom estado geral para que a memorização ocorra da melhor forma possível. • Atenção focal: quando se possui foco, ou seja, a capacidade de manutenção da atenção concentrada sobre o conteúdo novo a ser fixado; informações novas tendem a entrar mais facilmente na memoria de longo prazo quando se tem bastante atenção durante o aprendizado. • Organização e distribuição temporal: diz respeito a distribuir as tentativas de aprendizado ao longo de um período de tempo mais longo e cadenciado ao invés de tentar aprender tudo apressadamente em um único dia; é melhor praticar “pouco e sempre” • Interesse e colorido emocional: relaciona-se às informações a serem fixadas, assim como ao empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade). • Conhecimento anterior: elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos, principalmente quando se articulam os novos conhecimentos a informações, classificações e esquemas cognitivos já bem assentados, formando uma cadeia de elementos mnêmicos. • Estabelecimento de um contexto rico e elaborado: o contexto e as circunstâncias associadas a informação que se quer memorizar tem papel fundamental e central na eficácia da memorização • Codificação da informação nova em mais de uma via: quanto maior for o número de canais sensoriais e dimensões cognitivas distintas, mais efetiva será a fixação; por exemplo se a informação for uma palavra, deve-se buscar associar uma imagem visual; se for visual, deve-se buscar associar uma palavra. Com isso, são criados mapas mentais, que colaboram para o armazenamento eficaz. Tipos específicos de memória: Distinguem-se esses tipos de acordo com o caráter consciente ou não consciente do processamento do conteúdo mnêmico e com as áreas e estruturas cerebrais envolvidas 1. Memórias dependentes do caráter consciente ou não consciente do processo mnêmico (memoria explicita/declarativa X memoria implícita/não declarativa): A memória explicita (declarativa) é relacionada ao conhecimento consciente obtido através de algum esforço; esse tipo de memoria é adquirido e evocado com plena intervenção da consciência, incluindo lembranças de fatos autobiográficos (memoria autobiográfica) e pode ser de caráter visual, palavras ou eventos. Ex: ter almoçado no último domingo com a avó pode ser lembrado com algum esforço e de forma consciente A memória implícita (sem consciência/não declarativa) é um tipo de memória que adquirimos sem que percebemos, ou seja, sem consciência e sem esforço; é automática e espontânea. Pode incluir procedimentos como muitas habilidades motoras (andar de bicicleta, saber bordar, escovar os dentes) assim como conhecimentos gerais ancorados em palavras (como aprender e falar a língua materna); a memória implícita influencia cotidianamente em nossa vidas, como por exemplo quando dirigimos o carro para casa e ao ouvir uma musica viajar ou submergir em um devaneio associado a um encontro amoroso, mas ao mesmo tempo conseguimos continuar dirigindo e chegar em casa. Mesmo sem perceber, paramos nos semáforos vermelhos e seguimos o trajeto de casa sem errar. A memória implícita proporciona isso. Alé disso, essa memoria esta associada a informacoes mostradas durante uma anestesia, sensações de familiaridade, testes de psicologia experimental, etc. O termo priming (a melhor tradução é aprimoramento de repetição) se refere a um tipo de memória implícita, importante no processo de recordação e execução de tarefas cognitivas. Os estímulos que já foram expostos ao sujeito, tanto de forma consciente como inconsciente são melhor processados do que estímulos novos. O priming ocorre sem que tenhamos a sensação subjetiva de reencontro com o estímulo, reforçando a ideia de que ele é um mecanismo da memória implícita. Assim, um músico toca ou ouve os primeiros dois ou três acordes de uma canção aparentemente esquecida e, de forma gradativa, a composição toda (e sua sequência de acordes e melodias) começa a ressurgir para ele. Do ponto de vista anatômico, o priming é um fenômeno predominantemente neocortical, participando dele as áreas pré-frontais e corticais associativas temporoparietoccipitais (Izquierdo, 2002). 2. Memórias segundo a estrutura cerebral envolvida: São quatro os principais tipos de memória que correspondem a estruturas cerebrais diversas. Esses quatro tipos são afetados de forma diferente nas doenças e condições que diminuem ou destroem a memória (p. ex., demências). São, nesse sentido, as principais formas de memória de interesse à semiologia neurológica, psicopatológica e neuropsicológica (Izquierdo, 2002; Budson; Price, 2005). São eles: 1. Memória de trabalho 2. Memória episódica 3. Memória semântica 4. Memória de procedimentos 1. Memória de Trabalho (working memory): está situada entre os processos e habilidades de atenção e os da memoria imediata. são exemplos de memória de trabalho ouvir um número telefônico e retê-lo na mente para, em seguida, discá-lo, assim como, ao dirigir em uma cidade desconhecida, perguntar sobre um endereço, receber a informação e a sugestão do trajeto e, mentalmente, executar o itinerário de forma progressiva. É uma memória explicita, consciente, que exige esforço; para diferenciá-la da memoria de curto prazo, deve-se lembrar que a memoria de trabalho é plenamente ativa, realizando operações mentais de modo constante (por isso “está trabalhando” continuadamente). Ela representa um conjunto de habilidades que permite manter e manipular informações novas (acessando-as em face as antigas), as quais podem ser verbais ou visuoespaciais, e que são mantidas em operação por um período relativamente curto, a fim de serem manipuladas com o objetivo de selecionar um plano de ação e realizar determinada tarefa. A memória de trabalho é vista também como uma gerenciadora de memória, opis possui papel de selecionar as informações que chegam constantementee compará-las com as existentes nas demais memorias de curta e longa duração. Esse processo requer mecanismos neurais adequados à seleção de informações pertinentes, mantendo-as “on-line” por breve período, até que a decisão e a resposta adequada sejam tomadas. As regiões corticais pré-frontais são importantes para a integridade da memória de trabalho. Nas tarefas verbais, há maior envolvimento das áreas pré-frontais esquerdas, assim como das áreas de Broca (frontal esquerda inferior) e de Wernicke (temporal esquerda superior). Nas tarefas visuoespaciais (seguir mapas mentalmente, sair de labirintos gráficos e montar quebra- cabeças), há maior implicação das áreas pré-frontais direitas, assim como de zonas visuais de associação do carrefour temporoparietoccipital direito. Quando o córtex temporal é lesado, há prejuízo da memória de trabalho visual – associada a área Lipp (mas a memória de trabaho espacial é preservada); quando há lesão dos lobos parietais, ocorre o oposto. Pacientes com lesões nas áreas cerebrais associadas aos conhecimentos semânticos (sentido das palavras), como o córtex dos lobos temporais laterais e temporoparietais, têm prejuízos nos desempenhos da memória de trabalho verbal. Condicoes que alteram a memória de trabalho: são as que afetam as regiões pré-frontais causando alteração da memoria de trabalho. Ocorrem em demências principalmente, como: • Demência frontotemporal (DFT), sobretudo na variante frontal da DFT • Demência de Alzheimer • Demencias vasculares e demências com corpos de Lewy A memória de trabalho pode também estar comprometida na esclerose múltipla e no traumatismo craniano. Na demência de Alzheimer, o componente “sistema executivo” parece ser o que mais está prejudicano na memória de trabalho. Em quadros psicopatológicos como esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno obsessivo-compulsivo, também se verificam alterações da memória de trabalho. No envelhecimento normal, ocorrem frequentemente dificuldades, de leves a moderadas, na memória de trabalho. 2. Memória Episódica: Trata-se de memorias explicitas, de médio e longo prazo, relacionadas a eventos específicos da experiencia pessoal do indivíduo, ocorridos em determinado contexto. Relatar o que foi feito em um dia é um exemplo de memória episódica. Corresponde a eventos específicos e concretos, comumente autobiográficos, em determinado momento e local. Trata-se da recordação consciente de fatos reais. A perda da memória episódica, em geral, se evidencia para eventos autobiográficos recentes, mas, com o evoluir da doença (p. ex., doença de Alzheimer), pode incluir elementos mais antigos. A perda da memória episódica também obedece à lei de Ribot (perdem-se primeiro os elementos recentemente adquiridos e, depois, os mais antigos). Esse tipo de memória depende, em essência, de mecanismos relacionados àsregiões da face medial dos lobos temporais, particularmente o hipocampo e os córtices entorrinal e perirrinal. Quando tais áreas se deterioram, por exemplo, com o avançar da demência de Alzheimer, o paciente perde totalmente a capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há poucos minutos ou horas, inclusive situações marcantes e significativas para ele. Os pacientes com síndrome de Wernicke-Korsakoff têm déficits graves na memória episódica, uma condição relacionada a danos no diencéfalo, primariamente nos corpos mamilares, no trato mamilo-talâmico e no tálamo anterior. Respeitando a lei de Ribot, a memória remota de eventos antigos permanece mais tempo sem alterações. O hipocampo é um depósito transitório de memórias, uma estação de transferência de elementos recentemente registrados para um arquivo mais permanente de lembranças, localizado de modo difuso em amplas áreas do córtex dos distintos lobos cerebrais. A memória episódica interage constantemente com a memória semântica (de conhecimentos gerais e conceitos; ver adiante), contrastando ou se articulando com ela. 3. Memória semântica: esse tipo de memória se refere ao aprendizado, a conservação e utilização de conceitos e conhecimentos do indivíduo (conhecimentos gerais sobre o mundo). Assim, conhecimentos como a cor do céu (azul) ou de um papagaio (verde), ou quantos dias há na semana (sete), são de caráter geral e se cristalizam por meio da linguagem, ou seja, também são de caráter semântico. É frequentemente explicita, mas pode ser implícita também. Ela é, enfim, a representação de longo prazo dos conhecimentos que temos sobre o mundo, entre eles o significado das palavras, dos objetos e das ações. A contraposição desses dois tipos de memória (episódica e semântica) exemplifica-se da seguinte forma: lembrar como foi um almoço com os avós, em Belo Horizonte, há três semanas, depende do sistema de memória episódica. Já o conhecimento do significado das palavras “almoço”, “Belo Horizonte”, “avós”, etc., depende da memória semântica. Embora esses dois tipos de memória tenham certa independência, eles constantemente interatuam. Memórias episódicas são convertidas, ao longo do tempo e por exposição repetida, em memórias semânticas. A memória semântica previamente adquirida é muitas vezes preservada em pacientes que apresentam graves alterações no sistema de memória episódica. Indivíduos com síndrome de Wernicke-Korsakoff, por exemplo, têm grave déficit de memória episódica, mas podem ter a memória semântica preservada. A memória semântica, em acepção restrita, corresponde às capacidades de nomeação e categorização. Depende, de forma estreita, das regiões inferiores e laterais dos lobos temporais, sobretudo no hemisfério esquerdo (diferentemente da memória episódica, que depende das regiões mediais desses lobos, sobretudo dos hipocampos). 4. Memória de procedimentos: diz respeito a uma memória automática e não consciente, ou seja, implícita/não declarativa. São habilidades motoras e perceptuais mais ou menos complexas (andar de bicicleta, digitas no computador, toca instrumento, ect), habilidades visuoespaciais (aprender soluções de labirintos e resolver quebra-cabeças) e habilidades automáticas relacionadas ao aprendizado de línguas (regras gramaticais incorporadas na fala automaticamente, decorar a conjugação dos verbos em língua estrangeira, etc). A memória de procedimentos, de modo geral, é implícita e não declarativa, mas, durante a aquisição da habilidade, pode ser explícita na fase de aprendizado, como quando, por exemplo, se aprende a dirigir um carro seguindo orientações verbais. Na maioria das vezes, a memória de procedimentos é implícita, pois manifesta-se tipicamente por ações motoras e desempenho de atividades, e não pela expressão de palavras (tornando-se consciente apenas com esforço). Aqui, a memorização ocorre de forma lenta, por meio de repetições e múltiplas tentativas. A localização da memória de procedimentos está relacionada com o sistema motor e/ou sensorial específico envolvido na tarefa. As principais áreas envolvidas são a área motora suplementar (lobos frontais), osnúcleos da base (sobretudo o striatum)e ocerebelo. ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA: Alterações Quantitativas: • Hiperamnésias: é quando a pessoa lembra de tudo de forma aumentada, mas com qualidade da memória prejudicada. Alguns pacientes com mania ou hipomania, tem representações (Elementos mnêmicos) que afluem rapidamente, uma tempestade de informações ou imagens, ganhando em número porem perdendo em clareza e precisão. A hiperamnesia se caracteriza mais como uma aceleração geral do ritmo psíquico do que uma alteração propriamente dita da memória. Há outro tipo de hipermnésia, chamada hipermnésia para memória autobiográfica. Trata-se de um fenômeno raro, no qual o indivíduo tem uma memória autobiográfica quase perfeita e não é doente. (Parker et al., 2006). • Amnésias ou Hipomnesias: é quando a pessoa perde de forma parcial ou total a memória. Denomina- se amnésia, de forma genérica, aperda da memória, seja da capacidade de fixar, seja da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Segundo a lei de Ribot (atualmente denominada temporally graded amnesia), no indivíduo que sofre uma lesão ou doença cerebral, sempre que esse processo patológico atinja seus mecanismos mnêmicos de codificação, armazenamento e recordação, a perda dos elementos da memória (esquecimento) segue algumas regularidades: 1) O sujeito perde as lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu 2) Ele perde primeiramente os elementos recentemente adquiridos e depois os mais antigos 3) Perde primeiro os elementos mais complexos e depois os mais simples 4) Perde primeiro os elementos mais estranhos (menos habituais) e posteriormente os mais familiares As amnesias podem ser divididas em dois grandes grupos, sendo psicogênicas/dissociativas ou orgânicas → Amnesia dissociativa/psicogênica: há perda de elementos mnêmicos seletivos, os quais podem ter valor psicológico específico (simbólico, afetivo). O indivíduo esquece, por exemplo, uma fase ou um evento de sua vida (que teve um significado especial para ele), mas consegue lembrar de tudo que ocorreu “ao seu redor”. É quase sempre uma amnésia retrógrada (ver adiante). A amnésia dissociativa pode surgir em sequência a um episódio de trauma emocional e/ou relacionada a fuga dissociativa (quando o indivíduo foge de sua casa, em estado dissociativo). → Amnésias orgânicas: a perda de memória é geralmente menos seletiva, em relação ao conteúdo emocional e/ou simbólico do material esquecido, do que na amnésia psicogênica. Em geral, perde-se primeiramente a capacidade de memorização de fatos e eventos recentes, e, em estados avançados da doença (geralmente demência), o indivíduo passa gradualmente a perder conteúdos mais antigos. Alterações Qualitativas: Paramnésias: estão relacionadas ao processo de deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo possui lembranças deformadas que não correspondem a sensopercepção original. Os tipos de paramnésias são: 1. Ilusões mnêmicas: nesse caso há o acréscimo de elementos falsos a elementos da memoria de fatos que realmente aconteceram., sendo assim, a lembrança adquire caráter fictício . Ex: paciente relata que tem 20 filhos quando na verdade te 4 filhos. Podem ocorrer na esquizofrenia, no transtorno delirante e, menos frequentemente, nos transtornos da personalidade (borderline, histriônica, esquizotípica, etc) 2. Alucinações mnêmicas: são criações imaginativas, dotadas de sensorialidade, com a aparência de serem lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico ou lembrança verdadeira. Podem surgir de modo abrupto, sem corresponder com qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses. As ilusões e as alucinações mnêmicas constituem, muitas vezes, o material básico para a formação e a elaboração de delírios (delírio imaginativo ou delírio mnêmico). Confabulações ou fabulações: é um erro de memória definido como a produção de memórias fantasiosas, distorcidas ou mal interpretadas sobre si mesmo ou do mundo, sem a intenção consciente de enganar. São narrativas que não são compatíveis com a história passada do indivíduo, ou seja, são memórias falsas, porem a pessoa que as confabula não sabe da falsidade, os principais aspectos são: 1) Memórias ou recordações falsas, sendo que a falsidade repousa no seu conteúdo ou no seu contexto. 2) A pessoa que confabula não sabe da falsidade de suas confabulação 3) Confabulações são recordações plausíveis, ou seja, elas se parecem com o que poderia ter acontecido mas não aconteceu Criptomnésia: trata-se de um falseamento da memória, em que as lembranças aparecem como fatos novos ao paciente, vivendo-as como se fossem uma descoberta, sendo que já foram ditas anteriormente. Por exemplo, um indivíduo com demência (como do tipo Alzheimer) conta aos amigos uma história muito conhecida como se fosse inteiramente nova, mas que, há poucos minutos, foi relatada por outra pessoa do grupo. Ecmnésia: trata-se da recapitulação da revivescência intensa, abreviada e panorâmica da existência, uma recordação condensada de muitos eventos passados, que ocorre em breve período. Na ecmnésia, o indivíduo tem a vivência perceptiva de visão de cenas passadas, como forma depresentificação do passado. Esse tipo de ecmnésia pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas. O fenômeno denominado visão panorâmica da vida, associado às chamadas experiências de quase-morte, é, de certa forma, um tipo de ecmnésia, que ocorre geralmente associado à iminência da morte por acidente (sobretudo afogamento, sufocamento ou intoxicação). Quando a ecmnésia ocorre associada à proximidade da morte, alguns indivíduos que sobreviveram relatam ter visto um túnel, uma luz forte e uma névoa luminosa, associados a essa visão de “filme condensado da própria vida”. Lembrança obsessiva: A lembrança obsessiva, também denominada ideia fixa ou representação prevalente, manifesta-se como o surgimento espontâneo de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que, uma vez instalados na consciência, não podem ser repelidos voluntariamente pelo indivíduo. A imagem da memória, embora reconhecida como indesejável, reaparece de forma constante e permanece, como um incômodo, na consciência do paciente. Manifesta-se em indivíduos com transtornos do espectro obsessivo- compulsivo (TOC). Referências: • MACHADO, Angelo B. M.. Neuroanatomia funcional. 2 São Paulo: Atheneu Editora, 2007, 363 p. • GUYTON, A.C. e Hall J.E.– Tratado de Fisiologia Médica. Editora Elsevier. 13ª ed., 2017. • PORTH, C.M.; MATFIN, G. Fisiopatologia. 8ª ed. Guanabara Koogan, 2010. • Tratado de Neurologia do Merritt. 13a. Edição, Editora Guanabara Koogan, 2018. • Dalgalarrondo, P Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 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