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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA MORFOFISIOLOGIA DO PÂNCREAS O pâncreas é uma glândula acessória da digestão, alongada, retroperitoneal, situada na parede posterior do abdome. Situa-se atrás do estômago, entre o duodeno à direita e o baço à esquerda. O pâncreas produz: ❖ Secreção exócrina -> suco pancreático produzido pelas células acinares, que é liberada no duodeno através do ducto pancreático e do ducto acessório. ❖ Secreções endócrinas -> glucagon e insulina, produzidas pelas ilhotas pancreáticas (ilhotas de Langerhans) que passam para o sangue. ANATOMIA O pâncreas mede de 12-15cm de comprimento e 2,5cm de espessura, consiste em uma cabeça, um corpo e uma cauda e geralmente está ligado ao duodeno por dois ductos. ❖ A cabeça do pâncreas é a porção expandida do órgão, próxima da curva do duodeno; superiormente e à esquerda da cabeça estão o corpo do pâncreas central e a cauda do pâncreas afilada. Os sucos pancreáticos são secretados pelas células exócrinas em pequenos ductos que por fim se unem para formar dois ductos maiores, o ducto pancreático e o ducto acessório, os quais levam as secreções até o ID. ❖ O ducto pancreático ou ducto de Wirsung é o maior dos dois ductos. Na maior parte das pessoas, o ducto pancreático se une ao ducto colédoco que vem do fígado e vesícula biliar e entra no duodeno como um ducto comum dilatado chamado ampola hepatopancreática ou ampola de Vater. A ampola se abre em uma elevação da túnica mucosa duodenal (papila maior do duodeno). ❖ A passagem do suco pancreático e biliar por meio da ampola hepatopancreática para o duodeno do ID é regulada pelo esfíncter de Oddi (músculo esfíncter da ampola). O outro grande ducto do pâncreas, o ducto pancreático acessório (ducto de Santorini), sai do pâncreas e esvazia-se no duodeno. HISTOLOGIA O pâncreas é composto por pequenos aglomerados de células epiteliais glandulares. Aproximadamente 99% dos aglomerados, chamado ácinos, constituem a porção exócrina do órgão. As células no interior dos ácinos secretam uma mistura de líquidos e enzimas digestórias chamadas suco pancreático. ❖ A presença do quimo ácido, gorduras e proteínas no duodeno, estimula as células enteroendócrinas do ID a liberar secretina e colecistoquinina (CCK). Estes hormônios intestinais são os principais reguladores das secreções pancreáticas. ❖ Secretina e CCK trabalham juntas para induzir a secreção do suco pancreático. O 1% restante dos aglomerados, as chamadas ilhotas pancreáticas (ilhotas de Langerhans), formam a porção endócrina do pâncreas. Existem 4 tipos principais de células nas ilhotas pancreáticas: ❖ Células B (beta) -> secretam insulina e constituem cerca de 70% das células das ilhotas. Estão comumente localizadas na parte central da ilhota. ❖ Células A (alfa) -> secretam glucagon e constituem 15-20% das células das ilhotas. São maiores do que as células B e localizam-se, em sua maioria, na periferia da ilha. Os grânulos dessas células são repletos de glucagon. ❖ Células D (delta) -> secretam somatostatina e constituem 5- 10% das células das ilhotas. ❖ Células PP (produtoras de polipeptídio pancreático) -> secretam polipeptídio pancreático e constituem <5% das células das ilhotas. Se concentram mais na cabeça do pâncreas. Os hormônios do pâncreas endócrino são os principais reguladores do metabolismo da glicose, dos lipídeos e das proteínas. Além disso, o pâncreas é ricamente vascularizado por vasos sanguíneos, porém não há hierarquia na irrigação das células endócrina. É inervado por fibras provindas do SN simpático e parassimpático (norepinefrina, acetilcolina, GABA). APG 13 - PANCREATITE AGUDA E CRÔNICA Maria Luiza Sena – Med XIV FASA FISIOLOGIA SUCO PANCREÁTICO O pâncreas produz 1200-1500mL de suco pancreático -> líquido claro, incolor que consiste principalmente em água, alguns sais, bicarbonato de sódio e várias enzimas. O bicarbonato dá ao suco pancreático um pH ligeiramente alcalino, que tampona o suco gástrico ácido no quimo, interrompe a ação da pepsina do estômago e cria o pH apropriado para a ação das enzimas digestórias no ID. As enzimas do suco pancreático incluem uma enzima para digerir amido -> amilase pancreática, várias enzimas que digerem proteínas em peptídeos -> tripsina, quimotripsina, carboxipeptidase e elastase; a principal enzima que digere triglicerídeos -> lipase pancreática; e as enzimas que digerem ácidos nucleicos (RNA e DNA) -> ribonuclease e desoxirribonuclease. As enzimas que digerem proteínas são produzidas em uma forma inativa, tal como a pepsina é produzida no estômago como pepsinogênio. Como são inativas, as enzimas não digerem as células do próprio pâncreas. A tripsina é secretada em uma forma inativa chamada tripsinogênio. ❖ As células acinares também secretam uma proteína (inibidor da tripsina), que se combina a qualquer tripsina formada acidentalmente no pâncreas ou no suco pancreático e bloqueia a sua atividade enzimática. Quando o tripsinogênio alcança o lúmen do ID, encontra uma enzima de ativação da borda em escova chamada enteroquinase, que divide parte da molécula tripsinogênio para formar a tripsina. Por sua vez, a tripsina atua sobre os precursores inativos (quimotripsinogênio, procarboxipeptidase e proelastase) para produzir a quimotripsina, a carboxipeptidase e a elastase. MORFOFISIOLOGIA DA VESÍCULA BILIAR As partes da vesícula biliar incluem o amplo fundo da vesícula biliar, que se projeta inferiormente além da margem inferior do fígado; o corpo da vesícula, a parte central; e o colo da vesícula biliar, a parte afunilada. O corpo e o colo se projetam superiormente. A vesícula biliar serve como um reservatório da bile que foi sintetizada pelos hepatócitos do fígado. Ao ingerir refeições ricas em gorduras e proteínas, estimula a liberação de colecistocinina (CCK), que atua ao nível do corpo e do pescoço da vesícula e nos ductos císticos e extra-hepáticos. ❖ Este hormônio peptídico provoca contração simultânea do corpo da vesícula biliar e relaxamento do colo. Uma vez que a pressão dentro da árvore biliar atinge 10mmHg de bile, há relaxamento do esfíncter de Oddi. Assim, a bile pode ser liberada tanto pela vesícula biliar como diretamente pelo fígado através da árvore biliar. No entanto, durante o jejum, a ausência de CCK resulta na contração do esfíncter de Oddi. O aumento da pressão na árvore biliar resulta no desvio da bile para a vesícula biliar, onde é armazenada e concentrada. PANCREATITE AGUDA É um distúrbio inflamatório reversível dos ácinos pancreáticos desencadeado pela ativação prematura das enzimas pancreáticas. É um episódio distinto de lesão celular e inflamação do pâncreas, geralmente com sinais/sintomas de dor abdominal, náuseas e vômitos. A pancreatite aguda é acompanhada por elevação dos níveis séricos de amilase ou lipase e/ou evidências radiográficas de inflamação pancreática, edema ou necrose. É um processo inflamatório do pâncreas que ocorre de maneira súbita. Na pancreatite, as enzimas digestivas, que deveriam ser liberadas no trato digestivo, acabam por danificar o próprio pâncreas e outros órgãos adjacentes, ao provocar uma autodigestão tecidual. Embora o pâncreas possa recuperar a função e o aspecto normais após um episódio, a recuperação não é completa se a necrose for substancial. Em pacientes com episódios recorrentes, o quadro de inflamação aguda, necrose e apoptose evolui para inflamação crônica e fibrose que são características de pancreatite crônica. EPIDEMIOLOGIA A incidência de pancreatite aguda nos EUA é estimada entre 5 e 30 casos por 100.000 habitantes, com cerca de 275.000 hospitalizações anualmente, tornando a pancreatite aguda o 3º diagnóstico gastrintestinal mais comum. A incidência dessa doença tem aumentado por conta da utilizaçãomais ampla de exames séricos e radiológicos, o que possibilita mais diagnósticos, além da incidência aumentada de cálculos biliares (uma das causas da pancreatite aguda) devido à epidemia de obesidade. Brasil (SIH/SUS) -> entre 2016 e 2020, no Brasil, a incidência de pancreatite aguda e de doenças do pâncreas apresentou aspecto crescente, variando entre 31.597 (2016) e 32.829 (2020) nos casos totais anuais, sendo um aumento de 3,75% e resultando em 166.110 ocorrências acumuladas no período compreendido. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Região Sudeste apresentou o maior índice e a região Norte demonstrou o menor. ❖ Homens apresentam maiores taxas (53,54%) e as mulheres menores. A população branca demonstra frequência mais elevada (37%) e a população indígena apresenta a mais reduzida (0,20%). ETIOLOGIA Nos EUA, pancreatite aguda associa-se mais a ingestão abusiva de álcool, enquanto na Inglaterra e no Brasil a causa principal são cálculos biliares. Álcool e litíase biliar respondem por 80% dos casos de pancreatite aguda. Outras causas incluem obstrução de ductos por outros agentes, hipercalcemia, hiperlipoproteinemia, traumatismos, medicamentos e infecções. Cerca de 10% dos casos permanecem sem causa conhecida. Cálculos biliares -> é mais comum em mulheres. A passagem de um cálculo biliar pela ampola de Vater com obstrução transitória do ducto pancreático é o evento inicial para a pancreatite por esta etiologia. Etilismo -> predominante em homens. Os pacientes com pancreatite aguda e alcoólatras geralmente relatam história de abuso de álcool por muito tempo antecedendo à eclosão da PA, e muitos são sintomáticos de longa data. Em geral, são necessários mais de 5 anos de etilismo, com média de 5-8 doses diárias, para que a pancreatite se desenvolva. ❖ Quando os pacientes apresentam um 1º episódio de pancreatite alcoólica aguda, a maioria já apresenta evidências de pancreatite crônica subjacente. ❖ O mecanismo de lesão pancreática alcoólica envolve uma combinação de toxicidade direta, estresse oxidativo e alterações na secreção de enzimas pancreáticas. Traumatismo do pâncreas -> origina pancreatite aguda traumática. O trauma fechado do abdome á a causa mais comum de PA em crianças. PA pós-operatória -> surge seja como consequência de manipulações do trato biliar e ampola de Vater, ou após operações gastroduodenais, particularmente ressecções gástricas distais. CA de pâncreas ou da papila de Vater -> podem ser causa de PA. Não raramente, a primeira manifestação de um carcinoma de pâncreas é uma crise de pancreatite aguda. Agentes infecciosos -> alguns desses agentes têm sido associados a PA, incluindo vírus (caxumba, herpes simples, HBV e citomegalovírus), bactérias (Mycobacterium tuberculosis, Brucella, Legionella) e parasitos (ascaridíase duodenal). ❖ Ascaris lumbricoides pode causar PA por obstruir o ducto pancreático à medida que os vermes migram. FISIOPATOLOGIA A patogênese da pancreatite aguda consiste na autodigestão dos tecidos pancreáticos por enzimas pancreáticas anormalmente ativadas. É causada pela ativação prematura de enzimas digestivas dentro das células acinares pancreáticas. Aparentemente, o processo começa com a ativação da tripsina. Uma vez ativada, a tripsina é capaz de converter outras formas zimogênicas de enzimas pancreáticas para a sua forma ativada. A ativação prematura da tripsina no interior do tecido pancreático pode liberar essas pró-enzimas (ex.: fosfolipases e elastases), levando à lesão tecidual e inflamação. A tripsina também converte a pré-calicreína na sua forma ativa, acionando o sistema de cininas e, por meio da ativação do fator XII (fator de Hageman), também são desencadeados os sistemas de coagulação e complemento. 3 vias podem iniciar a ativação enzimática inicial que pode levar à pancreatite aguda: OBSTRUÇÃO DO DUCTO PANCREÁTICO A impactaçao de um cálculo biliar ou de lama biliar, ou a compressão extrínseca do sistema ductal por uma massa, bloqueia o fluxo ductal, aumenta a pressão intraductal e propicia o acúmulo de um fluido intersticial rico em enzimas. Uma vez que a lipase é secretada na sua forma ativa, pode haver o surgimento de necrose gordurosa localizada. Os tecidos lesados, os miofibroblastos periacinares e os leucócitos liberam então citocinas pró-inflamatórias que promovem a inflamação local e edema intersticial por meio de um extravasamento microvascular. ❖ Além disso, o edema compromete o fluxo sanguíneo local, causando insuficiência vascular e lesão isquêmica às células acinares. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA LESÃO PRIMÁTIA DAS CÉLULAS ACINARES Esse mecanismo patogênico está envolvido na pancreatite aguda causada por isquemia, infecções virais (ex.: caxumba), medicamentos e trauma direto do pâncreas. TRANSPORTE INTRACELULAR DEFECTIVO DE PRÓ-ENZIMAS NAS CÉLULAS ACINARES Em células acinares normais, as enzimas digestivas destinadas aos grânulos zimogênicos (e posterior liberação extracelular) e as enzimas hidrolíticas destinadas aos lisossomos são transportadas em vias distintas após sua síntese no retículo endoplasmático. No entanto, pelo menos em alguns modelos animais de lesão metabólica, as pró-enzimas pancreáticas e as hidrolases lisossômicas encontram-se armazenadas em um mesmo compartimento. Isso resulta na ativação das pró-enzimas, na ruptura lisossômica (ação das fosfolipases) e na liberação local de enzimas ativadas. O papel desse mecanismo na pancreatite aguda humana não está claro. Consumo de álcool -> pode causar pancreatite por meio de diversos mecanismos. ❖ O álcool aumenta transitoriamente a secreção pancreática exócrina e a contração do músculo do esfíncter da ampola hepatopancreática (esfíncter de Oddi), o qual regula o fluxo do suco pancreático. ❖ O álcool também exerce efeitos tóxicos diretos sobre as células acinares, incluindo a indução de estresse oxidativo nas células acinares, o que leva a danos na membrana. ❖ A ingestão crônica de álcool resulta na secreção de um fluido pancreático rico em proteínas, que leva à deposição de tampões proteicos espessos e à obstrução dos ductos pancreáticos pequenos. As alterações básicas nos casos de PA são: ❖ Extravasamento microvascular, causando edema. ❖ Necrose gordurosa causada por lipases. ❖ Reação inflamatória aguda. ❖ Destruição proteolítica do parênquima pancreático. ❖ Destruição dos vasos sanguíneos -> hemorragia intersticial. Na imagem: região de necrose gordurosa (à direita) e necrose parenquimatosa pancreática focal (centro). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Dor abdominal, náuseas e vômitos são os sinais/sintomas típicos da pancreatite aguda -> a dor abdominal é geralmente na região epigástrica e frequentemente irradia para o dorso, flanco e tórax. A dor é constante, atinge a intensidade máxima em 30-60min e persiste por dias. Em cerca de 20% dos pacientes com PA, têm evolução grave. ❖ A dor deve ser diferenciada das dores que apresentam outras causas, como úlcera péptica perfurada, cólica biliar, colecistise aguda com ruptura e oclusão dos vasos mesentéricos com infarto intestinal. Alterações do exame físico -> febre, taquicardia, hipotensão, hipersensibilidade grave à palpação do abdome, angústia respiratória e distensão abdominal. Macicez à percussão dos campos pulmonares inferiores pode ser observada em decorrência de derrame pleural. A PA plenamente desenvolvida constitui uma emergência médica de 1ª magnitude -> as pessoas afetadas geralmente apresentam um início súbito e calamitoso de “abdome agudo”, com dor e ameaçadora ausência de sons intestinais. As manifestações da PA grave são atribuídas à liberação sistêmica de enzimas digestivas e à ativação explosiva da resposta inflamatória. A avaliação clínica inicial pode revelar leucocitose, coagulaçãointravascular disseminada, síndrome da angústia respiratória aguda (devido ao dano alveolar difuso) e necrose gordurosa difusa. O colapso vascular periférico (choque) pode rapidamente se seguir como resultado do aumento da permeabilidade microvascular e da consequente hipovolemia, combinada com a endotoxemia (a partir da interrupção das barreiras entre a flora gastrointestinal e a corrente sanguínea), e insuficiência renal devido a necrose tubular aguda. COMPLICAÇÕES As manifestações clínicas como sede, débito urinário reduzido, taquicardia crescente, taquipneia, hipoxemia, agitação, confusão mental, nível crescente de hematócrito e inexistência de melhora dos sintomas nas primeiras 48h são sinais indicativos de doença grave iminente. As complicações são reação inflamatória sistêmica, síndrome de angústia respiratória aguda, necrose tubular aguda e falência de órgãos. Um distúrbio importante associado à pancreatite aguda é perda de grande volume de líquidos para os espaços retroperitoneal e peripancreáticos, e para a cavidade abdominal. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de PA exige 2 dos seguintes sinais/sintomas: ❖ Dor abdominal característica de pancreatite aguda. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Níveis séricos de amilase e/ou lipase 2-3x acima do limite superior do normal. ❖ Achados característicos de pancreatite aguda na US, TC contrastada ou na RM transabdominal. Essa definição possibilita que os níveis séricos de amilase e/ou lipase sejam inferiores a 3x o limite superior normal na pancreatite aguda. ❖ Em uma pessoa com dor abdominal característica de pancreatite aguda e níveis séricos de enzimas inferiores a 3x o limite superior normal, a TC é imprescindível para confirmar o diagnóstico de pancreatite aguda. LABORATORIAIS A contagem de leucócitos pode estar aumentada e os pacientes podem ter hiperglicemia e níveis altos de bilirrubina no soro. Além disso, achados laboratoriais incluem amilase sérica marcadamente elevada nas primeiras 24hs, seguida de crescentes atividades de lipase sérica. ! Estudos recentes enfatizaram o uso de biomarcadores potenciais para prever a gravidade e o prognóstico dos pacientes com pancreatite -> um estudo avaliou o tripsinogênio-2 e as proteases pancreáticas envolvidas nos processos de autodigestão. Outros marcadores sorológicos experimentais são TNF, PCR, procalcitonina, fosfolipase A2 e IL-8 e IL-10. EXAMES DE IMAGEM US abdominal -> confirma o diagnóstico de PA ao documentar aumento pancreático, edema ou acúmulo de líquido peripancreáticos associados. ❖ É mais acurada na identificação de um ducto biliar comum dilatado em pacientes com pancreatite por cálculos biliares. TC -> é mais acurada que a US para confirmar o diagnóstico, bem como na documentação de necrose pancreática e acúmulos de líquido peripancreáticos, mas é menos precisa na identificação de cálculos biliares. ❖ As TC não são necessárias rotineiramente em todos os pacientes com pancreatite aguda, mas devem ser realizadas quando o diagnóstico não é claro e em pacientes que apresentam um primeiro episódio, doença grave, complicações sistêmicas ou doença que demora a melhorar. RM -> é equivalente à TC em sua capacidade de documentar PA, identificar necrose e diagnosticar/descartar outras doenças que podem mimetizar PA. Após a confirmação do diagnóstico de pancreatite aguda, os pacientes são classificados com base na gravidade da doença. A Atlanta Criteria Revision de 2012 classifica a pancreatite aguda como leve, moderadamente grave ou grave. ❖ Leve -> é a forma mais comum. Não há falência de órgão nem complicações locais/sistêmicas. Pacientes com essa forma de PA geralmente melhoram na 1ª semana. ❖ Moderadamente grave -> é definida por falência transitória de órgão (com duração <48hs) e/ou complicações locais (coleções de líquido peripancreáticas, necrose pancreática e peripancreática, pseudocisto e necrose encistada). ❖ Grave -> é definida por falência persistente de órgão (duração >48hs). A classificação de Atlanta para PA foi revisada em 2012 e feita uma distinção importante entre coleções compostas somente de fluido versus aquelas que surgem da necrose e contêm um componente sólido (e que também podem conter quantidades variáveis de fluido). PA edematosa intersticial -> é a forma branda da doença que geralmente é resolvida na 1ª semana. A principal característica é o aumento local/difuso do pâncreas sem a presença de necrose. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Esse aumento é decorrente do intenso processo inflamatório causando edema intersticial ou peripancreático. PA necrosante -> é a forma com pior prognóstico, caracterizada por inflamação com consequente necrose de tecido pancreático ou peripancreático. O prejuízo à perfusão pancreática e os sinais de necrose peripancreática evoluem ao longo de vários dias. PANCREATITE CRÔNICA A pancreatite crônica é caracterizada por inflamação de longo prazo que leva à destruição do pâncreas exócrino, seguida eventualmente pela perda das células de Langerhans. Vale ressaltar que episódios recorrentes de pancreatite aguda, independentemente da etiologia, podem evoluir ao longo do tempo para uma pancreatite crônica. A maioria dos fatores que causam pancreatite aguda também pode acarretar pancreatite crônica. Entretanto, a diferença principal entre essas duas condições é a irreversibilidade da perda da função pancreática, que é típica da pancreatite crônica. EPIDEMIOLOGIA É difícil determinar a etiologia da pancreatite crônica, mas provavelmente varia entre 0,4-5% da população dos EUA. A prevalência nos países ocidentais como um todo é de cerca de 25- 30 por 100.000 pessoas, com uma incidência estimada de 4-14 casos/100.000. Existem diferenças regionais na prevalência de pancreatite crônica por etiologia. A pancreatite relacionada ao álcool é mais comum no Ocidente e no Japão, em comparação com outros países asiáticos. Brasil -> a doença é bastante encontrada, sobretudo porque o consumo de álcool entre nós é muito elevado, especialmente da cachaça, bebida de preço insignificante e alto teor alcoólico. ❖ Segundo a Revista Veja, o consumo médio, apenas de destilados, por brasileiro/ano é de 9,9L. Só somos ultrapassados pelos japoneses, letões e russos. ETIOLOGIA De longe, a causa mais comum de pancreatite crônica é o consumo abusivo de álcool por longo período de tempo. Os homens de meia idade constituem a maioria dos pacientes. As causas menos comuns de PC incluem: Obstrução ductal -> a obstrução de longo prazo do ducto pancreático, como por exemplo, por pseudocistos, cálculos, neoplasias ou pâncreas divisum. Pancreatite tropical -> uma disfunção heterogênea mal caracterizada observada na África e Ásia, com um subgrupo de casos que apresentam uma base hereditária. Pancreatite hereditária -> devido a mutações no gene do tripsinogênio pancreático (PRRS1) ou no gene SPINK1, que codifica o inibidor da tripsina. Pancreatite autoimune -> é uma forma patogenicamente distinta da PC que está associada à presença de plasmócitos secretores de IgG no pâncreas. É uma manifestação da doença relacionada com IgG que pode envolver múltiplos tecidos. É importante ser reconhecida porque responde à terapia com esteroides. Cerca de 40% dos indivíduos com pancreatite crônica não apresentam fator de predisposição reconhecível. Estudos recentes também identificaram polimorfismos em genes que codificam enzimas pancreáticas exócrinas, incluindo carboxipeptidase A1 (CPA1) e lipase (CEL), que podem conferir maior suscetibilidade à pancreatite crônica. Etilismo e tabagismo -> o risco depende da dose, mas gradualmente exige a ingesta sustentada de 4-5 doses de álcool por dia por mais de 5 anos. O tabagismo aumenta o risco de PC em 2-3x, com efeito dose-dependente. FISIOPATOLOGIAO estudo dos mecanismos da doença é limitado. No entanto, independente da etiologia subjacente, parece haver uma via comum de um insulto inicial com lesão, seguido por uma tentativa de cura por meio de fibrose e regeneração. Por isso, todas as causas da pancreatite crônica acabam produzindo características semelhantes, incluindo perda e lesão de células acinares, ilhotas e ductais, com fibrose e perda da função pancreática. Várias hipóteses são propostas: Obstrução ductal por concreções -> muitos dos agentes causadores da PC (ex.: álcool), aumentam a concentração proteica das secreções pancreáticas, e essas proteínas podem formar tampões ductais. Tóxico-metabólica -> agentes tóxicos, inclusive o álcool e seus derivados metabólicos, podem exercer efeito tóxico direto sobre as células acinares, causando acúmulo de lipídios, perda das células acinares e consequente fibrose parenquimal. Estresse oxidativo -> o estresse oxidativo induzido pelo álcool pode gerar radicais livres nas células acinares, causando lesões à membrana e subsequente expressão de quimiocinas, como a IL-8, que recruta células inflamatórias. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA O estresse oxidativo também promove a fusão de lisossomos e grânulos de zimogênio resultando em necrose de células acinares, inflamação e fibrose. Ativação inapropriada de enzimas pancreáticas -> devido a mutações que afetam os genes anteriormente mencionados. Em contraste com a PA, uma variedade de citocinas pró- fibrogênicas – como o fator de crescimento transformador beta (TGF-β), o fator de crescimento do tecido conjuntivo e o fator de crescimento derivado das plaquetas – é secretada na pancreatite crônica pelas células imunes infiltrativas, como os macrófagos. ❖ Essas citocinas induzem a ativação e a proliferação de miofibroblastos periacinares (“células estreladas pancreáticas”), que depositam colágeno e originam a fibrose. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A pancreatite crônica evidencia-se por episódios semelhantes aos da pancreatite aguda, embora com menor gravidade. Os pacientes têm episódios persistentes e recidivantes de dor no epigástrio e no QSE; em geral, esses episódios são desencadeados por ingestão excessiva de álcool ou alimentos. Anorexia, náuseas e vômitos, constipação intestinal e flatulência são queixas comuns. Manifesta-se por surtos repetidos de icterícia transitória, vaga indigestão ou por dores abdominal e nas costas persistentes/recorrentes, ou pode ser totalmente silenciosa até causar insuficiência pancreática ou DM (destruição das ilhotas). ! Alguns pacientes apresentarão inicialmente um episódio de PA, mas outros terão PC óbvia em sua primeira apresentação. Se a dor for episódica, o paciente pode ser rotulado como tendo pancreatite aguda ou um surto agudo de pancreatite crônica. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da pancreatite crônica requer alto grau de suspeita clínica. Durante uma crise de dor abdominal, pode haver febre branda e elevação modesta de amilase sérica. No entanto, na doença em estágio terminal, a destruição dos ácinos pode ser tão avançada que as elevações enzimáticas estão ausentes. Os níveis de glicose estarão elevados em pacientes com insuficiência endócrina. ! Os níveis séricos de amilase/lipase não são úteis para o diagnóstico. O diagnóstico pode ser suspeitado com base nas manifestações, mas deve ser confirmado por exames que identificam danos estruturais ao pâncreas ou distúrbios na função pancreática. Todos os exames de diagnóstico são mais acurados quando a doença está muito avançada e todos são muito menos acurados nos estágios iniciais da doença. O diagnóstico é estabelecido na maioria dos pacientes por TC ou RM, mas, quando o paciente tem uma síndrome de dor intensiva sugestiva de PC com TC ou RM normal, a RM com secretina-CPRM ou a US endoscópica são as melhores opções. EXAMES DA ESTRUTURA PANCREÁTICA Radiografia simples de abdome -> pode demonstrar calcificação pancreática difusa/focal em pacientes com PC avançada. US abdominal -> é de utilidade limitada, porque o gás sobreposto muitas vezes limita a capacidade de visualização do pâncreas. Um ducto pancreático anormal, calcificações pancreáticas, atrofia da glândula ou alterações na ecotextura são observados em 60% dos pacientes. TC -> é o exame de imagem mais amplamente usado para PC, com obtenção de imagens de alta qualidade do pâncreas e ducto pancreático. Os achados típicos incluem ducto pancreático dilatado, calcificações ductais ou parenquimatosas e atrofia. RM -> possibilita imagens detalhadas do pâncreas e a adição de CPRM possibilita uma avaliação ainda melhor da morfologia do ducto pancreático. RM com secretina-CPRM é mais sensível para detectar as alterações iniciais da PC do que a TC. US endoscópica -> possibilita imagens detalhadas do parênquima hepático e do ducto pancreático. PROVAS DE FUNÇÃO HEPÁTICA Para uma PFP, um tubo é passado para o duodeno, onde secreções pancreáticas são coletadas por 1h em alíquotas de 15min e analisadas quanto à concentração de bicarbonato após uma dose suprafisiológica de secretina ser administrada. Um exame normal é definido por pelo menos uma das amostras com uma concentração de bicarbonato de 80 mEq/ℓ ou mais. A PFP torna-se anormal mais cedo no processo da doença do que qualquer outro exame, por isso é mais adequada para diagnosticar PC no início de seu curso clínico. No entanto, não está amplamente disponível ou não é solicitada.
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